Há dois meses e meio, mais ou menos, Mário (nome fictício) cortou alguns carvalhos para fazer lenha. Nesse terreno, que é seu e onde não há mais nada além de árvores e caminhos de terra, ficaram vários ramos, que não serviam para nada. As folhas foram secando e, na manhã do passado sábado, o homem que costuma passar mais tempo dentro do seu camião do que na aldeia de Soalheira, em Pedrógão Grande, tinha planos para ir até ao tal terreno cortar mais umas árvores. “Foi por meia hora que não o encontrei”, conta ao Observador. Os ramos que tinha deixado há mais de dois meses não estavam no mesmo sítio: serviam agora para tapar o corpo de um jovem de 27 anos, que foi encontrado morto, naquele terreno, no último fim de semana.
Quando Mário ali chegou, já não podia passar. “Estava a GNR e os bombeiros. A Polícia Judiciária ainda não tinha chegado”, recorda. A área estava vedada com as típicas fitas brancas e amarelas e, por isso, não restou muito mais a fazer além de ver, esperar e voltar para casa. Eram 7h30 da manhã e os inspetores da Polícia Judiciária (PJ) chegaram logo a seguir.
Cerca de uma hora antes de Mário ter chegado ao seu terreno, um grupo de estrangeiros entrou no posto da GNR de Figueiró dos Vinhos, concelho vizinho, para dar conta do desaparecimento de um amigo. Eram 6h30 e, entre os vários elementos do grupo, um deles terá confessado que o amigo não estava desaparecido e que tinha morrido. “A primeira coisa a ser feita foi perceber se existia de facto vítima e se estava viva ou morta. No local, percebeu-se que estava morta, procurou-se a arma do crime — foi encontrada uma faca — e foi chamada a PJ”, adiantou ao Observador fonte da GNR.
Nem Mário nem a sua mulher, ou qualquer das pessoas que passavam pelas ruas de Soalheira esta segunda-feira, conheciam o homem de 38 anos que está agora detido, a aguardar primeiro interrogatório para ficar a conhecer as medidas de coação. Também não fazem ideia de quem era o jovem que morreu. De nacionalidade britânica, todos dizem que nunca os tinham visto, nem costumavam frequentar o único café desta aldeia, o café Moinho. “Não sei quem são, nem nunca vi nenhum. Eles não saem das quintas”, diz uma das clientes habituais.
Uma festa para promover outra festa, que ia acontecer no próximo ano
Há, no entanto, um motivo para ninguém conhecer estas duas pessoas, nem saberem nada sobre elas. Nem a vítima nem o suspeito agora detido viviam em Pedrógão Grande. Estavam só de passagem para participar uma festa no último sábado à noite, a cerca de um quilómetro do local onde foi encontrado o corpo do jovem de 27 anos.
Pela estrada que liga Figueiró dos Vinhos à aldeia de Soalheira encontra-se apenas uma casa perto do alcatrão, e que está ainda em obras. De resto, há sobretudo eucaliptos e pinheiros — mais eucaliptos que pinheiros — e alguns caminhos de terra, que vão dar a terrenos como os de Mário. Um desses caminhos tinha até este fim de semana uma placa com a palavra ‘Libelinha’, que foi entretanto retirada. O caminho, também de terra, vai dar a uma comunidade onde vivem várias famílias, que dormem em tendas ou roulottes.
O espaço é privado e o arrendatário é também estrangeiro. Há crianças, que têm aulas ali dentro, e há até espaço para a agricultura. Aliás, o terreno é grande o suficiente para que quem ali vive se desloque de carro de um sítio para o outro. Ana (também nome fictício) vive ali e usava esta segunda-feira a sua carrinha verde para transportar o seu cão, que tinha deixado numa zona mais afastada do sítio onde decorreu a festa, por causa do barulho.
Ana conheceu o homem que está agora detido na passada quarta-feira. Ele era o organizador da festa que aconteceu este fim de semana e Ana e o namorado foram contratados para fornecer o sistema de som. Ao Observador, a jovem explicou que esta festa não estava relacionada com a comunidade que ali vive. “O espaço foi alugado, só isso”, acrescentou. Aliás, “cerca de 90% das pessoas que vivem aqui saíram por causa do barulho” e não estavam neste terreno durante a festa.
O suspeito da morte do jovem de 27 anos estaria então a organizar uma festa, que serviria como promoção para um grande evento que aconteceria no próximo ano. Ana diz, por isso, que estavam presentes apenas pessoas que poderiam investir no tal evento e que ajudariam a promovê-lo. “Estavam entre 80 e 100 pessoas, não mais.”
Entre as dezenas de pessoas que participaram na festa estava o tal jovem de 27 anos, que acabou por morrer nessa noite. Apesar de ter disponibilizado o sistema de som, que só recolheu esta segunda-feira, Ana não esteve lá: “O que ouvi foi que ele [suspeito] estava transformado, um pouco agressivo, a dizer coisas sem sentido.” Esta jovem conta ter ouvido um dos convidados da festa dizer que o suspeito mencionou o jogo ‘baleia azul’ — composto por um conjunto de 50 desafios com diferentes níveis de risco (e perigo) a executar pelos participantes e que, no fim, deveria culminar com a prática do suicídio; o ‘jogo’ já terá sido, aliás, responsável pela morte de dezenas de jovens em vários países. “Nem sabia o que era, tive de ir procurar”, explica Ana ao Observador.
A postura do suspeito de homicídio no dia da festa chamou a atenção de quem tinha estado consigo nos últimos dias, já que tinha mudado drasticamente. Até aí, o britânico mostrava-se afável no contacto com outras pessoas.
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Durante a festa seria ainda gravado um vídeo de promoção para o tal evento do próximo ano, mas nada chegou a ser feito. Ana conta ainda que o suspeito de 38 anos terá levado a carrinha do arrendatário daquele terreno, “que é utilizada só para andar dentro daquele espaço”. Fonte da PJ adianta ainda ao Observador que os dois homens — suspeito e vítima — “decidiram afastar-se [da festa] numa viatura e o outro [o suspeito] terá voltado para dizer que tinha matado” o jovem de 27 anos.
Circunstâncias do crime ainda estão por apurar
Para já, os inspetores da PJ estão ainda a apurar as circunstâncias que levaram à morte do jovem de 27 anos, não confirmando que o homicídio esteja relacionado com o jogo ‘baleia azul’. “Foi num contexto tranquilo, onde estariam várias pessoas numa festa”, acrescentou fonte da PJ. E, ao que o Observador apurou, o suspeito ainda não terá confessado aos inspetores da Polícia Judiciária a autoria do crime.
Falta então saber o que aconteceu entre o momento em que os dois homens abandonaram o local da festa e o momento em que apenas o suspeito regressou. As circunstâncias em caso de homicídio são a parte mais importante a apurar nas investigações, já que a pena depende também disso (podendo ir até à pena máxima de 25 anos de prisão, no caso do homicídio qualificado).
“Apesar de o conhecer há pouco tempo, foi um choque, porque ninguém imaginava uma coisa destas. Não parecia a mesma pessoa”, desabafa Ana.