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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Presidente do IPMA: “Isto não vai abrandar, mesmo com o Acordo de Paris. Temos mesmo de nos adaptar"

Em entrevista ao Observador, o presidente do IPMA, Miguel Miranda, fala sobre as dificuldades de Portugal na exploração dos oceanos e sobre os desafios da adaptação às alterações climáticas.

Portugal tem praticamente metade (48%) das águas sob jurisdição da União Europeia adjacentes ao continente europeu. Ainda assim, tem menos recursos para explorar e observar o oceano do que qualquer uma das 17 comunidades autónomas de Espanha, diz o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Miguel Miranda, em entrevista ao Observador. Lamentando a falta de recursos humanos, técnicos e financeiros ao dispor daquele e de outros institutos científicos nacionais, Miguel Miranda salienta que as obrigações em termos de investigação e observação dos oceanos só têm sido cumpridas “por arames” e à custa do esforço das escassas equipas do IPMA.

IPMA: “Se não nos adaptamos é porque não queremos”

Professor catedrático de Geofísica na Universidade de Lisboa, Miguel Miranda lidera desde 2013 o laboratório nacional responsável pelo estudo e observação dos oceanos e da atmosfera, pela previsão meteorológica e pela monitorização sísmica. Perante a inevitabilidade das alterações climáticas, o cientista mostra-se particularmente preocupado com o impacto do aquecimento global nas grandes correntes marítimas que permitem regular as temperaturas do planeta e alerta: é preciso travar as alterações climáticas antes de um ponto de não-retorno. “Nós temos de ser capazes de encontrar um caminho que, simultaneamente, defenda a economia e defenda o ambiente”, sustenta.

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Porém, a grande prioridade da Humanidade tem de ser a adaptação às novas condições de vida a um redesenho completo da economia humana — até porque, mesmo que todas as atividades humanas que provocam o aquecimento global parassem hoje, o oceano continuaria a aquecer durante anos. “Se nós não nos adaptarmos é porque não estamos a querer fazê-lo”, afirma, sublinhando que a subida do nível da água do mar, provocada pelo aumento da temperatura dos oceanos, é preocupante, mas ocorre em Portugal a um ritmo suficientemente lento para que haja tempo para uma adaptação.

Miguel Miranda lamenta ainda a falta de consciência clara sobre a importância da observação e do estudo dos oceanos, até para o setor económico, mas mostra-se otimista com a crescente atenção pública dada às alterações climáticas, especialmente devido às consecutivas notícias sobre recordes batidos a cada ano. Sobre os negacionistas, fala apenas em “ignorância” e sentencia, sobre a evidente subida da temperatura média do planeta: “Não há nenhuma discussão sobre esse assunto”. Vê, por isso, com bons olhos o fim do mandato de Trump: “Já viu aqueles filmes do Regresso ao Futuro? O Trump foi um homem de um século atrás que de repente emergiu neste século e que espero que volte outra vez para dentro do automóvel e regresse ao passado”.

Miguel Miranda diz que Portugal tem falta de recursos para explorar os oceanos

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Os oceanos são uma das forças fundamentais do nosso planeta. Alguns cientistas até os comparam a uma espécie de ar-condicionado do planeta, que garante as temperaturas. Ainda assim, parece que temos a tendência de olhar para o mar apenas para extrair recursos, como via de transporte ou até como lixeira — vejamos as notícias sobre a quantidade de microplásticos. Porque é que temos tanta dificuldade em relacionar-nos com o oceano?
Porque o oceano é um ambiente hostil. O oceano é um ambiente calmo e confortável quando nós o vemos numa praia, no verão, com agitação marítima baixa, reduzida. Nessa altura ele é amigável, é convidativo. Convida-nos ao lazer. Quando nós pensamos no oceano como uma massa de água que ocupa 70% da superfície da Terra, que é atravessado por tempestades relevantes, em que a luz penetra apenas algumas dezenas de metros e que guarda no seu seio um conjunto de recursos e de serviços que nós temos dificuldade, ainda hoje, em descrever, então vemos que o que temos pela frente é uma espécie de segunda travessia do oceano. A primeira foi à superfície, ligou os continentes; a segunda será em profundidade, ou seja, levar-nos ao conhecimento dos processos físicos, químicos e biológicos que têm lugar na massa de água.

Pensando, por exemplo, no caso português, grande parte do território da jurisdição portuguesa é oceano. Do ponto de vista europeu, somos um país periférico, mas se olharmos para os mares estamos no topo da Europa. Sabemos usá-lo?
Portugal é um país periférico em todos os sentidos da palavra, o que significa que os recursos que tem disponíveis para fazer a exploração do oceano são reduzidos. Isso tem de ser compreendido, porque nós estamos a falar de uma aventura tecnológica e científica que é comparável, por exemplo, à Lua ou a Marte.

Explorar o oceano…
Exatamente. Só que nós não temos recursos para explorar nem a Lua nem Marte e temos, da mesma forma, falta de recursos para explorar o oceano.

E que recursos são esses?
Estamos a falar de recursos logísticos, recursos humanos e recursos financeiros. Recursos logísticos porque temos uma capacidade de presença no mar que é reduzida. Tem de ser compreendido que, mesmo com o novo navio oceanográfico de que o IPMA dispõe a partir de agora, e que está operacional, nós estamos a falar de recursos que são muito inferiores aos que tem uma autonomia espanhola — qualquer uma delas. Em termos de recursos humanos, apesar de todo o esforço que tem sido feito nas universidades — em praticamente todas elas existem hoje em dia grupos significativos de investigação oceânica —, nós temos ainda uma presença no mundo que é desproporcionalmente reduzida, comparada com a área do oceano que é suposto gerirmos e explorarmos.

Ainda por cima com a expansão da plataforma continental.
Que ainda se agrava mais. Mas não só por causa disso. Nós temos os Açores, temos a Madeira, que são Portugal, e portanto nós temos uma presença no Atlântico nordeste muitíssimo significativa, mas, até agora, o oceano tem sido essencialmente a superfície sobre a qual nós transitamos para nos deslocarmos de um ponto para o outro.

"Tem de ser compreendido que mesmo com o novo navio oceanográfico de que o IPMA dispõe a partir de agora, e que está operacional, nós estamos a falar de recursos que são muito inferiores aos que tem uma autonomia espanhola — qualquer uma delas."

E há muito mais que isso.
E há muito mais que isso. Tem sido muito perto da costa a área onde podemos fazer pesca. Alguma pesca também a podemos fazer em profundidade, mas vamos imaginar que tudo isso é muito pouco ao pé da responsabilidade que nós temos como nação essencialmente marítima.

E do ponto de vista político, parece-lhe que o mar tem a importância que devia ter na política nacional? O ministro do Mar, por exemplo, é o último na lista das pastas do Governo. Será só simbólico…
A parte da organização do Governo, francamente, devo dizer-lhe que, do meu ponto de vista pessoal, não é a parte mais importante, porque os governos têm tido geometrias diferentes ao longo do tempo e, apesar dessas geometrias diferentes, o esforço tem sido feito, num quadro ou noutro. Claro que a existência de um Ministério do Mar é, em si, um fenómeno significativo. Espero que continue, mas a verdade é que o mar é sempre descrito do ponto de vista político como um problema político. É aquilo que se designa, habitualmente, pelo mar como desígnio. O mar não é um desígnio, porque na vida nada é um desígnio. O mar pode ser um plano, pode ser uma estratégia, mas não um desígnio. Não há nada escrito nos astros que tenha levado os portugueses para o mar além da coragem, que foi demonstrada até agora, e da capacidade de fazer muito com poucos recursos.

E do facto de estarmos na costa…
E do facto de estarmos na costa. Portanto, se me diz que os recursos que estão atribuídos à observação e exploração do mar são significativos? Não. São muito pequenos e muito reduzidos em comparação com aquilo que é minimamente necessário.

Se nos puder explicar do ponto de vista prático: o IPMA tem essa missão, em Portugal, de estudar e observar os oceanos; que recursos temos e de que recursos precisávamos?
É muito simples de descrever. Mais de metade do orçamento do IPMA é obtido de projetos de investigação. Mesmo em relação às missões que são obrigatórias do Estado, não existe dotação orçamental para elas. Nós existimos porque temos uma equipa que é muito esforçada, muito competitiva e muito competente, que tem sido capaz de recuperar e obter os fundos necessários para manter a operação no ar. Isto é assim desde há muitos anos, não é de agora. Se me perguntar que recursos é que eu tenho para manter o navio que começa hoje a navegar, eu diria, à partida, nenhuns.

Vai depender dos projetos de investigação.
O que eu tenho é capacidade de obter, se for capaz disso, recursos de investigação que permitam manter a operação sempre no ar. Claro que isto, provavelmente, não é uma característica apenas desta área e deste instituto; é uma característica da capacidade orçamental do país e da necessidade, que se tem demonstrado absoluta nos últimos anos, de concentrar recursos nas áreas da saúde, nas áreas da educação, muito na área da segurança social, e que leva a que as áreas que não estão nestas três estejam muito longe da capacidade de execução orçamental. Acharei sempre extraordinário como é que o navio Mário Ruivo, que nós começámos agora a operar de uma forma regular, levantou tanta celeuma quando correspondeu a um investimento que orçou pouco mais de 10 milhões de euros, todo ele obtido de um financiamento EEA — o programa dos países do norte da Europa para os países do sul —, com uma participação do Orçamento do Estado de dotação em 15%, mas pagando o IVA (ou seja, o IVA é maior do que a participação). Como é que isto levanta tanta celeuma quando é, para ter uma ideia, um quarto do que custou qualquer um dos navios espanhóis, e é por exemplo um sexto do que custou um navio angolano?

Porque é que acha que levantou tanta celeuma?
Porque os aspetos simbólicos do mar, muitas vezes, têm tirado a racionalidade à discussão. Porque em casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Porque alguns organismos ligados à defesa achavam que isto era uma espécie de substituição dos meios da defesa. Porque alguns organismos ligados à ciência achavam que isto devia ser usado essencialmente para a atividade científica. Por muitas e variadas razões, mas, no essencial, porque não há compreensão racional de que os meios que nós temos, mesmo somando todos os meios em todas as instituições sem exceção, são ainda muito pequenos para a missão obrigatória — não estou a falar da missão facultativa.

O presidente do IPMA lidera uma equipa responsável pela previsão meteorológica, observação dos oceanos e avaliação sísmica

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Dizia há pouco que qualquer comunidade autónoma de Espanha tem mais meios do que Portugal no seu todo.
Com certeza. Aliás, nós quando temos dificuldades pedimos ajuda a uma das comunidades, ou pedimos ajuda à Secretaria-Geral de Espanha, porque é a única forma de nós realmente sermos capazes de cumprir as nossas obrigações.

Quando fala da missão do IPMA em termos de observação e monitorização do oceano, estamos a falar essencialmente de quê?
Do ponto de vista da observação do oceano, nós trabalhamos em complementaridade com o Instituto Hidrográfico (IH). O IH é uma organização que está muito dedicada à componente hidrográfica, ou seja, segurança da navegação e segurança da navegação nos portos, e à componente oceanográfica, mantendo observação e boias de medição em oceano aberto. Isto é uma missão altamente dispendiosa e imagino que o esforço que eles têm de fazer para manter isto operacional é brutal. Nós vamos complementar esta observação. Fazemos observação dos recursos vivos — aquilo que as pessoas habitualmente designam, de uma forma materialista, por stocks de pesca; temos também enormes obrigações do ponto de vista ambiental, ou seja, verificamos a existência de contaminantes, verificamos as propriedades químicas do oceano, fazemos amostragens para aquilo que se chama a DQEM, que é a diretiva europeia da qualidade do ambiente marítimo, que nos obriga regularmente a publicar relatórios sobre o estado ambiental. Aí somos o lado do mar em que o lado da terra é o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, o ICNF. Além disto, mantemos a observação no mar meteorológica, porque nós, como autoridade meteorológica, temos de manter observação no mar — o que significa que mantemos equipamentos a bordo, neste momento, de embarcações comerciais, que têm a boa vontade de trabalhar connosco de forma gratuita.

Há outros países a fazê-lo?
Há outros países a fazê-lo. Toda esta observação oceânica é coordenada globalmente.

Pergunto se há outros países a ter de recorrer a embarcações comerciais.
Com certeza, isso é normal. A meteorologia recorre muito a embarcações comerciais para ter observações junto ao mar e recorre a companhias de aviação para manter observação no âmago da atmosfera. Portanto, isso é uma situação que é estabelecida e é de proveito mútuo, uma vez que esta informação é depois reutilizada pelos próprios operadores que estão no mar para garantir as suas condições de segurança. Isto é a missão do IPMA na parte do mar. E também temos muita observação do lado geológico. Uma parte dela virada para os riscos, porque nós também somos a autoridade simológica, portanto temos de testar os riscos que têm a ver com os sismos e com os landslides submarinos, e mantemos observação geológica junto à costa, porque tem a ver essencialmente com as manchas de empréstimo, com os locais onde se podem colocar inertes, ou o contrário, com os locais de onde se podem extrair inertes, que tenham condições de contaminação que sejam aceitáveis para a utilização em meio humano.

Tudo isto com aqueles recursos muito limitados.
Com aqueles recursos muito limitados.

O IPMA já deixou coisas por fazer por falta de recursos?
Com certeza. Por enquanto, nunca deixámos de fazer nada de essencial. Ou seja, apesar de tudo, com o esforço que tem havido do nosso lado, da nossa tutela, temos conseguido garantir todas as obrigações essenciais do IPMA. Tanto no lado da atmosfera como no lado do oceano. Basta ver que — e perdoem-me a imodéstia —, em todos os casos dramáticos que existiram nos fogos de 2017, nós fomos talvez a única instituição que cumpriu completamente todas as suas obrigações. Do ponto de vista do acompanhamento das grandes tempestades do Atlântico, em particular esta última, o Lorenzo, ou o Leslie, nós fomos capazes de manter o nosso sistema de observação sempre no ar. Não lhe vou dizer que não é muita gente por arames, que não é muitas vezes apenas porque há pessoas que são tão dedicadas à causa que são capazes de passar horas sem fim, fins-de-semana ocupados, noites inteiras, sabendo à partida que não vão ter nenhuma compensação por esse facto.

"Do ponto de vista do acompanhamento das grandes tempestades do Atlântico, em particular esta última, o Lorenzo, ou o Leslie, nós fomos capazes de manter o nosso sistema de observação sempre no ar. Não lhe vou dizer que não é muita gente por arames."

Falávamos há pouco desta limitação de recursos que nos deixa limitados sobre o que podemos fazer na exploração do oceano. Que potencial é que Portugal está a desperdiçar?
Temos de ver as coisas em várias dimensões e em vários ambientes. Do ponto de vista do oceano próximo da costa — o que nós chamamos habitualmente “near-shore” —, nós temos um dispositivo de observação em particular de biotoxinas e de qualidade microbiológica da água, do ponto de vista dos bivalves, que é fundamental para o setor económico e que precisava mesmo de ser alargado, aumentado e intensificado, para ser possível que os operadores económicos pudessem ter operações mais sustentáveis e menos arriscadas. Por exemplo, basta haver um pequeno deslize na medição, ou no tempo da medição, da contaminação por biotoxinas — para lhe dar um exemplo recente —, do berbigão da região de Aveiro, ou da conquilha da região de Olhão/Vila Real de Santo António, para que a exportação desses produtos seja integralmente devolvida e que os operadores económicos fiquem com a sua operação em risco. Portanto, a nossa capacidade de apoiar o setor económico é essencial. O IPMA é uma organização que, desde que foi fundado, tem uma vocação de colaboração estreita com o setor económico. É por isso que nós, por exemplo, não fazemos comércio de dados, todos os nossos dados são abertos e disponíveis. Pelo contrário, dedicamos o maior dos nossos esforços para apoiar as empresas portuguesas e as autoridades portuguesas no seu trabalho. Se contar agora um pouco mais longe do que isto, em termos de recursos vivos, não me parece que haja nenhum futuro de aumentar os recursos vivos da pesca. Há sobrepesca ainda em alguns raros casos, existe ainda sobrepesca, e portanto a ideia é mais a sustentabilidade do que outra coisa qualquer. Do ponto de vista dos recursos genéticos, que também são uma das nossas preocupações, é verdade que o número de operações que temos feito de recolha e identificação de recursos genéticos é muitíssimo reduzido. Agora temos meios para o fazer de uma forma razoável e qualificada, de nível internacional, mas só agora é que os vamos começar efetivamente a fazer. Do ponto de vista dos recursos geológicos, fizemos uma operação significativa na margem do Alentejo, cujos resultados ainda estão a ser analisados, e provavelmente vamos fazer uma outra operação de avaliação de recursos. Nós não temos nenhuma vocação para exploração, temos vocação para avaliação, e depois serão as autoridades governamentais ou os operadores económicos que verão o que é que querem ou não fazer com esses recursos.

O oceano, de acordo com os números da ONU, absorve 93% da energia, do calor em excesso, do aquecimento global. Isto significa essencialmente que é o oceano que nos está a salvar, a nós que vivemos em terra, de efeitos muito mais dramáticos do aquecimento global.
A atmosfera tem uma pequena capacidade de absorção de calor. A atmosfera é, essencialmente, um bom isolante. Quando compramos um casaco de penas, compramos um casaco de ar. As penas estão lá apenas para garantir que o ar está presente. O oceano é o contrário. O oceano é a botija, tem uma grande capacidade calorífica e, portanto, perante um aumento de temperatura, tem uma grande capacidade de absorver calor. Essa absorção de calor tem o aspeto positivo, para nós, porque mitiga a taxa de aquecimento na baixa atmosfera.

Significativamente, não? Questiono qual seria o nosso destino se tivéssemos metade do oceano.
A atmosfera, em boa parte, é oceano evaporado, não é? Se nós não tivéssemos atmosfera, tínhamos temperaturas abaixo de zero. Tendo atmosfera e não tendo oceano, teríamos temperaturas acima de zero. Mas o problema não se põe, porque a Terra é um sistema único: a água que está no oceano circula, evapora, condensa, escorre pelos territórios. E é neste ambiente — que é tão extraordinário que, provavelmente, a probabilidade de encontrarmos outro semelhante vai ser muito baixa — que a vida se criou. O que se passa é que o oceano, ao absorver esta quantidade de calor, sofre transformações importantes.

Ou seja, permite-nos mitigar os efeitos do aquecimento global na terra, mas à custa de quê?
O oceano vai controlar a taxa de aquecimento modificando o seu ambiente. Ao modificar o seu ambiente, nós vamos ter no futuro situações, algumas das quais poderão até já ter acontecido no passado, em que a distribuição das espécies vegetais e animais no oceano vai ser alterada, em que a própria circulação oceânica pode ser alterada. Isso, aliás, com toda a franqueza, é o grande terror, porque a circulação profunda oceânica é que é o tal de que falava, o grande distribuidor de calor da Terra, uma vez que a água profunda fria é, de certa forma, formada nos pólos, ou arrefecida junto aos pólos, e depois circula pelo interior do oceano até ao resto do planeta, na grande circulação oceânica — e isso é um enorme estabilizador do clima. O que é que acontece se isso parar, se houver alterações significativas na distribuição de temperatura? Eu diria que nós temos ainda dificuldade de compreender. Não do ponto de vista físico. Do ponto de vista físico, é mais simples. É a mais complexa das disciplinas, mas compreendemos. Mas os efeitos que tal terá na distribuição da biologia é que ainda estamos longe de os compreender completamente.

Na região do Atlântico português, quais são os principais impactos das alterações climáticas?
Estamos a observar a migração das espécies biológicas para norte, em particular dos pelágicos, que são uma parte do pescado que tem muito valor alimentar; estamos a observar também acidificação com em todos os outros lados da Terra, o que seria completamente normal, e um aumento da temperatura nos primeiros 700 metros. A pergunta que não me fez, mas a que posso tentar responder, é como é que a gente sabe isso se é tão difícil medir. Na verdade, existem dois sistemas mundiais nos quais o IPMA participa — de uma forma modesta, mas participa. O primeiro é o Argo, que é um programa mundial que distribui em todo o oceano da Terra milhares de sensores que sobem e descem no oceano, nas primeiras centenas de metros, e quando chegam à superfície enviam os parâmetros que mediram para um sistema chamado GTS, que é o sistema da meteorologia, que se baseia em satélites geoestacionários, e que portanto está sempre disponível. Isso permite-nos ter uma boa observação do que se passa em profundidade. A observação não é muito densa, mas hoje em dia já é muitíssimo significativa. A segunda questão é que, a partir das observações à superfície — em particular daquelas que são validadas por satélites —, nós somos capazes de validar modelos, e os modelos são capazes de nos dar uma representação da realidade. Portanto, nós também temos uma presença significativa na área dos satélites. Por razões históricas, a nossa especialidade até é mais a terra do que o oceano, porque aqui a meteorologia se especializou em processos de superfície, que são muito importantes para a seca e para a agricultura, e menos nos processos oceânicos, que só agora começamos a desenvolver know-how significativo. Só que neste mundo global, que é o mundo da meteorologia e do clima, compreenda-se que nem todos fazem tudo. Cada um faz um parafuso, uma porca, uma peça do sistema mundial. A peça que nós estamos a fazer na área dos satélites é o que nós chamamos Landsaf — que é o estudo dos processos de superfície baseados em satélite —, do lado da modelação, essencialmente a participação no Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo, com aquele que é considerado o melhor modelo de previsão do mundo, e com um dos modelos de previsão do clima que alimenta o IPCC, do qual nós também fazemos parte. Ou seja, nós somos uma comunidade que, vista em dimensão, parece muito grande, somos 600 pessoas, mas, se pensar que estamos em todos os aeroportos, em todos os portos, em todos os navios de pesca, perceber-se-á que não é muita gente. Nós estamos na NAFO [Organização de Pescas do Atlântico Noroeste], que é no norte do Atlântico, estamos no Índico com os palangreiros [barcos de pesca europeus], estamos nas pequenas embarcações de pesca costeira que saem da costa todos os dias. Tudo isto só é possível com esta dimensão porque temos tido uma capacidade enorme de manter o espírito da equipa e o espírito da instituição. Hoje em dia as equipas são mínimas, são garantidas por esforço titânico; a perspetiva que as pessoas têm de poder mitigar esse esforço e ter um pouco mais de cooperação de recursos humanos não são grandes, uma vez que a pressão que vemos nos media — e que é completamente compreensível — é uma pressão na saúde e na educação. Mas é preciso perceber que é absolutamente necessário que nós tenhamos capacidades mínimas em todas as áreas em que queremos ser alguém. E se nós no mar queremos ser alguém, se na atmosfera queremos ser alguém, então eu dir-lhe-ei que temos de ter um pouco mais de meios do que temos agora.

Miguel Miranda é professor catedrático de Geofísica na Universidade de Lisboa

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O oceano tem esta capacidade de regular a temperatura do planeta e mitigar alguns efeitos das alterações climáticas. O combate às alterações tem, por isso, como grande prioridade a preservação dos oceanos?
A preservação e a monitorização. É preciso compreender que, apesar de todos os modelos que existem, de todas as previsões que se fazem e que correspondem ao melhor da ciência mundial, nós temos ainda um conjunto grande de incógnitas e temos de continuar a perceber exatamente o que se está a passar. Um caso histórico que tem a ver com o oceano e que é muito conhecido: os ciclos de aquecimento do oceano e da atmosfera não são idênticos. Houve uma década, que penso que foi a década de 90, em que até parecia que o aquecimento da atmosfera estava a ser reduzido — não que estivesse a diminuir, estava a aumentar, mas mais devagar — e na altura não foi compreendido que o que se passava era que o ciclo de aquecimento do oceano estava a acelerar. A quantidade de calor que a Terra recebia estava a ser mais absorvida pelo oceano, ainda mais do que era habitual. Precisamos de monitorizar e precisamos de defender, do ponto de vista em que, se há efeitos externos que nós não vamos conseguir alterar — e não vamos conseguir alterar, até que se queira fazer operações tremendamente arriscadas de engenharia meteorológica que todos nós esperamos que não sejam feitas —, a componente de “forçamento externo”, como diz um físico que se preze, vai manter-se. Os gases de efeito de estufa, mesmo que aumentem mais devagar, vão continuar a aumentar e portanto o efeito de aquecimento vai-se manter. Nessa altura, nós temos de fazer alguma coisa importante. Temos, pelo menos, de reduzir drasticamente todos os outros efeitos nocivos, de forma a preservar o mais possível os ambientes que existem. Temos de preservar os ambiente que garantem biodiversidade. A biodiversidade não se recupera. É um aspeto que, penso, às vezes não é muito bem compreendido: existem poucos valores absolutos na Terra, porque nós temos uma enorme capacidade, com recurso à tecnologia e à ciência, de reproduzir muitas situações. Mas há uma coisa que não conseguimos reproduzir: organismos que desapareceram.

Quando uma espécie se extingue, extingue-se.
Extingue-se. E não é só uma espécie, porque as espécies não vivem isoladas. É quando um sistema se extingue, extingue-se. E nós não temos capacidade de o recriar. Até podemos recriar ADN de mamute e criar um mamute dentro de um laboratório. Podemos. Mas voltarmos a ter as espécies, muitas das quais nem sabemos que existem, é perder um valor que é insubstituível.

Sobre os oceanos temos um grau de desconhecimento maior do que sobre a terra?
Muitíssimo maior. É preciso dizer que nós na terra também já destruímos muito, só que não temos capacidade de reconstruir. A agricultura, que muitas vezes é vista como ambiente idílico, e a ruralidade é elogiada como sendo quase o ambiente da terra primitiva… note-se que não é o ambiente da terra primitiva. A agricultura teve um grande efeito de normalização, de regularização de ambientes. Nós nunca agricultámos o mar, mas contaminámo-lo, enviámos produtos que não devíamos ter enviado.

Oito milhões de toneladas de plásticos todos os anos.
Fizemos tudo e mais alguma coisa na ideia de que o volume era infinito e de que, como era infinito, o impacto nunca iria aparecer. Agora, que começamos a ver que o volume é finito e que o impacto começa a aparecer, temos mesmo de recuar e refazer alguns dos nossos processos para ser possível viver com eles.

Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, um deles é precisamente sobre os oceanos: conservar e usar de forma sustentável os oceanos. Há pouco dizia que na questão da pesca o grande desafio é o da sustentabilidade. Como é que se faz uma gestão ecológica e sustentável dos oceanos?
As linhas orientadoras entre nós são bastante simples de estabelecer. Nós fizemos acompanhamento do estado dos diferentes “recursos” — não gosto nada de lhes chamar recursos —, do estado das diferentes espécies que têm o chamado valor comercial. As autorizações que são dadas para a pesca de cada uma delas podem ser emitidas por Bruxelas — chamam-se TACs [totais admissíveis de capturas] — ou podem ser decididas apenas entre Portugal e Espanha. De uma forma ou de outra, baseiam-se sempre em aconselhamento científico e na melhor informação que nós temos sobre os volumes que existem e a possibilidade de serem explorados sem pôr em causa a sua sustentabilidade futura. Note-se que aqui há também uma ressalva importante: nós não estamos a falar de extinção, a extinção é um problema dramático; estamos a falar de explorabilidade. A explorabilidade também é importante, porque nós temos comunidades que vivem desses recursos, temos hábitos alimentares que vivem desses recursos, e portanto a explorabilidade garante que eles vão continuar a existir. Claro que o ambiente oceânico, do ponto de vista dos recursos vivos, é um ambiente competitivo. Portanto, quando protegemos uma espécie desprotegemos outras. Aquelas de que ele se alimenta, por exemplo, se for um carnívoro. Nós ainda estamos um bocadinho longe de ser capazes de compreender as consequências de todas as nossas ações. Existe um processo em curso neste momento, a nível europeu e mundial, que é a tentativa de desenhar um gémeo digital do oceano. A capacidade que nós tenhamos de prever. O que é que se pede a um organismo como nós? Que seja capaz de prever. Pode ser prever o tempo, pode ser prever o estado da sardinha daqui a dois anos, pode ser prever quando é que as biotoxinas que entraram na ria de Aveiro vão desaparecer.

"Em Portugal, [a subida do nível do mar] tem importância em algumas situações, em ilhas, mas é um assunto que corresponde a uma subida lenta e, portanto, se nós não nos adaptarmos é porque não estamos a querer fazê-lo."

E a tecnologia pode ajudar-nos nisso.
Exatamente. O que se pede a nós é que sejamos capazes de prever — e melhor que os economistas, de preferência (risos), porque as pessoas estão um bocadinho desmotivadas em relação aos economistas, pelo menos aos amadores. Como estão agora em relação aos epidemiologistas, que aparecem três debaixo de cada pedra! Temos a vantagem de ter uma equipa que é internacionalizada, competente e que tem autoridade. São três coisas que são importantes. É conhecido que quando nós emitimos uma opinião, é uma opinião que é sensata, está baseada em dados e corresponde a uma posição de sustentabilidade. Internacionalizada, porque não vivemos apenas aqui. Vivemos e trabalhamos no mundo global. E competente, porque temos suficientes recursos humanos em cada uma das áreas para sermos capazes de emitir opiniões válidas em todas as áreas de que nos ocupamos. Com estas três componentes, nós temos sido capazes, ao longo destes nove anos que o instituto existe com esta geometria, de afirmar aquilo que se chama uma voz autoritativa sobre estas áreas todas de que falámos. Não porque sejamos a única opinião possível, porque a ciência infelizmente é mais controvérsia do que opinião definitiva, mas porque tentamos dar o melhor balanço de opiniões aos cidadãos. O nosso objetivo é dar informação aos cidadãos e apoio às decisões políticas.

Falávamos de como fazer uma gestão sustentável dos oceanos. O que é falta a Portugal?
Portugal, do ponto de vista político, eu diria que tem sido um dos países que mais atenção têm dado e mais esforço têm feito para a sustentabilidade dos oceanos.

Pode dar alguns exemplos?
Foi um país muito ativo na definição das áreas marinhas protegidas; foi um país que sempre teve opiniões sustentadas e precaucionárias na gestão da pesca, desde sempre; foi um país que teve um papel relevante em todas as orientações internacionais ao nível das Nações Unidas e da UNESCO que têm a ver com o mar. Ao nível da ação prática, nós chocamos com as nossas próprias limitações. A nossa vontade é maior do que os nossos recursos. O que é que nós podíamos fazer para fazer uma melhor gestão sustentável? Era essencialmente sermos capazes de fornecer aos cidadãos informação com o mesmo nível de detalhe e de rigor que somos capazes de fazer na atmosfera. Na atmosfera, temos todas as nossas informações online, temos todos os nossos dados fornecidos, e portanto todas as pessoas podem acompanhar o que se diz, o que se pensa e o que se vai fazer. Há redes sociais que têm opiniões diversas das nossas e ainda bem que as têm e que as difundem. Em relação ao oceano, ainda não estamos exatamente nesse ponto. Precisávamos de ter todas as nossas informações online — já temos muitas —, precisávamos de fornecer dados qualificados em tempo real, que permitam a todos os cidadãos, por si, formar uma opinião.

É a tal questão do ainda desconhecimento dos oceanos.
É a questão do desconhecimento. Uma parte está ao nosso alcance fazer, porque a informação já existe, é uma questão de a disponibilizar de uma forma compreensível; outra parte é mesmo informação adicional que é preciso obter.

O que é que mais o preocupa, olhando para o estado do oceano em Portugal e no mundo?
O principal problema é o aumento da temperatura e a acidificação. Quero dizer, o grande problema é mesmo a variação da dinâmica do oceano. Esse é o problema fundamental.

Pode pôr em causa esse processo fundamental.
Nós sabemos, historicamente pelos estudos de paleo-oceanografia — nós também temos o grupo de referência português da paleo-oceanografia a trabalhar connosco dentro do IPMA —, que existiram já situações em que a dinâmica não foi exatamente a atual. Qualquer alteração dramática nessa dinâmica faz variar tudo. Isso é a preocupação fundamental. Do ponto de vista da região perto da costa, diria que ainda é preciso um esforço suplementar na qualidade do tratamento das águas residuais. Nós verificamos muitas situações em que o nível de tratamento ainda tem mesmo de ser melhorado, ou pelo menos de ser mais regular. Do ponto de vista dos processos naturais, como o que tem a ver com os volumes de algas tóxicas, aí pouco podemos fazer. Eles são preocupantes essencialmente porque afetam, de uma forma muito negativa, o setor económico.

É preciso adaptação à nova realidade do planeta, defende Miguel Miranda

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O aumento da temperatura da água faz subir o nível do mar, o degelo nos pólos fará também aumentar o nível do mar. Isso é preocupante para um país como Portugal?
A subida do nível do mar é um problema complexo, essencialmente em ambientes estuarinhos — como temos, por exemplo, aqui assim à nossa frente [estamos no edifício do IPMA, na zona do aeroporto de Lisboa, e Miguel Miranda aponta para o estuário do rio Tejo]. É complexo em ambientes em que os declives da costa sejam muito reduzidos. Em Portugal, tem importância em algumas situações, em ilhas, mas é um assunto que corresponde a uma subida lenta e, portanto, se nós não nos adaptarmos é porque não estamos a querer fazê-lo. As taxas de subida não são muito grandes, temos tempo suficiente para mudar, para deslocalizar a ocupação do solo e caracterizá-la por atividades que possam ser removidas rapidamente.

Devemos focar-nos mais na adaptação ou mais no combate às alterações climáticas?
Na adaptação. Nesse tipo de situações, a adaptação. Repare, o oceano é um meio muito lento comparado com a atmosfera. Mesmo que agora se parasse tudo, o aquecimento continuava. Não pensar que a subida do mar ia sequer parar. É um sistema com muita histerese [termo da física que significa a tendência de um sistema ou material para manter as suas propriedades na ausência do estímulo que as gerou], o tempo conta de forma diferente, o que leva a que mesmo que haja alterações rápidas de política os resultados vão ser sempre lentos. Aí, é mesmo a adaptação quem tem de aparecer. Tem de aparecer uma ocupação e uma relação com o mar que seja mais resiliente, tem de ter mais capacidade de reação aos impactos. Nós, simultaneamente, no mar estamos a ter cada vez mais tempestades com impactos grandes. Em termos da estruturação das cidades e da vida das pessoas, temos de modificar-nos.

Para que é que nos temos de preparar? Mais tempestades…
Mais tempestades e velocidades de vento mais elevados. O que significa que algumas medidas de proteção das habitações têm de ser feitas. Temos de nos preparar para uma ocupação junto da linha de costa que seja resiliente a uma subida de um metro do nível médio do mar. Temos de nos preparar para situações de chuva intensa, o que significa que a capacidade das obras e das vias tem de permitir o escoamento rápido de grandes quantidades de água — vide a semana passada. Temos de nos preparar para períodos de seca prolongados, o que significa que a agricultura e o abastecimento de água têm de ter suficiente capacidade de armazenamento para poder resistir. E temos de nos preparar para fogos rurais, que vão continuar a existir, cuja intensidade tendencialmente aumentará, e que só vão ser estruturalmente resolvidos, ou pelo menos diminuídos drasticamente, com alterações significativas da paisagem.

Já ouvi algumas intervenções suas em que achei curiosa a forma como consegue equilibrar uma defesa, de certo modo, mais radical do combate às alterações climáticas — em que uma mitigação não será suficiente — com um olhar sobre os pontos positivos, para as oportunidades que possam surgir. Como é que um cientista que todos os dias olha para o tempo e o clima faz este equilíbrio? É difícil manter um certo otimismo?
Penso que não é otimismo. Repare numa situação: os países e as regiões que têm capacidade para resistir e adaptar-se às mudanças do clima são aquelas que têm uma situação económica razoável. Não é possível imaginar, pelo menos no meu entendimento, a existência de políticas que mitiguem dramaticamente os problemas que estamos a ter e ao mesmo tempo termos uma situação económica destrutiva. Isso não é verdade. As políticas ambientais têm custos e esses custos têm de ser absorvidos pelo setor económico. Nós temos de ser capazes de encontrar um caminho que, simultaneamente, defenda a economia e defenda o ambiente. Se isso não for feito, não vamos conseguir resolver nenhum deles. Vamos ficar mais pobres e mais expostos. Não existe a ideia de mais pobres e mais expostos.

Como é que isso se faz?
Acho que existe um exemplo em Portugal que é tão brilhante que devia ser mais bem analisado — apesar dos defeitos que teve e de todas as críticas que recebeu —, e que teve a ver com a generalização das energias renováveis. É possível, está-se a mostrar que é possível, fazer uma transição de energias convencionais para energias renováveis, criando-se valor económico. Da mesma forma como se vai mostrar que é possível fazer-se a transição de motores a combustão para motores elétricos nos veículos criando valor económico.

Atualmente ainda não viável, para um cidadão comum, ser sustentável. Os produtos mais sustentáveis costumam ser mais caros.
Exatamente. Mas é mesmo assim: os produtos mais sustentáveis são mais caros. Nós temos, ao mesmo tempo, de conseguir criá-los e criar valor económico. É preciso voltar a Adam Smith: como é que se cria a riqueza das nações?

"Nós temos de ser capazes de encontrar um caminho que, simultaneamente, defenda a economia e defenda o ambiente. Se isso não for feito, não vamos conseguir resolver nenhum deles. Vamos ficar mais pobres e mais expostos. Não existe a ideia de mais pobres e mais expostos."

Mas é preciso reverter a ideia de que é mais caro ser amigo do ambiente?
O que é complicado nessa ideia é que quando nós criamos uma mutação tecnológica, qualquer que ela seja, nós temos perdedores e ganhadores. É impossível não ter. Quando estamos a falar do lado das empresas, evidentemente que nós temos de esperar reações, reações essas que por vezes são bastante agressivas. Repare, para sairmos do clima, numa área que é mais compreendida hoje em dia: o tabaco. Quem é que se lembra das décadas de discussão sobre os efeitos do tabaco no cancro dos pulmões? Hoje em dia é uma coisa que ninguém discute, seria ridículo alguém discutir. Contudo, a primeira reação da indústria foi de resistência à necessidade de fazer essa alteração, quando provavelmente o que seria racional — não quer dizer que seja fácil de fazer — era a indústria, que era uma indústria essencialmente de lazer, ser capaz de se reconverter num outro lazer que fosse, esse sim, sustentável. Em todas as situações em que nós estamos a fazer uma mutação, temos perdedores e ganhadores. A indústria reage de forma normalmente agressiva, tem acesso a meios de comunicação, tem acesso a recursos financeiros, que lhe permitem fazer campanhas. Os cidadãos têm outro problema, que é o emprego. É impossível evitar a ideia de que alguns setores, ao serem reestruturados, criam desemprego. É completamente normal que as pessoas reajam a essa criação de desemprego. Como, por exemplo, estamos a ver hoje em dia que as medidas de restrição à Covid criam situações económicas muito complicadas. Esse equilíbrio entre manter a economia e manter a sustentabilidade é, desculpem-me, a profissão dos governos. É para isso que nós elegemos governos. Para eles tentarem obter o melhor trade-off entre as duas componentes.

Ou seja, tornar-nos mais sustentáveis e valorizando…
…e mais ricos! Vamos dizer a palavra. Mais sustentáveis e todos mais ricos. Nós temos passado as últimas na Terra todos os anos mais ricos que no ano anterior, globalmente. Claro que enriqueceram mais os mais pobres e os muito mais ricos do que a classe média, chama-se a isso a globalização. Temos de pôr regulação nisso? Temos, temos de pôr alguma regulação, temos de tentar agarrar e não deixar ninguém para trás. A grande dificuldade dos governos é, com os recursos que têm nessas situações, redesenharem a economia, redesenharem a indústria, redesenharem os serviços com baixas taxas de desemprego e com apoio às tecnologias que vão ser as vencedoras.

Hoje, por causa da pandemia da Covid-19, é mais fácil que os governos tomem decisões ouvindo os cientistas?
Num certo sentido, sim. Mas existe um outro problema por trás deste, que veio à liça na semana passada e que também me preocupa muito. A ciência não é uma política; a ciência tem em si controvérsia, tem opiniões diferentes e tem a tentativa de obtenção da verdade. Não cabe à ciência, diretamente, estabelecer medidas; isso cabe à política. A política tem de fazer o seu papel: tem de ouvir a ciência, mas tem de decidir por si. Pode acontecer que, por vezes, até decida contra a ciência mais estabelecida. Aliás, é bom que nas alturas de mudança de paradigma a política tenha a cabeça suficiente para ir no sentido do futuro e não no sentido do passado. Claro que isso é uma situação complexa e contra o que está no hábito da atividade política democrática, que é tentar obter sempre o apoio da maioria. Mas a coragem é às vezes ser capaz de dizer ‘apesar de ser assim, queremos de outra maneira’. Porque é que os cidadãos de repente começaram a confiar mais na opinião da ciência do que na opinião da política é um problema complicado, que também tem os seus aspetos negativos. Não cabe ao cidadão comum distinguir a opinião que é validada da opinião que não é validada. Nós vemos hoje em dia discutir nos media a existência de artigos que ainda não tiveram avaliação por pares, como ouvi ontem num comentário televisivo.

Não devíamos estar a falar desses artigos?
Devíamos estar a falar deles, mas isso é uma linguagem… Já reparou? Na última década, toda a gente começou por saber tudo sobre tsunamis, depois tudo sobre crise económica, depois tudo sobre produtos financeiros complexos, tudo sobre a banca e o financiamento da banca, e agora tudo sobre epidemias e epidemiologia. É fantástico: veja o aspeto disto de fora, veja como um marciano. Como é que é possível que uma parte importante da população tenha sido capaz, e seja capaz, de acompanhar a grande maioria dos tópicos que estão a ser discutidos nos media? É uma coisa que nunca aconteceu no passado. Isto é um grande desafio é para os media, que têm de mediar, como o nome indica, este fluxo brutal de informação e esta profundidade de análise.

E, curiosamente, as alterações climáticas também estão a ganhar essa dimensão no espaço público.
Também. Passaram de ser uma coisa que era polémica — dizia-se ‘isso é uma ideia muito controversa, não se tem a certeza, se calhar isto vai tudo arrefecer’ — para uma ideia que começou a ser generalizada: “Se calhar eles têm razão, há tantos que dizem a mesma coisa que isto é capaz de ser verdade”. Mas, na verdade, quando é que as pessoas acordam? Quando o Leslie lhes passa por cima da casa. Quando o Lorenzo passa por cima das Flores e do Faial. Quando os incêndios destroem dezenas de vida. E quando se vê a situação, que nós aqui ainda não temos, da Califórnia e da Austrália, em que vê incêndios que nenhuns meios humanos são capazes de parar. Isto é como São Tomé. Neste momento, nós estamos a ver na televisão e isso é a grande diferença deste nosso tempo em que vivemos: neste momento, não há grande margem para a interpretação do que é que está mesmo a acontecer. O repórter, neste momento, está lá.

O presidente do IPMA diz-se preocupado com o impacto das alterações climáticas no oceano profundo, responsável pela refrigeração do planeta

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Dá-lhe alguma esperança o regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, com a eleição de Joe Biden?
Eu diria que a eleição de Joe Biden, obviamente, facilita muito a obtenção de medidas. Mas é preciso também nós distinguirmos o histrionismo do Trump das medidas que, a nível estadual, já estavam a ser tomadas nos Estados Unidos e das organizações americanas responsáveis, que existem em muitos locais. A transição, mesmo energética, já começou a ser feita. A política é sempre um bocadinho a espuma dos dias, é sempre mais o resultado do que a fonte dos problemas ou das soluções. O que nós estamos a ver na América é de uma forma extrema, por um lado, a reação à mudança, às transições energética, ambiental e digital — que foi corporizada por Trump, quando ele diz que é contra as big techs —, e por outro lado, que não há aparentemente grande alternativa a esse processo. Depois, o que pode haver é, do lado da regulação, a tentativa de recuperação de impostos e taxas, que ponha alguma normalidade nos processos, a criação de empregos com um nível maior de estabilidade que acabem com a proletarização excessiva de todos os trabalhadores. Depois, existem efeitos sociológicos que escapam completamente ao meu conhecimento técnico, mas não à minha presunção, e que têm a ver com as grandes mudanças que nós vamos observar pelo desaparecimento significativo do pequeno comércio, dos pequenos atores económicos individuais, que estão a ser substituídos pelo grande rolo compressor da globalização e da formação das grandes empresas multinacionais.

Mas, enquanto cientista, não o inquietava ver, ao longo dos últimos quatro anos, à frente do segundo maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo, um Presidente com alguma tendência para negar a ciência climática?
Há dez anos isso era tão vulgar… Há dez anos discutia-se isto como sendo uma invenção. Quando apareceu o primeiro desenho do aquecimento, a partir das observações, num artigo do Michael Mann, nos Estados Unidos, que deu origem à expressão do “hockey stick” — a temperatura variava como um stick de hóquei —, a situação era tão polémica que ele era acusado por muitos de fraude. Uma das reuniões que teve, a enorme discussão sobre isso, passou-se em Lisboa, de uma forma muito pouco aberta, na FLAD, a Fundação Luso-americana [para o Desenvolvimento], também com alguma colaboração do nosso lado, como organizadores obviamente, entre as várias presenças em contenda. Já viu aqueles filmes do Regresso ao Futuro? O Trump foi um homem de um século atrás que de repente emergiu neste século e que espero que volte outra vez para dentro do automóvel e regresse ao passado.

Enquanto presidente do IPMA, irrita-o particularmente quando se confunde intencionalmente tempo e clima para corroborar as teses negacionistas? “Repare que até está frio, onde é que está o aquecimento global…”
A mim não me irrita. É apenas uma demonstração de ignorância. Existem fenómenos que às vezes são muito difíceis de tentar explicar. Tem de se perceber que desde há 30 anos que nós medimos bem a temperatura na Terra toda e a temperatura na Terra toda obviamente está a aumentar em média. Não há nenhuma discussão sobre esse assunto. Claro que a temperatura está a aumentar, mas, nas latitudes elevadas, a humidade também está a aumentar, porque um mar mais quente também dá lugar a mais evaporação. Isso faz com que haja mais água disponível. Quando há mais água disponível na troposfera e a temperatura está abaixo de zero, nós podemos ter mais neve e mais gelo. E gera-se aquela situação que as pessoas não conseguem compreender: “Mas que raio. Se isto está mais quente, porque é que neva mais?” Porque há mais água disponível no local da atmosfera cuja temperatura é inferior a zero. A resposta é simples para um meteorologista, não tão simples de explicar para quem está a ver apenas o fenómeno e associa sempre a ideia de neve à ideia de muito frio — como às vezes a neve até faz, como devem saber, aumentar ligeiramente a temperatura. Outro aspeto tem a ver com o facto de ser sempre difícil nós aceitarmos situações que são contra o nosso interesse pessoal. Isso está na natureza das pessoas e da Humanidade. Hoje, por exemplo, não podemos andar a partir das 15h. Isto, claramente, é contra os meus interesses pessoais, que gosto de trabalhar o dia todo. Trabalharei em casa, obviamente, ou onde for necessário. Mas nós temos sempre muita dificuldade em aceitar — e só aceitamos mesmo em última análise. A Humanidade só se está a convencer da mudança climática, não por causa dos políticos, não por causa do trend de mudança climática que está a existir — que é reduzido —, mas por um fenómeno que inicialmente nem sequer foi muito bem antecipado: o facto de nós estarmos a subir a média dos parâmetros meteorológicos todos os anos está a fazer-nos bater recordes, nos máximos e nos mínimos, todos os anos.

"Já viu aqueles filmes do Regresso ao Futuro? O Trump foi um homem de um século atrás que de repente emergiu neste século e que espero que volte outra vez para dentro do automóvel e regresse ao passado."

Todos os anos é o julho mais quente
E quando batemos o recorde as pessoas acordam para que estamos a bater um recorde. Ninguém é capaz de percecionar os 0,1 graus os os 0,25 milímetros de subida do oceano. Isso não se perceciona.

É a notícia do recorde.
É só a notícia do recorde. É quando nós, realmente, sabemos que temos variabilidade por cima da mudança e quando a variabilidade toca em pontos que as pessoas nunca viram. Por exemplo, achei o Lorenzo uma coisa fantástica. Não sei se houve compreensão daqui. Foi um furacão que teve uma extensão horizontal tão grande que, quando chegou aos Açores, nunca se desviou. Quando o Lorenzo começa a ser seguido pelos serviços meteorológicos — e é preciso dizer que nós estamos a trabalhar com o NHC de Miami desde há quatro anos, numa altura em que fomos chamados à atenção de que a quantidade de acontecimentos que chegava à latitude dos Açores começava a aumentar e, portanto, era preciso fazer o seguimento deles —, uma das questões mais importantes era saber qual era o impacto que ia ter nas ilhas. O que é interessante, entre as várias coisas — o Lorenzo teve coisas muito pouco interessantes, em particular a destruição que aconteceu e os prejuízos enormes que causou nas ilhas do Faial e das Flores —, é que se forem ver o percurso dele, praticamente nunca se desvia. É tão grande que não vê as ilhas. Enquanto os fenómenos mais pequenos em dimensão, como se alimentam da energia do oceano, acabam por passar entre as ilhas, neste caso ele passou exatamente sempre em frente e passou por cima da ilha das Flores. A previsão foi 100%, o seguimento do fenómeno foi feito ao minuto, e o que é muito relevante para nós foi que a previsão dos estragos foi feita antes de ele passar. Já se sabia que estragos é que ia fazer em termos de dimensão e é interessante perceber que a primeira reação das pessoas é sempre, felizmente, positiva. As pessoas não esperam que tenha sido tão mau. Passa a tempestade e depois vem a bonança, mas uma parte da bonança é psicológica. Porque quando a bonança começa a estabilizar-se vão-se analisar os prejuízos, que são enormes e brutais.

Falava das notícias dos recordes. Pelo caminho que o planeta leva, vamos continuar, todos os anos, a ver essas notícias?
Todos os anos vamos ter recordes, esses recordes vão levar a fenómenos meteorológicos extremos, tanto no oceano como em terra, nós vamo-nos adaptando progressivamente. Seria interessante que nós tivéssemos a capacidade de antevisão, de perceber que isto não vai abrandar, mesmo com as medidas do Acordo de Paris. Vai, quando muito, manter-se neste ritmo. E que, portanto, se calhar, algumas utilizações que nós fazemos do espaço têm de ser repensadas. Algumas das normas construtivas e de utilização… Falo, por exemplo, dos outdoors, que é uma coisa que me preocupa. Têm de ser repensados, se é possível mantê-los com a situação que têm, se não terá de haver normas de perfuração, mitigação de efeitos do vento… Nós estamos a observar velocidades do vento que são significativas.

Os cartazes?
Os cartazes, que estão muitas vezes longe de muros e que são velas autênticas lançadas ao vento — e que são armas de arremesso quando nós temos uma grande tempestade. Penso também nos fenómenos que observámos no Leslie, na Figueira da Foz, em que as pessoas não estavam preparadas para perceber que era preciso fechar os estores e as janelas, para não criar diferenças de pressão significativas. Existem certo tipo de comportamentos que são vulgares nos países que têm muitos fenómenos deste tipo, mas que não são vulgares aqui porque nós não temos fenómenos deste tipo.

Leslie. A praia invadiu a aldeia de Leirosa e ainda ninguém apareceu para ajudar

Temos de começar a formar-nos.
Temos de começar a formar-nos para sermos capazes de ser mais resilientes enquanto comunidade. Do ponto de vista político, também é muito interessante perceber que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tem alargado progressivamente o seu âmbito e, cada vez mais, está a cobrir uma maior diversidade de riscos, porque se começa a aperceber de que há ações que têm de ser feitas do mesmo tipo, que envolvem formação, envolvem resistência, alteração de comportamentos, gestão de situações críticas.

Ou seja, chegámos a uma fase em que temos de nos focar sobretudo na adaptação da nossa própria espécie.
Temos de nos adaptar, essencialmente. Temos de mitigar alguns efeitos. Aqueles que são antropogénicos temos de os reduzir. E temos de nos preparar negativos e positivos que a mudança nos vai trazer.

"Aquilo que se demonstrou agora na corrida às vacinas do Covid-19 é uma evidência daquilo que vai ser o comportamento futuro da Humanidade. A Humanidade só agora começa a existir. O que existiu até agora foram tribos, nações e outras formas de organização."

Quais são os positivos?
Ainda a semana passada me ligaram, no meio de novembro, devido ao tempo que estava em Lisboa, dizendo, um grande amigo meu, que afinal era a favor da mudança climática! Ou seja, nós não podemos ver que é tudo essencialmente negativo. O processo não pode continuar, tem de ser parado, porque nós não sabemos, a partir de um certo momento, se o conseguimos sequer travar. Contudo, é verdade que algum aumento da temperatura em regiões que são muito frias pode ser agradável para a agricultura, porque não? O aumento da temperatura em regiões áridas vai ser horrível e vai exigir adaptação. Temos de nos preparar, se calhar, para ser capazes de utilizar a água que temos em excesso nalgumas regiões para as regiões em que a temos em déficit. É um mundo diferente para o qual nós temos de nos preparar, essencialmente porque, no passado, a Humanidade resistia às mudanças de uma forma muito simples: mudava de local, de solo. Até por vezes o queimava para ir para outro local que era considerado mais fértil. Nós, neste momento, perdemos essa capacidade, porque a densidade humana no planeta é tão grande.

Já estamos em todo o lado.
Já estamos em todo o lado. Agora, o que temos de fazer é viver com isso. É mudar o nosso estilo de vida. Temos uma tecnologia que nunca se viu no passado, temos mais cientistas hoje a trabalhar do que existiram desde o princípio da história da Humanidade. Aquilo que se demonstrou agora na corrida às vacinas do Covid-19 é uma evidência daquilo que vai ser o comportamento futuro da Humanidade. A Humanidade só agora começa a existir. O que existiu até agora foram tribos, nações e outras formas de organização. Humanidade como um todo, a empatia que nós temos com qualquer cidadão em qualquer parte do mundo e que se começa agora a desenvolver, e que se pode chamar realmente Humanidade, eu diria que vai ser uma coisa que só existirá no século XXI.

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