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Prejuízos, polémicas e 91 mil milhões de dólares em ações. Que Uber é esta que se estreia em Wall Street?

É a entrada em bolsa mais esperada da indústria tecnológica, que pode avaliar a Uber num máximo de 91 mil milhões. Conseguirá Dara Khosrowshahi livrar-se do fantasma que é Travis Kalanick?

Chegou ao topo do unicórnio — empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares — mais valioso do mundo em agosto de 2017. Ninguém o queria lá, soube depois. Ninguém votou nele, não era próximo de ninguém em Silicon Valley, não era nenhuma “lenda dos negócios”, contou à jornalista Kara Swisher, no evento anual do Recode. Quando Ariana Huffington lhe ligou para lhe comunicar que tinha sido ele o escolhido para liderar a Uber na era pós-Kalanick, o nome e rosto de Dara Khosrowshahi já estavam por toda a imprensa. Do seu antecessor recebeu de herança um pack de polémicas: um processo judicial de centenas de milhões de dólares interposto pela Waymo (Google), acusações de assédio sexual, de uma cultura organizacional sexista e demasiado agressiva, uma imagem pública manchada, motoristas em fúria em várias cidades do mundo e a antipatia de grande parte das autoridades.

Vinte um meses depois, é o iraniano de 49 anos que leva as ações da Uber para Wall Street, naquele que promete ser o maior IPO (sigla em inglês para a dispersão do capital social de uma empresa em bolsa) norte-americano desde 2014, com a Alibaba, e o mais interessante dos últimos anos. Na sexta-feira, a app que Travis Kalanick lançou há 10 anos para ligar motoristas a utilizadores começa a ser cotada e transacionada no New York Stock Exchange, com um preço por ação que pode ir dos 44 aos 50 dólares (dos 39 aos 44 euros), avaliando a empresa entre 80 e 91 mil milhões (entre 71 e 81 mil milhões de euros). Se conseguir fixar o preço no intervalo máximo dos 50 dólares, a Uber vai angariar cerca de 9 mil milhões de dólares com o IPO. Só da PayPal já chegaram à Uber, no final de abril, 500 milhões de dólares em troco de ações. Antes destes, já tinham chegado da Toyota outros 500 milhões.

Apesar dos valores multimilionários que sempre a rodearam e de este IPO figurar entre os 10 maiores da história dos mercados norte-americanos, a Uber está longe de ser uma empresa sustentável e lucrativa. As ações que na sexta-feira começam a circular em Nova Iorque vão ser a face pública de um cenário financeiro que sempre foi sombrio e que Khosrowshahi ainda não conseguiu mudar: apesar de as receitas terem crescido 43% em 2018, para 11,3 mil milhões de dólares, os prejuízos operacionais somaram cerca de 3 mil milhões de dólares (no ano anterior foram de 4,1 mil milhões).

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Segundo as contas da Bloomberg, isto faz com que a empresa tenha perdido mais de 10 mil milhões de dólares nos últimos três anos. A operar em 700 cidades em 63 países, com mais de 5,2 mil milhões de viagens feitas em 2018, a Uber ainda pode demorar décadas a provar que tem um modelo de negócio eficiente. Khosrowshahi sabe-o e ainda não se comprometeu com lucros.

Se, na sexta-feira, o preço por ação se situar no mínimo de 44 dólares, a Uber vai ser colocada em bolsa a valer menos do que o que vale no mercado privado: 74 mil milhões. Mas nem isso parece assustar os potenciais investidores, que reagiram à operação de charme feita por Dara nas semanas que antecedem o IPO.

Os números não são novidade nem apanham os investidores desprevenidos. Quem participar do IPO da Uber sabe que a aposta é feita no longo prazo, sem garantias, e que as dúvidas sobre o valor real da empresa há muito que alimentam debates e artigos de jornais. Durante anos — e ainda sob o desígnio de Tavis Kalanick –, a Uber acumulou mais de 24,7 mil milhões em 23 rondas de investimento privado. Com este montante, conseguiu a proeza de liderar o ranking dos unicórnios com uma avaliação recorde de 76 mil milhões de dólares.

Se, na sexta-feira, o preço por ação se situar no mínimo de 44 dólares, a Uber vai ser colocada em bolsa a valer menos do que o que vale no mercado privado: 74 mil milhões. Mas nem isso parece assustar os potenciais investidores, que reagiram à operação de charme feita por Dara nas semanas que antecedem o IPO com apetite suficiente para que a procura pelas ações esteja já a exceder a oferta.

Com prejuízos gigantes, a Uber vai conseguir sobreviver a “dar borlas”?

Para onde estão apontadas então as expectativas? Para uma espécie de “Amazon da mobilidade”: uma plataforma que, além de ligar utilizadores a motoristas, integra também o serviço de entrega de comida ao domicílio UberEats, bicicletas elétricas partilháveis, trotinetes e alguns transportes públicos — sem esquecer o projeto dos táxis voadores ou dos carros autónomos. Como escreve o The Guardian, Khosrowshahi acredita que “a rentabilidade a curto prazo do negócio da Uber é muito pequena quando comparada com as oportunidades virtualmente ilimitadas” que a empresa tem nos mercados nos quais ainda não opera. À Kara Swicher, do Recode, o executivo não deixou margem para dúvidas: “Assim como a Amazon vende produtos de empresas terceiras, nós também vamos disponibilizar serviços de transporte de outras empresas. Por isso, sim, parece que queremos ser a Amazon dos transportes”.

A ideia é que dentro de uma só app — a da Uber — o utilizador possa escolher qual o melhor transporte para o seu trajeto, com informação em tempo real sobre todas as opções disponíveis no momento. No final do ano passado, Alexandre Droulers, responsável pelas novas modalidades da empresa na Europa ocidental, explicava ao Observador como é que a nova liderança estava a olhar para o futuro: “Estamos a fazer da Uber uma plataforma de mobilidade, na qual podes ter o UberX, o Uber Green, o UberPool, bicicletas, trotinetes e transportes. Tudo numa só app”.

Será suficiente para que a Uber consiga, à semelhança da empresa liderada por Jeff Bezos, dar o salto fulcral que passa dos prejuízos para os lucros e assegurar uma liderança sólida no setor? Não sabemos, mas sabemos que o escrutínio público às finanças, cultura e decisões de Dara começa na sexta-feira, assim que o sino tocar em Wall Street.

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Do “barão da arrogância” ao “tipo de Seattle no seu ninho”

Há um antes e um depois de Dara Khosrowshahi na Uber, que chegou à empresa já ela se tinha imposto pelo mundo todo — dos investidores às cidades — graças ao método Kalanick: agressivo, implacável, de uma confiança e competitividade desenfreada, cuja personalidade dividiu a comunidade tecnológica de Silicon Valley ao longo dos oito anos em que esteve à frente da empresa. De “visionário” e “génio” a “imbecil” e “barão da arrogância”, a opinião pública nunca poupou nas críticas (ou elogios) à forma como Kalanick estava a fazer frente às autoridades e às legislações (ou falta delas) durante o crescimento da Uber.

Para o fundador, conduzir este unicórnio era idêntico a conduzir um carro numa estrada com nevoeiro. “Tenho as minhas mãos no volante, mas vou depressa de mais para olhar para trás e não consigo ver muito mais do que o que se passa à minha frente”. Depressa demais.

No final do ano passado, Alexandre Droulers contou ao Observador como a entrada do novo CEO tinha mudado a empresa: "Temos nova liderança a entrar, novas normas culturais na empresa e acho que é claramente um reconhecimento de que foram cometidos alguns erros no passado e de que a empresa precisava de trabalhar sobre isso".

Quando os escândalos em que a empresa se viu envolvida falaram mais alto do que a sua arrogância, não teve outra opção senão sair da liderança, invocando o trágico acidente de barco que tirou a vida à mãe e abrindo a porta a uma lista de eventuais nomes que poderiam substitui-lo. Estavam na corrida “lendas dos negócios” como Jeff Immelt (que tinha sido presidente do conselho de administração da General Electric), Meg Whitman (que foi CEO da Hewlett Packard Enterprise) e Dara “era apenas o tipo de Seattle que estava a gerir a Expedia no seu próprio ninho“. E estava feliz. “Adorava o meu trabalho. Adorava o que estava a fazer na Expedia”, contou no evento da Recode. Quando aceitou ser um dos potenciais nomes para a liderança da Uber, apostou 5 dólares com a mulher — ela achava que ele ia ser o escolhido, ele não. Ganhou ela.

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No final do ano passado, Alexandre Droulers contou ao Observador como a entrada do novo CEO tinha mudado a empresa: “Temos nova liderança a entrar, novas normas culturais na empresa e acho que é claramente um reconhecimento de que foram cometidos alguns erros no passado e de que a empresa precisava de trabalhar sobre isso. Vi muitas das mudanças e estou muito positivo em relação à direção que a empresa está a tomar”. O unicórnio precisava de ser arrumado e, ao contrário da era Kalanick, o objetivo agora era o de levar a Uber aos mercados — redirecionar as atenções e os esforços para conseguir tirar a empresa dos investidores privados e fazer o IPO que Dara anunciou praticamente desde o momento em que pôs os pés nos escritórios da empresa.

“Sou engenheiro de formação e a forma que tenho para lidar com problemas complexos é dividi-los em partes. E para mim, antes de qualquer outra coisa, é super importante a forma como a empresa está a ser governada. Na administração, tinhas o Travis e o [fundo de investimento] Benchmark a batalharem entre eles e era uma batalha que saía do controlo da empresa. Portanto, tinhas pessoas mais focadas no controlo do que no sucesso [da Uber]. Por isso, um dos meus focos era resolver o problema da governança, para não ter os players em busca de controlo mas a pensar no sucesso da empresa. E acho que chegámos lá”, disse.

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Depois de mudar a forma como a administração atuava, passou para a gestão e cultura da empresa. Levou para a tecnológica alguns dos seus nomes de confiança e mudou aqueles que eram os valores culturais instituídos por Travis Kalanick — mas para isso envolveu toda a organização. “A norma da qual falamos sempre é a do ‘fazer a coisa certa’, se começarmos a fazer a coisa certa e se começarmos a agir de forma diferente, muito provavelmente o mundo vai reparar — e não vamos conseguir controlar quando é que o mundo vai reparar. Muito provavelmente o mundo vai reparar porque a verdade vem sempre ao de cima, para o bem e para o mal”, contou. Por último, na lista de prioridades, estava a mudança na estratégia do negócio, preparar o IPO “e preparar mesmo o negócio para que possamos ser lucrativos no longo prazo”.

O dia do IPO chegou, mas não sem espelhar a herança de Travis na reputação da empresa e Dara está ciente disso. No documento com mais de 300 páginas que antecedeu a entrada em bolsa, o executivo assume que os principais riscos da operação estão relacionados com o passado (e não com o futuro) da Uber: um ambiente que é “intensamente competitivo” e uma empresa focada num “crescimento agressivo”, que levou a falta de coordenação, de “partilha de conhecimento” e de “transparência interna”.

Soma-se a isto a insatisfação global dos motoristas — esta quarta-feira, os motoristas de Londres e Nova Iorque estiveram em greve contra a disparidade entre as condições de quem trabalha e de quem investe –, as investigações de que está a ser alvo bem como o processo judicial de 245 milhões que acordou com a Waymo (Google), por causa dos carros autónomos, ou os vários movimentos anti-Uber que têm surgido nas redes sociais.

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Forte opositor e crítico das políticas de Donald Trump — ao contrário de Kalanick, que fez parte do grupo de conselheiros do presidente norte-americano –, Khosrowshahi tem reunido consenso dentro e fora da empresa, inclusive com o fundador, com quem diz ter “diálogos construtivos”. Ter Dara na liderança foi uma “golpada de sorte”, escreve o The New York Times. Apesar da relação pacífica entre os dois, é evidente que Dara se quer distanciar do passado da Uber, incluindo do fundador. Travis queria fazer parte do núcleo de pessoas que na sexta-feira iria tocar o sino da bolsa de Nova Iorque, que marca o arranque do IPO, mas de acordo com o Financial Times, o acesso foi-lhe negado. O fundador do unicórnio mais valioso da história (e o pai) vai assistir à cerimónia do chão, juntamente com os colaboradores da empresa, outros membros do conselho de administração e investidores.

A história não se apaga, mas a partir de sexta-feira cada passada da Uber será examinada à lupa e sofrerá as consequências imediatas da opinião pública. Conhecida pelo forte poder de lobbying, que permitiu à empresa quebrar barreiras regulatórias por todo o lado, a tecnológica de Silicon Valley veio marcar uma nova era na mobilidade. A que custo? Ninguém sabe.

Se o IPO da Uber é o início de uma nova era da economia colaborativa ou de uma nova bolha tecnológica não se sabe, mas é consensual que quer a operação da Uber como a entrada em bolsa da rival Lyft, em março deste ano, representam um marco histórico. “A Uber é uma das maiores e mais importantes entradas em bolsa de valores norte-americana dos últimos anos. Não é apenas devido ao valor da empresa, estimado em 80 mil milhões de dólares, mas também pelo seu modelo de negócio inovador, daqueles que mudam a maneira como vivemos. A Uber é, por um lado, uma visão de um avanço tecnológico, mas por outro — uma empresa que atualmente regista grandes perdas. Assim, temos um enorme potencial de crescimento no futuro, mas ao mesmo tempo um risco considerável de insucesso”, refere Przemysław Kwiecień, diretor económico da corretora XTB no relatório que fez sobre a operação.

A história não se apaga, mas a partir de sexta-feira cada passada da Uber será examinada à lupa e sofrerá as consequências imediatas da opinião pública. Conhecida pelo forte poder de lobbying, que permitiu à empresa quebrar barreiras regulatórias por todo o lado, a tecnológica de Silicon Valley veio marcar uma nova era na mobilidade. A que custo? Ninguém sabe. No prospeto para o IPO, Dara assumiu que a empresa poderia nunca vir a dar lucro e, em entrevista à CNN, disse que “se havia coisa que ele gostava de ter mudado mais depressa era a transformação cultural da empresa, em todos os níveis”. Dez anos depois de Travis Kalanick e Garrett Camp terem fundado a UberCab em Silicon Valley, há mais de 80 mil milhões de dólares neste jogo. Quanto tempo faltará para o xeque-mate?

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