O antigo presidente da Oni Communications Xavier Rodríguez-Martín comprou e tornou-se presidente de uma empresa portuguesa com 260 anos de História. É a Fapajal, a Fábrica de Papel do Tojal, uma PME que o empresário catalão, que também se considera português, quer revolucionar usando na indústria a experiência nos serviços (telecoms). A apresentação da estratégia da empresa, que decorreu esta terça-feira em Lisboa, deu uma oportunidade para conversar com o empresário sobre a economia nacional, sobre as diferenças com Espanha, sobre a Portugal Telecom — “com quem tive inúmeras lutas, mas cujo destino me causa tristeza” — e sobre regressos às origens.
“Eu costumo dizer que Portugal é um país ótimo para as crianças e para os velhos. Porque tem uma qualidade de vida extraordinária. O problema, muitas vezes, é o que está no meio — quando temos de trabalhar e temos de ser um pouco vítimas de processos que, por vezes, custam a aceitar”, afirma Xavier Rodríguez-Martin, em entrevista ao Observador.
Filho de um empresário dono de uma metalúrgica, para si ser presidente de uma empresa industrial — de produção de bobines e papel — é um regresso às origens. Como é que planeia aplicar a experiência nas telecom numa indústria como esta?
A inovação que queremos trazer da experiência na área das telecomunicações é, sobretudo, o investimento no serviço ao cliente (e não só na produção) e a internacionalização digital. Em Portugal há boas fábricas, mas muitas más empresas industriais. Há boas fábricas, como a Fapajal, que fazem bons produtos, com bons preços, com qualidade, com clientes. Mas uma empresa é muito mais do que uma fábrica. Uma empresa tem processos, tem objetivos, tem ambição, tem capacidade de colaboração. E, às vezes, é isso que nos falta em Portugal. Acho que no mundo dos serviços essas ideias estão mais enraizadas do que nos serviços.
Transformar uma empresa com 260 anos numa "micro-multinacional"
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Xavier Rodríguez-Martín e Rui Sequeira Martins compraram a Fapajal em julho de 2016, ao fim de dois anos de negociação e análise da empresa. Hoje, são donos da empresa em 70% com mais dois parceiros — “amigos” — que não foram identificados. Os empresários investiram cerca de 20 milhões de euros no que consideraram ser uma oportunidade de transformar uma empresa história numa “micro-multinacional”.
A Fapajal — Fábrica de Papel do Tojal — foi fundada em 1755, o ano do grande terramoto que deixou Lisboa em ruínas — “monges vicentinos foram para aquela área, a norte de Lisboa, e continuaram a produzir papel para produzir os éditos reais”.
“É uma empresa que cuja História acompanhou a História do próprio país”, disse Xavier Rodríguez-Martín numa apresentação da empresa a jornalistas, em Lisboa.
Porque é que isso acontece, na sua opinião?
Talvez porque nas últimas duas décadas o mundo dos serviços sempre foi mais sexy — atraiu mais dinheiro, mais talento jovem. A indústria só agora começa, do nosso ponto de vista, a ser mais sexy. Quem tiver a capacidade, a vontade e a ambição de transpor para a indústria alguns dos processos da área dos serviços, acredito que poderá fazer diferente. É preciso alguma irreverência, apesar de a indústria ser tradicionalmente mais conservadora, porque os ciclos de investimento são mais longos — investe-se numa máquina e depois ficamos comprometidos por muitos anos. Nos serviços há um pouco mais de flexibilidade. Mas acredito que, atualmente, há muita atenção concentrada nas startups, mas a sociedade deveria concentrar o esforço de inovação e de transformação digital nas PME, que têm maior sustentabilidade, garantem empregos de qualidade e são a essência do tecido empresarial português, a verdadeira espinha dorsal de qualquer sociedade economicamente saudável.
Nova gestão já triplicou a quota de exportação
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Hoje, a Fapajal produz as bobines usadas pelas empresas transformadoras e produz, também, papel — com enfoque no papel tissue (usado para produtos como papel higiénico, guardanapos, lenços de papel etc.)
Em 2016, o ano em que a empresa foi comprada a uma acionista principal septuagenária, sem sucessão, já foi possível triplicar a quota de exportação. Em 2017, a empresa quer aumentar as receitas entre 10% e 15% (26 milhões em 2016), o EBITDA em 20% (3 milhões em 2016) e a quota de exportações em 10 pontos percentuais. Cerca de 60% da produção é exportada, com mercados principais no Norte da Europa, Espanha e África. A próxima estação é o mercado norte-americano (EUA e Canadá, sobretudo).
Fala-se demasiado em startups e pouco em Pequenas e Médias Empresas (PME)?
Sim, parece-me um recurso fácil para os políticos para, de alguma forma, agradar aos deserdados. Quando falo em deserdados falo nas novas gerações cujo futuro crescimento hipotecámos, de certa forma, devido ao endividamento excessivo. Estamos a vender a ilusão de que qualquer pessoa, só munida da vontade de o fazer, é capaz de fazer grandes coisas. Toda a gente fala das startups como se fosse o salvador das pessoas individuais e da sociedade no seu conjunto. Do meu ponto de vista, isto é para desviar as atenções.
Desviar as atenções de quê?
Dos problemas reais do país, os problemas que temos de pegar pelos cornos. Ao invés, diz-se que qualquer pessoa pode valer-se de si própria para resolver os seus problemas. Não é assim. Todos sabemos que não é assim. Todos sabemos que nas startups estamos a falar de um em muitos, que tem sucesso. Nem toda a gente está preparada mentalmente para fazer uma startup.
Sim, nem toda a gente quer isso para a sua vida.
Exatamente. Com todo o meu respeito e carinho por quem é empreendedor, eu próprio considero-me um empreendedor, mas não é a solução dos problemas do país.
Qual é, então? Ou, melhor, qual é, também?
Temos de mudar o paradigma económico do país, no seu conjunto. E isso passa pelas PME, porque Portugal é um país de PME. Para mim, um dos melhores indicadores de quão saudável uma sociedade é está na força da sua classe média e das suas PME. As PME são o equivalente económico da classe média. Em Portugal não temos uma classe média tão forte quanto deveríamos ter. Não há uma continuidade social, como em outros países europeus. Eu vivi na América do Sul e tenho estado muito em África, e acho que em Portugal nos falta uma classe média real. Tivemos uma ilusão de ter uma classe média que, agora, com a crise, se esfumou. Temos uma classe alta mais numerosa do que em outros países e, depois, temos o rest of the world. Tem de haver uma continuidade e uma mobilidade sociais, portanto é necessário remover as barreiras que existem a que isso aconteça.
Qual é o papel do Estado?
Sim, o Estado tem de criar oportunidades, apostar na inovação, e existem instrumentos para isso. Mas, depois, é preciso garantir que as empresas usam esses instrumentos. É preciso ajudar a que as empresas façam a reconversão que é necessário fazer.
Temos grandes PME exportadoras em Portugal, mas diria que ainda há muitas PME portuguesas são demasiado “familiares”, pouco abertas ao exterior, à internacionalização ou à criação de parcerias?
Acho que sim. A brincar, costumo dizer que Deus, quando distribuiu os atributos intelectuais pelas pessoas, fê-lo de forma equilibrada. Muitas vezes, quem tem boa capacidade para acumular património não tem tanta capacidade para gerir esse património, por exemplo. Por isso, a profissionalização da gestão das empresas é muito importante. Temos grandes profissionais da gestão em Portugal, eu já vivi em vários países, na Suíça, no Peru, em Angola, em Espanha, e alguns dos melhores gestores que já conheci são portugueses. Não tenho a menor dúvida. Então, porque é que encontramos, individualmente, grandes gestores e, depois, às vezes em Portugal funcionamos pior? Porque nos falta processo, falta-nos organização.
Como é que se fomenta isso? É uma questão de política económica?
Em primeiro lugar é uma questão cultural. As minhas filhas nasceram em Portugal e os melhores momentos da minha vida tenho-os vivido em Portugal. Se eu tiver de resumir o que nos falta, diria que o que nos falta são valores coletivos.
Refere-se a quê, exatamente?
Acho que aqui, em Portugal, tendemos um pouco a olhar apenas por nós próprios. Vou dar-lhe um exemplo concreto no âmbito político. Goste-se ou não do que se defende, não interessa, repare como o movimento 15-M, em Madrid, resultou num partido político [o Podemos] e teve um impacto conhecido no sistema político de Espanha. Recorde-se que, já antes, em Portugal, houve o movimento Geração à Rasca. Aqui, também houve um movimento mas, depois, diluiu-se. Não conheço nenhum dos promotores mas parece que, por sinal, cada um tratou de si próprio e da sua vidinha, em vez de ser consequente com esses valores coletivos. Temos de ser consequentes. Em Espanha, com todos os seus defeitos, alguns comuns a Portugal, temos a tourada e, lá, é-se consequente: toureia-se o touro e, no final, mata-se o touro. Eu não gosto de touradas, mas é um exemplo que ilustra o que quero dizer.
É por isso que Espanha cresce 3% e nós fazemos uma festa com 1,4%?
Sim, e sem governo. O que falta em Portugal é mais generosidade de cada um em prol da sociedade – o tal encontro dos valores coletivos, que implica abdicar de algum lucro pessoal em prol da sociedade, é preciso inculcar esses valores na educação e na família. Em Portugal, o que se inculca são as diferenças, as distinções — o engenheiro, o doutor, os apelidos. Tudo isso são barreiras artificiais que limitam a possibilidade de colaboração e de mobilidade.
Falou da Educação. Em Espanha é muito diferente?
Sim, é um pouco diferente. Há muito mais trabalho em equipa, há mais valores coletivos, não é apenas o que é bom para si próprio, a competição pelas notas de cada um. Não sei porquê, mas o associativismo é um traço mais presente na sociedade espanhola do que aqui. Em Portugal, parece-me que associativismo é podermos subir até presidentes da nossa associação. Há uma multiplicidade de associações feitas à medida de interesses pessoais. Isso limita o interesse que outras pessoas poderiam ter em contribuir.
Dê-me um exemplo concreto.
Em Portugal não temos MVNO (mobile virtual networks operators), porquê? Porque os próprios operadores estabelecidos lançaram produtos como o Uzo, por exemplo, dentro da sua operação. São operações low cost que mataram a possibilidade de colaboração num modo MVNO, onde alguém tem a rede e alguém tem o serviço. Os operadores existentes secaram tudo à volta deles. Em Espanha, bastou a ameaça do regulador aos operadores instalados para que houvesse, realmente, MVNO, que hoje em dia esse é um mercado em crescimento, com grande inovação. Em Portugal, as instituições não tiveram a força para certificar que o mesmo pudesse acontecer. É um exemplo de como o poder instalado impediu a abertura a novas realidades. Eu muitas vezes lutei, em Portugal, para que houvesse concursos — não queria que me dessem os contratos, só queria uma oportunidade para concorrer.
Se falarmos sobre as grandes empresas instaladas, num setor em que fez carreira, é inevitável pensar na PT. Como é que vê o que aconteceu à PT?
Com tristeza. Tive inúmeras lutas contra a PT e a PT era a referência das telecomunicações no país. E continua a ser uma boa empresa, mas já não é a herança de uma tradição de empresa de telecomunicações. As dinâmicas de hoje são dinâmicas um pouco preocupantes. A pessoa que lidera a PT, atualmente, Paulo Neves, é um bom amigo meu, trabalhou muitos anos comigo na Oni, tenho todo o carinho por ele, mas…
Aquela PT que se idealizava, aquele grande player internacional das telecomunicações, esse sonho esfumou-se.
Sim, aí está um caso de como os valores coletivos foram penalizados em detrimento de valores individuais.
Falava há pouco de que muitos investimentos em Portugal não são feitos com uma lógica de obter expansão e rendibilidade mas, sim, com outras lógicas. Foi o caso da PT?
Sim, designadamente os recursos que são despendidos a tentar esmagar os concorrentes. Estive 14 anos na Oni e houve tantas tentativas de a esmagar. Havia três grandes operadores móveis — agora, na Fapajal, temos no setor do papel três grandes operadoras — e nós queremos ser o new kid on the block, com irreverência e uma dinâmica diferente. Os tempos são diferentes, é outro setor. No passado havia meios supostamente infinitos para esmagar a concorrência e criar oligopólios que, no final, leva o país a perder competitividade.
O vosso investimento na Fapajal é, portanto, como dizíamos, um “regresso às origens”.
Sim, todos os investimentos têm uma racionalidade económica mas, à medida que a idade avança, temos uma apetência por ver os frutos do nosso trabalho. Daí que a indústria (e, também, na agricultura), seja, para mim, cada vez mais atraente. Não é só um serviço intangível, uma coisa invisível aos olhos, uma coisa que caduca. É qualquer coisa que tem atributos físicos. Eu passei muito tempo em fábricas, incluindo na metalomecânica do meu pai. Vivi muito na indústria e, portanto, para mim é um regresso às origens. Identificámos uma oportunidade, mas também há uma razão emocional. Na vida tem de haver um equilíbrio entre razão e emoção — tomar decisões só com base na razão é triste, tomar decisões só com base na emoção é muito perigoso.
Investir em Portugal é razão ou emoção?
Se calhar por razão, inicialmente, e por não ter havido nenhuma razão para deixar de o fazer. Mas, sobretudo, por emoção também, cada vez mais. As minhas filhas nasceram cá, eu vivi em muitos países, e Portugal tem um equilíbrio muito bom entre várias coisas. Portugal permite um equilíbrio entre aquilo que é o mundo organizado, institucional, mas também há liberdade para pensar um pouco diferente.
Mas é fácil investir em Portugal?
Não é fácil mas é possível.
Mas em comparação com Espanha, que conhece bem, por exemplo, como é?
É mais fácil em Espanha. Eu costumo dizer que Portugal é um país ótimo para as crianças e para os velhos. Porque tem uma qualidade de vida extraordinária. O problema, muitas vezes, é o que está no meio — quando temos de trabalhar e temos de ser um pouco vítimas destes processos profissionais que, por vezes, custam a aceitar. Há alguma dificuldade em decidir. Falta-nos um pouco alguma frontalidade, que há em Espanha. O copo, em Espanha, está sempre meio cheio. Pode estar a 20% e está meio cheio. Aqui pode estar 80% e está meio vazio.
Considera-se um otimista?
Sim. Eu acho que só os otimistas criam progresso. Se nós pensássemos que a Fapajal era uma empresa com mais de 250 anos, em que é preciso fazer muita coisa, correr muitos riscos, nunca a teríamos comprado. Nós vemos oportunidades, não vemos os sacrifícios. Quando vamos a um ginásio, por exemplo, sabemos que a dor é garantida, mas o sofrimento é opcional. As coisas custam a fazer, mas uma coisa é a dor e a outra é o sofrimento. Essa atitude leva-nos a fazer as coisas melhor, e julgo que em Espanha as pessoas estão um pouco mais bem preparadas nesse sentido. Mas a vida em Portugal é extraordinária, por isso continuo cá, tem ótima comida, gentes, segurança. Até quando houve a crise das aves, em Portugal não aconteceu porque as aves migratórias atravessavam por Espanha, e Portugal estava aqui no cantinho portanto não foi afetado. Esta coisa de estar no cantinho da Europa pode ser mau, mas por outras perspetivas pode ser uma vantagem. Temos de desenvolver uma atitude de aceitar as nossas circunstâncias, de forma natural, senão vamos sofrer muito. Sinto que, por vezes, isso nos falta em Portugal.
Como viu a trajetória que tem sido seguida nos últimos anos em Portugal, desde os anos da troika?
A posteriori, todos somos o Warren Buffett [investidor norte-americano famoso]. É fácil ver agora que o caminho da austeridade não foi tão bem sucedido como podia ter sido. Houve elementos de castigo económico para Portugal que, misturado com coisas objetivas em termos económicos, levaram a um resultado pior. Houve uma moralidade excessiva, desnecessária e que acrescentou sofrimento à dor, voltando à analogia anterior. Eu também tenho uma formação de rigor e disciplina mas já aprendi que a política e as questões sociais são muito mais importantes do que a economia. E digo isto apesar de viver da economia, mas as minhas preocupações sociais são cada vez mais prementes.
Em Portugal só houve austeridade? Não houve reformas estruturais?
Acredito que faltaram reformas, sim. Mas não fomos consequentes. Faltou-nos matar o touro. Não chegámos até ao final da coisa, porque nos deparámos com barreiras que são difíceis e chatas de ultrapassar — os poderes instituídos. Em certa medida foi-se forte com os fracos, mas é importante ser forte com os fortes. Basta ver o que tem acontecido nos últimos anos, com os problemas na banca, etc.
Mas há quem argumente que se foi forte com um forte [isto é, que se “deixou cair” Ricardo Salgado e o império Espírito Santo].
Sim, mas repare que não foi no início da crise. Foi já na última fase da crise. Uma decisão dessas, de ser forte com os fortes, requer coragem. Mas é pena que não tenha sido mais cedo. Eu acho que, quando há um problema, tem de ser resolvido rapidamente, cirurgicamente. Porque arrastar destrói muito valor. E nós arrastámos muita coisa. E temos muita coisa para reformar no país.
Por exemplo?
A questão da Função Pública. Nós não temos uma economia capaz de suportar uma Função Pública com esta dimensão, temos de criar uma Função Pública ajustada à dimensão do país.
É excessiva?
Se olharmos para a dimensão da Função Pública em relação à economia, em termos relativos, sim. A explicação pode estar ligada com a história do país, dos últimos 30 ou 40 anos. Mas chega uma altura em que temos de reconhecer que temos um problema. Se não conseguirmos fazer isso, dificilmente vamos ter uma solução. Não é uma questão de ideologia: eu vivi na Suíça muito tempo e sou partidário de se separar as decisões políticas de longo prazo da tecnocracia que gere o dia-a-dia. Por isso é que parece que reinventamos o país a cada quatro anos — o que é algo que destrói muito valor. Temos de ter uma camada de tecnocracia que deve gerir o bem-estar das pessoas ao nível técnico. Acima disso são os políticos, que devem ter menos protagonismo — na Suíça uma grande parte da população não sabe o nome do Presidente. Esses são políticos que são votados para idealizar uma visão de longo prazo para o país, e isso não pode mudar a cada quatro anos. Em Espanha a cada quatro anos mudam-se as leis todas na educação. Não pode ser. Tem de haver uma política de país. Estamos a prostituir a política, com uma mistura de interesses económicos.
Mas a ideologia tem um papel. Houve, recentemente, o caso de um presidente de uma cadeia de padarias que defendeu, na televisão, um mercado de trabalho mais liberalizado. E a resposta de algumas pessoas foi a de fazerem boicotes. Houve vandalismo nalgumas lojas. Acha que isso é um sinal de uma sociedade saudável?
Não, e esse é o principal problema do mundo. As sociedade estão pouco saudáveis. Estão a acontecer mudanças de fundo que são muito importantes, que estão relacionadas com as teorias das revoluções industriais e os ciclos sociais que estas criam. Estamos na sexta revolução industrial, segundo alguns pensadores, e esta tem características especiais que estão relacionadas com o facto de as anteriores estarem confinadas geograficamente. Esta revolução industrial em que vivemos é global e uma revolução que tem a ver com serviços (e não com energia ou com produtos, como as anteriores). E é importante que seja explicado às pessoas o que está a acontecer. E, aí, os políticos fazem, muitas vezes, um mau trabalho nesse aspeto, privilegiando os interesses pessoais e eleitorais.
A primeira coisa que a nova gestão fez na Fapajal.
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“A primeira coisa que fizemos na Fapajal foi criar um novo refeitório, bonito, iluminado, para todos poderem utilizar. Sim, porque na Fapajal havia refeitórios diferentes para homens e mulheres. Não quero denegrir a administração anterior, que fez um trabalho muito bom e foi por isso que comprámos a empresa. Mas é algo que pertence a uma geração diferente. Criámos um ponto de encontro para ilustrar que é importante a equipa, passar tempo juntos, comunicar. Antigamente as pessoas trabalhavam em estrela, as pessoas isoladas, cada uma na sua ponta. Agora está tudo integrado, e gostamos de envolver as famílias dos trabalhadores, porque se houver uma consciência de que as pessoas estão a fazer o melhor pela empresa e por elas (e pelas famílias delas) é assim que se pode pedir sacrifícios às pessoas quando é necessário, como todos fazemos sacrifícios em prol da equipa. A felicidade é uma vantagem competitiva nas empresas, e digo-o com a experiência de ter visto os resultados diferentes que cada situação gera”
Xavier Rodríguez-Martin, empresário
Que mais falta em Portugal, para o progresso no país?
Em Portugal nem sempre somos bons marketeers. Dou o exemplo do local onde estamos neste momento [um restaurante na baixa lisboeta que serve enlatados de qualidade]. Temos um produto agrícola com competitividade internacional pela sua qualidade internacional. Vejo aqui enlatados, vejo vinho, vejo azeite. Falta-nos pôr isto no mundo. Na empresa que adquirimos, a Fapajal, temos um papel de qualidade extraordinária, reconhecido internacionalmente, mas é preciso saber como pôr o produto no mercado. Falta-nos marketing, para tornar os nossos produtos atrativos aos olhos do cliente. Em Portugal, parece que estamos a começar a ter confiança nas nossas capacidades. Tenho uma visão positiva sobre o que tem vindo a acontecer, em termos de ânimo.
Como é que as lideranças, nomeadamente as políticas, podem impulsionar isso?
Por exemplo, lançando iniciativas como a Web Summit. Ou iniciativas ainda maiores, como o Mobile World Congress, em Barcelona. Isso ajuda a criar uma narrativa, uma história, e isso tem um grande poder mobilizador. É preciso criar eventos mobilizadores, porque ajudam a criar perceção de sucesso e de promessa. Até os Jogos Olímpicos de Barcelona, em cuja organização participei, foram um evento mobilizador como esses.
Nós tivemos o Euro 2004, de futebol.
Pois, aí se calhar pecámos por excesso de investimentos e de estádios. Mas serviu para aprender, e as sociedades aprendem, os países evoluem. Não vamos repetir os mesmos erros, também porque agora não há dinheiro.