Pode parecer uma contradição, mas Pedro Gomes apressa-se a dizer que não o é. O economista escolhido pelo Governo para coordenar a implementação do projeto-piloto da semana de quatro dias no setor privado continuou a trabalhar cinco dias por semana durante a experiência. O contrato entre o IEFP e a Birkbeck, Universidade de Londres estabeleceu que a primeira entidade pagaria à segunda para que libertasse 20% do tempo do professor de forma a que pudesse dedicar-se ao projeto. O mesmo para Rita Fontinha, co-coordenadora, da Henley Business School.
“Não recebemos dinheiro, mas libertou-nos a nossa ‘sexta-feira’ — o nosso quinto dia para tentar mudar o mundo. Nada mau como uso do tempo livre”, diz Pedro Gomes, em entrevista ao Observador. Os resultados preliminares do projeto-piloto que arrancou oficialmente em junho já são conhecidos e apontam para melhorias nos níveis de ansiedade e stress, assim como na conciliação entre a vida familiar e profissional dos trabalhadores. Também houve quem tivesse aproveitado para se dedicar a uma segunda atividade, uma preocupação que tem sido manifestada por sindicatos em Portugal e não só — 15% dos cerca de 200 participantes que responderam ao inquérito já tinham um segundo emprego antes, mas metade desses 15% passou a dedicar-lhe mais tempo por ter o dia livre. Para o economista, isso não subverte o objetivo do modelo dos quatro dias, que “dá liberdade” aos trabalhadores para fazerem o que quiserem com o seu tempo.
Não foi tudo positivo nestes seis meses, mas Pedro Gomes diz que também não esperava que fosse. As empresas tiveram de fazer adaptações, nem sempre fáceis nem bem aceites pelos trabalhadores, nos processos — menos reuniões e mais curtas, blocos de tempo em que ninguém pode ser interrompido, emails mais precisos — e na “cultura organizacional” — menos pausas ou mais curtas para café, cortar nas conversas futebolísticas. É o “preço a pagar” pela eficiência e o dia extra, atira Pedro Gomes, que adianta que as empresas encontraram outras formas de fomentar o convívio.
A semana de quatro dias teve uma forma muito diferente para cada empresa e 25% dos trabalhadores indicaram mesmo que, ao fim dos três meses, não conseguiam usufruir, ou quase nunca usufruíam, do dia livre. “Há pessoas que utilizam a sexta-feira para acabar qualquer coisa. Isso faz parte” do processo de adaptação, defende.
O economista de 42 anos revela ainda que “a maior parte das empresas não teve de contratar” para se adaptar à semana de quatro dias, que o projeto com 21 empresas (outras 20 implementaram de forma autónoma fora dos prazos do piloto) “não justifica” mudanças generalizadas na lei e que, em abril, quando apresentar o relatório final apenas vai “reportar o que aconteceu” e as “avenidas para o futuro”, mas não dar “indicações concretas”. E reitera: “A forma como a humanidade trabalha é simplesmente insustentável”.
O relatório sobre o projeto-piloto da semana de quatro dias mostrou uma redução dos níveis de stress e ansiedade nos trabalhadores, menos problemas de sono, mais de 90% das empresas mostraram satisfação com a experiência. Se assim é, porque é que não há mais empresas a experimentar a semana de quatro dias?
Essa é a grande questão e foi o que sentimos muito durante este projeto. O que faz parte da natureza da inovação, do empreendedorismo, é criar e experimentar coisas novas: criar novos produtos, novos processos, testar novos materiais, novas técnicas de publicidade. E as empresas, sobretudo as grandes, fazem isto a toda hora com gastos financeiros, arriscando com novos produtos que podem não funcionar, mas quando chega a hora de testar novas formas de trabalho nem sequer experimentam.
Têm receio que isso tenha custos acrescidos?
Mas, lá está, quando lançam um novo produto e fazem um grande investimento a preparar um novo produto, isso também envolve custos e o retorno é incerto. O exemplo é a questão do trabalho remoto. Já existia toda a tecnologia antes da pandemia, existia a investigação — um economista muito famoso de Stanford, Nicholas Bloom, dizia que a produtividade ou se mantinha ou podia mesmo aumentar e que o teletrabalho trazia muitos outros benefícios, mas as empresas não experimentavam. E não é só em Portugal. Nos EUA, antes da pandemia, só 7% dos dias de trabalho eram remotos. Durante a pandemia, subiu para 60 e tal por cento, depois desceu para 30% e agora estabilizou à volta dos 28%, 30%. O que é que se alterou? As empresas foram forçadas a experimentar durante a pandemia e viram as vantagens, os inconvenientes também, mas viram que é uma boa prática de gestão, um utensílio que podem ter para valorizar o trabalho do ponto de vista do trabalhador e, em muitos casos, sem prejudicar a produtividade. Acho que a semana de quatro dias é precisamente a mesma coisa. Mas em todo o mundo já há quem esteja a começar a experimentar e veem-se os benefícios também para as empresas.
As empresas preferem esperar primeiro pelos resultados.
Sim, mas a verdade é que existe esta dificuldade e o grande mérito do projeto-piloto feito como foi feito, sem subsídios nem apoio financeiro às empresas, foi apenas demonstrar que é praticável em Portugal, que é uma prática de gestão legítima, que pode trazer benefícios às empresas e nós esperamos que depois de abril do próximo ano, quando entregarmos o relatório final, possa encorajar mais empresas a testar, sobretudo as grandes empresas.
Os dados iniciais revelados em março deste ano [num evento de apresentação organizado pelo Governo] mostravam que 100 empresas tinham mostrado interesse, depois algumas foram desistindo. Na fase da preparação chegou a dizer que o teste iria abranger 46 empresas e 20 mil trabalhadores. Afinal, foram cerca de 300 trabalhadores e 21 empresas. Porquê esta diferença?
Nós temos muito cuidado com aquilo que escrevemos. Mas muitas vezes as interpretações feitas por jornalistas não são…
Um teste com 21 empresas
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Das 46 empresas que tinham passado à segunda fase do projeto-piloto da semana de quatro dias, a da preparação, apenas 21 avançaram para a fase de implementação (20 começaram em junho e uma em julho); outras 20 já tinham começado a adotar o modelo antes, de forma autónoma, mas também puderam aceder a ajuda técnica dada pela coordenação do projeto.
Foi um erro de interpretação? Vários jornais escreveram com base no que disse.
O que nós dissemos é que havia algumas grandes empresas [incluídas nos números]. Logo no primeiro artigo que escrevi, referi que uma empresa de mil trabalhadores não iria fazer um teste com todos os trabalhadores. Não faz sentido. Nós dissemos às grandes empresas que deveriam escolher um departamento que fosse representativo para começar a testar — e temos, por exemplo, a Simoldes, que fez um teste. Em 30 trabalhadores, escolheu algumas funções e experimentou.
Portanto, os 20 mil eram o universo potencial.
Quando nos pediram a caracterização das empresas, qual o tamanho, dissemos a dimensão das empresas e depois fizeram a soma, viram 20 mil e disseram 20 mil trabalhadores. Saiu uma notícia num órgão de comunicação e depois já sabe, todos copiam da mesma notícia.
Saíram várias notícias, porque foi dito que iriam participar 46 empresas e 20 mil trabalhadores.
Não, não. Estas 46 empresas tinham 20 mil trabalhadores, mas — “vírgula” — nas grandes empresas, ter todos os trabalhadores a participar não faria sentido. Aliás, quando se fala em projeto-piloto, a ideia não foi implementar a um grande número de empresas, nunca foi esse o objetivo. Era estudar a implementação e estudar implica sempre poucas empresas. Se fossem 20 mil trabalhadores, acho que seria um erro enorme.
Nas grandes empresas há uma maior dificuldade em implementar um teste porque seria mais difícil controlar e adaptar os processos?
Sim. É mais complexo numa grande empresa, têm de escolher um departamento que seja representativo. Posso dar o exemplo histórico de Henry Ford, que foi dos pioneiros que implementou a semana de cinco dias quando o resto da economia estava organizada em seis. Ele teve três anos a experimentar em vários departamentos — cinco dias, seis dias, cinco dias, seis dias. E ao fim de três anos disse: ‘Eu consigo produzir mais carros organizando o trabalho em cinco dias do que antes organizava em seis’. Mas lá está, foi por experimentação e foi para uma grande empresa, que era a Ford na altura. É muito mais complexo nas grandes empresas, sem dúvida.
Na semana passada — não foi reportado pelo Observador e aqui em Portugal, mas teve um grande impacto lá fora — a Lamborghini, em Itália, fez um acordo coletivo com os sindicatos para passarem a trabalhar uma semana de quatro dias alternada com uma semana de cinco dias, ou para alguns trabalhadores que têm turnos noturnos, uma semana de cinco dias com duas semanas de quatro dias. Isto foi uma redução de tempo de trabalho efetivo e no mesmo pacote de acordo coletivo há um aumento salarial. Portanto, foi negociado com os sindicatos e a empresa. Já há empresas que estão a ir nessa direção porque veem as vantagens para os trabalhadores. A Lamborghini também tem dificuldades de recrutamento para um trabalho que é difícil, muito especializado, e quer manter os trabalhadores.
As influências de Keynes e Samuelson
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Pedro Gomes tem 42 anos e é economista e professor na Birkbeck, Universidade de Londres, cidade onde mora atualmente. Licenciou-se no ISEG, doutorou-se na London School of Economics e morou sete anos em Madrid, onde deu aulas na Universidade Carlos III de Madrid. Dá aulas de macroeconomia e economia do trabalho e tem trabalho publicado na área do emprego e salários públicos.
A ideia de se debruçar sobre a redução dos tempos de trabalho foi aguçada com um artigo de 1929 de John Maynard Keynes, onde defendia que o progresso tecnológico levaria a humanidade a consumir mais mas também a trabalhar menos. E ia mais longe: em 100 anos passaríamos a trabalhar 15 horas por dia. Até agora a previsão não se concretizou e é provável que também não venha a acontecer nos próximos anos, mas a ideia inquietou Pedro Gomes.
Num Natal de 2019, sentou-se a pensar nos argumentos a favor, investigou, leu e encontrou em Paul Samuelson, Nobel da Economia, e no prefácio do livro “Four Days, Forty Hours”, de 1971, um apoiante. “Pelo menos, tinha atrás de mim o pai da economia moderna. Aí comecei a pensar nos argumentos, a escrever. Veio a pandemia e tinha seis horas por dia, quando o mundo estava todo virado do avesso, em que estava apenas concentrado a escrever”, conta, ao Observador.
A teoria dos livros levou-o à prática do projeto-piloto da semana de quatro dias, o primeiro que ajuda a implementar.
Portanto, as empresas em vez de darem aumentos salariais podem estar a atrair trabalhadores com a semana de quatro dias?
Sim, é uma alternativa. Tem de se ver o pacote, é um conjunto: o salário, as condições de trabalho, a possibilidade de promoção. No projeto, e era uma linha vermelha, não podia haver corte salarial. Muitas empresas, sobretudo as mais pequenas, não têm capacidade financeira para aumentar os salários, não conseguem, mas querem valorizar, não querem perder trabalhadores para grandes empresas que podem pagar salários mais altos e estão a utilizar a semana de quatro dias como uma alternativa, porque traz valor aos trabalhadores. É esse benefício mútuo que queremos salientar no projeto.
Mas porque houve tantas empresas que não quiseram avançar, que receio mostraram?
O estudo tem 41 empresas que já implementaram ou de forma permanente ou estão a testar a semana de 4 dias.
No projeto-piloto propriamente dito são 21 [mais 20 que implementaram autonomamente].
Sim, 21 coordenaram esse começo em junho deste ano. O projeto começou mais cedo, mas como não havia incentivo financeiro, as empresas nunca tiveram de assinar nada. Tivemos sessões para apoiar as empresas na parte técnica.
Não havia uma imposição quanto à modalidade a adotar.
Só foram selecionadas as que não cortaram salários e reduziram efetivamente o tempo de trabalho. Sabíamos antes que há empresas que já o fazem e há empresas que implementaram de forma independente do projeto — por exemplo uma muito noticiada foi a 360 imprimir, que é a maior empresa em Portugal que está a testar e foi assessorada pela Deloitte. Participaram no início, a contar a história deles, que foi muito importante, mas fizeram a experiência de forma independente, tal como outras empresas. Fizemos as sessões e houve empresas que quiseram começar mais cedo, ou seja, tiveram acesso aos materiais dos nossos parceiros da Four-Day Week Global, mas quiseram começar em março ou logo em janeiro.
Há um ano com a semana de 4 dias, 360imprimir viu faltas ao trabalho cair para metade
Mas daquelas que foram às sessões e não quiseram avançar, que receios é que mostraram?
A grande maioria foi a questão do timing. O projeto começava em julho, era rígido por causa da avaliação, mas não podemos estar à espera eternamente de empresas. É este o prazo, tivemos o timing e achámos que era suficiente para algumas empresas. Entre as que não participaram, há empresas que estavam a mudar de instalações, outras que tinham um novo projeto. A vida das empresas não lhes permitia porque, de facto, envolve mudanças, esta preparação é difícil, é mudar a forma de organizar o trabalho. Tivemos três meses com sessões quase semanais e muitas reuniões individuais, envolveu organização das equipas, definição do formato, como é que se comunica aos clientes, aos trabalhadores, como é que se definem métricas de produtividade. São muitas questões que se põem para preparar bem o teste. E as empresas viram a dimensão. Conseguem perceber os benefícios, muitas delas dizem que vão tentar começar em 2024 ou 2025.
“A maior parte das empresas não teve de contratar” para se adaptar à semana de quatro dias
Não há ainda nenhuma indicação de como é que evoluiu a produtividade no relatório. Tem já alguma indicação?
Posso perguntar qual é a sua definição de produtividade?
Varia muito entre as empresas.
Quando nós experimentamos qualquer coisa, temos de ter medidas objetivas e foi muito isso que pedimos às empresas, que definam métricas para avaliar se o teste foi bem sucedido ou não.
Uma responsável de uma creche, na apresentação do relatório, dizia que foi difícil definir essas métricas e perguntava: o que é que é a produtividade numa creche, é o número de fraldas que se mudam? Neste caso, como se mede?
Esta discussão da produtividade é muito importante. Na discussão pública toda a gente fala de produtividade, mas toda a gente tem noções ligeiramente diferentes. A definição oficial pelo Instituto Nacional de Estatística de produtividade é: valor acrescentado por hora trabalhada. Valor acrescentado são vendas menos outros custos para a empresa e dividido pelo número total de horas trabalhadas. Só vamos ter informação sobre isto muito mais tarde.
Depois de abril?
Provavelmente depois de abril. O nosso plano é transmitir os dados ao Instituto Nacional de Estatística para anonimizarem e poderem fazer a ligação com as bases de dados oficiais e então aí podemos ver. As empresas definiram métricas, mas têm uma visão muito mais operacional do que é a produtividade. Em alguns departamentos é fácil medir a produtividade, por exemplo, call centers — o número de chamadas chamadas feitas e a taxa de sucesso —, mas em muitos outros é difícil e a semana de quatro dias obriga a pensar em termos operacionais: o que é de facto o nosso trabalho, o que é o output? O que é o output de um jornalista? É o número de minutos da entrevista ou é o número de visualizações? Obriga a empresa a pensar o que é importante para cada área, mas sempre na perspetiva do output e não das horas trabalhadas. É precisamente por ser difícil que nós, e muitos gestores, associamos a produtividade ao número de horas trabalhadas.
Para que indicadores vão olhar?
As empresas vão olhar para muitos indicadores, alguns de ordem financeira. Por exemplo, há empresas que já ofereciam aulas de pilates à hora da almoço e que deixaram de o fazer. Podem poupar noutros custos para a empresa e isso, no final, aumenta a produtividade, porque é redução de custos — a produtividade pode aumentar não necessariamente aumentando as vendas mas reduzindo outros custos intermédios, de energia, de recrutamento, etc. Também há indicadores operacionais — muitos utilizaram inquéritos aos clientes para ver se estão satisfeitos. Outras métricas foram: quantas pessoas é que saem da empresa? O que é que está a acontecer às demissões, ao número de candidaturas espontâneas?
Empresas satisfeitas, mas há exceções
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A grande maioria das empresas participantes (95%) faz uma análise positiva da experiência. Mas duas empresas não — uma está a reestruturar os processos e vai começar a estudar um novo formato; a outra, apesar da motivação dos trabalhadores em quererem apresentar propostas de melhorias e métricas de avaliação, “os gestores nunca permitiram a apresentação por parte dos colaboradores nem por parte dos responsáveis do projeto”, refere o relatório apresentado na terça-feira.
Pelo menos uma empresa, uma creche, teve de contratar mais uma pessoa para se adaptar à semana de quatro dias. Isso foi geral?
A maior parte das empresas não teve de contratar para fazer um teste.
Das 21 quantas tiveram?
A única que eu sei foi a [creche] Caminhos de Infância. Não posso garantir que seja a única, porque nós não perguntámos, vamos perguntar no último inquérito. Mas a maior parte das empresas não têm de contratar mais trabalhadores. O que pode acontecer é que, numa fase inicial, vê-se que não é preciso contratar, mas depois podem chegar ao fim dos seis meses e ver que a experiência correu muito bem nisto e naquilo, mas não aqui, logo, temos de contratar e isso significa um gasto financeiro. Agora, posso garantir que não é preciso contratar 20% mais trabalhadores, mesmo para as empresas que reduzem 20% do tempo de trabalho. A creche contratou um trabalhador em 22, foi um aumento de 4,5%. Já a redução das horas semanais foi de 15% porque passaram a trabalhar mais meia hora por dia nos outros dias. A questão é como é que numa creche se aumenta a produtividade por hora. Voltamos aos problemas que as empresas enfrentam.
Um dos problemas deste setor é o absentismo. Na creche trabalham, sobretudo, mulheres de 20, 30 anos que têm os próprios filhos e que muitas vezes têm de faltar porque o filho está doente ou tem de ir ao médico. Isto faz parte. Há muitos setores como lares de terceira idade, mesmo fábricas, em que os níveis de absentismo são altos. Aqui em Portugal, a creche já tinha mais trabalhadores porque já tinham de prever que os trabalhadores podiam faltar. Por já terem mais pessoal como backup em salas, uma trabalhadora que estava na secretaria passou a ter multifunções. Sei que os sindicatos, de facto, não gostam muito dessa polivalência.
Passou a cuidar das crianças?
A creche tinha a secretaria aberta a semana toda para os pais, mas não era necessário, os pais podem tocar à porta em vez de estar alguém sempre na secretaria. Reduziram o tempo de contacto com os pais para a segunda de manhã. A trabalhadora faz uma parte de trabalho de secretaria e depois se for preciso vai apoiar as colegas. Fica como backup. E, agora, as trabalhadoras, quando não podem vir num dia trocam o dia livre através do WhatsApp.
Delegam as responsabilidades nessa trabalhadora?
Não, trocam o dia livre. Por exemplo, não podem ir nesta quarta, mas sabem que há uma pessoa de folga nesse dia e trocam, como fazem os médicos, os enfermeiros. É muito normal. Portanto, mudou a organização. Em vez de irem todas trabalhar sete horas por dia, cinco dias por semana, vão trabalhar sete horas e meia por dia, quatro dias por semana e depois quando não podem vir, trocam. Isto, claro, só funciona se o sistema pegar e as trabalhadoras mantiverem essa organização.
Há sempre o número de educadoras suficiente durante toda a semana para garantir a segurança das crianças?
Sim, por causa disso, só tiveram de contratar mais uma pessoa. Eu acho que é muito importante esta quantificação. Porque muitas vezes, de forma simplista, dizem “preciso de contratar mais 20%” — que também é um argumento utilizado por sindicatos a favor da semana de quatro dias, que vai reduzir o desemprego. Mas, na prática, isso não acontece, nunca é um aumento de 20%. Em muitos setores, não é preciso aumentar [a força de trabalho].
As empresas também relataram que, ao início, os trabalhadores tinham alguma desconfiança. Pensavam “já tenho tanto trabalho em 9 horas e 5 dias por semana”. O que é que responde às pessoas que se sentem sobrecarregadas e ouvem falar na semana de quatro dias?
A ideia é exatamente reduzir o stress. Muitos de nós sentimos que a forma como estamos a trabalhar é insustentável e isso reflete-se precisamente no aumento do burnout e do stress, que afeta também pessoas de topo. Na semana de quatro dias, a ideia não é fazer as mesmas coisas em quatro dias, não é comprimir o trabalho. A ideia é tentar trabalhar melhor. E é por isso que muito do foco que nós tivemos foi na mudança de processos.
À partida tem de ser uma empresa que esteja já disponível para essa mudança.
Sim, e é por isso que nós estamos a trabalhar. Tive cuidado, na apresentação, de dizer que os resultados não se podem generalizar. Estes resultados do projeto-piloto em si não podem justificar implementações mais gerais, porque estas empresas têm uma cultura diferente. São todas empresas especiais que inovam em tudo aquilo que fazem. É muito importante a mudança de processos e, para isso, é preciso uma mudança da cultura dentro da organização, é preciso todos mudarem e é preciso o tal esforço conjunto dos gestores, mas também dos trabalhadores. Esse envolvimento dos trabalhadores é uma das chaves da semana de quatro dias, conseguir alinhar os incentivos, pôr os trabalhadores a apoiar mudanças de processos, o que muitas vezes é muito difícil de fazer. Mudar uma organização, introduzir uma nova tecnologia ou um novo software, mudar as regras de funcionamento de uma instituição é dificílimo, porque há uma resistência sempre enorme dos trabalhadores.
Que tipo de adaptações tiveram de ser feitas? Reuniões mais curtas…
As reuniões é o número um. Tenho a certeza que muitos leitores do Observador — aliás, toda a gente — sabem que há uma pandemia de reuniões que demoram muito tempo, as pessoas chegam 10 minutos atrasadas, toda a gente perde tempo, convidam demasiadas pessoas, muitas vezes só bastava um e-mail. Há regras que estão definidas, se forem ver o Adam Grant [especialista em recursos humanos] no LinkedIn tem imensos posts sobre o que devem ser as reuniões. Melhorias que podem ser feitas: ter uma agenda fixa, ter notas que ficam guardadas para toda a gente poder ler, reduzir a duração da reunião de uma hora para meia hora, reduzir o número de reuniões. Logo aí são menos três horas por semana, por exemplo. Muitas vezes envolve usar melhor o software que se tem, trabalhar mais no que se pode automatizar. Às vezes, utilizar nova tecnologia.
Numa cadeia de restaurantes em Madrid, as pessoas passaram a pedir e a pagar por uma aplicação, mudou-se o menu dentro da cozinha para tornar tudo mais expedito. Um outro aspeto que me surpreendeu foi a criação de blocos de trabalho ao longo do dia. Ou seja, ter uma hora e meia do dia onde ninguém interrompe ninguém para o trabalho de foco em que se está concentrado, não há e-mails, não há interrupções. E ter duas horas para reuniões e trabalho de equipa ou uma hora para e-mails. É, sobretudo, evitar as interrupções, porque muita perda de tempo que existe, as ineficiências, é porque enviaram um e-mail a pedir qualquer coisa mas não dizem para quando e não dizem exatamente o que é e entra-se numa série de respostas. São coisas muito práticas e a ideia é sempre definição de mudanças de processos, ouvir os trabalhadores.
Na apresentação disse: “É preciso respeitar mais o nosso tempo e dos nossos colegas, é preciso chegar a horas às reuniões, como estava a dizer, é preciso não falar de futebol com os colegas ou [evitar] pausas para cafés mais longas”. Quão fácil foi dizer aos trabalhadores: evitem estes momentos de descontração?
Um bocado menos de um terço das empresas disse que foi um dos aspetos mais difíceis, essa mudança de cultura. É um preço a pagar. Mas é isso que nos torna eficientes.
Mas são momentos de descontração, onde às vezes nos ligamos aos nossos colegas.
Muitas vezes é um momento de pausa de que nós precisamos porque estamos cansados. Se calhar, tendo um dia de descanso, veem mais concentrados. Agora, há um aspeto importante que está relacionado que é a questão do ambiente de trabalho. E, de facto, é bom ter momentos de descontração…
E não é importante mantê-los?
Sim, e muitas vezes nós dizemos que isto é um dos problemas: termos de nos tornar mais eficientes, ter menos essas pausas, também podemos pôr em causa esses momentos de relação com os colegas. O que nós dizemos é que muitas vezes podem criar-se outros canais para fomentar essa ligação.
Como por exemplo?
Se não há trabalho a uma sexta-feira, por exemplo, a equipa pode organizar uma corrida à sexta-feira. Uma das soluções utilizadas foi a semana de quatro dias alternada com uma semana de cinco dias e algumas empresas tornaram as sextas-feiras em que todos estão em casa especiais porque têm tempo para eles, mas tornaram aquela sexta-feira onde estão todos na empresa também especial porque é uma sexta-feira diferente. Podem ter mais aspetos sociais ou irem almoçar juntos. Há empresas que começaram a dizer: “A partir de agora há pelo menos um ou dois dias em que vamos todos almoçar juntos”, precisamente para não perderem isso. Isso também é umas das preocupações com o trabalho remoto. Mas no final os trabalhadores sabem que vão ter aquele dia livre. Sim, a semana de quatro dias obriga todos a trabalharem de forma diferente e para alguns trabalhadores, de facto, há resistência e mesmo os sindicatos preferem muito mais a redução do dia de trabalho. Por exemplo, em Espanha vai ser legislado agora com o novo governo uma redução para 37 horas e meia, menos meia hora por dia. É continuar a trabalhar da mesma forma, mas um bocadinho menos. Mas a semana de quatro dias é mais transformadora para o trabalhador, porque vai ter mais dias livres, mas também obriga a essa mudança da forma de trabalhar e isso assusta. Várias empresas dizem que quando explicam aos trabalhadores eles não saltam logo.
Ficam com o pé atrás.
Não é com o pé atrás, mas pensam: será que conseguimos? Isto vai obrigar a mudar.
Nalguns casos, pode significar mais horas de trabalho diário e ouvimos na apresentação do relatório alguém que dizia que trabalhar mais meia hora por dia pode interferir com as rotinas dos trabalhadores, por exemplo, familiares.
Sim. A maior parte das empresas do piloto, não todas, mas uma grande maioria, passaram para uma quinzena de nove dias, alternaram uma semana de quatro dias com uma semana de cinco dias. Foi precisamente a fórmula que encontraram para reduzir para 36 horas, não aumentando a carga diária. Por exemplo, a 360imprimir, aumentou para 9 horas diárias, porque trabalham no formato remoto e já não há aquele tempo de deslocação. É preciso ouvir os trabalhadores quando se escolhe o formato que se quer experimentar. A decisão de participar ou não é de cima para baixo, mas depois, como é que se vai fazer? E há sobretudo mulheres que vão buscar os filhos à escola que não queriam mais meia hora, mas depois a questão da experimentação também é importante porque ter aquele dia livre, ou mesmo um dia a cada duas semanas, é transformador para a vida das pessoas.
Menos meia hora por dia não é transformador. Alivia um bocado, mas não é transformador. O dia livre é que dá escala para fazermos aquilo que queremos. Um dos trabalhadores dizia-nos que tinha de ir ao banco tratar de uma coisa do empréstimo e não tinha tempo. Durante três semanas, esteve sempre a pensar que tinha de o fazer e estava a trabalhar ao mesmo tempo. Com uma semana de quatro dias, resolveu. Isto para mostrar que ao termos aquele dia para resolver os nossos problemas, acabamos por voltar e trabalhar muito mais concentrados. Há esse medo de aumentar [o tempo de trabalho], mas aí é questão de cada empresa falar com os trabalhadores e tentar e ver qual é o formato que mais se adequa.
Quinze por cento dos participantes já tinham um segundo emprego antes da experiência, mas 7,5% passaram mais tempo nesse segundo emprego com a semana de quatro dias. Vimos isso noutros estudos: pessoas a aproveitar o dia extra para ter uma fonte de rendimento adicional. Isso não reverte o propósito da semana de quatro dias?
Não, a meu ver. É uma preocupação legítima e é uma preocupação também do lado dos sindicatos.
E das próprias empresas que dizem que o objetivo de darem a semana de quatro dias é terem os trabalhadores mais descansados.
Exato, eu tenho uma visão completamente diferente. Nós somos todos diferentes e podemos ter preferências diferentes em relação a quantas horas queremos trabalhar e a questão é: onde é que vamos ter mais liberdade? Vamos ter mais liberdade de trabalhar menos numa semana de cinco dias? Ou vamos ter mais liberdade de trabalhar mais numa semana de quatro dias? Numa semana de cinco dias é muito difícil trabalhar menos, tem que se passar a tempo parcial, que é raríssimo em Portugal e que envolve custos muito grandes, não só em termos de corte de salário, mas também na perda de possibilidades de promoção. Numa semana de quatro dias pode haver pessoas que queiram monetizar esse tempo livre. Não acho que seja um número excessivo. Quando houve a passagem de seis dias para cinco dias de trabalho nos EUA, pelo menos, algumas pessoas utilizavam esse dia para complementar os salários. Eu acho que não são muitos e, basicamente, têm a liberdade de trabalhar. Acho que é uma vantagem, porque vai permitir algumas pessoas começarem a própria empresa. Um dos argumentos que tenho no meu livro é que o tempo livre não é tempo morto para economia.
Mas conhece muitos casos de pessoas que tenham aproveitado para começar a própria empresa?
Aqui em Portugal, não, mas sei casos em França de uma empresa que implementou a semana de quatro dias e um dos trabalhadores passou a ter um negócio paralelo com a mulher de donuts gourmet. À sexta feira têm as encomendas, fazem os donuts. É muito difícil começar uma empresa e se vamos ao banco pedir financiamento para nos despedirmos e estar seis meses a lançar uma empresa, o banco provavelmente vai rejeitar. A semana de quatro dias permite ter esse tempo para desenvolver a empresa, desenvolver uma app. Acho que isso é muito importante mesmo para gerações mais novas. Também pode beneficiar setores sazonais, como a agricultura, que têm dificuldade em contratar. Trabalhamos tanto que nem sequer consideramos fazer estes trabalhos. Ao haver mais trabalhadores com mais tempo livre pode ser uma vantagem para setores que têm muita dificuldade em contratar. Eu vejo a questão de uma forma positiva: dá a liberdade. Claro que não queríamos que fossem 100% dos trabalhadores, isso claramente indicava que todos queriam trabalhar mais e utilizavam o tempo para trabalhar. Mas já, à partida, 15% tinham uma segunda fonte e 7% disseram que trabalham mais nessa segunda fonte, como freelancers ou um emprego esporádico. Acho que é normal, é o que se está à espera e acho que é bom.
Como os trabalhadores usufruem do dia livre
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Os trabalhadores relatam efeitos a nível de saúde mental, com o índice de ansiedade a diminuir 21%, a fadiga em 23%, insónias ou problemas de sono em 19%, estados depressivos em 21%, tensão em 21% e solidão em 14%. Já os níveis de exaustão caíram 19%. Além disso, a percentagem de trabalhadores que sente ser difícil ou muito difícil a conciliação entre trabalho e família desceu de 46% para 8%. Mais: 65% dos trabalhadores dizem ter passado mais tempo com a família 45% mais tempo com amigos. Já 20% têm mais tempo para atividades culturais, como ir ao teatro, ao cinema, a concertos ou exposições.
Além disso, 14,5% dos trabalhadores passaram mais tempo em atividades de estudo académico ou em ações de formação, e 4% em voluntariado. E mais de 20% dizem dedicar mais tempo à prática de exercício físico.
Mas qual é o perfil destes 7,5%? São pessoas que ganham o salário mínimo e que precisam dessa segunda fonte, ou são pessoas que não o fazem por necessidade?
Não analisámos esse dado, mas é interessante, vamos olhar. Mas sei que pelo menos alguns são trabalhadores com o salário mínimo que depois utilizam o dia livre para fazer limpezas. Já faziam antes e fazem provavelmente mais horas. Aqui há a preocupação do lado das empresas e é legítima, mas há a questão de onde é que vêm os ganhos de produtividade do lado das empresas? Vêm dos trabalhadores estarem mais descansados e isso pode sofrer, mas vem mais da reorganização do trabalho, que é ao nível da equipa e da empresa. Portanto, mesmo que alguns trabalhadores tenham uma segunda atividade e não haja aí ganhos de descanso para alguns dos trabalhadores, ainda existem os outros fatores, a tal reorganização.
Vinte e cinco por cento dos trabalhadores disseram que não conseguiam ter ou ter sempre a semana de quatro dias, ao fim dos primeiros três meses. Porque acha que isso aconteceu?
É normal. Em quase todos os pilotos, o primeiro mês de teste é caótico. É normal, nós avisamos logo: o primeiro mês vai ser caótico.
Porquê? Acumulação de trabalho, clientes que não estão satisfeitos?
Não, não. Com os clientes nunca foi um problema. Aliás, era uma das preocupações das empresas que não veio a realizar-se, foi muito fácil comunicar com o cliente. É mudar tudo, é quebrar os hábitos de antes e muitas vezes contamos que toda a gente esteja no escritório e alguns não vão estar. É muito nos primeiros meses que vêm à superfície as dificuldades e os problemas que têm de se resolver. É normal o primeiro mês ser caótico e algumas pessoas não conseguiram logo reduzir o horário ao fim de três meses. Vamos ver agora no final de seis meses, mas havia uma fração pequena que dizia que não achava que ia conseguir. E, aliás, à volta de 5% dos trabalhadores que já antes trabalhavam mais de 50 horas por semana continuaram a trabalhar 50 horas.
“Há pessoas que utilizam a sexta-feira para acabar qualquer coisa. Isso faz parte”
Quer dizer que nesses casos não houve mudanças? Não conseguiram adaptar-se?
Mesmo que tenham o dia, vão para casa e trabalham.
Isso quer dizer o quê? Não houve uma efetiva mudança naquela empresa?
Não, porque é uma minoria. Tenho a certeza que conhece alguém que trabalha mais horas do que as 40 que estão tabeladas e faz por gosto, aí não há nada a fazer. Não se vai obrigar as pessoas. Se querem trabalhar mais horas, trabalham. E a mim não me choca que uma minoria queira fazê-lo. O que interessa é que em média reduziu-se os horários de 41 para 36 horas.
Para 36 horas e meia, mais meia hora do que pretendiam. Isso preocupa-vos de alguma maneira?
Não, porque o ponto de partida eram as 41 horas. Nós fazemos esta distinção: uma coisa são as horas contratualizadas; outra coisa são as horas efetivamente trabalhadas. E o que nós sabemos é que em muitos setores trabalha-se muito mais horas que não são pagas. É por isso que aquela redução do dia de trabalho para muitas pessoas não vai afetar nada. Porque entre trabalhar oito horas ou sete horas e meia quando já se trabalha nove porque já se fica mais tempo no trabalho e não esse tempo não é pago como horas extraordinárias, aquela meia hora na prática não vai ter efeito. Mas isso já acontecia antes. Acho que 40% das pessoas antes trabalhavam mais de 40 horas.
É significativo.
A maioria reduziu um bocadinho, ainda há muitas que trabalham de 36 a 39 horas. Há pessoas que utilizam a sexta-feira para acabar qualquer coisa. Isso faz parte. É muito difícil de passar a reduzir logo e passar à semana de quatro dias. É normal. Mas ficámos muito satisfeitos com a efetiva redução reportada pelos trabalhadores, que é muito parecida com a reportada pelas empresas.
“O projeto não justifica uma implementação por legislação”
Há trabalhadores que relatam que, no dia de folga, recebem e-mail dos clientes e isso causa-lhes alguma ansiedade, que às vezes é muito imprevisível o dia em que folgam, não conseguem planear. Isso faz parte da adaptação?
Sim. Por exemplo, a quinzena de nove dias — alternar uma semana de quatro dias com uma semana de cinco dias — em grandes empresas, tem um formato diferente no departamento de recursos humanos e no departamento de informática, no call center, no laboratório. Muitas vezes na quinzena de nove dias é mais difícil esse planeamento, ou seja, eu quero planear um fim de semana em março, qual é o fim de semana que vou ter? Qual é o fim de semana em que tenho três dias e qual é que é aquele em que tenho dois dias? E de facto há dificuldade. Outra dificuldade na quinzena de nove dias pode ser mesmo a própria gestão do lado da empresa que pode ser mais complicada, é por isso que nós achamos que, no limite, a ambição é chegar aos quatro dias, 32 horas por dia, 8 horas por dia. É um passo intermédio, mas tem dificuldades.
Ainda estamos longe…
Mas estamos mais perto do que o ano passado.
O próximo governo deve dar incentivos às empresas para implementar a semana de quatro dias? Vão propor medidas no relatório que vão apresentar em abril?
Vamos discutir alguns caminhos para a frente. Nós tivemos sempre a perspetiva dentro do projeto que há a parte política, com o secretário de Estado Miguel Fontes e a senhora ministra Ana Mendes Godinho, e a parte técnica. Há sempre aquela separação. No relatório, vamos provavelmente discutir o que é que fazemos a partir daqui. O que é que não podemos concluir? Nunca podemos concluir com base no projeto como foi desenhado. Ou seja, o projeto não justifica uma implementação por legislação. Os argumentos para legislação teriam de ser outros, e não podem ser relacionados com o projeto porque é um projeto com 41 empresas que são especiais à partida e é muito sobre a prática de gestão. Se pensamos em legislação temos de pensar noutros argumentos: o que é que as empresas e os trabalhadores não estão a antecipar, os outros efeitos que tem para a sociedade, para a economia, que eu acho que são positivos. Quando escrevi o livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado”, defendo precisamente por legislação e apresento os argumentos, mas este projeto em si não justifica.
Então o que é que justificaria?
Este projeto é uma prova de conceito. Ou seja, nós o que vimos é que é praticável em Portugal, em vários setores. E explicamos como é que empresas o fizeram. Portanto, é uma prova de conceito e o que podemos concluir é que devemos encorajar — é essa a palavra que eu uso — outros organismos e, sobretudo, grandes empresas a testar a semana de quatro dias.
Quer mais empresas a testar antes de haver alguma proposta legislativa, é isso?
Legislativa que seja genérica, sim. Eu acho que é importante. Não quero dizer que não se possa defender, e eu acho que se pode, porque há outros argumentos para a semana de quatro dias implementada à escala da economia, mas não é este trabalho. É preciso separar. O que é que podemos concluir daqui? Acho que é importante encorajar as empresas. O facto de ter sido num ano difícil, de não haver nenhum subsídio às empresas e de mesmo assim ter havido empresas que adotaram a semana de quatro dias de forma independente é extremamente importante. Isso diz que o próprio mercado já tinha criado essa solução, já existiam sete empresas em Portugal antes mesmo do começo do projeto-piloto. O que nós fizemos ao longo destes meses foi apoiar empresas que tinham interesse, mas tinham algum medo de o fazer. Acho que foi o projeto certo na altura certa, que é exatamente quando está a nascer. E nasceu de uma forma natural. Acho que vai implicar haver alguma legislação não no sentido de implementação, mas de revisão do regime de trabalho, enquadrar uma redução do tempo de trabalho num regime que não existe. Já existe a semana concentrada — pôr 40 horas em 4 dias —, o tempo parcial, mas isto não é nenhuma das duas. Há muitos caminhos. Pode haver incentivos fiscais, pode tentar-se promover a semana de quatro dias por iniciativa europeia.
Por exemplo, um projeto-piloto à escala europeia?
Por exemplo. O governo belga também lançou um projeto-piloto.
Ao qual vai dar apoio técnico.
Estivemos em contacto, explicámos como é que fizemos. Fui à primeira sessão de lançamento com empresas explicar um pouco os resultados que tivemos em Portugal e descrever este processo. Também há no Brasil, mas aí não é através do governo, é através da Four-Day Week Global. Há várias formas de fazer.
Mas defenderia, por exemplo, um projeto-piloto em Portugal em que seriam dados incentivos financeiros às empresas para ver se respondem de maneira diferente?
É uma possibilidade. Mas eu acho que não me cabe a mim dizer. Há vários caminhos, todos têm vantagens e inconvenientes. Sobre a questão dos incentivos financeiros: precisa de um enquadramento legal mais forte, vai ser mais demorado.
Então não vão propor alterações legislativas em abril?
Eu sou economista, não sou jurista nem advogado. Nós vamos reportar o que é que aconteceu, se surgiram avenidas para o futuro, mas não vamos dar indicações concretas. Acho que há um piloto que está a ser estudado para o setor público.
Que não deverá avançar, pelo menos para já, devido à demissão do governo.
Sei que fizeram um inquérito e um relatório inicial, que dizia que para começar deveria ser em áreas onde há muito absentismo, para resolver os problemas. Fizeram um inquérito aos trabalhadores do setor público para perceber as formas de trabalhar e estavam a desenhar. Agora não sei como é que fica, mas acho que, tendo avançado no setor privado, faz todo o sentido também haver no público.
Sabemos que nos cargos de gestão e liderança tendencialmente há mais homens, mas os pedidos que vos chegaram de apoio técnico vieram sobretudo de gestoras, diretoras, líderes mulheres.
Para mim, é o aspeto mais interessante e eu acho que foi uma coisa muito importante. Normalmente temos tendência de tentar polarizar e ver clivagens — direita ou esquerda; empresários contra trabalhadores. Acho que a semana de quatro dias está acima dessas clivagens, há benefícios mútuos para as empresas e trabalhadores, não é de uma questão de esquerda nem de direita. É a melhor forma de organizar a economia. Onde eu acho que existe uma clivagem grande é na questão de género e idade, mas sobretudo género. As mulheres revelam muito mais interesse sobre a semana de quatro dias. Daquelas empresas iniciais que nos contactaram com interesse para saber mais do projeto, fomos contactados sempre por alguém em posição de chefia — administradores ou diretores de recursos humanos — e mais de 60% eram mulheres, quando nas empresas portuguesas só 27 % dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. As duas ministras que decidiram estudar a semana de quatro dias no setor privado e no setor público são mulheres.
Ana Mendes Godinho e Mariana Vieira da Silva.
Exatamente. Na equipa que trabalhou comigo, sem ser o secretário de Estado, entre as pessoas que trabalham no gabinete do secretário-estado ou as que trabalham na Four-Day Week Global, todas são mulheres e 70% dos trabalhadores destas empresas são mulheres.
Sem contrapartidas financeiras
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A fase de implementação do projeto-piloto da semana de quatro dias começou em junho e teve a duração de seis meses. Foi uma experiência voluntária e as empresas podiam desistir a meio se o entendessem (das que começaram em junho e julho nenhuma o fez durante o teste). O Estado não deu contrapartidas financeiras, mas apoio técnico e administrativo, com a ajuda de uma organização que se dedica a ajudar empresas a adota o modelo. Ainda assim, uma verba de 350 mil euros foi destinada ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para apoiar a implementação do programa.
“Com mais mulheres em cargos de liderança, a semana de quatro dias estaria muito mais avançada”
As responsabilidade domésticas e familiares ainda recaem muito sobre as mulheres. Saberem que terão um dia em que podem cuidar delas próprias ou ir às compras para no fim de semana terem mais tempo livre ajuda a explicar?
É exatamente por isso, e aqui é preciso voltar às mudanças estruturais que aconteceram nas nossas sociedades nos últimos 50 anos. São essas mudanças que eu acho que tornaram a semana de quatro dias a melhor forma de organizar a economia. Uma dessas mudanças profundas é o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. Há 50 anos, a grande maioria das mulheres trabalhava apenas na esfera da casa. Aliás, no meu livro, faço a referência àquela canção icónica da música portuguesa, “A Pouco e Pouca”, do José Cid, também conhecida como “Favas com Chouriço”. Sabemos que descreve bem o que era a vida: a mulher ficava em casa, tratava dos filhos, fazia a comida, o homem chegava, podia ter muitas horas de trabalho e depois era tempo de descanso, tempo para a família. Agora, as mulheres têm as mesmas horas de trabalho que os homens, 40 horas, as mesmas ambições, mas depois, quando chegam a casa é que tem de fazer o trabalho todo.
Ainda recai sobretudo sobre elas.
As estatísticas do uso do tempo em Portugal dizem que as mulheres trabalham mais uma hora por dia na parte doméstica. Isso quer dizer que as mulheres sentem muito mais a pressão do tempo, e isso obriga-as a serem muito mais conscientes do uso do tempo, muito mais eficientes e sentem muito mais a pressão que existe, daí esta abertura muito maior a organizar a semana de forma diferente. É mais insustentável para as mulheres a forma de trabalhar e eu acho que se houvesse mais mulheres em cargos de liderança na economia portuguesa, na política ou em cargos de poder de decisão, a semana de quatro dias, quer em Portugal, quer no mundo, estaria muito mais avançada.
A semana de quatro dias será uma realidade para as empresas no curto, médio ou longo prazo? Daqui a quantos anos é que será generalizada?
Pedir a economistas para fazer previsões… [risos]. O John Maynard Keynes, em 1929, fez uma previsão célebre: em 100 anos, íamos trabalhar 15 horas por semana. E acertou muita coisa, mas claramente nesta não.
Não estamos nem perto.
Mas é curioso. O prémio Nobel da Economia, Chris Pissarides, disse que o chatGPT ia permitir a semana de quatro dias. O presidente da JPMorgan disse que a próxima de geração de trabalhadores vai trabalhar não quatro, mas três dias e meio. E o Bill Gates também disse que não é três e meio, são três dias. É muito comum dizermos “toda a tecnologia que vamos inventar vai libertar o trabalhador no futuro”. Mas depois quando dizemos “mas então vamos mudar, vamos experimentar a semana de quatro dias com empresas”, respondem: Não, nem pensar, isso vai ser uma ruína. A questão é se, no futuro, vamos trabalhar quatro dias, e agora estamos a trabalhar cinco, como é que vai decorrer essa passagem?
E quanto tempo vai demorar.
E como é que vai começar?
Continuamos a trabalhar 41 horas por semana. Em quanto tempo é que vamos conseguir chegar à semana de 4 dias, e vamos conseguir chegar lá?
Eu não sei em quanto tempo, mas sei que estamos muito mais perto hoje do que estávamos o ano passado. Vai começar com 41 empresas que testam a semana de quatro dias. Se calhar, vai começar com diretoras financeiras multinacionais a reformarem-se aos 44 anos, porque valorizam o tempo.
E porque têm condições para isso, não seria qualquer pessoa a conseguir essas condições.
Claro, mas já está a indicar alguma mudança que pode vir ou das pessoas, ou das empresas. Existe essa vontade.
Uma mudança da mentalidade, da forma como usamos o nosso tempo…
Eu acho que é aquela sensação que ficou depois da pandemia. Como nós estamos a trabalhar é simplesmente insustentável. E nós continuamos sempre na nossa roda dos ratos. Muitas vezes gostamos daquilo que fazemos, vemos os outros a trabalhar mais, mais, mais. Acho que é comparar com o que era há 40 anos: houve uma intensificação enorme do trabalho, descansamos menos e temos menos tempo de descanso. Portugal é dos países que menos dorme, não fazemos desporto — no relatório dizemos que a percentagem de trabalhadores que nunca faz desporto por semana caiu para metade —, não lemos, temos problemas de sono, de stress, burnout, muitos divórcio, pouca fertilidade, que eu acho que está relacionado. Se calhar passado um ano do projeto piloto podemos ver se nasceram mais bebés. Mas eu acho que a forma como trabalhamos não é sustentável, temos de procurar uma forma melhor. Eu acho que é a semana de quatro dias, mas pode haver outras formas. Nós começámos por baixo, com muito trabalho, para conseguir levar estas empresas a testar. E estamos muito contentes da forma como decorreu.