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“Sua Majestade, sei que não pretende ser conhecida como um ícone de moda, mas todos nesta sala temos o maior respeito por si e pelo seu trabalho árduo e dedicação” — as palavras foram de Caroline Rush, diretora executiva do British Fashion Council. Em fevereiro de 2018, Isabel II assistiu a um desfile pela primeira vez, em plena Semana da Moda de Londres. Fê-lo para entregar o primeiro Queen Elizabeth II Award for British Design a Richard Quinn, um jovem criador que mal acreditou quando, dias antes de apresentar a sua segunda coleção, lhe disseram que a Rainha ia estar na primeira fila.
“É um pouco surreal”, admitiu ao Telegraph, minutos após ter recebido o prémio das mãos da monarca e ainda a tremer. O nervosismo de Quinn era legítimo, não estava ali só a Rainha, mas também a figura que tinha inspirado a coleção e o próprio desfile. Num discurso, Isabel II enalteceu a excelência da produção têxtil do país e descreveu o prémio como um tributo à indústria, mas também como sendo o seu “legado para todos os que contribuíram para a moda britânica”.
Na altura, a Vogue descreveu o ambiente na sala como uma mistura de lágrimas e saudações. “Só descobrimos há uns dias, por isso acrescentámos alguns toques da Rainha com os lenços na cabeça e os próprios padrões”, disse Quinn, de 28 anos. A profusão dos estampados florais, os lenços e os volumes — aquele inverno de 2018 tinha Balmoral como referência. O castelo escocês foi sempre sinónimo de refúgio familiar para Isabel II — disso e de um guarda-roupa muito próprio. Claramente, para Quinn, a Rainha sempre foi mais do que o um rosto institucional. “Ela disse-me que estava contente pelo prémio apoiar jovens designers… Eu acho que ela é, decididamente, um ícone de moda”.
O nome Richard Quinn correu mundo (foi a escolha de Amal Clooney na Met Gala que se seguiu), sem que nunca ninguém tivesse imaginado que a presença de uma rainha então com 91 anos, sem qualquer conhecimento especializado em moda, tivesse o poder de catapultar um designer, acabado de sair da universidade, para a ribalta. Durante o seu reinado de 65 anos, Elizabeth Alexandra Mary mostrou que nunca foi boa ideia subestimá-la. Uma verdade aplicada à diplomacia, mas que podemos transpor para a moda.
O guarda-roupa real e um século de tendências, entre o protocolo e o arrojo
O protocolo real e a ideia, muito bem definida, de como deve ser a imagem de uma rainha inglesa pesaram sobre Isabel II. Isso não quer dizer que o seu guarda-roupa não estivesse aberto à sofisticação, afinal, Londres foi o epicentro cultural da Europa durante grande parte do século XX, mas, enquanto monarca reinante, a lista de restrições é a mais apertada de todas. Basta olhar para Margaret, a irmã mais nova. Sem o peso da coroa, a princesa sempre insinuou mais os seus decotes, mostrou mais vezes os braços e até foi fotografada em fato de banho, em 1976. Difícil de imaginar, no caso da irmã mais velha. Isabel II viveu no século em que o guarda-roupa feminino sofreu mudanças mais profundas, quer no que toca à utilização de materiais, à simplificação dos códigos sociais de vestuário e ao aparecimento de novas peças.
“Ao contrário de membros da realeza que acompanham a moda, como Kate Middleton e Meghan Markle, não há lugar para tendências no seu armário — ela precisa de ser coerente e respeitável, acessível e não distante, e, acima de tudo, não pode ser inatingível. É um equilíbrio delicado e difícil de alcançar”, escrevia a Vogue no início de 2018.
Minissaia? Dificilmente terá usado, até porque quando a moda explodiu, nos anos 60, a Rainha completava 40 anos. Biquíni? Igualmente improvável, embora os primeiros modelos tenham aparecido 20 anos antes. Franjas, ganga, bocas de sino, crop tops, leggings, caicai, t-shirts, slip dresses, hoodies e fatos de treino — a lista de novas peças não termina e nenhuma delas entrou no armário da rainha de Inglaterra. Mais do que seguir as tendências que o mundo ditava, Isabel II criou um estilo próprio, correu o mundo de tiara e estola de pelo, adaptou-se à vida no campo calçando galochas e usando lenços na cabeça (quase sempre Burberry), fez das pérolas companheiras indispensáveis e, por fim, mostrou ao mundo que o gosto pelo color block vem com a idade.
Da mãe, Isabel II herdou certos trejeitos no vestir. A pequena mala, quase sempre pendurada no antebraço, o casaco com mangas a três quartos usado sobre o vestido, o calar de pérolas, a pregadeira, as luvas — consideremo-los os essenciais do guarda-roupa de uma rainha… já a partir de uma certa idade. Mas ao longo de quase 70 anos de reinado (o mais longo da história), Lilibet, como, em jovem, era carinhosamente chamada no seio da família, inovou e brilhou. Brilhou literalmente em momentos como o banquete dado pelos reis da Grécia em sua honra no hotel Claridge’s, em Londres. Ainda que seguisse a silhueta mais tradicional, o vestido dourado foi o centro das atenções. Brilhou também no Royal Variety Show de 1999, quando a parte de cima do seu vestido, inspirada no traje de um arlequim, exibiu lantejoulas douradas, azuis, cor de laranja, rosa, amarelas e verdes.
Em pequena, era comum vê-la vestida igual à irmã. Entre os anos 40 e 50, as décadas em que casou, perdeu o pai, foi mãe duas vezes e assumiu o trono, abraçou a silhueta em vigor, com a british couture na ordem do dia e a herança materna em matéria de estilo e criadores. Os tecidos ficaram mais fluídos, as cinturas mais marcadas e as saias rodadas acompanhavam a exigência de glamour. O comprimento fixou-se entre o joelho e o tornozelo e os toucados, mais do que os chapéus, deslumbravam ao sol. Nos pés, as pontas dos dedos espreitavam em cada outfit — a moda dos peep-toes estava no auge. Foi assim que a Rainha visitou Portugal, em 1957, quatro anos depois da sua coroação. Nesse verão de 1953, com apenas 25 anos, envergaria um vestido que exigiu oito meses de trabalho e nove desenhos diferentes, que o costureiro Normal Hartnell pôs à disposição de Isabel II.
A década seguinte inaugura com a visita dos Kennedy a Londres. Da realidade para a ficção, a segunda temporada da série “The Crown” recria o encontro entre rainha e primeira-dama. Isabel II surge intimidada pelo carisma de Jackie, que entra em Buckingham com um vestido de corte menos conservador (ainda que o guarda-roupa da série tenha exagerado o decote). Se uma das grandes embaixadoras da moda dos anos 60 tinha atravessado o Atlântico, do lado de cá, as tendências não passaram completamente ao lado na monarca. Foi a década em que a Rainha usou e abusou dos vestidos sem mangas em situações formais. Terá sido a autoconfiança que veio com os 40 ou uma consequência de um mundo em que as mulheres conquistavam novos direitos, até no vestir? Talvez uma combinação de ambos.
Dez anos depois, há outro presidente norte-americano a aterrar em Londres. No palácio de todas as cerimónias, a Rainha recebeu Jimmy Carter com um vestido amarelo, estilo cafetã. O modelo, digno de uma diva de Hollywood, ganhou ainda o brilho de diamantes. Qualquer outra dama teria usado as mãos e antebraços descobertos, Isabel II cobriu-os com luvas brancas.
Também as influências dos anos 80 e 90 chegaram ao guarda-roupa real. Sim, a Rainha rendeu-se aos padrões berrantes e aos chumaços nos ombros, à medida que os vestidos diurnos foram dando lugar aos fatos de duas peças. Se foi a fase mais alegre e colorida da monarca? Por um lado, sim — nunca mais viria a usar estampados florais com tanto destaque –, por outro, os anos 2000 trouxeram algo novo. A partir daí, tornou-se oficial: o mais importante era não perder a Rainha de vista no meio da multidão. Como? Através da cor.
Angela Kelly, a construção de uma monarca arco-íris e o providencial chapéu
Do design à conservação, sem esquecer a curadoria apurada: Angela Kelly é o nome incontornável em matéria de guarda-roupa quando falamos de Sua Majestade — sobretudo se o olhar se demorar nessas vibrantes propostas saídas das décadas mais recentes. Aliás, chamar-lhe Assistente Pessoal, título que justamente granjeou ao longo do tempo peca por escassez: Kelly, que com um toque de mágica ajudou a reciclar o vestido que a princesa Beatrice envergou no seu casamento (que outrora fora usado pela sua avó), inclui-se no restrito círculo de amigos e confidentes de Isabel II. Sem relação prévia com o universo da moda, corria outubro de 1992 quando Kelly trabalhava como governante para o embaixador britânico na Alemanha. É nessa altura, regista o The Telegraph, que os seus préstimos são requisitados pela família real, depois de uma visita da Rainha e do príncipe Filipe à residência de Mallaby, durante uma visita real em solo germânico. “Penso que a Rainha gostou de mim e percebeu que eu era de confiança e discreta”, recordou ao jornal, dando conta desse encontro fortuito com a monarca, em que manifestara a intenção de regressar ao Reino Unido. Apenas três anos depois de se juntar ao núcleo duro de Isabel II ascendeu a responsável sénior pelo guarda roupa, missão que manteve até aos últimos dias da soberana.
Agraciada com a Ordem Royal Victorian em 2012, Angela lançou mesmo a sua marca própria de confeção, Kelly&Pordum, em parceria com a designer de vestidos Alison Pordum. “Tudo começou porque desenhamos uma ou duas coisas para a Rainha e ela gostou; uma coisa levou à outra”, explicou ao mesmo The Telegraph. Para a história passam escolhas icónicas como o vestido verde menta usado no Jubileu de Diamante de Isabel II, nesse ano de 2012, ainda assim uma opção menos estridente que outras explosões de cor, cirurgicamente planeadas. “É tudo muito pensado e nada acontece por acidente”, confirma Sali Hughes, a jornalista que assinou o livro “Our Rainbow Queen: A Tribute to Queen Elizabeth II and Her Colorful Wardrobe”. “Ela precisa de se destacar para as pessoas poderem dizer ‘eu vi a Rainha'”, reforçava a condessa de Wessex, Sophie, no documentário “The Queen at 90”, emitido pela BBC.
A pluralidade de tons permite criações para todos os gostos, mas é natural que algumas preferências saltem (ainda mais) à vista. Em 2012, a revista Vogue passava o guarda-roupa a pente fino e concluía, com base nas aparições reais, que o azul era a cor eleita cerca de 29% das vezes, seguido dos padrões florais. A fechar o pódio, em jeito de empate, o verde e o creme repartiam atenções — escolhas sempre orientadas para uma máxima tão intemporal como os cortes clássicos desfilados: “Têm que me ver para poderem acreditar”, terá disto certa vez a monarca, citada pela biógrafa Sally Bedell Smith.
Em 2019, com a pouco usual bênção da monarca, Angela Kelly partilhava em livro algumas curiosidades sobre a rotina no palácio, do provador de sapatos ao desafio aceite por Isabel II num piscar de olhos, sem esquecer o peculiar bulício em torno dos seus…chapéus, em particular sobre os modelos que Isabel II costumava levar a Royal Ascot. Segundo a assistente, tornou-se comum assistir à multiplicação de palpites e apostas sobre o tom do chapéu que a rainha elegia para o primeiro dia de corridas. Angela conta como decidiu adotar uma estratégia para evitar fugas de informação no castelo de Windsor quando soube que a parada já ascendia às 2 mil libras. Na manhã do grande dia, passou a dispor vários chapéus de diferentes cores na sua mesa de trabalho para baralhar as hostes. E chegou mesmo a pedir o compromisso de uma casa de apostas. “Tive uma reunião com o dono da Paddy Power e ele concordou em estipular uma hora para encerrarem as apostas sobre a cor do chapéu da rainha. Assim evitava batotas mas permitia que se pudesse ganhar algum dinheiro com isso”.
A carteira que falava, os sapatos de sempre e uma coleção de guarda-chuvas
Não é por acaso que este acessório entra na equação com peso absoluto. “A Rainha sempre soube que tinha de se destacar na multidão e é por essa razão que a chapelaria sempre desempenhou um papel importante no seu guarda-roupa”, afirmou Caroline de Guitaut, curadora da exposição Fashioning a Reign, ao The New York Times, em 2016. “Quase todos os chapéus que usa são estratégicos, para assegurar que a sua cara fica totalmente visível, mas também enquadrada numa variedade de estilos que, apesar dos anos, continuaram a ser considerados bastante vanguardistas para a época”, explica. Até à sua reforma, em 2002, Freddie Fox contava-se entre os chapeleiros de eleição de sua majestade.
“A Rainha e a Rainha Mãe não pretendem lançar tendências”, chegou Hartnell a dizer, citado pelo The New York Times. “Esse papel cabe a outras figuras menos relevantes”, terá acrescentado. Não se pense porém que a relação entre a soberana e a moda era motivo para divórcio. “A Rainha adora roupa e é uma verdadeira especialista em tecidos”, confirmara Angela Kelly, em entrevista, em 2007. “Não se trata daquilo que eu ensino à Rainha — é mais o oposto”. Interessada pelo tema e, vale a pena salientar, sensata quanto baste na hora de escolher, a avaliar pela facilidade com que sempre aderiu à agora, tão em voga prática do upcycling. Apesar de ser sempre difícil identificar os momentos me que repetiu roupa, tal aconteceu por diversas vezes. De acordo com Kelly, que mantinha um registo detalhado das datas de utilização de cada conjunto, o tempo de vida de uma saia ou vestido podia chegar aos 25 anos.
E que dizer de dois elementos fundamentais e não menos longevos no look, a sua icónica carteira Launer e os seus loafers Anello &Davide? Acompanharam-na durante meio século e cumpriram as mais inesperadas funções. Quanto à primeira, a sua coleção terá chegado aos 200 exemplares, com Isabel II a preferir os modelos Royale e Traviata, com a alça maior, para facilitar o transporte no braço enquanto distribuía apertos de mão em eventos públicos — já agora, sobre o conteúdo, os rumores dizem que a Rainha andava sempre com um espelho, um baton para retocar a maquilhagem (Arden ou Clarins, de preferência), uma nota de 5 ou 10 libras (para dar na igreja), e ainda óculos de leitura, um pequeno suporte para pendurar a carteira, e fotos de família.
Mais surpreendente talvez é o facto da Launer ter assumido inesperadas funções. Segundo Hugo Vickers, perito em família real britânica, a Rainha usava a sua carteira para comunicar de forma secreta, ou pelo menos discreta, com a sua equipa. Se por acaso Sua Majestade era vista a trocar a carteira de mão, o gesto era revelador de que a a conversa estava a ser maçadora e que procurava ser resgatada da conversa. Colocada em cima da mesa? Sinal de que se estava a preparar para abandonar a sala. Depositada no chão? Eis quando pedia uma saída imediata.
Impossíveis de ignorar foram os famosos chapéus de chuva transparentes. Isabel II tinha dezenas destes modelos Birdcage da Fulton, com diferentes apontamentos coloridos, para combinar na perfeição com cada look.
Regresso aos primeiros anos e uma boda real em tempo de racionamento
Em tempo de guerra, a preferência pelas criações britânicas afastava o espectro da frivolidade. E mesmo mais tarde, nos idos de 50, seria impensável ver Isabel II e a irmã Margaret a voarem para Paris no encalço do new look de Christian Dior. Equilibrar o prato da modéstia e do conto de fadas na sempre titubeante balança manteve-se um desafio para a futura Rainha, incluindo num dos momentos mais aguardados, no capítulo pessoal e do ponto de vista mediático.
Quando se casou, em 1947, com Filipe Mountbatten, o racionamento do pós-guerra estendia-se ainda ao vestuário. Isabel II também teve que usar cupões para comprar material para o seu vestido de noiva, levando muitas jovens britânicas de coração desfeito, que haviam perdido os seus namorados no conflito, a enviarem-lhe por correio os seus agora inúteis cupões, um gesto que a destinatária haveria de declinar, por força do rigoroso código de conduta no que à receção de presentes diz respeito. “A Rainha não se sentia confortável a aceitá-los. Devolveu tudo com uma nota escrita a mão para cada um”, conta a jornalista Sali Hughes,autora de “Our Rainbow Queen: A Tribute To Queen Elizabeth II and Her Colorful Wardrobe.
O tule, o chiffon, a seda lustrosa proveniente da China, em suma, a fluidez e nobreza dos materiais arrebataria o costureiro real Norman Hartnell, responsável pela criação, com a sua longa cauda.
Que bem que se está no campo: o estilo que inspirou as passarelles
Paralelamente ao glamour das festas, espetáculos, receções e visitas oficiais, Isabel II sempre foi perita em recolher-se no campo. E das duas uma: ou fazia uma escapadinha até Windsor, a 50 minutos de Londres, ou rumava a Balmoral, na Escócia. Em ambos os destinos, era comum ver a imagem da Rainha mudar radicalmente — lenços na cabeça, saias de xadrez às pregas, galochas, sapatos de atacadores, cardigans, gabardines e impermeáveis –, estivesse ela a montar a cavalo, ao volante do seu Range Rover ou simplesmente a caminhar com os seus adorados corgis (em abril de 2018 despedia-se de Willow, que pertencia à 14ª geração de descendentes de Susan, oferecida pelo pai quando fez 18 anos). Os tais lenços, especialmente, tornaram-se numa imagem de marca.
Queen Elizabeth II has long epitomised British upper crust country style but it’s a look she has made very much her own, unmistakably fuss-free and full of character, so much so that she inspired a 2008 Dolce & Gabbana catwalk collection with her roomy coats, tweed skirts, sensible brogues and, of course, printed silk head scarves.
Cosy knits, tweeds, macs, quilted and waxed jackets are her stylish stalwarts for horse trials and walking the corgis at Windsor Castle or Balmoral. Her meet-and-greet daywear also belies her fondness for country dressing, often seen in tweed tailored coats and suits, although usually in bright and pastel shades so she can be spotted easily in the crowds. Get The Queen’s look with these pieces from Cordings.
The Classic Coat.
Where there is potential for inclement weather, Her Majesty prefers to opt for a capacious coat, and this one by Schneiders in loden wool offers reliably elegant protection, with a deep back pleat and pockets for doggie snacks.
A keen horsewoman, The Queen has often been spotted in an equestrian tweed jacket, especially in her younger days. The fitted silhouette is both classic and flattering, whether riding across one’s land or striding through the town.
As subtis mensagens do power dressing de uma Rainha que também vestiu calças
Está longe de ser a imagem mais emblemática, de tal forma que se exige esforço redobrado à memória para enumerar esses momentos. Na verdade, os dedos de duas mãos chegam (e sobram) para a contabilidade em questão — pelo menos a avaliar pelas situações de caráter mais oficial, e que não escaparam ao crivo dos fotógrafos. Há praticamente uma década que Isabel II não era vista em público a usar calças, habitualmente preteridas em favor dos vestidos ou saias nos encontros mais formais (à semelhança da tendência seguida pela duquesa de Cambridge), mas algumas imagens captam para a posteridade essas cenas saídas do contexto de lazer, em atividades de desporto ou nas férias.
De 1940, chegam recordações de uma jovem Isabel, com apenas 14 anos, ao lado da irmã Margaret, no castelo de Windsor. Em 1970, voltou a eleger esta peça numa visita real à Nova Zelândia, ao lado do marido, com quem em 1979, agora num safari na Zâmbia, voltaria a ser vista de calças vestidas. Em 1982, seria vista a cavalo, em Windsor, durante um passeio com o presidente Reagan. Em 1988, no Windsor Horse Show, surgiria elegante, mais uma vez longe das saias. De 2003 chega provavelmente uma das únicas imagens da Rainha com um fato cinzento de casaco e calças. Isabel II era avistada a sair do hospital depois de ter lesionado o joelho, com o conjunto escolhido a servir para camuflar a mazela. Em 2006, agora sem maleitas no horizonte, chegava sorridente à Escócia para celebrar os seus 80 anos. Em 2010, depois de um cruzeiro com a família, a soberana desembarcava do Hebridean Princess com um casaco roxo e umas calças pretas.
Mais consistente é a marca deixada pelo conjunto dos seus coordenados, estrategicamente alinhados com cada episódio público do seu extenso reinado e poderosa arma diplomática, à semelhança de outras grandes protagonistas no feminino. Se Nancy, antiga primeira-dama dos EUA, ficou conhecida pelo recorrente “Vermelho Reagan”, Thatcher abusaria com orgulho do conservador “azul Tory”. Ainda pela paleta cromática, não foi por acaso que Isabell II optou pelo verde quando visitou a Irlanda.
Impedida de manifestar as suas posições políticas, a firmeza das convicções não deixou se manifestar, por diversas vezes, através do guarda-roupa. A mesma Isabel II que abraçou algum arrojo para amplificar a exuberância do pós-guerra e comunicar um desejado final feliz, não hesitaria em deixar uma mensagem sonante no rescaldo do Brexit, vestindo-se com as cores da bandeira da União Europeia depois do famoso referendo, em 2016, por ocasião da abertura do Parlamento britânico, naquele que foi lido como um sinal de desaprovação dos resultados.
Para a história passou também a alfinetada que terá dado graças a uma pregadeira. Em julho de 2018, quando se encontrou com o então casal presidencial Donald e Melania Trump, Isabel II não escondeu favoritismos nessa receção no castelo de Windsor: sua majestade exibiu como acessório a peça que terá sido oferecida pelos anteriores inquilinos da Casa Branca, Barack e Michelle Obama.
Sali Hugues recorda outros momentos em que Isabel II dominou a arte da diplomacia como ninguém, como o dia em que, em sinal de respeito pelo príncipe saudita Abdullah, cobriu a cabeça com um lenço de seda, ao mesmo tempo que marcou a sua posição de poder conduzindo o soberano ao volante do seu Land Rover. “Ficou mortificado…ter que se sentar ao lado de uma mulher a conduzir pela primeira vez na sua vida”, lembra a autora.
Há mais detalhes cromáticos a ter em consideração. É natural que ao assistir a um evento internacional como os Jogos Olímpicos tenha o cuidado de optar por uma cor que não aparece demasiado no conjunto de bandeiras; da mesma forma que dificilmente veríamos Isabel II a vestir encarnado numa eventual deslocação à Rússia ou à China. Por outro lado, vestir-se com uma combinação de azul, branco e encarnado seria “demasiado britânico”, apontam, e confundir-se-ia com as habituais bandeirinhas acenadas pela população nas ruas.
Não menos simbólico mas certamente mais afetivo foi o tom eleito por Isabel II para um dos momentos mais marcantes no ano do seu jubileu. Já com evidentes sinais de fragilidade, mas ainda assim no seu passo seguro, de braço dado com o filho André, Isabel II deslizou no final de março com graciosidade pela abadia de Westminster para uma emotiva homenagem ao príncipe Filipe. Um ano depois da morte do marido, a soberana vestiu-se do famoso “verde Edimburgo”.