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O significado de desaparecer na Federação Russa não é exatamente o mesmo que no Ocidente. Quando um opositor de Vladimir Putin deixa de aparecer em público, a especulação começa, seja ou não fundamentada. Entre ocidentais e russos críticos do regime, as teorias de silenciamento — e até mesmo de assassinato — são rápidas a surgir. Têm, normalmente, uma falha: provas que sustentem o que é dito nos bastidores.
As mais recentes acusações são feitas num artigo do Wall Street Journal: vários oficiais terão sido detidos depois do motim de Yevgeny Prigozhin que marchou com os militares do Grupo Wagner, batalhão de mercenários por ele fundado, até aos arredores de Moscovo a 24 de junho. Um telefonema do Presidente da Bielorrússia terá parado o oligarca, em tempos muito próximo de Putin, e Prigozhin seguiu para o país vizinho.
Um dos desaparecidos desde então é o general Armagedão, Sergey Surovikin que, segundo o Kremlin, está a descansar, especulando-se que terá sabido da rebelião antecipadamente.
O historial de desaparecimento, envenenamento ou exílio de opositores de Putin é longo e muito anterior à invasão da Ucrânia. O mais conhecido é o caso de Alexei Navalny, envenenado em 2020. Depois de uma longa recuperação, o principal opositor político do Presidente russo voltou a Moscovo, onde foi detido sob acusações de fraude e corrupção. Continua detido até hoje.
O primeiro envenenamento ao estilo do extinto KGB, e por isso associado aos serviços do Kremlin, é o do político ucraniano Viktor Yushchenko, em 2004. Yushchenko, pró-Ocidente, era candidato às eleições presidenciais da Ucrânia, mas o envenenamento com TCDD, dioxina extremamente tóxica, não o matou. Deixou-o desfigurado e temporariamente incapacitado.
Yevgeny Prigozhin
Visto pela última vez a 24 de junho de 2023
As últimas imagens públicas do oligarca russo, fundador do Grupo Wagner, são do dia em que se amotinou. Yevgeny Prigozhin aparece sorridente, dentro de um veículo militar em Rostov, Rússia. Na altura, estava a marchar com os seus mercenários em direção a Moscovo, e exigia a cabeça de Serguei Shoigu, ministro russo da Defesa, e de Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Russas. Culpava ambos pelo fraco resultado da operação militar na Ucrânia.
A 27 de junho, três dias depois da rebelião, o Presidente Alexandr Lukashenko confirmava que Prigozhin estava exilado no seu país, conforme acordado com o Kremlin. Mas, a 6 de julho, o Presidente da Bielorrússia mudava de discurso e afirmava que o oligarca estava na Rússia e que Putin não o iria matar.
“Quanto a Yevgeny Prigozhin, ele está em São Petersburgo. Onde é que ele está esta manhã? Talvez tenha ido para Moscovo ou para outro sítio qualquer”, disse Lukashenko, numa conferência de imprensa. Nesse mesmo dia, foi revelado que a casa de Prigozhin em São Petersburgo tinha sido alvo de buscas.
“Se acham que Putin é malicioso ou vingativo e que ele [Prigozhin] será morto amanhã… não, isso não vai acontecer”, garantiu Lukashenko, afirmando que Prigozhin é um homem “livre”. Estará vivo e de boa saúde? Tudo o que se sabe é que a última vez que foi visto publicamente foi a 24 de junho.
Sergey Surovikin
Visto pela última vez a 24 de junho de 2023
Num vídeo, com fundo branco, sem iluminação natural, Sergey Surovikin dirige-se a Prigozhin no dia da rebelião. Pede-lhe que pare. Surovikin e Prigozhin são amigos de longa data e o general, acusado de crimes de guerra na Síria, nunca foi alvo das críticas do fundador do Grupo Wagner, que tantas vezes apontou o dedo aos ministros e generais de Putin. Esse vídeo, de 24 de junho, é também a última vez que Surovikin foi visto. Onde estava? É impossível dizer: as imagens poderiam ter sido gravadas em qualquer sala, em qualquer parte do mundo.
Inicialmente, o Kremlin recusou-se a responder a perguntas sobre o paradeiro de Surovikin, remetendo sempre para o Ministério da Defesa (que também se manteve em silêncio). Foi a sua filha quem, dias depois de começar a especulação, avançou que o pai estava a trabalhar.
As teorias seguiam um caminho: Surovikin sabia de antemão da rebelião de Prigozhin e estaria disposto a juntar-se a ele. Entre os milblogers russos (blogers de guerra) chegou a dizer-se que o líder dos Wagner contava com apoio aéreo, garantido pelo seu amigo Surovikin, quando chegasse à capital russa. Outros dizem que o general parecia bêbedo ou drogado nas filmagens, o que poderia indicar que foi obrigado a fazer aquele discurso.
Onde está então o responsável pelas tropas russas na Ucrânia de outubro de 2022 a janeiro de 2023? O Wall Street Journal afirma que o general foi um dos vários militares detidos depois da rebelião dos Wagner, mas as autoridades russas desmentem. Surovikin está a “descansar” e não é possível contactá-lo, informou esta quarta-feira, 12 de julho, Andrei Kartapolov, chefe do Comité de Defesa na Duma (a câmara baixa do parlamento russo).
Detido ou livre? Tudo o que se sabe é que a última vez que foi visto publicamente foi a 24 de junho.
Valery Gerasimov
Visto pela última vez a 24 de junho de 2023, ressurge num vídeo sem data
Não é a primeira vez que surgem especulações sobre o desaparecimento de Valery Gerasimov ou de Serguei Shoigu. Gerasimov é chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia, Shoigu é ministro da Defesa. E ambos foram os principais alvos da rebelião de Prigozhin que os queria ver afastados do cargo.
A travagem a fundo da marcha do Grupo Wagner até Moscovo foi explicada por ter havido um entendimento, secreto, claro, com o Kremlin, mediado pelo Presidente da Bielorrússia. Na altura, analistas internacionais e milblogers russos avançavam com a hipótese de o afastamento de Shoigu e Gerasimov ter sido moeda de troca para evitar um banho de sangue. Durante dias, nenhum dos dois foi visto. Primeiro, surgiram imagens de Shoigu (que se foram multiplicando), mas só a 10 de julho apareceram de Gerasimov, divulgadas pelo Ministério da Defesa.
O problema? É semelhante ao do vídeo gravado por Surovikin. Vê-se Gerasimov numa sala, reunido com militares, num encontro a 9 de julho, segundo o ministério, mas nada no discurso ou no cenário é indicativo de quando foi gravado. “Vamos manter a defesa aérea num estado de prontidão para proteger infraestruturas críticas e instalações industriais que estejam ao alcance de mísseis inimigos”, ouve-se Gerasimov dizer, uma frase que poderia ter sido usada praticamente em qualquer momento da guerra.
Por outro lado, nas redes sociais também há quem lembre que os militares não são figuras públicas e, como tal, não têm de aparecer constantemente nos órgãos de comunicação social ou em eventos públicos. Não aparecer na imprensa não é sinónimo de estar desaparecido.
Um dos mais influentes canais de Telegram sobre a guerra, o Rybar, considerou que estava em curso uma purga para eliminar militares que mostraram “falta de determinação” para pôr fim ao motim de Prigozhin.
O general Valery Gerasimov é o terceiro homem mais poderoso do exército russo depois de Putin e de Shoigu.
Yunus-bek Yevkurov
Visto pela última vez a 24 de junho de 2023
O Ministério de Defesa do Reino Unido lançou o alerta: Yunus-bek Yevkurov, ministro-adjunto da Defesa da Rússia está desaparecido. A 5 de julho, as secretas britânicas avançavam com essa informação, quando apontavam também para o desaparecimento de Surovikin. No briefing diário, os britânicos reparavam no mesmo pormenor que a Radio Svoboda descreveu: Yevkurov (e Gerasimov) não estiveram presente numa reunião liderada por Shoigu.
“Esta reunião foi dedicada às questões atuais da operação militar especial, como continuam a chamar a esta guerra, os seus problemas atuais, as vitórias atuais, ou seja, tudo o que está diretamente relacionado com Yevkurov e Gerasimov”, dizia a jornalista Elena Rykovtseva. Viktor Vertsner, especialista militar, deixava a sua previsão: os desaparecidos irão passar por “medidas de filtragem e, talvez, depois disso, sejam autorizados a voltar para as tropas, ou talvez desapareçam para sempre”.
Yevkurov encontrou-se com Prigozhin no dia da rebelião. Um vídeo, publicado no Telegram, mostra o líder dos Wagner a conversar com o ministro adjunto da Defesa e com um outro militar, Vladimir Alexeyev, em Rostov-on-Don, distrito que foi facilmente tomado pelos homens de Prigozhin. Nessa conversa, o oligarca russo avisa os militares que vai fazer a sua marcha pela justiça e apresenta as suas exigências: a queda de Shoigu e Gerasimov.
Os outros oficiais detidos para interrogatório
Detidos, interrogados e com ou sem liberdade de movimentos
Surovikin não será o único militar, de alta patente, a ter sido detido. Uma investigação do Wall Street Journal, que cita fontes anónimas conhecedoras do processo, fala em, pelo menos, 13 oficiais detidos para interrogatório. Alguns terão sido libertados posteriormente, outros suspensos ou demitidos. “As detenções servem para limpar as fileiras de todos aqueles que deixaram de ser confiáveis”, diz uma das fontes.
O adjunto de Surovikin, coronel-general Andrey Yudin, e o chefe adjunto da inteligência militar, tenente-general Vladimir Alexeyev, estão entre os que foram detidos e, em seguida libertados. O jornal norte-americano escreve que foram suspensos do serviço e que a sua liberdade de movimentos está condicionada.
Outros nomes avançados são os do coronel-general Mikhail Mizintsev, que chegou a ocupar o cargo de ministro adjunto da Defesa e que, em abril, se juntou ao Grupo Wagner.
Os 12 generais que Kiev diz ter eliminado
Desaparecidos em combate
Diferente da purga que estará a ser levada pelo Kremlin são as baixas que o exército russo tem sofrido na frente da batalha e que já custou a Moscovo o desaparecimento, ou a morte, de vários generais e outras altas patentes do exército russo.
Segundo a Ucrânia, nessa lista encontram-se Andrei Sukhovetsky, Vitaly Gerasimov, Andrei Kolesnikov, Oleg Mityaev, Andrei Zakharov, Sergey Krylov, Vladimir Frolov, Roman Kutuzov, Sergey Goryachev, Yakov Rezantsev e Andrei Mordvichev.
A informação nunca foi confirmada pelo Kremlin.