Saiu de uma Junta de Freguesia há quatro meses e já está disponível para uma Câmara, a de Lisboa. Pedro Costa diz em entrevista ao Observador que, com Marta Temido à frente do PS Lisboa, o seu nome não era “prioritário” para uma lista onde queria constar num lugar cimeiro: a lista candidata à câmara. Agora já mostrou a sua disponibilidade ao novo presidente da concelhia.
Deixou o mandato a meio em Campo de Ourique por causa dos “choques” com a câmara e foi para o privado de onde está já a preparar-se para sair. “Tendo eu o enquadramento familiar que tenho, as nomeações não deviam ser um caminho pelo qual eu quisesse seguir”, diz o dirigente do PS que é filho de António Costa para explicar o caminho que seguiu:”Tendo renda para pagar, como toda a gente, teria que trabalhar”. Agora quer voltar à política e já aponta a Carlos Moedas e à “mediocridade de vida de low cost” que diz ver na Lisboa da sua gestão.
Também fala de presidenciais e coloca Mário Centeno como um dos socialistas mais bem posicionado para 2026. E no Orçamento do Estado assume uma linha diferente da direção socialista: defende que o PS não entre sequer em negociações, se o Governo não ceder no IRS e no IRC.
Disse que com o discurso de Luís Montenegro na festa do Pontal, do PSD, terminou “qualquer hipótese de negociar o Orçamento”. Onde é que leu isto nas palavras do primeiro-ministro?
O que me parece claro das palavras do primeiro-ministro é a indisponibilidade do Governo para negociar. Não haver nenhuma referência ao Orçamento de Estado no discurso é um sinal, e é um sinal forte. E o caminho de apontar — e sem nenhuma vontade — a transformar estruturalmente o país, sem tomar nenhuma medida estratégica demonstra que a sua preocupação é puramente eleitoral. Ou seja, mais do que aquilo que materialmente o primeiro-ministro diz sobre a política é a forma como se posiciona na tática que demonstra que o Governo já só pensa em eleições.
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Pedro Nuno Santos disse que a medida do apoio aos idosos, que foi anunciada pelo Governo “é parte de uma estratégia do PSD para trazer ganhos eleitorais no curto prazo”. Que eleições é que há no curto prazo? É Pedro Nuno Santos que fala nisso, não Luís Montenegro…
É Pedro Nuno Santos que fala nisso, mas reagindo ao primeiro-ministro. O Governo, que é quem apresenta a proposta de Orçamento, é na verdade quem servirá o queijo. A questão não é quem tem a faca e o queijo na mão, é quem serve o queijo. É o Governo que trará para cima da mesa aquilo que é proposta de Orçamento que permitirá governar o país no próximo ano. Ora, a intenção do Governo é não negociar de todo com o PS, como parece, e, como vai sinalizando, com a preocupação apenas em tentar pescar à linha — no que já parece pesca de arrastão — tocando vários eleitorados e tentando aumentar a sua diferença eleitoral, numa eleição que parece estar disponível para provocar muito em breve. Independentemente de serem os partidos da oposição que votarão e podem porventura precipitar uma crise orçamental, é o Governo que com maior facilidade pode empurrar o país para essa situação. E parece ser esse o caminho. Parece que Montenegro está já a jogar duas jogadas à frente disso e, portanto, trabalhando para o seu resultado eleitoral de umas eleições que, para já, não vemos.
Os socialistas também parecem estar a preparar-se para saltar fora desse arco de negociação que foi aberto pelo Governo…
Mas eu não vejo esse arco ter sido aberto. Vamos lá ver: houve uma reunião que foi marcada entre o primeiro-ministro e o secretário-geral do PS, à qual o primeiro-ministro faltou, julgo eu, por razões de saúde, mas tanto quanto eu sei, não há nova reunião marcada.
Mas há essa intenção de marcar uma reunião para setembro. O PS não acredita que isso vá acontecer?
Não sei, não sei. Não sei se o PS acredita. Eu sei que o PS está disponível para isso. Aquilo que eu ouvi, e atenção, vamos lá ver, a minha opinião é minha e não vinculo o PS. Eu tenho uma posição sobre o Orçamento que não é exatamente aquilo que tenho ouvido dizer da direção nacional do PS.
Era melhor o PS pôr-se à parte desta discussão e chumbar o Orçamento?
Acho que se o Governo insiste, como insiste, na matéria do IRC e na matéria do IRS jovem,
o Partido Socialista terá muitas dificuldades em encontrar esse caminho. Parece-me que o secretário-geral…
Deve dizer já que chumba o Orçamento, se essas duas condições não estiverem garantidas?
Parece-me que a direção do PS mantém uma esperança, e a informação que a direção do PS terá, que eu não tenho, é que há uma disponibilidade ainda para negociar até estas duas linhas vermelhas. O Governo fala como se não existisse, mas parece que pode haver. Não me parece que o secretário-geral do PS tenha feito esse caminho de se pôr fora. O secretário-geral do PS tem feito o maior dos esforços para abrir esse caminho de negociação e tentar dar ao país um Orçamento para o próximo ano. Até porque os sinais que chegam de Belém também não são muito animadores. Esta ideia fantasiosa do Presidente que parece ir sugerindo que o país poderá funcionar em duodécimos, também me parece o mais absoluto disparate.
Não é possível?
Não percebo como é que é possível. Isso acho mesmo um absurdo.
Então a solução para si, é chumbar o Orçamento e ir para eleições?
O país ser governado dois anos em duodécimos acho que é o pior que os políticos podem prestar ao país.
Mas para si a solução seria chumbar o Orçamento e ir para eleições.
Mantendo o governo as linhas vermelhas com o IRC e com o IRS jovem, não abrindo espaço a uma negociação real e credível com o Partido Socialista… o Governo pode sempre ir a entender que o Chega concorda com as suas posições fiscais. O programa do Governo é muito mais próximo do programa do Chega em matéria fiscal e em matéria económica do que do PS.
Portanto, eu também não percebo esta ideia de que tem que ser o PS a aprovar um modelo no qual o Governo insiste, sabendo que é um ponto brutal de confronto político, não é de tática, é de visão de como transformamos o país. Se o Governo acredita mesmo que transformará o país através do IRC é com o Chega que deve procurar entendimentos. Agora, se o orçamento não for aprovado, aquilo que me parece é que o país deve ir para eleições. Percebo a ideia de que o eleitorado possa estar saturado sobre esse assunto, agora, ficarmos 24 meses a ser governados em duodécimos, não me parece que seja acreditar que há algum programa de transformação para o país. Não podemos manter o Governo dois anos em gestão, isso é um absurdo.
o Partido Socialista terá muitas dificuldades em encontrar esse caminho" de negociar o Orçamento
Sem cedência no Governo na questão do IRS e do IRC, o PS nem tem de negociar? Deve chumbar o Orçamento?
Não vejo como é que é negociável. Com o custo que essa medida tem estrutural no Orçamento de Estado, esse custo vai ter que vir de algum lado. E vem sempre do mesmo sítio. Ou vem das prestações sociais, ou do serviço público, ou dos vencimentos e das pensões.
Das pensões não parece vir porque Luís Montenegro já disse que a atualização automática é para prosseguir e deu agora um cheque aos pensionistas.
Não sei… mas isso é em novembro, mas talvez seja por isso. É só o one-shot à medida dos pensionistas, porque se calhar o próprio primeiro-ministro sabe que poderá ter de vir a cortar à frente.
Na festa do Pontal, Montenegro comprometeu-se com a atualização automática das pensões.
Achei isso um gracejo muito… O primeiro-ministro pode ter memória curta, mas os portugueses não têm. Há matérias com as quais os políticos devem ter cuidado com a forma como brincam. E quem foi líder parlamentar de um governo que tentou mais do que uma vez cortar permanentemente as pensões — o Governo de Passos Coelho do qual Luís Montenegro era o primeiro suplente da equipa — e em que isso só não aconteceu porque foi chumbado no Tribunal Constitucional mais do que uma vez, começar logo com um gracejo sobre isso parece-me do pior gosto político que já vi.
Em 2022 o Governo socialista deu um apoio extraordinário de 125 euros a todos os contribuintes e mais meia pensão aos reformados. Em 2023, fez um aumento intercalar das pensões. Essa também era uma estratégia eleitoral?
Os aumentos intercalares das pensões eram reconhecer uma justiça e uma situação financeira que é estrutural. Os apoios extraordinários decorrem de uma situação extraordinária de duas formas. Primeiro, combater e permitir às famílias terem uma resposta para o período de inflação que vivíamos todos, e portanto era uma medida generalizada, ao contrário do que acontece com esta medida. E há uma outra diferença que é: essa medida era a distribuição de um saldo extraordinário fiscal resultado da inflação. Ou seja, havia uma receita extraordinária por conta do aumento dos preços que o Governo entendeu que era de justiça social distribuir. Coisa que não acontece neste momento. Os aumentos das pensões foram, julgo eu, seis aumentos extraordinários de pensões, mas que foram definitivos.
Aqui não estava a falar no Orçamento do Estado, estava a falar destas medidas one-shot.
Mas são de distribuição da inflação.
Mas na verdade também foram apontadas na altura como extremamente eleitoralistas por parte da oposição. A estratégia, no fundo, é a mesma, é isso? É contra a medida para as pensões mais baixas?
Não sou… Este tipo de medidas devem ser sempre focadas nas pensões mais baixas. Quando falamos de dignidade nas pensões e na vida dos pensionistas falamos de aumentos estruturais, não falamos de dignidade das pensões por medidas one-shot. Dito isto, é mau? Não diria que seja exatamente mau. Agora, tem custos no Orçamento de Estado, tem uma grande abrangência. Pelas contas que vi, também não são exatamente apenas as mais baixas, é uma medida mais generalizada. Aquilo que eu acho — e acho nas pensões como acho nas carreiras — é que quando discutimos dignidade dos pensionistas e dos trabalhadores da administração pública devemos sempre discutir nem medidas one-shot, nem aumento de subsídios, nem revisão de subsídios mas sim aumento dos vencimentos e das pensões.
O PS está incomodado por ver a sua própria estratégia a ser seguida.
Não, isso o secretário-geral, aliás, já se pronunciou. Se a pergunta é para o PS, para o PS é fácil: o secretário-geral já se pronunciou. A medida devia ser um aumento estrutural das pensões e não uma medida…
Mas não chega a atualização automática?
A partir do momento em que aceitámos todos que a atualização automática não se fez, íamos discutir de que modo deve ser feita porque o motivo pelo qual também foi feito o aumento de meia pensão e não a aplicação da lei foi porque se entendeu que com o quadro de inflação que existia não se podia aplicar aquela lei. Mas então a lei tem que ser revista e parece-me que não devíamos esperar outra vez pelo momento de uma inflação que torne impossível aplicar a lei e manter a sustentabilidade da Segurança Social para fazer a revisão da lei. Pensar estrutural e estrategicamente o país não era anunciar uma medida como esta, era anunciar a revisão da lei, porventura. Mas lá está, eu acho que o Governo não tem ideia nenhuma para a lei.
Se o PS está convencido que há uma vertigem do PSD por eleições — e parece-me que isso fica também claro aqui nesta entrevista — porque é que o PS vai negociar o Orçamento do Estado?
O meu pessimismo não estrutura o pensamento do PS. Tenho uma opinião que vai num sentido. Há outras visões, e têm sido públicas, de outros dirigentes do partido que pensam de forma diferente. Aquilo que me parece é que a posição do Secretariado Nacional e do secretário-geral vai na linha de não presumir e não atuar com má fé, tentando precipitar o país para uma crise, por ver do outro lado essa má fé do governo.
O seu nome tem sido apontado para a corrida autárquica do próximo ano. Está disponível para se candidatar nas autárquicas, e em que Câmara e a que posto?
Tenho ouvido várias notícias e é sempre simpático ver que há camaradas meus que reconhecem esse valor, que há um crédito na opinião pública associada às minhas hipóteses para a vida autárquica. Mas a verdade é que, por muito que possa haver projetos desafiadores e que seja obrigação dos militantes e dos dirigentes do PS aparecer e darem a cara nos combates onde possam ter melhores resultados num ciclo autárquico, será difícil para mim desligar-me da minha terra. A vida autárquica é também de relação com a sua terra e eu não tenho outra, tenho Lisboa, é o meu sítio, é a minha cidade e, portanto, sinalizei ao recém-eleito presidente da concelhia de Lisboa a minha disponibilidade para ser candidato a vereador. Todos os militantes do PS devem estar disponíveis para contribuir para uma grande vitória nesse dia. E a construção dessa alternativa em Lisboa e em muitas cidades do país, em particular nas grandes cidades, nas capitais de distrito e em algumas cidades com mais de 100 mil habitantes, esse trabalho tem de começar já. É a marcação de um programa diferente, de um programa moderno, de uma forma diferente de ver as cidades e as comunidades. As autárquicas não são só eleições de discussão daquilo que são as cidades, mas também das suas comunidades, das suas gentes. E, portanto, esse caminho é um caminho que começa já. Demonstrei a minha disponibilidade ao presidente da concelhia.
E ao secretário-geral do partido também demonstrou essa disponibilidade?
Não chateio o secretário-geral do PS com estas matérias. Agora, conheço há muito tempo o secretário geral do PS e acho que conhece as minhas ambições em relação à cidade de Lisboa e como elas são bastante circunscritas nesse território.
A sua disponibilidade para uma candidatura é para um lugar elegível, imagino.
Bom, há decisões que dependerão da concelhia. Se a concelhia tiver essa vontade, eu terei essa disponibilidade.
Vontade para o ter num lugar de topo da lista?
O importante é que o PS construa uma lista que represente as várias tendências da cidade, as várias áreas de atuação da Câmara Municipal que está abandonada e que permita revitalizar, não só dar a ambição ao PS de ganhar as eleições já no próximo ciclo, mas devolver à cidade de Lisboa a ambição que merece e não esta mediocridade de vida de low cost, de ser só uma cidade barata para concorrer, porque nós sabemos como é que funcionam as low cost. O bilhete é barato porque tudo se paga à parte e neste momento é o que se vive em Lisboa.
Ficou à frente da junta de freguesia de Campo do Ourique na sequência da saída do então presidente. Quando foi a eleições, depois disso, ganhou por apenas 25 votos. Deixou esse mandato a meio, em abril passado, para ir para o privado, para diretor-geral de uma agência de comunicação, mas na verdade já procura voltar a um cargo executivo na política. Porquê é que agora os eleitores vão acreditar que é para ficar?
Vamos lá ver, isso é uma avaliação que terá de ser feita coletivamente. E eu quando digo que a vontade da concelhia é a vontade da concelhia é também por isso. A política tem muitos desafios, causa muito desgaste, tem um impacto grande na vida pessoal, mas eu acho que quem gosta e quem acredita verdadeiramente no serviço público nunca sai da política de ânimo leve e portanto não é fácil essa saída da política.
Mas na verdade saiu e há poucos meses.
Saí há poucos meses, demiti-me das funções que exercia como presidente da Junta de Campo de Ourique, depois de dez anos de funções executivas, sete em Campo de Ourique a tempo inteiro por decisão minha. E mesmo quando dizem “saiu para ir para o privado”, não há nada na lei que impeça os presidentes de junta de acumularem outros trabalhos com a sua função. Auto-impus-me ao longo da minha vida em matérias políticas que, para me dedicar ao meu bairro, o faria sempre a tempo inteiro. Agora, mais do que o limite dos mandatos sempre disse isto: acho que o limite dos mandatos para um autarca deve ser quando chega ao seu limite de identificar problemas, encontrar soluções. Quando se esgota a criatividade para resolver problemas, chegámos ao nosso limite. Não quero especular, mas a verdade é que alguma coisa no meu processo mental devia estar certa quando eu entendi que o melhor para a freguesia era a minha saída, visto que, desde que saí, a Câmara Municipal já encontrou uma solução para um pavilhão desportivo, que a Câmara entendia que era absolutamente impossível de construir, apesar de o projeto estar feito. O mesmo com o parque de estacionamento. Lançou também a recuperação de uma escola. E o centro de saúde, que a Câmara deixou caducar à adjudicação no início deste mandato e que finalmente está lançado.
O problema não era o PS, era o Pedro Costa, é isso?
Não sei, não me vou perder em especulações. O que eu sei é que, neste momento o PS tem um caminho…
Mas está a dizer isso. Não quer concretizar essa ideia? Porque é que acha que isso se passou assim?
Não sei, o que acho é que há uma falta de fiscalização do que é a atuação do executivo municipal, não só na relação com as freguesias, mas também no estado financeiro da Câmara Municipal, na total inação em todos os planos. A Câmara não exerce as suas competências, não planeia o seu futuro e não fiscaliza a vida da cidade. Espero que o problema não seja o Pedro Costa, acho que isso é um absoluto desvalor da democracia.
Assumiu esse cargo no privado, pelos vistos já com a ideia de concorrer às autárquicas em Lisboa, uma ambição que nunca escondeu. Porque é que acha que é difícil bater Carlos Moedas nesta eleição?
Acho que não é difícil.
Se for eleito para a Câmara, terá de sair do cargo que ainda agora ocupou. Portanto, se ainda agora ocupou o cargo, se calhar não está à espera de ser eleito para a Câmara…
Saí da Junta de Freguesia num quadro político que não é exatamente o que temos hoje. O PS de Lisboa mudou agora de presidente e eu, quando saí da Junta de Freguesia, não tinha nenhum motivo para entender que o PS Lisboa pudesse ver o meu nome como prioritário. Hoje voltei à Comissão Política, voltei ao Secretariado da Concelhia.
Com Marta Temido não tinha esse caminho aberto?
Nunca tive essa conversa com a Marta Temido, não achei que tivéssemos que a ter, não havia motivo para que ela acontecesse. Agora, parecia-me óbvio que a Marta Temido tinha outras prioridades. Legítimas, sem nenhuma mágoa. Sempre entendi que, justa ou injustamente, tendo eu o enquadramento familiar que tenho, as nomeações não deviam ser um caminho pelo qual eu quisesse seguir. Nunca tive, como lhe disse aqui algumas vezes, interesse pela vida parlamentar. Tenho renda para pagar, como toda a gente, e infelizmente não tem melhorado essa circunstância ao longo deste mandato de Carlos Moedas, antes pelo contrário, e, portanto, saindo de uma função que ocupava a tempo inteiro, teria que trabalhar.
O seu contexto familiar, só para ficar claro, é porque é filho de António Costa.
Sim, sou filho do ex-secretário-geral do Partido Socialista. E, portanto, quando saí da junta de freguesia, e é isso que vale a pena clarificar, não tinha nenhum motivo para achar que seria, ou que poderia vir a ser candidato às próximas autárquicas. Neste momento, aliás, também não dou por certo que seja. Agora, sempre entendi e sempre o disse, que para mim a vida política são estados. Portanto, a pessoa passa, é eleita, cumpre o seu mandato e, quando cessa as suas funções, é natural que vá procurar trabalho no privado. Foi o que eu fiz, não sei o que é que isto tem assim de tão estranho.
O Tribunal Administrativo de Lisboa decidiu há duas semanas que a Câmara Municipal vai ter de pagar uma coima de mais de um milhão de euros pela cedência de dados de manifestantes anti-Putin pelo executivo anterior, é a herança mais pesada deixada por Fernando Medina?
É um processo difícil, difícil, que teve um grande impacto eleitoral. Fernando Medina, não tenho dúvidas disto, foi julgado pelos eleitores também por este processo. Em termos financeiros, o milhão de euros não tem nenhum peso nas contas da Câmara Municipal.
Moedas tem dito que tem.
Um milhão de euros é um valor tão ridículo, quando o total do orçamento da Câmara são 1.500 milhões de euros. Estamos a falar de 0.01 ou menos do que isso do orçamento da Câmara. Só no último ano a Câmara Municipal pediu empréstimos, por puro erro de gestão financeira e falta de planeamento, de mais de 40 milhões de euros de juros. Só de juros. Estamos a falar de empréstimos que não chegam aos 150 milhões de euros e que vão pagar 40 milhões de euros de juros. Por um motivo, porque a Câmara desperdiçou as linhas Covid que existiam, desperdiçou dinheiro do PRR, nomeadamente para a recuperação das escolas e não há nenhuma nova linha de instrumento de financiamento junto do BEI. Portanto, há uma sequência de erros da gestão financeira que já é um clássico da pesada herança que o PSD deixa ao PS na Câmara Municipal, seja agora, seja depois. Mas mais trapalhada, menos trapalhada, e portanto eu aí posso compreender o paralelo, o doutor Santana Lopes e o engenheiro Carmona Rodrigues tinham uma ideia do que queriam para a cidade, tinham uma ideia global do que queriam para a cidade e tinham eixos estratégicos pelos quais a cidade caminharia. Carlos Moedas só nos deixa verdadeiramente duas coisas: uma música infantil sob o plano geral de drenagem e o TikTok. O TikTok é de facto uma inovação do presidente da Câmara. O Fernando Medina não tinha. E portanto hoje temos um presidente de Câmara com dancinhas que dá saltinhos, que sai de joelhos detrás de um pano dos mágicos americanos. Isso realmente é a grande inovação de Carlos Moedas e aquilo que verdadeiramente passa o seu dia a fazer e que só foi filmado uma vez para o TikTok é contar aquilo que inaugura de Fernando de Medina.
Mas a questão dos manifestantes anti-Putin é uma boa memória para os lisboetas?
Não.
É um peso que vão ter de levar para eleições?
É um mau procedimento administrativo, resultado de uma dificuldade criada pela extinção dos governos civis que a lei nunca resolveu, portanto é um mau procedimento administrativo que ficou dentro da Câmara, de um processo que corre dentro dos serviços. Não é responsabilidade direta do Presidente da Câmara, mas Fernando Medina disse, e eu acho que é aquilo que um autarca acaba a fazer sempre, que a responsabilidade última de um procedimento administrativo, especialmente com este nível de delicadeza, é sempre do Presidente da Câmara.
E que socialista é que ficará melhor no Tik Tok do futuro Presidente da Câmara, se for socialista? Já disse que Mariana Vieira da Silva e Alexandra Leitão são ambas boas candidatas, mas estão as duas no mesmo patamar?
Qualquer uma delas seria excelente presidente da Câmara de Lisboa e ficarão com certeza muito melhor a resolver o problema de total ausência de planeamento que Carlos Moedas nos deixa para o futuro do que no Tik Tok. Tenho a certeza que essa será a prioridade delas e de todos os socialistas que forem autarcas no próximo mandato. O abandono no planeamento que Carlos Moedas deixa à cidade faz com que não só estes quatro anos sejam quatro anos perdidos, como os próximos quatro podem sê-lo se o PS não tiver a oportunidade de atalhar, pôr mãos ao caminho e retomar e voltar a pôr a Câmara a funcionar.
Alexandra Leitão que é neste momento líder parlamentar do PS, não tem já uma tarefa de peso em mãos?
Claro que tem, tem uma tarefa hercúlea, acho que dependerá muito da vontade dela estar ou não disponível, que eu não sei se está.
E ter alguém com uma ambição política semelhante à de Pedro Nuno Santos, que é o caso de Alexandre Leitão, que o assumiu com clareza, e a ganhar preponderância dentro do Partido Socialista também não é um risco?
O mundo é sempre injusto, está-me a pedir que eu avalie a minha professora de Direito Administrativo e, portanto, eu fico sempre com algumas dificuldades. Acho que esse processo é injusto. Tenho um temor reverencial à Alexandra Leitão. A Alexandra Leitão é um dos quadros mais bem preparados do PS, tal e qual como é a Mariana Vieira da Silva. São mulheres jovens com muitos anos de política pela frente e, portanto, terão com certeza grandes serviços a prestar ao país dentro daquilo que são também as suas vontades. Ninguém ganha eleições sem as querer ganhar e portanto eu acho que a vontade é absolutamente determinante. A disponibilidade acho que é uma obrigação. Não sei se estão ambas disponíveis porque, de facto, Alexandra Leitão já carrega um peso pesado às suas costas com a liderança da bancada.
E algumas das duas faria melhor a ponte com a esquerda do que Duarte Cordeiro, por exemplo?
Duarte Cordeiro seria o candidato óbvio para todos nós, até por motivos emocionais e de cultura do partido em Lisboa, mas tem sido absolutamente claro nas suas respostas e portanto eu também já não perco muito mais tempo nessa resposta. Acho que a esquerda tem de se unir em torno de um programa mais do que em torno de um rosto, acho que temos de saber construir um programa moderno e que responda àquilo que temos neste momento na cidade, que é uma cidade de exclusão, é uma cidade apenas para alguns. A esquerda tem de saber construir uma cidade para todos, que inclua e não uma cidade que exclua. Uma cidade ambiciosa e que dê aos seus moradores, àqueles que nasceram, que cresceram, que cá escolheram viver, que cá constituíram as suas famílias ou que o querem fazer, terem a ambição de saber que este é um sítio que é para todos, desde que cá queiram viver e queiram desenvolver esta cidade e viver aqui em comunidade. Este deve ser o foco da esquerda. O PS é o grande partido da esquerda e deve encabeçar esse movimento. Não me parece que seja um problema de rosto, honestamente, é um problema de programa que tem que ser construído. Com as prioridades óbvias.
Mas para os grandes partidos de esquerda, evidentemente que esse também será um ponto da negociação, e a negociação já está a existir e só PCP parece por-se à margem de um acordo. É desejável que o PCP se junte?
Venham todos, venha quem vier por bem, são todos bem-vindos a esse caminho. O PS só conquistou a Câmara de Lisboa com os votos à esquerda. Acho que também caberá aos partidos da esquerda decidirem se querem fazer parte dessa construção ou se têm como ambição para o próximo ciclo autárquico ser a bengala de Carlos Moedas. Isso é a escolha que cabe a cada partido da esquerda. O PS ocupará o seu espaço, terá um programa moderno para transformar a cidade e devolver a cidade a todos.
É isso que o PCP faz se ficar fora de uma coligação. É ser a bengala de Carlos Moedas?
É o risco que corre. Eu espero, e acho que os lisboetas aliás o farão, é simplesmente castigar o PCP por essa opção. Mas o risco estrutural em que o PCP deixa a esquerda e a cidade principalmente, é condenar a cidade a mais quatro anos de Carlos Moedas, mas isso é uma escolha. Já há gente que chegue a opinar na tomada de decisões do PCP com tomadas de decisão tão coletivas, não precisam também da minha opinião.
Na última semana, Mário Centeno deu uma entrevista ao Expresso onde não se excluiu de uma decisão em matéria de presidenciais. O mandato de governador do Banco de Portugal acabará precisamente no momento dessa decisão. Este nome passa diretamente para o topo da tabela socialista relativa às Presidenciais de 2026?
Claro. As sondagens que têm andado a ser feitas sobre presidenciais, são sondagens que incluem uma série de candidatos que não estão disponíveis, são sondagens que não servem para nada. Testam o Presidente do Conselho Europeu, testam o Secretário-Geral das Nações Unidas. São pessoas que não estão disponíveis, portanto a sondagem não têm nenhuma importância. Não temos dados concretos para analisar o potencial de Mário Centeno. Na minha opinião é um dos socialistas mais bem preparados para… vamos lá ver, como diz um amigo meu muitas vezes, não sei se Mário Centeno é socialista de cartão ou se é só socialista de coração mas é um dos socialistas mais bem posicionados para a candidatura presidencial.
E é um nome que seria facilmente aceite numa frente de esquerda? Sobretudo quando foi ministro das Finanças durante tensas negociações de vários orçamentos do Estado?
Eu diria que o Mário Centeno, nesse ciclo da geringonça, demonstrou a capacidade de negociar à esquerda. Acho que é a capacidade de fazer pontes à esquerda que fica demonstrada por Mário Centeno.
A questão é se a esquerda à esquerda do PS acham mesmo, não é? Têm essa mesma perspetiva. O que eu lhe estou a perguntar é isso. Acham que têm?
Acho que terão essa disponibilidade se for caso disso. Ao contrário do que acontece com as eleições autárquicas, a forma como os partidos se juntam e somam os seus eleitorados tem um impacto muito maior do que nos presidenciais onde a Constituição exige a ponderação de uma segunda volta e portanto não ganhando ninguém à primeira volta, há um segundo momento onde se pode concentrar o voto. E eu parece-me que se chegarmos a esse momento, Mário Centeno será sempre um nome que une a esquerda. Eu não sei quem será o candidato da direita, mas tenho a certeza que não há ninguém de esquerda que prefira o candidato da direita a Mário Centeno. Essa parte tenho a certeza.
Mas une mais a esquerda, é mais capaz de unir a esquerda do que António Vitorino ou Augusto Santos Silva?
Acho que o António Vitorino é outro dos grandes candidatos que o Partido Socialista pode ter às presidenciais, sem querer contribuir para a festa e para a festança, mas o António Vitorino é sempre um grande candidato.
Mas há mais nomes falados. Santos Silva ou Carlos César são…
Acho que Carlos César não está disponível.
A minha questão é se nestes nomes que aparecem se tem uma preferência. E até naquilo, porque o PS está há 20 anos fora da presidência da República. Pode ficar mais dez? Centeno é o melhor colocado para quebrar esse ciclo?
Não tendo dados para adivinhar, eu diria que ou Mário Centeno ou António Vitorino seriam os nomes mais bem colocados. Agora, aquilo que é claro é o PS tem de ter uma estratégia para as eleições presidenciais, que por diversos motivos não conseguiu construir nos últimos 20 anos e nunca conseguiu criar condições para ganhar as eleições. E a direita também tinha candidatos muito mais óbvios do que tem hoje: Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa são sempre candidatos muito mais fortes do que qualquer dos candidatos que se posicionaram agora.
Luís Marques Mendes?
Claro, com certeza, do que Luís Marques Mendes, do que Paulo Portas, do que Pedro Passos Coelho, com o seu apoio do Chega, tudo isso são nomes mais frágeis do que eram os nomes de Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa.O PS tem de ter, de facto, uma estratégia para eleger um presidente à esquerda.
Mas que estratégia é essa?
É não dividir o eleitorado PS em dois candidatos, por exemplo acho que o Partido Socialista dividir-se em dois candidatos é um erro claro.
Foi um erro cometido pelo anterior secretário-geral, do seu ponto de vista?
Nas últimas eleições o problema não se pôs, não houve dois candidatos da área do PS.
Mas houve na anterior eleição.
Sim, mas acho que o PS não apoiou nenhum dos candidatos nessa fase também. Não tenho presente que a questão seja uma questão que venha do Secretariado Nacional. Acho que houve também uma indisponibilidade de vários dos atores para procurar um consenso, coisa que não me parece que vai existir neste momento. Não me parece que António Vitorino e Mário Centeno ou Santos Silva ou Carlos César ou Duarte Cordeiro — porque é que ainda não falámos de Duarte Cordeiro para as eleições presidenciais? — não tenham como prioridade encontrar um caminho comum para que a esquerda tenha um presidente em Portugal na próxima década.