Nuno Fazenda lidera a subcomissão que acompanha os fundos europeus e o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e garante que a comissão tem toda a margem para trabalhar sem entraves colocados pela maioria absoluta e fiscalizar a execução dos fundos.
Numa fase em que a execução do PRR está ainda a meio-gás, o também deputado diz que é “preciso dar tempo ao tempo” e que os atrasos são normais — ainda para mais neste contexto — , mas que 2023 será um ano de aceleração dos projetos em curso.
Quanto ao “pai” do plano, o ministro António Costa e Silva, o diz que a capacidade “intelectual e política” são um “grande ativo para o Governo e para o país”, dizendo estar esclarecido quanto à polémica à volta de Ana Abrunhosa, que envolve fundos europeus.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com a entrevista ao deputado Nuno Fazenda]
Nuno Fazenda, do PS: “António Costa e Silva é um grande ativo do Governo”
O governo sem fundos europeus conseguia utilizar expressões como: “este é o maior investimento publico dos últimos 12 anos”? Isso não devia preocupar-nos?
Os fundos europeus estão ao serviço de vários estados-membros da Europa. São mais de 270 regiões na Europa que beneficiam e que se batem por ter mais fundos para aumentar o investimento público e privado. Portugal tem sido um bom exemplo na aplicação dos fundos europeus e isso é reconhecido pela Comissão. Apesar do bom histórico, termos agora ao dispor o maior volume de fundos europeus de sempre, são mais de 60 mil milhões de euros, o que significa que vamos passar de uma execução média anual de 2 ou 3 mil milhões para 6 mil milhões de euros, traz uma grande responsabilidade, para lá da grande oportunidade. Temos desafios: a seletividade, a celeridade e o rigor e transparência e isso traduz-se também no Orçamento do Estado. O orçamento é um impulsionador do investimento e do investimento transformador. Este orçamento não dá só resposta aos desafios do presente mas tem os olhos postos no futuro. No PRR, mais de 55% dos fundos estão aprovados, estão projetos já no terreno mas temos que dar tempo ao tempo.
Portanto não nota para já atrasos no calendário da execução?
É o calendário possível tendo em conta que queremos cumprir as regras de rigor e transparência a bem da boa utilização dos fundos europeus. O ano de 2023 vai ser marcado por um forte investimento, por força dos três programas de apoio europeu, e mais do que o grande investimento público tem também um grande apoio ao investimento empresarial. É um aumento de 90% no apoio às empresas face ao PT2020.
Mas quando António Costa diz que é vantajoso mobilizar os 12 mil milhões de euros da linha de empréstimos do PRR para ajudar as empresas, isso não é uma admissão de culpa de que o PRR português tem pouco dinheiro para as empresas?
Não, de todo. Essa é uma situação de emergência. Quando temos este aumento de 90% de um programa comunitário para o PT2030 e o PRR, é muito evidente e expressivo o que é a aposta no apoio às empresas. Ainda no âmbito do PRR temos já vários avisos de concurso abertos para as empresas. O aviso do programa de descarbornização, que são mais de 700 milhões de euros, teve uma procura enorme e vai permitir às empresas atuar na transição energética. Também as agendas mobilizadoras, cujos contratos têm vindo a ser assinados, têm um investimento total na ordem dos 7 mil e 500 milhões de euros. Como disse o Ministro da Economia esta é uma viagem ao futuro, com apostas no agroalimentar, no mar, na aeronáutica, na indústria automóvel. Estes são investimentos fundamentais com o setor cientifico e tecnológico que vão ajudar a transformar o país.
É deputado do PS e portanto este orçamento é o seu. Mas há algum ponto onde gostava de ter visto o Governo ir mais longe? O grupo parlamentar vai fazer alguma exigência ao governo na discussão na especialidade?
Este é um bom orçamento e que tem, desde logo, a base de ter tido dois acordos fundamentais [com os parceiros sociais e sindicatos da função pública]. Este orçamento responde aos desafios do presente, como a crise energética, mas tem os olhos postos no futuro, porque apoia projetos que transformam o País, por exemplo na mobilidade, com a ferrovia, com o investimento no Metro de Lisboa e do Porto, que vão contar com fundos europeus. Também a habitação ou qualificações são apostas. Naturalmente que, na especialidade, há sempre espaço para se ir aperfeiçoando, mas esta é uma proposta boa.
O Presidente da Republica promulgou o diploma que permite simplificar os contratos públicos para acelerar a execução do PRR. Esta necessidade de adaptar a lei não é sinal de que há atrasos e que existiram falhas na preparação do PRR?
Como já referi, vamos passar de um execução de 2 ou 3 mil milhões para 6 mil milhões de euros por ano e isso coloca o desafio de combinar a celeridade com o rigor e a transparência. Hoje todos reconhecemos a necessidade de sermos mais ágeis e céleres na execução, mas sem pôr em causa o rigor. Sem pôr em causa estes valores, temos que criar instrumentos que permitam maior celeridade. Às segundas não podemos dizer que queremos ser mais ágeis e às terças dizer que esta lei pode criar problemas. É muito importante criar instrumentos que permitam mais celeridade sem prejudicar o rigor e a transparência.
Mas Marcelo Rebelo de Sousa assinalou os riscos na simplificação da contratação pública. Concorda com esta leitura do Presidente da República?
Todos os avisos feitos pelo Presidente da República têm que ser considerados, avaliados e ponderados, mas um ponto muito importante é que hoje temos um nível de escrutínio e transparência maior e Portugal é também elogiado por isso. Temos que assegurar que as instituições que fiscalizam os fundos europeus estão dotadas de meios e um bom exemplo em como essa preocupação existe foi o maior reforço dos últimos 20 anos da Inspeção Geral de Finanças (IGF), com mais 20 inspetores. A IGF é a entidade máxima da auditoria dos fundos europeus. Este é um sinal claro do compromisso do Estado com o rigor e a transparência e esse é o caminho que tem que ser aprofundado.
Conta também com o olhar atento de Marcelo Rebelo de Sousa ao longo da execução do PRR?
Este é um desafio que nos convoca a todos. Compete ao Governo, às instituições que gerem e fiscalizam os fundos, aos promotores e naturalmente também ao Presidente da República e ainda à Assembleia da República. Pela primeira vez na história do Parlamento foi criada uma subcomissão para acompanhar os fundos europeus e o PRR. É isso que temos feito: ouvir as várias entidades, começamos pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a estrutura de missão, a IGF, o Tribunal de Contas, o IAPMEI, entidades da solidariedade social. Este é um trabalho de todos os grupos parlamentares.
Por contraponto, que garantias é que pode dar de fiscalização quando a subcomissão é liderada por um deputado do PS num Parlamento com maioria absoluta?
Aprovamos um programa de atividades onde identificamos um painel muito relevante de entidades para escrutinar, mas todos os partidos podem propor novas audições e da nossa parte tem existido uma total abertura para o escrutínio. O trabalho tem decorrido com toda a cooperação e os diferentes partidos têm feito o seu trabalho. Para além do que fazemos a partir do Parlamento, em audições públicas, estamos também a ir ao terreno. No roteiro para os fundos europeus e PRR visitamos projetos na região norte, no Douro, o Mercado do Bolhão, os investimentos no Metro do Porto e aí é possível perceber o que está a correr bem mas também o que há a melhorar e essa é uma avaliação que cada grupo parlamentar faz e que depois pode apresentar projetos ao Governo.
Alguém que esteve ligado à génese do PRR em Portugal é agora ministro da Economia, mas já foi corrigido por colegas de Governo mais que uma vez. António Costa Silva tem margem política para implementar as suas ideias?
António Costa Silva é um excelente ministro. Tivemos o privilégio de contar com ele para preparar a visão estratégica para o PRR, um documento que serviu de base para se elaborar o plano. Esse documento foi debatido por todo o país e a União Europeu considerou ser um PRR “robusto e ambicioso”.
E isso deu-lhe capital político?
Sim, com capital político e intelectual e com uma visão estratégica para o país e isso é um bom contributo para aquilo que são as prioridades definidas pelo primeiro-ministro. O ministro da Economia é um grande ativo do nosso Governo e do nosso país.
Um dos casos de possíveis incompatibilidades diz respeito a Ana Abrunhosa, ministra da coesão territorial, que tutela os fundos comunitários, fundos esses utilizados pelo marido da ministra. Esta situação não levanta uma suspeição sobre a transparência com que são utilizados esses fundos?
Esse tema já foi explicado e escrutinado. Se houver algo mais a explicar, assim será feito pela ministra. As explicações foram claras e cabais e seguramente que a ministra continua ao dispor para prestar mais esclarecimentos. O que importa destacar é que o Estado português dispõe de todos os mecanismos de controlo dos fundos europeus e esses mecanismos devem continuar a ser reforçados porque queremos que Portugal continue a ser um bom exemplo da aplicação dos fundos europeus.