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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Preço das casas bateu na "muralha". Bolso dos portugueses trava compra nas grandes cidades

Preços caíram quase 8% em Lisboa no 1º trimestre. E perderam gás na maioria dos maiores municípios. Por falta de poder de compra, a procura desloca-se para subúrbios e, aí, preços continuam a subir.

O mercado imobiliário português atingiu uma “muralha”. As pessoas querem comprar (ou trocar de) casa, os bancos querem emprestar, as taxas de juro mantêm-se historicamente baixas e a oferta disponível de casas continua a escassear. Mas o mercado imobiliário nas grandes cidades está a esbarrar no poder de compra limitado dos portugueses, relatam empresas do setor. Os últimos dados Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam a desaceleração do mercado e indicam que em Lisboa os preços já estão mesmo a cair, ao cabo de vários anos em subida rápida. Fora dos principais centros urbanos, porém, as subidas continuam, embora em desaceleração na maior parte dos casos.

Em 18 dos 24 municípios portugueses onde vivem mais de 100 mil habitantes, os preços das casas desaceleraram no primeiro trimestre para uma taxa (média) de valorização de 3,1%, na comparação com o mesmo período do ano anterior. A perda de gás é clara: em 2018, também segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice anual de preços da habitação subiu 10,3%, em 2019 cresceu 9,6% e em 2020 ganhou 8,4%.

Com os preços a crescerem a um ritmo médio de apenas 3,1%, no primeiro trimestre, o mercado parece estar a sentir ventos contrários como há vários anos não acontecia. E, embora essa seja uma média que esconde cenários muito díspares, os dados do INE “evidenciam que o poder de compra dos portugueses já está a condicionar a evolução dos preços dos imóveis”, afirma Ricardo Sousa, presidente da Century 21 Portugal, em declarações ao Observador.

Em Lisboa, onde é mais caro comprar casa, os últimos dados do INE, relativos ao primeiro trimestre, apontaram para uma descida de quase 8% no preço médio do metro quadrado, depois de alguma estagnação nos trimestres anteriores. Mesmo quando se alarga a análise para a primeira metade do ano, o presidente da Century 21 comenta que, nos negócios intermediados por esta consultora, o valor médio dos imóveis vendidos, no primeiro semestre de 2021, baixou 6% na cidade de Lisboa (de 321.656 euros para 302.177 euros). E também desceu no Porto, embora menos: 2%, de 179.082 para 176.316 euros.

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Olhando para os números do INE, que dizem respeito ao primeiro trimestre, as descidas são tudo menos generalizadas, pelo menos para já. Se em Lisboa, segundo os dados do INE, houve uma redução de 7,9% no primeiro trimestre (em comparação com o período homólogo), logo ao lado, em Oeiras, os preços subiram mais de 12%, o que representa uma aceleração de quase 7 pontos percentuais em relação ao trimestre anterior.

Se em Lisboa os preços já caíram quase 8% neste primeiro trimestre, logo ao lado, em Oeiras, subiram mais de 12%.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Mais a norte, em Matosinhos: os preços medianos subiram quase 17% no primeiro trimestre, acelerando face ao ganho de 10,2% nos últimos três meses de 2020. No Porto, desaceleraram, de 21,2% para 16,7%).

Eis como evoluíram, no primeiro trimestre, os preços nos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes, segundo o INE.

Município (com mais de 100 mil pessoas) Variação entre 1ºT2021 face a 4ºT2020 Variação entre 4ºT2020 face a 3ºT2020 Valor mediano por metro quadrado, em euros
Matosinhos 16,9% 10,2% 1.850
Porto 16,7% 21,2% 2.282
V.N. de Gaia 14,7% 14,4% 1.367
V.N. de Famalicão 12,5% 4,6% 1.044
Oeiras 12,3% 5,4% 2.536
Guimarães 12,1% 13,1% 973
Seixal 11,1% 14,2% 1.414
Maia 10,1% 8,4% 1.389
Almada 9,6% 11,5% 1.843
Amadora 7,9% 11,4% 1.764
Leiria 7,9% -2,9% 1.112
Sintra 7,5% 13,5% 1.455
Vila Franca de Xira 7,2% 14,4% 1.453
Gondomar 6,8% 13,8% 1.186
Loures 6,7% 8,8% 1.860
Braga 5,2% 8,3% 1.064
Cascais 4,4% 5,7% 2.936
Odivelas 4,0% 7,8% 2.071
Setúbal 4,0% 18,3% 1.285
Portugal 3,1% 7,8% 1.241
Barcelos 1,9% 4,2% 865
Santa Maria da Feira 1,2% 10,3% 868
Coimbra 0,6% 1,5% 1.343
Funchal 0,2% 8,8% 1.800
Lisboa -7,9% 0,0% 3.257

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)

É por esta razão que os promotores e consultores imobiliários dizem que é sobretudo o fator preço que está a criar uma muralha no mercado: onde os preços já atingiram um dado nível (absoluto) a valorização abranda ou recua; onde os valores (ainda) estão em níveis inferiores a procura desloca-se para lá e os preços continuam a subir mais rapidamente.

“O grande desafio é o poder de compra dos portugueses”

Mas os ajustes (negativos) do preço, onde existem, são localizados – porque, de um modo geral, “o mercado continua bastante dinâmico em todos os segmentos e com uma procura bastante ativa”, garante Ricardo Sousa. Porém, “o grande desafio é o poder de compra dos portugueses, quer para aquisição de habitação própria, quer para o arrendamento, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, na cidade do Porto e no Algarve”, reconhece o presidente da Century 21 Portugal.

A consultora lançou há poucas semanas um estudo sobre o impacto da pandemia na habitação e aí revelou que 45% dos portugueses gostariam de trocar de casa, mas 29% admitem não ter condições económicas para o fazer. “Hoje, os promotores e investidores imobiliários estão mais atentos a esta problemática e à oportunidade para construir e promover soluções de habitação acessível, o que irá criar uma nova dinâmica no mercado”, acrescenta Ricardo Sousa, da Century 21.

“O mercado continua bastante dinâmico em todos os segmentos e com uma procura bastante ativa. O grande desafio é o poder de compra dos portugueses, quer para aquisição de habitação própria, quer para o arrendamento, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, na cidade do Porto e no Algarve”
Ricardo Sousa, presidente da Century 21 Portugal

Mas o preço não é o único fator a explicar as tendências divergentes e os fenómenos de transferência de procura. Patrícia Barão, responsável pela área de mercado residencial da JLL, conta, em entrevista ao Observador, que tratou recentemente de um duplo negócio, para uma mesma cliente, de um apartamento na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e a compra de um apartamento muito maior em Oeiras, em que só o terraço/jardim tem 50 metros quadrados.

A especialista da JLL, consultora que trabalha mais com o segmento médio-alto/alto, nota que “a pandemia fez com que muitas pessoas passassem a valorizar mais o bem-estar, os espaços exteriores, as casas maiores – e, com a flexibilidade acrescida que muitos trabalhos oferecem, em que não se vai ao escritório todos os dias, há muitas pessoas que estão a fazer este tipo de mudança” e isso é consistente com a história que é contada pelos dados do INE relativamente à evolução dos preços em Lisboa e, por exemplo, em Oeiras.

Por outro lado, reconhece, “nós em Lisboa temos efetivamente um teto, os preços não poderiam continuar sempre a subiu ao ritmo elevado que tivemos, como se fosse uma never-ending story. Em Lisboa estamos a chegar a um patamar em que o que vai acontecer é uma estabilização – aliás, isso já estava a acontecer antes da pandemia”, afirma Patrícia Barão.

Lisboa é sempre a primeira a subir (e a primeira a cair)

Também se depreende dos dados do INE, relativos ao primeiro trimestre, que as medidas de confinamento não foram o fator que explica a baixa dos preços em Lisboa – porque o confinamento foi aplicado a nível nacional e houve zonas, como o já referido concelho de Oeiras, onde o confinamento não impediu os preços de continuarem a subir. Manuel Alvarez, presidente da RE/MAX Portugal, concorda que “as zonas já amplamente valorizadas no passado, como a de Lisboa, mais rapidamente chegam a um ponto de estabilização, estando também mais sujeitas a recuo”. Em sentido contrário, “zonas onde a procura é agora mais intensa, mas cujos preços estão ainda ao nível de alguns anos do passado, tenderão naturalmente a registar maiores acréscimos”.

Mas será que os números de Lisboa, relativos ao primeiro trimestre, significam o início de uma inversão de tendência? O responsável reconhece que os dados do INE mostram que no concelho de Lisboa se assistiu a uma estagnação – e até recuos – no 4º trimestre de 2020 e no 1º trimestre de 2021. Porém, Manuel Alvarez socorre-se de outros dados mais atualizados (também da responsabilidade do INE) e que são os dados sobre a avaliação bancária. Aí, revela-se que “os preços em junho de 2021 estavam já ao nível dos registados em setembro de 2020″, o que corresponde a máximos históricos: 3.092 euros por metro quadrado.

Mês de referência Valor mediano da avaliação bancária (euros/m2)
Junho de 2021 3.092
Maio de 2021 3.081
Abril de 2021 3.053
Março de 2021 3.013
Fevereiro de 2021 2.952
Janeiro de 2021 2.990
Dezembro de 2020 2.990
Novembro de 2020 3.015
Outubro de 2020 3.037
Setembro de 2020 3.080
Agosto de 2020 3.070
Julho de 2020 3.005
Junho de 2020 3.010

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)

Isto é um sinal de que o mercado não irá cair, pelo contrário diz o presidente da RE/MAX. “A perceção no terreno é de que os preços continuam a subir, um pouco por todo o país, se bem que não tão acentuadamente, pois as próprias desacelerações não são muito vincadas ou notórias”. “Há zonas em que os preços inclusivamente desceram e outras subiram acima da média nacional, pelo que somos forçados a analisar casuisticamente cada mercado regional, à luz do valor médio nacional apurado pelo INE que revela uma visão global”, acrescenta Manuel Alvarez.

Também Patrícia Barão, da JLL, garante que apesar da estabilização que diz existir nos mercados que mais se valorizaram, “o que eu posso dizer, pelo minha experiência e pelo contacto com outras agências, é que o mercado está efetivamente são, continua a ter uma resiliência muito forte no mercado residencial e a procura internacional continua a existir, mesmo com a “sombra” que a pandemia continua a causar, limitando a mobilidade das pessoas. “É possível que possa haver, trimestre a trimestre, oscilações, mas não vão ser descidas generalizadas, isso não vai acontecer“, garante.

As tabuletas de “Vende-se” estão a ver-se durante mais tempo

Embora garantam que o mercado continua “são” e que a procura continua robusta, o setor reconhece um fenómeno de que muitas pessoas já se terão apercebido: em alguns casos, as tabuletas de “Vende-se” estão a ver-se nas janelas durante um pouco mais de tempo do que no passado recente.

Sentimos que está um pouco mais demorado“, afirma Patrícia Barão, da JLL. “Notamos que o processo a partir do momento em que começa o processo até que é assinado o contrato promessa compra e venda, está a levar mais algum tempo. Há mais cuidado na forma como se analisa, há mais perguntas que estão a ser feitas”.

Mas tudo depende do preço, porque quando os preços não são exagerados “há casas que vendemos em uma semana, casas que nem sequer chegam a ir para o site”, afirma Patrícia Barão. Porém, noutras situações, possivelmente noutra fase do ciclo “uma casa que estivesse anunciada com um preço um pouco mais ambicioso havia 10 visitas e uma dessas visitas provavelmente até aceitava fazer o negócio àquele preço. Hoje, é um pouco diferente, as pessoas estão a fazer mais contas, estão a pensar mais, estão a querer salvaguardar uma série de coisas à partida e estão a comparar mais”.

Vender casas "está a levar mais algum tempo. Há mais cuidado na forma como se analisa, há mais perguntas que estão a ser feitas", reconhece Patrícia Barão, da JLL.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Também a RE/MAX Portugal, que trabalha mais o segmento mass market do que a JLL, nota um aumento no tempo médio de venda das casas. Se em dezembro de 2020 um apartamento T2 demorou, em média, 88 dias para ser vendido, nos últimos três meses esse número de dias subiu um pouco (110 em abril, 101 em maio e 105 em junho). Ainda assim, Manuel Alvarez considera eras “variações perfeitamente normais” em linha com o que aconteceu em alguns meses de 2020. Além disso, “em dezembro, tradicionalmente as vendas são mais rápidas, porque, por vários motivos, se procuram concluir negócios antes do fecho do ano”.

Os bancos mais rápidos a dar crédito à habitação. Comprar casa demora mais um mês do que no ano passado

“A nossa perceção é de que a velocidade de venda tem estado estável, não obstante em determinadas zonas poder inclusivamente ser mais rápida e noutras mais lenta”. Por outro lado, Ricardo Sousa, da Century 21 Portugal garante que na sua rede “o tempo médio de transação está estável e inferior a 90 dias”.

Moratórias não assustam (e maior poupança vai dar impulso)

Não faltou quem antevisse, no início da pandemia, uma correção significativa nos preços das casas – que ainda não se verificou, embora se possa argumentar que boa parte das medidas de apoio económico continuam em vigor (incluindo as moratórias bancárias) e só por isso o impacto ainda não se fez sentir.

A principal preocupação parece ser a das moratórias, que têm vindo a descer mas cuja “fatia de leão” expira em setembro. “Caso ocorram elevados montantes de incumprimento, é possível que os bancos os façam refletir no seu spread aumento do custo do crédito à habitação, mas também é do conhecimento geral que muitas famílias abrangidas pelas moratórias, não tendo sido de facto forçadas a tal, nelas viram uma oportunidade para reforçar as suas poupanças“, diz Manuel Alvarez, da RE/MAX Portugal.

“Certo é que, para os especialistas, o fim das moratórias lançará um conjunto limitado de imóveis no mercado, com algum impacto nos preços das zonas onde houver um claro aumento da oferta, mas com fracas repercussões a nível global, se atendermos aos diversos fatores que têm influenciado os preços nos últimos anos”, diz o especialista, acrescentando que “a ser notório algum efeito, será sempre no final do ano ou no início de 2022 e não propriamente em setembro ou outubro“.

Governo recorre a programas do tempo da troika para apoiar famílias com moratórias

Ricardo Sousa, da Century 21 Portugal, também está relativamente tranquilo mas sublinha que “vivemos uma situação única e sem precedentes na História recente, pelo que ainda estamos longe de termos certezas sobre os verdadeiros impactos, na sociedade e na economia, desta pandemia que estamos a viver”. É verdade que, “atualmente, o mercado imobiliário está a demonstrar uma grande resiliência tendo em conta alguns fatores que contrastam com a crise de 2008” mas há uma grande incerteza em torno de como os impactos (divergentes) da crise vão ter impacto sobre o preço das casas, diz o especialista.

“Por um lado, o Banco de Portugal tem reportado um aumento da poupança, indicador que nos dá alguma tranquilidade na capacidade das famílias superarem o fim das moratórias. Por outro lado, também sabemos que a banca está a trabalhar proativamente e de forma personalizada com os clientes particulares para antecipar o fim das moratórias”, afirma Ricardo Sousa, acrescentando que “a situação que consideramos mais preocupante, e que pode ter efeitos colaterais no mercado imobiliário, é o fim das moratórias nas micro e pequenas e médias empresas“.

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