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A produção hidroelétrica este ano está acima do valor médio
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A produção hidroelétrica este ano está acima do valor médio

NUNO VEIGA/LUSA

A produção hidroelétrica este ano está acima do valor médio

NUNO VEIGA/LUSA

Preço anormal na eletricidade está a chegar à fatura, mas também traz custos e pode obrigar a rever tarifas

Produção renovável em excesso face à procura afundou o mercado elétrico. Preços baixos permitem reduzir a fatura da luz, mas também podem obrigar o regulador a rever em alta as tarifas de acesso.

A eletricidade negociada no mercado ibérico para esta quarta-feira esteve a preços negativos durante nove horas. De acordo com os dados da bolsa diária, os preços variaram entre -0,01 euros por megawatt hora entre as oito e as nove da manhã e os -0,05 euros por MW hora entre as 17 e as 18 horas.

É mais um sinal da anormalidade que tem tomado conta das cotações no mercado de energia cuja negociação diária registou preços horários negativos durante algumas horas nos últimos sete dias.

O ciclo inédito começou a 1 de abril e tem prosseguido alimentado pela abundância de fontes de produção renovável em Portugal e Espanha. Esta produção em alta tem sido muito alimentada pelo elevado nível de armazenamento de água nas barragens (devido às chuvas recentes) que tem levado a descargas (que permitem a produção de energia).

Eletricidade ao preço da chuva. Preço diário fechou abaixo de 1 euro por MW/hora

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A energia hidroelétrica tem tradicionalmente um grande peso no sistema ibérico (em Portugal abastecia até um terço do consumo). Esse peso tem sido diluído em anos passados pela expansão de outras fontes renováveis e pelas secas mais frequentes, mas este ano voltou em força. E, combinado com a produção crescente de energia solar e eólica, está a levar a outro fenómeno que não era muito comum, pelo menos na Península Ibérica. A gestora da rede tem dado ordens para desligar durante algumas horas a produção em centrais, sobretudo solares, que são mais rápidas de ligar e desligar para evitar um excesso de injeção de oferta na rede face à procura.

Em resposta ao Observador, fonte oficial da REN (Redes Energéticas Nacionais) confirma que “as condições meteorológicas na Península Ibérica nos últimos tempos criaram condições muito favoráveis para a produção renovável, havendo, em particular desde sexta-feira, um excesso relevante de produção eólica, solar e hídrica, acima da procura de mercado”.

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Mesmo com os preços a zero há produtores que preferem continuar a fazer ofertas porque as tecnologias que recorrem ao sol e ao vento não podem ser armazenadas. Têm de ser gastas quando produzidas. E pode não valer a pena desligar e voltar a ligar a central até porque, ao longo do dia, há horas em que os preços compensam. Por exemplo, a negociação para esta quarta-feira oscilou entre menos que zero e os 35 euros por MW hora para fechar numa média de 1,29 euros por MW hora.

Negociação do mercado grossista de eletricidade para esta quarta-feira

A onda renovável vivida em Portugal e Espanha começou por ser bem acolhida porque a produção de eletricidade a partir de recursos inesgotáveis como o vento, a água e o sol não só evita a emissão de CO2, como também baixa muito o custo de produção por dispensar o uso de combustíveis. Mas o seu prolongamento tem vindo a gerar alguns sinais de alarme no setor. Isto porque, com preços tão baixos, é muito mais difícil conseguir financiamento para investimentos para mais potência renovável no atual regime de mercado, o que coloca um desafio adicional à já muito complexa equação da transição energética.

Comercializadoras baixam preço

Para os consumidores finais, os preços médios diários abaixo dos 10 euros por MW hora — a cotação para esta quarta-feira fixou-se no 4,31 euros por MW hora — são em tese uma boa notícia. E essa boa notícia — as descidas significativas na componente de energia das faturas finais de eletricidade e do gás natural — já está a ser anunciada pelas comercializadoras como a EDP, a partir de junho, e a Galp, já em abril. As elétricas já estavam a cortar na fatura da energia, por causa dos preços baixos no mercado, mas a forte valorização das tarifas de acesso decidida pelo regulador para o início deste ano tinha contrariado o efeito na fatura final que em muitos casos sofreu um agravamento superior à tarifa regulada, a qual aumentou 3,7% este ano.

Para os cerca de um milhão de consumidores que estão no mercado regulado ainda não houve uma atualização extraordinária das tarifas, como aconteceu no ano passado em abril, mas o desvio entre o preço médio de energia previsto pelo regulador para 2024 — 88 euros por MW/hora — e o que se tem vindo a verificar — em março, por exemplo, o preço médio no Mibel foi de 20 euros por MWh — torna praticamente inevitável que haja uma correção das tarifas previstas pela ERSE (Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos) para todo o ano.

Previsão de 88 euros por MW pode obrigar regulador a fazer revisão extraordinária de tarifas

De acordo com o regulamento tarifário, sempre que exista um desvio superior a 10 euros tem que haver uma atualização tarifária que neste caso seria no sentido de reduzir a componente de energia. Isso não aconteceu ainda, mas deve acontecer neste segundo trimestre e essa correção poderá ter impacto para além da componente de energia, reajustando também as tarifas de acesso ao sistema. Se isso acontecer, o efeito pode chegar aos mais de seis milhões de clientes de eletricidade em Portugal.

Questionada pelo Observador, fonte oficial do regulador sinaliza apenas que “a ERSE, no quadro das suas competências, monitoriza regularmente a adequação da tarifa de energia do mercado regulado relativamente aos custos de aquisição considerados para o Comercializador de Último Recurso (o operador da EDP que abastece a tarifa regulada). Nesse sentido, está neste momento a analisar todos os referenciais de mercado e tomará uma decisão oportunamente”.

"A ERSE, no quadro das suas competências, monitoriza regularmente a adequação da tarifa de Energia do mercado regulado, relativamente aos custos de aquisição considerados para o Comercializador de Último Recurso (o operador da EDP que abastece a tarifa regulada). Nesse sentido, está neste momento a analisar todos os referenciais de mercado e tomará uma decisão oportunamente”.
Resposta do regulador da energia ao Observador

Basta recuar um ano, a abril de 2023, para perceber que o regulador deverá ter de avançar com uma nova fixação excecional das tarifas de eletricidade. No final de abril do ano passado, a ERSE anunciou essa revisão por causa do “contexto de volatilidade e incerteza na evolução dos preços do mercado grossista”, causado por uma forte redução dos preços da energia elétrica nos mercados grossistas para um nível muito inferior à previsão feita para o ano.

A revisão que entrou em vigor em junho do ano passado mexeu no preço da energia — baixando-o — mas, ao mesmo tempo, aumentou as tarifas de acesso ao sistema pagas por todos os clientes. Foi a fórmula aplicada para diminuir os desvios verificados entre os proveitos previstos para as empresas do sistema e as receitas efetivas que estavam muito abaixo devido aos preços inferiores de venda da eletricidade. O impacto para o consumidor do mercado regulado acabou por ser neutro, mas houve clientes das comercializadoras que tiveram de pagar os custos acrescidos das tarifas de acesso à rede ditados pelo regulador, como voltou aliás a acontecer em janeiro deste ano quando a ERSE aprovou aumentos das tarifas acima do inicialmente sinalizados.

O que liga o recorde da produção renovável à subida (maior que a prevista) das tarifas elétricas em 2024?

No ano passado, a ERSE justificou o aumento extraordinário das tarifas de acesso com a necessidade de repor o equilíbrio financeiro das atividades reguladas, o que passa também por travar a acumulação de um desvio que teria de ser repercutido nos custos do sistema elétrico para 2025 — penalizando as tarifas — ou adiado, agravando a dívida tarifária que já este ano voltou a subir.

Ou seja, para compensar os produtores pelos preços de energia mais baixos, é necessário ir buscar mais receita às tarifas de uso geral do sistema. E os produtores que têm direito a esta compensação são precisamente os de energia renovável, sobretudo parques eólicos, que beneficiam ainda de contratos de remuneração garantida. Quando o preço do mercado não permite a remuneração prevista no contrato, os consumidores são chamados a pagar um sobrecusto, via tarifas de acesso. Esta tem sido a regra que foi temporariamente interrompida durante dois anos em que os preços de mercado estiveram muito acima dos valores normais, catapultados pela guerra da Ucrânia e pela crise do gás natural.

Neste contexto excecional, os contratos com os produtores renováveis e com a Turbogás funcionaram como um seguro que permitiu travar em Portugal aumentos de preços mais significativos, como aconteceu por exemplo em Espanha. Com a inversão das cotações para um patamar muito baixo, o sobrecusto destes contratos volta a pesar nas tarifas da eletricidade.

A vigência destes contratos deve terminar nos próximos anos — no caso da Turbogás já terminou, embora esta central a gás vá beneficiar de um regime transitório por causa do seu papel na segurança do abastecimento — o que permite retirar esse potencial custo da fatura, uma vez que essas centrais vão passar a ser remuneradas ao preço do mercado. Mas os preços persistentemente baixos ou instáveis colocam outro problema. Como financiar os investimentos em mais energias renováveis?

A reforma do mercado europeu de energia prevê o recurso a contratos por diferenças bidirecionais, uma variação dos mecanismos de tarifas garantidas que existiu no passado para promover a expansão da energia renovável. Estes contratos determinam um intervalo no qual o preço pago ao produtor pode variar em função da evolução do mercado, mas estabelecem limites mínimos e máximos para essa variação que, no primeiro caso, dão ao produtor direito a ser compensado se a cotação do mercado for inferior.

E se há alguém que conhece muito bem esta reforma é a nova ministra do Ambiente e Energia, Maria Graça de Carvalho, que no papel de eurodeputada foi uma das responsáveis pelo redesenho, como lembra o consultor e especialista em energia, António Vidigal num post no Linkedin publicado esta semana.

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