Anos e anos depois de ter começado a sonhar com este momento, ele chegou: Pedro Nuno Santos é candidato a primeiro-ministro — mas os motores dessa candidatura ainda estão a aquecer. Com apoiantes dos dois lados da disputa interna a pedir que o congresso seja de paz para que o PS possa pensar sem distrações na campanha para as eleições legislativas, Pedro Nuno tem várias preocupações na cabeça: primeiro, retirar da pele o rótulo de “arrogante” e apresentar-se com humildade ao país; depois, preparar medidas concretas — e fazer gestão de expectativas — para o que aí virá. Uma coisa é certa: ninguém no PS lhe exige, para já, uma vitória confortável no dia 10 de março — e há quem antecipe “um ciclo Ferro Rodrigues”.
Em política, a gestão de expectativas pode ajudar a construir uma vitória ou a destruir um resultado. E, no caso de Pedro Nuno Santos, as expectativas eram muitas. Com uma candidatura que vinha sendo idealizada há anos, entre os apoiantes do agora candidato a primeiro-ministro chegou a sonhar-se com percentagens estrondosas, a superar os 70%. O resultado final (62%, contra os 36% de José Luís Carneiro), assim como diferenças mais curtas do que se esperava em distritos importantes, ajudou a moderar as expectativas e a “não permitir excessos de confiança”, como descreve um apoiante envolvido na campanha. E essa gestão de expectativas já se faz quando o assunto é o país, e não só o partido.
A análise dos resultados traz uma certeza para o futuro: a vitória foi clara, mas não esmagadora. José Luís Carneiro apressou-se a vir reclamar a vitória mais alta de qualquer um dos derrotados dos últimos anos (José Sócrates teve 79,7% dos votos contra 16% Manuel Alegre e 4% de João Soares; António José Seguro conquistou 67,9% contra os 32% de Francisco Assis; António Costa chegou aos 67,7% contra Seguro, que nessa votação teve 31,5%). No Porto, um dos distritos mais disputados, a diferença foi de cerca de 1300 votos. Para os apoiantes de Pedro Nuno, os números até podem trazer uma vantagem: segurar o candidato e evitar “deslumbramentos” ou “ajustes de contas”. “Um resultado esmagador não seria bom conselheiro na gestão dos equilíbrios internos”, aponta outro pedronunista.
O tal “deslumbramento” também não é aconselhável fora de portas: os socialistas têm consciência de que, por um lado, falta fechar a etapa interna no congresso, onde vários apoiantes dos dois principais candidatos confessam ao Observador o desejo de que a solução final — que não está fechada — passe por uma apresentação de listas únicas, num sinal de unidade. “O PS tem interesse em que haja listas conjuntas no Congresso para dissipar quaisquer dúvidas sobre a unidade do Partido quando se prepara para enfrentar umas eleições difíceis”, indica um ‘carneirista’.
E é também no congresso, marcado para 6 e 7 de janeiro, que surgirão as primeiras pistas para a próxima etapa da maratona de Pedro Nuno, e as primeiras medidas concretas que terá para apresentar ao país (e que deverão, segundo o Observador apurou, incluir medidas para a Habitação, havendo pressão no núcleo duro de Pedro Nuno para que dê rapidamente um sinal de alento à classe média). Os pedronunistas sabem que têm de acelerar: as reações ao primeiro discurso que o novo líder fez, em tom eufórico, a partir do Largo do Rato, ainda a notícia da vitória estava fresca, foram menos do que simpáticas — e muitas, até dentro do partido, apontaram para a ausência de novidade em relação aos discursos de campanha.
Esta semana, o próprio Pedro Nuno Santos fez o seu mea culpa: numa visita ao programa de Júlia Pinheiro, na SIC, assumiu que o discurso, feito de improviso, “não foi espetacular”. Se entre os apoiantes do novo líder o Observador registou reações compreensivas, recordando que aquele momento servia para saborear a vitória — “o momento para falar ao país é no congresso” —, também há quem se vá mostrando ansioso por mais. “Admito que neste momento esperava que as coisas estivessem a mexer mais”, diz um apoiante. “Tem de melhorar. Agora é candidato a primeiro-ministro”, aponta outro.
Pedro Nuno só será responsabilizado em caso de “calamidade”
O que não significa que mesmo os pedronunistas mais indefetíveis estejam convencidos de que Pedro Nuno terá uma vitória de arromba no dia 10 de março — nem que precise de ter. António Costa deu uma ajuda à gestão de expectativas logo no domingo, dia de passagem de testemunho no Largo do Rato, ao frisar que o sucessor não estará obrigado a ganhar as eleições nem a “fazer em meses” o que outros têm “anos” para fazer.
Entre os pedronunistas, há quem interprete a simpatia de baixar a fasquia com algum ceticismo — afinal, quando Costa baixa a fasquia para Pedro Nuno pode estar também a gerir as expectativas com que o seu próprio legado, que também irá a votos no dia 10 de março, será julgado, numa crise política que não tem a ver com o novo líder. Mas a ideia geral é a mesma: Pedro Nuno pode precisar de mais tempo.
“Ninguém vai sacrificar o Pedro Nuno se ele não vencer”, nota um apoiante, explicando depois as nuances na leitura dos resultados: “Uma coisa será perder por um ponto ou dois, outra será uma hecatombe face às sondagens. Se ficar em linha com o que as sondagens dizem agora está tudo bem”.
Outro pedronunista de sempre concorda e vê o ciclo que se avizinha como “um ciclo tipo Ferro [Rodrigues]”, recordando os tempos do socialista à frente do partido (herdou-o das mãos de António Guterres, na sequência do “pântano”, em 2001 e teve de ir a votos logo a seguir, perdendo com um resultado muito alto — 38% — contra Durão Barroso — 40% — e conseguindo uma vitória clara nas eleições europeias seguintes).
“Desde que o resultado não seja calamitoso, não é responsabilidade dele. Ninguém deve questionar a autoridade dele”, aponta o mesmo apoiante, lembrando que Pedro Nuno terá por diante um ciclo mais do que exigente: a primeira prova será já nas regionais dos Açores, onde o governo de “geringonça” da direita caiu aos pedaços, em fevereiro; a seguir, legislativas em março; europeias em junho; e autárquicas em 2025 (com eleições para as federações e concelhias do PS pelo meio, ainda por marcar).
O novo candidato tem agora, além da máquina de campanha que se viu obrigado a montar em modo contrarrelógio, mais algumas ajudas preciosas. Por um lado, a máquina do partido, que depois da luta interna tem do seu lado, como secretário-geral. E, com ela, ferramentas como os estudos de opinião da GfK, que continuam a ser feitos para perceber o eleitorado (sendo que o núcleo de Pedro Nuno tem dados que apontam para uma ideia de “arrogância” do candidato, que importa dissipar, como tentou fazer na ida ao “Júlia”). “Se o Pedro fosse todos os dias assim à Júlia tinha maioria absoluta”, graceja um apoiante, que reconhece a tendência do novo líder para entrar facilmente em “modo combate” em entrevistas e debates.
A convicção que reina nas hostes pedronunistas até passa pela ideia de que, governe quem governar, e provavelmente sem a tal maioria, o espetro político pode ficar tão dividido nestas eleições que o próximo ciclo governativo será sempre curto — o que permitiria a Pedro Nuno fazer um ciclo curto como líder da oposição e voltar a candidatar-se a primeiro-ministro com mais tempo. Mas essa futurologia envolve ainda mais incertezas — incluindo perceber se, nesse caso, os carneiristas começariam a fazer valer as ideias que defenderam na campanha (incluindo sobre a falta de competência do novo líder como ministro, ou até o seu caráter e personalidade) e a colocar-se como oposição a Pedro Nuno.
Um Natal (e uma campanha) a malhar na direita. E o presente de Passos
Para já, os sinais são de união, incluindo no discurso que o PS levará à campanha. Apesar de “o Natal se meter pelo meio”, como lembra um pedronunista, e por isso quase tudo estar em stand-by — incluindo as listas para o congresso ou as ainda mais longínquas listas para deputados —, foi precisamente o jantar natalício dos socialistas que serviu, esta semana, para lançar o tom da campanha que o PS intensificará até março.
A estratégia já passava por recuperar a tática das eleições passadas — agarrar o fantasma do Chega, agora com o bónus da geringonça açoriana desfeita, para provar que a direita trará instabilidade, mesmo que Luís Montenegro jure a pés juntos que não se juntará a André Ventura. Mas o PS recebeu um presente antecipado: a aparição de Pedro Passos Coelho, com fortes críticas a António Costa, que acusou de fazer cair o Governo por “indecente e má figura”.
As reações dos socialistas ouvem-se quase em uníssono: “Quanto mais o Passos aparecer, melhor para o PS”; “sempre que ele aparece sai-nos a lotaria“. As razões são simples: os socialistas continuam a confiar no que o fantasma da troika e do Governo PSD/CDS representa para o eleitorado e para faixas específicas, como os pensionistas ou os funcionários públicos. E se Luís Montenegro, que tenta virar o discurso do PSD para a recuperação de rendimentos, era um dos rostos da PàF (coligação Portugal à Frente), Passos Coelho ainda ajudará mais a reavivar essa memória.
Além disso, o PS sente-se satisfeito por ver Montenegro “ofuscado” pelas aparições do antigo líder, e ocupa-se assim a discutir, sobretudo, o passado, num regresso aos tempos do resgate e das dificuldades para os portugueses. O discurso é sobre 2015, mas os pedronunistas também estão conscientes de que o ano é 2023 e que as dificuldades, sendo outras, continuam e se agudizam. Por isso, importa acelerar e começar a apresentar medidas concretas. É hora de Pedro Nuno, que se define como “um fazedor”, explicar o que quer, afinal, fazer.