Índice
Índice
Isabel Flores. Iniquidades e resistências da educação em Portugal
Quando os resultados pouco mexem, e são aceitáveis no panorama europeu, apetece-me dizer que tudo está normal na educação em Portugal, donde os governos podem ficar calmos e reduzir a quantidade de políticas, acima de tudo minimizar as constantes mudanças nas regras do jogo.
O que o estudo PISA (OCDE) nos permitem fazer é olhar para uma série de variáveis de enquadramento e tentar compreender onde podemos mexer para ter uma escola mais inclusiva e que sirva a todos. Não é uma corrida e o lugar em que estamos é bastante irrelevante.
Uma primeira análise dos relatórios PISA mostra que temos algumas características que teimam em persistir, para o bem e para o mal.
O mau
Primeiro, as iniquidades. Temos meninos e meninas, o género como determinante das expetativas profissionais. Os rapazes querem ter profissões de engenharia e as raparigas de cuidadoras. Estas preferências são muito mais acentuadas em Portugal do que nos restantes países da OCDE. Lembra-me uma amiga cuja gota de água para decidir sair do país foi a festa de Natal na escola das filhas onde se construía a casa do pai Natal: os meninos eram os engenheiros e arquitetos, as meninas decoravam e limpavam. Foi-se embora, só tinha filhas.
O bom
Do lado das resistências, os alunos portugueses com elevados níveis de satisfação com a vida e bem integrados na escola. E, claro, os professores capazes de mostrar entusiasmo e vistos pelos alunos como inspiradores e competentes. Afinal são os professores que, apesar das turbulências políticas e orçamentais, continuam a fazer o sistema ter uma qualidade razoável no panorama Europeu.
Teresa Calçada. Os maus resultados na leitura e a melhoria na literacia
Vistos de modo rápido, sem cuidada e demorada leitura, anoto dois pontos possíveis e evidentes:
O mau
Dentro duma tendência de melhoria dos resultados, que o número de alunos com baixa proficiência
leitora esteja na ordem dos 20%. É manifestamente muito e indesejável, requer estudo e mais e melhores medidas, recursos e estratégias.
O bom
O movimento simétrico nas três literacias, que corresponde e evidencia um continuado melhor desempenho dos alunos. Melhoria que é produto da complementaridade conhecida das literacias da matemática, ciência e leitura. Mútuo benefício em que as três literacias, com regularidade, se potenciam na afirmação de uma tendência não episódica de subida nos indicadores PISA.
Alexandre Homem Cristo. PISA 2018: gira o disco e toca o mesmo
A primeira sensação com que se é confrontado na leitura dos resultados de Portugal no PISA 2018 é a de déjà vu. De facto, os resultados deste ano, em grande medida, recuperam os do passado recente (Leitura e Matemática), ou regridem ligeiramente até níveis de 2009 (Ciências). Por detrás disso está, obviamente, a consolidação de resultados que estão alinhados com a média da OCDE (o que é positivo). Mas, também por detrás disso, estão os mesmos problemas de sempre, que nos últimos 10 anos não conheceram solução eficaz — em particular, o resistente impacto das desigualdades sociais nos desempenhos dos alunos.
O bom: os professores
Como sempre acontece aquando das publicações dos relatórios PISA, o país entreter-se-á com a discussão irresistível sobre a paternidade política dos resultados, nomeadamente em modo de avaliação dos mandatos de Nuno Crato e de Tiago Brandão Rodrigues no ministério da Educação. A discussão até poderá ter algum interesse, mas não se deve sobrepor à constatação mais do que justa de que os resultados obtidos são, em primeira mão, dos professores e das escolas — porque é graças a eles que os níveis de desempenho dos alunos melhoraram de forma consistente durante os últimos 18 anos. De resto, nesta edição do PISA 2018, há um dado curioso e alarmante sobre os professores em Portugal: apesar de haver uma relação estabelecida entre o entusiasmo dos professores de línguas e a melhoria dos desempenhos dos alunos em Leitura, Portugal é o único (!) país da OCDE onde essa relação não se verifica. Sinal provável de que os professores, apesar do papel primordial que desempenham, sentem ter cada vez menos razões para entusiasmo. De resto, porque isso contará, os professores passaram o ano de 2018 em braço-de-ferro com o governo. Como mostram estes dados do PISA 2018, no fim de contas, foram também os alunos a sair prejudicados.
O mau: as desigualdades sociais e de género
Dizer que “o perfil socioeconómico de um aluno é o factor mais forte para prever o seu percurso escolar” não é apontar nada de novo. Mas, precisamente porque não é novidade, a expectativa era que as sucessivas medidas de políticas públicas dos últimos 10 anos produzissem resultados nesse domínio, atenuando o peso das desigualdades sociais nas probabilidades de sucesso escolar dos alunos. Não só isso não aconteceu, como a situação até piorou levemente face a 2009: entre alunos favorecidos e desfavorecidos, há agora um gap de 95 pontos no score do PISA, quando em 2009 eram 87 pontos. Para piorar o quadro, Portugal é também o país da OCDE onde há maior diferença de expectativas de carreira científica entre rapazes e raparigas que apresentam os mesmos níveis de desempenho elevado em Matemática e em Ciências. Ou seja, alunos com exactamente o mesmo perfil de resultados têm expectativas de carreira profundamente distintas, em função do género, reproduzindo “normas sociais” que, assimiladas inconscientemente pelas raparigas, estão a orientá-las para profissões abaixo do seu potencial. É uma urgência contrariar esta tendência.
Hélder Sousa. Para além dos resultados do PISA 2018
Numa análise rápida e preliminar dos resultados PISA hoje conhecidos, Portugal confirma, em 2018, um padrão de resultados, nos três domínios avaliados, proficiência em leitura, matemática e ciências, que se instalou desde 2000, o 1º ciclo PISA.
Apesar de uma tendência de longo prazo no sentido de uma lenta melhoria dos desempenhos dos nossos alunos, a cada subida mais significativa, como sucedeu em 2015, segue-se uma inversão da tendência, uma estagnação ou redução da pontuação alcançada. Assim voltou a suceder em 2018. Com uma pontuação de 492 em todos os domínios, observa-se uma descida da de 6 pontos em leitura, de 9 pontos em ciências e o mesmo resultado de 2015, em matemática.
Esta evolução, por vezes enfatizada como positiva, a meu ver de forma exagerada e sem fundamento nos dados de que dispomos, esconde outras realidades que nos devem preocupar, pois evidenciam, no que toca à qualidade do desempenho dos alunos, um fosso muito significativo entre alunos com desempenho mais fraco (inferior ao nível 2 do PISA) e os alunos com melhor desempenho (nível 5 ou superior).
Em 2018, em leitura e ciências, interrompeu-se a tendência de redução da percentagem de alunos mais fracos, que se tinha verificado em ciclos anteriores: regista-se um aumento de 3% em leitura e de 2,2% em ciências. Em leitura, em 2018, regista-se mesmo o valor mais alto desde 2009.
Também no que se refere aos alunos com melhor desempenho, a situação não evolui de forma positiva: variações inexpressivas de -0,2%, em leitura, e de +0,2%, em matemática, mas uma quebra de 1,8% em ciências. Se juntarmos a estas evidências o facto de existir um fosso de cerca de 95 pontos, na escala PISA (um valor muito
expressivo), que é explicado pelas desigualdades socioeconómicas, confirma-se que, em matéria de educação, temos um país claramente a duas velocidades.
A escola não consegue ser um meio de nivelamento social, pois tudo indica que estas diferenças de desempenho, registadas em alunos de 15 anos, numa fase tão avançada dos seus percursos escolares, não terão grande oportunidade para serem reduzidas ao longo dos percursos académicos que ainda têm pela frente.
Esta realidade é também reforçada pelo facto de apenas 57,4% dos alunos de 15 anos estar a frequentar o ano de escolaridade esperado, o 10º ano, o que é nada mais nada menos do que o espelho da cultura de retenção que grassa no nosso sistema: 26,8% dos alunos com aquela idade ainda frequentavam o 3º ciclo (7º, 8º ou 9º anos). Embora este panorama tenha vindo a melhorar de ciclo para ciclo, a evolução tem sido particularmente lenta. E, enquanto os resultados dos alunos que frequentam o 10º ano se mostram extremamente positivos, ao nível dos registados em países como a Estónia, a Finlândia, o Canadá, não muito distantes do topo, os resultados dos alunos que frequentam o 3º ciclo do ensino básico, o 9º ano de escolaridade ou níveis inferiores, distam quase 100 pontos para baixo, sendo muito inferiores à média da OCDE, estando mais próximos dos resultados de países em desenvolvimento.
Em suma, o nível socioeconómico e o nível de escolaridade aparentam estar alinhados enquanto indicadores e preditores do insucesso futuro.
Feita esta análise, muito sumária, limitada ao escasso tempo para olhar para um vastíssimo acervo de informação estatística, que em regra nunca há tempo para analisar detalhadamente, ficamos com uma sensação de desconforto, uma espécie de amargo de boca que reflete o facto de pouco ou nada ter mudado, no que se refere ao desempenho dos alunos. Deixando para trás o fosso dos resultados entre alunos com percursos escolares e situações de vida desiguais, este nível global, que teima em não descolar da média da OCDE (que por sinal tem vindo a descer desde 2000), não nos pode deixar descansados e confortados, como infelizmente algumas vozes, com excesso de otimismo ou alguma vontade de esconder a realidade, nos querem fazer crer.
Na realidade, o PISA é o estudo especialmente desenhado para avaliar a forma como os alunos de 15 anos são capazes de usar os seus conhecimentos, capacidades e competências para sua plena integração e vida em sociedade, seja nos contextos geográficos que lhes são mais próximos, seja na chamada sociedade global.
As mudanças que se têm vindo a operar, em matéria educativa, deveriam estar a contribuir para alcançar o objetivo de garantir uma crescente capacitação dos alunos para que estejam melhor preparados para a dita integração na vida social e também ativa. Todos sabemos que em educação, infelizmente, as mudanças são lentas, demasiados lentas para uma sociedade cujas constantes e rápidas transformações colocam uma enorme pressão sobre as escolas, em particular, e sobre o sistema educativo, em geral.
Talvez por isso, a necessidade de agir de forma determinada, por exemplo, criando reais condições de operacionalização do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, documento que contém, no essencial, a «receita» para uma escola diferente, alinhada com os desafios que, a avaliar pelos resultados agora conhecidos, não pode continuar a ser adiada. Mudar a sala de aula, nas práticas, na sua organização, na forma como se orienta a ação e a relação pedagógica, como se faz e valoriza a avaliação dos alunos no dia-a-dia das suas vidas, que não pode continuar a ser marcada pelo calendário dos testes, é algo que está atrasado décadas.
Falar das «competências do Século XXI» é fácil. Escrever sobre o assunto também, mesmo quando já cá estamos (no Séc. XXI) há quase duas décadas. Agir de forma coerente, continuada e persistente para que a conversa e a escrita se transformem em algo de concreto, algo que os nossos alunos sintam como uma mudança efetiva no ambiente e funcionamento das suas salas de aulas, isso é outra história. Estamos longe de ter currículos e programas minimamente alinhados com tais pressupostos, e continuamos a ter a maioria das escolas claramente subequipadas, em matéria de equipamentos do «Séc. XXI», entenda-se, equipamentos que permitam trazer as ferramentas digitais para o centro da ação educativa, ajudando os professores nas tarefas a que não conseguem dar resposta, apenas por exemplo, dar feedback de qualidade e em tempo oportuno a todos as alunos.
É tempo de usar os resultados do PISA como um verdadeiro sinal de alerta para a imperiosidade de conduzir, guiar mudanças na sala de aula, na relação pedagógica dos professores com os seus alunos, no desenvolvimento de trabalho colaborativo, enfim, em tantas outras vertentes onde temos de saber inovar (ou talvez apenas de passar a usar práticas que de novo nada têm, apenas têm estado aprisionadas nos inúmeros escritos que a literatura científica nos oferece sobre educação).
Mas também é tempo de ao nível macro, o da decisão e ação política, olhar para a escola como um espaço onde não investir, ou investir a um ritmo que não assegura a renovação dos sistemas, ou a criação de condições para que o trabalho dos professores possa ser executado com a qualidade desejada, por exemplo, encontrando soluções para a eterna «migração profissional» dos professores em início de carreira, ou o inusitado número de alunos por professor, quando confrontados com 6, 7 ou mais turmas, traduz-se num crescente afastamento entre a escola que temos, a que desejamos ter e aquela que, de facto, necessitamos ter para dar resposta aos desafios que os resultados que hoje ficamos a conhecer mostram não estarem a ser alcançados.