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O nome de Sergei Surovikin evoca um passado de brutalidade. Não é por acaso que o general russo, que levou a cabo um campanha implacável nas guerras da Chechénia e Síria, é amplamente conhecido como “general Armagedão”. Foi este o homem escolhido por Vladimir Putin para liderar, ainda que brevemente, as tropas russas a combater na Ucrânia, o mesmo que agora poderá ter-se aliado ao motim do líder dos Wagner contra a liderança militar russa. E, agora, fontes próximas do Ministério da Defesa russo dizem que general Surovikin foi preso.

O currículo de Surovikin é extenso. Estreou-se militarmente na guerra do Afeganistão, apoiou a tentativa de golpe de Estado de 1991 — levado a cabo pela linha dura do Politburo contra Mikhail Gorbachev — e durante vários meses comandou a operação russa no território ucraniano. O general pode agora ter colocado a carreira e reputação em risco, depois de ser avançado pela imprensa norte-americana que teria tido conhecimento prévio dos planos de rebelião de Yevgeny Prigozhin contra a liderança militar russa.

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O Kremlin foi rápido a negar as alegações, noticiadas ao início da manhã pelo jornal New York Times, mas o que é certo é que o general não é visto desde sábado, dia em que Prigozhin cancelou a marcha dos seus combatentes sobre Moscovo para “evitar um banho de sangue”. Somam-se, inclusivamente, relatos de que terá sido detido pelas autoridades russas.

O “comandante implacável” nas guerras da Chechénia e da Síria que já foi detido por duas vezes

Sergei Surovikin passou por vários cenários de guerra, ficando conhecido pela sua “brutalidade”. Foi enviado para combater no Tajiquistão e, depois, na Chechénia, onde começou a construir-se a sua fama de comandante implacável. Pavel Felgenhauer, académico especialista nas forças armadas russas, nota num artigo publicado pelo think tank Jamestown Foundation que em 2005, quando comandava um divisão na Chechénia, Surovikin prometeu que, por cada soldado russo morto, seriam mortos três chechenos. Os feitos militares valeram-lhe uma canção, composta pelo coronel Vladimir Slepak, intitulada “Comandante”, recorda o jornal Komsomolskaya Pravda, próximo do Kremlin — num artigo onde também invoca a alcunha de “general Armagedão”, usada frequentemente pelos media russos.

A sua “brutalidade” não está, contudo, apenas reservada aos inimigos. Em 2004, um coronel russo de nome Andrei Shaktal suicidou-se com recurso à arma de serviço. De acordo com o relato do jornal Kommersant, o ato foi cometido depois de ter recebido uma reprimenda severa de Surovikin. E esse não terá sido o único caso de possíveis maus-tratos a subordinados. No mesmo ano, o tenente-coronel Viktor Tsibizov enviou uma queixa à procuradoria militar onde acusava Surovikin e outros militares de o terem espancado por diferenças políticas. Tsibizov tinha recentemente trabalhado como observador eleitoral da campanha de um político da oposição.

Ele é conhecido como um comandante bastante duro com os subordinados e conhecido por ferver em pouca água”, resumiu ao The New York Times Michael Koffman, investigador especializado na Rússia. O exemplo mais visível foi certamente o seu papel na guerra da Síria, onde a Rússia participa em apoio a Bashar al-Assad. “Quando fazíamos missões de combate na Síria, nem por um minuto esquecíamos que estávamos a defender a Rússia”, afirmou o general em 2017, citado pelo jornal The Guardian. Essas missões de combate incluíram a total destruição da cidade de Alepo, em 2016, onde mais de 600 civis morreram.

Organizações como a Human Rights Watch acusam Surovikin de ser um dos comandantes que levou a cabo várias violações da Convenção de Genebra, quer em Alepo quer em Idlib. A HRW diz que os ataques visaram “casas, escolas, instalações de saúde e mercados — os locais onde as pessoas vivem, trabalham e estudam”. A organização diz também que, para além de alvos civis, os ataques foram perpetrados com recurso a “bombas de fragmentação, armas incendiárias e ‘bombas-barril’ improvisadas”, armamento banido pelas convenções internacionais.

A estratégia seria deliberadamente a de atacar infraestruturas civis para provocar o terror, como confirmou uma fonte próxima do Kremlin ao Meduza. “Surovikin não é sentimental”, disse a mesma fonte. Um antigo funcionário do ministério da Defesa russo foi ainda mais longe no retrato que traçou ao The Guardian: “Surovikin é completamente implacável, com pouco respeito pela vida humana”, disse. “Temo que as suas mãos venham a estar totalmente cobertas de sangue ucraniano.”

O general russa já foi detido por duas vezes. A primeira vez em em 1991, depois de um dos tanques sob o seu comando na tentativa de golpe de estado de 1991 ter matado três pessoas quando derrubava as barricadas erguidas por manifestantes que apoiavam Gorbachev. Passou mais de seis meses detido, mas a procuradoria de Moscovo acabou por abandonar o caso por concluir que o militar estava apenas a “cumprir ordens”. Quatro anos depois, voltaria a ser condenado pela justiça, desta vez por comércio ilegal de armas. Agora surgem relatos de uma nova detenção.

Os relatos da detenção em Lefortovo. Onde está Sergei Surovikin?

Ao longo desta quarta-feira foram sendo conhecidos novos detalhes sobre o motim liderado por Yevgeny Prigozhin e do possível envolvimento de Sergei Surovikin. Segundo o New York Times o general terá tido conhecimento prévio dos planos de rebelião de Yevgeny Prigozhin contra a liderança militar russa, mas as autoridades norte-americanas ainda estão a tentar perceber se ajudou a planear as ações de do líder do grupo Wagner.

Certo é que Prigozhin chegou a afirmou que o general é “o comandante mais competente do exército russo” e elogiou a sua postura aquando do golpe de 1991, dizendo que estava a cumprir ordens para “salvar o seu país”. De facto, o general mantém uma boa relação com o grupo Wagner e outros setores da linha mais dura na Rússia, segundo afirmou Gleb Irisov, antigo tenente da força aérea russa, em declarações ao The Guardian.

Esta quarta-feira alguns correspondentes militares russos começaram a avançar, através de canais de Telegram, que Sergei Surovikin teria sido preso na sequência da rebelião de Prigozhin. Alguns canais, incluindo o do blogger militar Vladimir Romanov, iam mais longe e apontavam mesmo uma data e local: o general russo estaria detido na prisão de Lefortovo desde o dia 25 de junho.

Os relatos não se ficavam por aí. Alexei Venediktov, editor chefe da rádio bloqueada Ekho Moskvy, revelou  que Surovikin não estaria em contacto com a família há pelo menos três dias. Acrescentava ainda que os seus guardas não estavam a dar sinais sobre o paradeiro do general.

Para já as autoridades russas ainda não se pronunciaram sobre o paradeiro de Surovikin, que alegadamente não é visto desde sábado. Porém, duas fontes próximas do Ministério da Defesa russa confirmaram a detenção do general russo ao jornal independente Moscow Times, sediado em Amesterdão. “Aparentemente ele escolheu tomar o lado de Prigozhin durante a rebelião e as autoridades agarraram-no”, disse uma das fontes sob a condição de anonimato.

A rebelião de Prigozhin, interrompida na noite de sábado, tem sido visto como a maior ameaça ao poder do presidente Putin desde que este tomou posse, em 2000. Em resposta à ação militar, Prigozhin foi enviado para a Bielorrússia e desde então questiona-se qual será o futuro do grupo que lidera, e que contribuiu para os sucessos russos na guerra na Ucrânia. Se confirmado o envolvimento de Surovikin na rebelião, não é de estranhar uma resposta dura da parte do líder russo, que criticou os “criminosos” do grupo Wagner que participaram na insurreição.