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"Portugal está a progredir, mas demasiado devagar", diz Nouriel Roubini, o economista que previu a crise de 2008

Economista que previu crise de 2008 lança livro sobre as "mega-ameaças" no horizonte. Em entrevista, elogia Portugal por acolher a imigração que será única forma de sobreviver à "montanha de dívida".

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Nouriel Roubini é conhecido como o “Dr. Doom”, um economista visto muitas vezes como um Profeta da Desgraça – ganhou notoriedade mundial quando previu que iria haver um colapso do setor imobiliário dos EUA e uma crise financeira grave. Esse vaticínio acabou por se confirmar com a grande recessão de 2008 e é por isso que Roubini não gosta de ser chamado de “Dr. Doom” mas, sim, “Dr. Realista”.

É professor na Universidade de Nova Iorque e trabalhou com as administrações de Bill Clinton e Barack Obama. Acaba de publicar um novo livro, Megathreats, com as 10 mega-ameaças que colocam em risco a nossa economia e o nosso futuro – e como é que podemos sobreviver-lhes.

O livro, editado em Portugal pela Planeta, chega às livrarias esta semana. Em entrevista remota ao Observador, Nouriel Roubini fala sobre a “montanha de dívida” que Estados, empresas e famílias acumularam mas mostra-se ainda mais preocupado com a “dívida implícita” – as responsabilidades futuras assumidas para com uma população em envelhecimento. Quanto os jovens de hoje chegarem a velhos, “não haverá dinheiro suficiente“, alerta Roubini.

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Na crise da dívida pública, a partir dos anos 2010, Roubini chegou a admitir que a Grécia poderia acabar por sair do euro (e Portugal seguir-lhe-ia as pisadas pouco tempo depois). Logo em 2012, porém, no pico das tensões na periferia do euro, avisou que caso se deixasse “cair” a Grécia, isso iria acabar com o projeto da moeda única – e foram avisos como esse que mantiveram os países mais vulneráveis dentro de união monetária.

Hoje, Roubini mostra que continua atento a economias como a de Portugal, um país com grandes desafios demográficos mas onde o economista vê razões para otimismo. “Portugal tem beneficiado muito de ter muitas pessoas a vir para o país, incluindo os chamados nómadas digitais e outros. São pessoas qualificadas e com capacidade económica que podem contribuir para a atividade económica, para a dinâmica empresarial e para receitas para o Estado”. Só há que gerir essa imigração “de forma inteligente” e acelerar nas reformas da economia.

“Acabou a festa dos juros baixos. Famílias, empresas e até Estados podem falir”

Um fio condutor que se encontra na maioria das 10 mega-ameaças que descreve no livro está relacionado com a acumulação de dívida ao longo de anos em que as taxas de juro estiveram demasiado baixas por demasiado tempo. O que é esta “armadilha de dívida” de que fala no seu livro?
Nas últimas décadas houve uma acumulação de dívida pública – dos governos centrais e locais – que se reflete na dívida oficial mas também existe uma dívida implícita que está nas responsabilidades que se assumiram à medida que as populações envelheceram. Criámos sistemas de pay as you go, ou seja, contribuições impostas aos mais jovens usadas para pagar aos mais velhos, em cada momento. Mas, agora, o número de jovens na força de trabalho está a encolher e o número de idosos está a aumentar. Portanto, há que somar à dívida oficial aquela dívida que corresponde a essas responsabilidades futuras, que ainda não estão financiadas.

Que têm uma dimensão muito maior, em comparação com a dívida oficial, como diz no livro…
Sim, absolutamente, maior até do que a dívida oficial. E também há, por outro lado, uma acumulação de dívida no setor privado: famílias, empresas, bancos, “bancos-sombra” – a média passou de 100% do PIB (anual) nos anos 70 para 200% nos anos 2000 e para 350% no ano passado. Aliás, se falarmos só nas economias avançadas é algo como 420% do PIB – e está a subir. Isto cria uma “armadilha de dívida” em várias dimensões: até recentemente, embora os rácios de endividamento fossem elevados, os custos de servir essa dívida [os juros] eram muito baixos, porque as taxas de juro eram muito baixas ou abaixo de zero. Biliões de euros em dívida da zona euro tem um taxa de rentabilidade negativa – mas essa festa acabou, porque com a subida da inflação o BCE e os outros bancos centrais estão a subir as taxas de juro.

Qual é o perigo?
O risco vem do aumento do custo das prestações de crédito, créditos pessoais, cartões de crédito, financiamentos empresariais – além dos próprios Estados. O meu receio está nas instituições públicas e privadas às quais chamamos zombies, entidades que foram conseguindo sobreviver graças aos juros baixos. Mas com a subida das taxas elas vão enfrentar cada vez maiores dificuldades financeiras. Antevejo que em muitas partes do globo irão enfrentar problemas de dívida que vão provocar insolvências e falências – crises de dívida no setor privado e público, senão mesmo de países inteiros.

“Quando jovens chegarem à terceira idade, não haverá dinheiro suficiente”

Escreve a dada altura que “estamos encurralados e não hã soluções que não sejam dolorosas”. Para o cidadão comum, por vezes é difícil compreender as implicações desta “montanha de dívida” – além dos riscos de insolvência que referiu, o que é que esta situação vai significar, na prática, para nós e para os nossos filhos?
O problema é que, ao emitir dívida pública, estamos a financiar despesas do Estado no momento atual, gerando a obrigação futura de reembolsar essa dívida e os juros associados. É uma responsabilidade que estamos a transferir para os nossos filhos, que acabarão por ter de pagar essa dívida cobrando impostos ou cortando nos serviços públicos. A dívida implícita, de que falava há pouco, representa um conflito intergeracional ainda pior, porque estamos a financiar os benefícios dos mais idosos com impostos cobrados aos mais jovens – mas na altura em que os atuais jovens, daqui a algumas décadas, chegarem à terceira idade não haverá dinheiro suficiente para pagar integralmente as suas pensões e cuidados de saúde. Este conflito será cada vez mais uma fonte de tensão social.

"Estamos a financiar os benefícios dos mais idosos com impostos cobrados aos mais jovens – mas na altura em que os atuais jovens, daqui a algumas décadas, chegarem à terceira idade não haverá dinheiro suficiente para pagar integralmente as suas pensões e cuidados de saúde. Este conflito será cada vez mais uma fonte de tensão social".

Qual é a solução que propõe, sem quebrar o chamado “contrato social”?
Infelizmente é necessário fazer escolhas difíceis. Se a dívida pública é demasiado elevada é necessário reduzir gradualmente a despesa pública e é preciso fazer escolhas sobre que segmentos da sociedade é que se ajudam mais e quais é que se ajudam menos. É necessário reduzir os pagamentos feitos ao setor privado e ser mais seletivo sobre as entidades que mais merecem esses pagamentos, evitando distribuir grandes subsídios para as grandes empresas e para os cidadãos mais ricos. Depois, é preciso aumentar os impostos seja sobre o trabalho seja sobre o capital ou outros segmentos.

E relativamente às tais dívidas implícitas?
Aí, as decisões difíceis podem ser, por um lado, aumentos da idade da reforma. É claro que os jovens e aqueles que estão mais perto da reforma não vão ficar felizes. Também se pode aumentar as contribuições pedidas aos mais jovens, o que também pode não ser muito bem recebido. Ou, então, é preciso reduzir os benefícios dos mais velhos – e isso também não é politicamente vantajoso. Por isso é que os governos tendem a empurrar o problema com a barriga e não se fazem reformas dos sistemas de pensões porque politicamente são muito difíceis. Vai-se sempre causar descontentamento a alguém.

Mas não é possível empurrar o problema com a barriga para sempre… Haverá uma altura em que chega o Dia do Julgamento Final?
Haverá sim. Até há dois anos tínhamos estímulos monetários, juros baixos ou negativos, juros de longo prazo baixos para estados e setor privado… Agora as coisas são diferentes porque os problemas nas cadeias de abastecimento globais, os choques externos [como a Guerra na Ucrânia] e as políticas monetárias e orçamentais expansionistas levaram a uma situação de inflação. E as economias estão a abrandar ao ponto de caírem numa recessão. Porém os bancos centrais estão obrigados a subir as taxas de juro para combater a inflação. Se a recessão vai ser ligeira e curta ou se vai ser mais longa e profunda é uma matéria que é discutível – mas o que sabemos é que além da “dor” económica vai haver “dor” financeira porque aumentar as taxas de juro vai tornar mais caro o pagamento das dívidas das empresas, das famílias e dos Estados. E aqueles que tiverem demasiada dívida podem dar por si em dificuldades financeiras e podem falir. No ano passado já vimos os mercados acionistas a caírem, os juros da dívida a subir – esse tipo de “dor”, à medida que se aumentam os juros para combater a inflação, vai-se agudizar cada vez mais. Pode gerar-se um círculo vicioso entre contração na economia e stress financeiro.

“Portugal tem beneficiado muito de ter muitas pessoas a vir para o país”

No livro há um capítulo inteiro sobre os desafios demográficos. Portugal tem uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa. Até que ponto é que acha que esse problema devia estar mais presente nas prioridades dos responsáveis políticos e o que deve ser feito?
No passado, em situações em que se criaram problemas demográficos – que reduzem o crescimento potencial e agravam as tais responsabilidades futuras – houve duas opções: ou se fizeram reformas dos sistemas de pensões ou, em alternativa, houve soluções que passaram em parte pela imigração. No caso particular de Portugal, porém, Portugal tem beneficiado muito de ter muitas pessoas a vir para o país, incluindo os chamados nómadas digitais e outros. São pessoas qualificadas e com capacidade económica que podem contribuir para a atividade económica, para a dinâmica empresarial e para receitas para o Estado. A minha perceção é que Portugal tem sido um país que abre os braços a esta imigração, ao passo que outros países europeus e os EUA têm visto este movimento com olhos menos bons. Sei que mesmo em Portugal os autóctones queixam-se do aumento dos preços das casas, das rendas, queixam-se de sobrecarga nos serviços públicos, de falta de habitação, de escolas, infraestruturas, etc. Claro que a solução deve passar por aumentar o parque habitacional e serviços públicos porque estes nómadas digitais vão trazer um grande benefício para Portugal, só é necessário gerir esta entrada de pessoas de uma forma inteligente.

Portugal é o melhor país da Europa para quem vive emigrado (apesar dos cães que ladram)

Eles encontram boas condições aqui?
Sim, mas muitas vezes sabemos que se queixam de excesso de burocracia, de falta de incentivos fiscais para vir para Portugal, de complicações na abertura de negócios e de dificuldade em encontrar boas soluções de creches e escolas. É preciso apostar no desenvolvimento de infraestruturas privadas e públicas para tentar melhorar a vida tanto de quem está como de quem vem.

Vejo que continua atento ao que se passa em Portugal. É verdade que o país não faz tantas manchetes na imprensa económica como fez há cerca de 10 anos, na altura do resgate da troika mas além do que acabou de dizer qual é a sua perceção sobre como o país está a evoluir desde esse resgate?
O país parece estar a progredir bastante bem, tem atraído muita gente por ser um país lindo e com bons recursos, continua a atrair muito turismo – que está a regressar após a Covid – mas é mais do que turismo, como dizia… A entrada das pessoas qualificadas que referi antes são um impulso para o sucesso económico do país. Isto são os aspetos positivos, mas também há aspetos negativos: dívida pública que continua elevada, défice orçamental, aumento dos juros da dívida, inflação elevada a pressionar o poder de compra dos cidadãos, falta de investimento nas infraestruturas que atraiam mais gente qualificada de fora, investimento em educação, na qualificação do capital humano local… É preciso dar qualificações às pessoas para que elas consigam sobreviver num mundo global e digital. Há que usar de forma inteligente os subsídios que vão chegar da Europa, do fundo de recuperação (PRR), apostar fortemente na transição digital e energética… Todas estas coisas estão a caminhar no sentido correto mas, aparentemente, demasiado devagar comparando com aquilo que seria desejável.

Como assim?
É preciso aumentar a produtividade e a capacidade produtiva do país para que o potencial de crescimento se torne maior. É preciso trabalhar muito para isso. Julgo que a situação em que Portugal se encontra é positiva, porém no curto prazo há um risco associado ao aumento da inflação e das taxas de juro. O crescimento foi de mais de 6% no ano passado mas agora prevê-se apenas 1,5% – preocupo-me que seja ainda menos do que isso, não por causa de Portugal mas por causa do impacto da contração mundial e europeia. Em alguns cenários desfavoráveis, é possível prever um crescimento perto de zero. Porém, desde que o país continue a investir nas suas pessoas, nas suas infraestruturas, no médio e longo prazo Portugal pode continuar a ser uma história de sucesso que atrai capital estrangeiro, pessoas e também atrai capital interno para investimento, à medida que se aposta na qualificação das pessoas. É possível continuar a ser uma história bem sucedida no médio prazo, mesmo que este ano o caminho vá ter alguns solavancos.

Acha que Portugal, entre os vários países que tiveram programas de ajustamento económico e financeiro, tirou partido das reformas receitadas pela troika? Ou acha que também terá havido aspetos negativos na execução do programa que prejudicaram as perspetivas económicas do país?
Bem, aqueles foram anos difíceis, os anos após a crise financeira. Havia excessos nos setores público e privado, foi necessário apertar o cinto. Portugal, de um certo prisma, seguiu o seu próprio caminho: aplicou austeridade nas contas públicas, lançou estímulos fiscais localizados – depois beneficiou muito das políticas monetárias expansionistas do BCE mas também fez por se tornar um destino atrativo para as pessoas e para o capital vindos do estrangeiro. Por vezes, é preciso uma crise para se fazer mudanças. Tínhamos países em posições muito baixas em termos de competitividade internacional e atualmente países como Portugal, Grécia, também Espanha estão muito mais bem classificados nesses indicadores, além dos indicadores de qualidade de vida. Mas não se pode tomar estas conquistas como garantidas porque os tempos do dinheiro e do crédito baratos, e das políticas orçamentais expansionistas, ficaram para trás das nossas costas.

Impostos, casa, vistos. No mundo sem fronteiras dos nómadas digitais (onde nem todos entram)

Essa é uma das mega-ameaças que estão no livro…
Sim, ao lado de riscos como as tensões geopolíticas, a inversão da globalização, restrições ao movimento mundial de fatores de produção e comércio. Também falo de riscos como o envelhecimento das populações, as alterações climáticas, o risco de novas pandemias, o risco de que a Inteligência Artificial e a automação possam tornar obsoletos muitos trabalhos, entre outros. O impacto de todos estes riscos incide sobre todos os países, portanto todos temos de lidar com estas mega-ameaças. Vivemos num mundo com grandes interligações e, mesmo que se faça aquilo que é correto, as políticas erradas de outros países podem penalizar uma economia pequena e aberta como a portuguesa, que depende muito do sucesso do resto do mundo.

“BCE pode subir juros para 3,5% ou até mais do que isso”

No tema das taxas de juro a subir, Portugal tem uma percentagem relativamente grande de pessoas que vivem em casa própria e os créditos são sobretudo em taxa variável, o que está a fazer as prestações de algumas famílias subirem 200 ou 300 euros por mês. Até que níveis é que as taxas de juro podem subir na zona euro?
O BCE já normalizou as taxas de juro mas ainda não entrou num território que se possa considerar restritivo [da atividade económica, por força das taxas de juro mais elevadas do que um nível expansionista ou neutral]. Olhando para a frente, o cenário mais benigno seria um cenário em que o BCE apenas faria mais 50 pontos de aumento nas taxas de juro – o que levaria a taxa dos depósitos dos atuais 2,5% para 3%. Esse seria o melhor cenário que, mesmo assim, seria doloroso para aqueles que têm créditos com taxa variável. Mas há um cenário mais grave, em que a inflação mostra ser mais teimosa do que o BCE acredita ser – se isso acontecer, e há muitas razões que fazem com que isso possa acontecer, então não bastará ir até 3%. Pode ser necessário ir para 3,5% ou até mesmo mais do que isso, o que fará com que a dor se torne ainda mais intensa.

"Há um cenário em que a inflação mostra ser mais teimosa do que o BCE acredita ser – se isso acontecer, e há muitas razões que fazem com que isso possa acontecer, então não bastará ir até 3%. Pode ser necessário ir para 3,5% ou até mesmo mais do que isso."

São níveis que famílias e empresas aguentam?
As famílias e as empresas enfrentam um triplo choque. O risco é um contexto de rendimentos menores, abrandamento da economia, inflação mais rápida do que o crescimento dos salários, rendimento real a cair e, se houver uma recessão, pode perder-se empregos. Depois, do lado dos ativos, mercados em queda, imobiliário em queda, perdas em investimentos arriscados feitos na pandemia por jovens (como as meme stocks). Juntando os recuos do lado dos rendimentos e do lado dos ativos, gera-se um triplo choque quando se introduz um aumento dos custos do serviço da dívida. Algumas famílias e empresas serão mais resilientes, têm melhores rendimentos e melhor equilíbrio entre ativos e passivos, mas outros são mais frágeis e esses vão estar sob um stress económico e financeiro maior.

Ambrosetti International Economic Forum 2019

Nouriel Roubini diz que é essencial poupar 20%-30% dos rendimentos, por muito que custe. E investi-los de forma correta.

Getty Images

“É uma questão de tempo até termos uma Covid-23 ou 24 ou outra coisa qualquer”

Também fala no livro sobre o perigo de novas pandemias. Considerando aquilo que foi a resposta à Covid-19, quais acha que foram as lições aprendidas?
As pandemias podem tornar-se acontecimentos mais frequentes e perigosos. A gripe espanhola foi em 1918 e, depois, não tivemos quase nada até aos anos 90. Desde então tivemos SIDA, SARS, gripe dos porcos, gripe das aves, zika, ébola, Covid-19… É apenas uma questão de tempo até termos a Covid-23 ou 24 ou outra coisa qualquer. Temos, aliás, novas variantes do novo coronavírus que são muito virulentas, portanto esta guerra contra a Covid-19 ainda não terminou. E há uma relação entre as alterações climáticas e as pandemias: à medida que destruímos o meio ambiente aqueles animais que transportam patogéneos, como o pangolim e os morcegos, vão-se tornando mais próximos do gado e dos humanos. Portanto, a transmissão para os humanos torna-se mais frequente.

Acha que, hoje, de um modo geral, os líderes políticos sentem que se precipitaram e tiveram uma resposta exagerada que não teve em consideração os outros impactos, designadamente sobre a economia, das decisões que foram tomadas?
Há sempre um trade off entre salvar vidas e salvar rendimentos. Penso que no início da pandemia, quando não tínhamos ainda qualquer imunidade, tínhamos de fechar a atividade económica por muito doloroso que fosse. Depois, quando nos aproximámos de uma situação em que se tornou possível gerir os riscos – e, claro, criar a vacina – aí foi possível ir reabrindo a atividade económica. Nenhum país conseguiu fazer isto de forma perfeitamente certa mas na próxima pandemia será necessário voltar a decidir a que grau se vai fechar as economias e até que ponto se irá querer evitar o impacto económico.

Qual é a lição que se aprendeu, então?
Penso que não é muito fácil extrair uma resposta correta, mas acredito que no início de uma pandemia será sempre necessário fazer confinamentos mas, depois, é preciso ir reabrindo a uma velocidade suficiente, ao mesmo tempo que se protege as pessoas que precisam de ser protegidas. A maior lição é que as pandemias saem-nos muito caras, portanto o melhor é investir em preveni-las, gastando dinheiro a nível nacional e global – porque a próxima será tão ou mais feia do que esta. As potências globais estão a lutar umas com as outras, não cooperam nem em temas relacionados com a saúde pública global – não tivemos qualquer cooperação internacional e isso tornou a pandemia pior.

"As pandemias saem-nos muito caras portanto o melhor é investir em preveni-las, gastando dinheiro a nível nacional e global – porque a próxima será tão ou mais feia do que esta."

Qual é a imagem, a metáfora, que melhor ilustra o estado do mundo hoje em dia, com todas estas mega-ameaças que identifica no livro e que estão todas interconectadas entre si?
Estamos perante um círculo vicioso em que cada um destes riscos se alimenta do seguinte. É como se fosse um funil em que nos afundamos cada vez mais, a menos que se consiga quebrar o ciclo negativo de mega-ameaças. Eu chamo-lhes mega-ameaças, outros economistas dizem que são as “policrises”, a líder do FMI chamou-lhe confluência de calamidades. O problema é que não são problemas isolados, todos se alimentam uns dos outros.

E um risco de que ainda falámos pouco é o associado às alterações climáticas. Já relacionou a inflação que vivemos com a transição energética e salientou que estamos todos a constatar que a transição para a energia do futuro requer um grande gasto com energias convencionais… Qual é a sua leitura sobre os objetivos de sustentabilidade, as metas de ESG (Environment, Social e Governance, ou ambiente, sociedade e governação), sobre as quais ouvimos falar todos os dias?
Infelizmente vemos muito “greenwashing” e “greenwitching”. Para produzir os metais “verdes” que estão nos veículos elétricos, baterias, lítio, cobalto, etc, para obter esses metais é preciso muita energia – a minha preocupação é que tenhamos um aumento brusco nos preços das matérias-primas, porque nos últimos anos houve um grande subinvestimento em nova capacidade produtiva e extrativa. Isso aplica-se, desde logo, aos combustíveis fósseis porque temos dito às grandes petrolíferas que elas poluem e isso fez com que elas tenham reduzido os investimentos. O problema é que o progresso nas energias renováveis não está a ser suficientemente rápido portanto não há uma substituição suficiente da oferta energética. Acontece o mesmo com outros metais industriais e tenho receio que a China possa vir a retaliar com limitações na exportação de semicondutores (chips) que são essenciais para todo o tipo de equipamentos que usamos, desde carros a computadores. A questão geopolítica pode tornar ainda mais cara a produção dos metais “verdes” de que necessitamos para esta transição.

O que é que lhe diz, sobre o impacto social desta transição, acontecimentos como os protestos levados a cabo pelos agricultores holandeses, por exemplo?
Qualquer reforma que se faça, seja sobre questões ambientais ou quaisquer outras, implicam custos no curto prazo e benefícios no médio e longo prazo. No caso das alterações climáticas, se estamos a introduzir impostos mais pesados sobre as emissões carbónicas, para promover a transição, isso vai prejudicar as pessoas. E, na verdade, temos visto os governos a baixar os impostos sobre os combustíveis fósseis, o que é o oposto daquilo que é preciso fazer para promover a transição. Vemos conflitos em vários países Ocidentais, sobretudo nos EUA, porque há pessoas que nem sequer acreditam que as alterações climáticas tenham a ação humana como causa. Há conflitos entre os mais idosos e os mais jovens, em que os idosos tendem a votar e os mais jovens não – e seriam os jovens que teriam mais a ganhar com as vantagens de longo prazo.

É possível um combate às alterações climáticas sem cooperação entre os países?
Se um país reduzir para zero as suas emissões mas o fizer sozinho, o que isso significa é que está a assumir todos os custos mas vai acabar por não conseguir grandes benefícios se uma coordenação entre os países continuar a ser impossível. Há também conflitos entre países mais ricos e mais pobres – em que os mais pobres dizem aos ricos “vocês é que criaram este problema, com a revolução industrial, não nos peçam agora para não fazermos emissões e continuarmos pobres“. Só aceitam baixar as emissões se os subornarem com subsídios de biliões de dólares, que o Ocidente não quer pagar… E com a China, com quem não é possível coordenar respostas a um evento como a pandemia, também não se consegue um acordo sobre combate às alterações climáticas. E, assim, continuamos a empurrar também este problema com a barriga e os custos provocados pelas alterações climáticas continuam a agravar-se a cada ano. As alterações climáticas não são apenas um problema para daqui a 20 anos, já se estão a sentir hoje.

Falámos muito sobre como as autoridades devem enfrentar estas ameaças mas como é que cada um, ao nível individual, deve enfrentar os riscos – no seu dia a dia, nos seus investimentos, na formação, etc.
Muitos desses problemas são coletivos portanto precisam de ação coletiva. Mas individualmente todos podemos fazer a diferença: todos podemos reduzir a nossa pegada carbónica, seria ótimo se pudéssemos ser todos vegetarianos, porque um quarto de todas as emissões de gases com efeito de estufa vem do gado para consumo. Deve-se evitar os plásticos, usar painéis solares e outras formas alternativas de poupar energia. Noutras matérias, quem é jovem sabe que não terá o mesmo emprego toda a vida e sabe que a inteligência artificial vai criar disrupção em muitas áreas, portanto é preciso ser ágil para sobreviver na economia do futuro, num mundo que será hiper-digital. É essencial estudar alguma área STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) mas também aprender artes porque será necessário aprender a pensar, escrever bem, ter uma postura flexível para mudar de área de um momento para o outro, se for necessário.

E nos investimentos?
Nos investimentos o que noto é que todos querem ficar ricos de um dia para o outro. Muita gente envolveu-se em negociação bolsista de curto prazo, envolvem-se nas criptos – que são um embuste total – meme stocks, SPAC (special purpose acquisition company), depois 90% perdem tudo o que têm. Ninguém pode ter a expectativa de ficar rico de um dia para o outro. É preciso estudar muito, trabalhar muito, aprender ao longo da vida e poupar mesmo quando os rendimentos não são muito elevados – os jovens têm de conseguir poupar 20% a 30% do seu rendimento, porque a Segurança Social e os cuidados na idade avançada não vão estar totalmente ao seu dispor. Pelo que é preciso ter soluções de poupança individual – e quando se poupa sempre, todos os anos, e se investe numa carteira diversificada de instrumentos – ações europeias, americanas, empresas mais arriscadas, ativos menos arriscados – é assim que se pode conseguir rendibilidades médias de 10% a longo prazo, para 40 ou 50 anos. Isso é essencial, porque a reforma não vai chegar aos 65 anos – com o aumento da esperança média de vida todos se devem preparar para apenas se reformarem quando passarem os 70 ou menos os 80 anos. A vida não é um sprint, é uma maratona. E quem se preparar para uma maratona, vai ter sucesso, quem não se preparar vai ficar para trás.

“Mega-Ameaças” é publicado em Portugal pela editora Planeta.

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