O recinto do Santuário de Fátima vai estar praticamente vazio, mas os responsáveis do lugar de culto mais visitado de Portugal vão assegurar que as celebrações de 12 e 13 de maio mantêm todos os ritos habituais — incluindo as tradicionais procissões das velas e do adeus —, ainda que sem a presença física dos peregrinos.
Segundo disse esta segunda-feira à Rádio Observador o padre Joaquim Ganhão, diretor do departamento de liturgia do Santuário de Fátima, é impossível imaginar “um 12 e 13 de maio, a menos que a coisa se complicasse ainda mais e fosse mesmo impossível estar na rua, sem uma procissão de velas“. “E, se não a fizéssemos na rua, fazíamos dentro de casa”, acrescentou.
A partir da hora de almoço de terça-feira, o recinto do Santuário de Fátima será encerrado: nas laterais, os portões e gradeamentos serão fechados; ao fundo, serão instaladas barreiras físicas que as autoridades vão monitorizar em permanência para que, naquelas 24 horas, ninguém entre no recinto.
[Ouça aqui a entrevista completa ao diretor de liturgia do Santuário de Fátima:]
“Nós aqui contamos com o bom senso das pessoas”, diz Joaquim Ganhão. “Claro que nestas coisas há sempre entusiasmos do momento que é preciso acautelar e por isso as forças de segurança têm colaborado com o santuário no sentido de criar aqui um perímetro de segurança, mas apenas para as celebrações. Até porque o santuário nunca esteve fechado e não vai fechar. Só fecha mesmo para as celebrações do 12 e 13 de maio”, assegurou.
Lá dentro, algumas mudanças são fáceis de imaginar: das luzes das velas, que estarão reduzidas a algumas dezenas na procissão noturna, ao percurso entre a Capelinha das Aparições e o altar, que será mais curto, passando pelas marcas no piso e pelo controlo para garantir que os que lá estão — infinitamente menos que o habitual — mantêm a distância.
“Uma pequena assembleia” apenas com as pessoas “necessárias” — e sem piquenique no final
Durante aquelas 24 horas, pela primeira vez na história, não vão poder entrar peregrinos no Santuário de Fátima. Mas, lá dentro, várias dezenas de pessoas (tanto que o Governo teve de abrir uma exceção às normas da situação de calamidade para permitir mais de dez pessoas) vão assegurar a realização das celebrações habituais, que vão ser transmitidas pela internet e pela televisão.
Ainda assim, assegura o sacerdote responsável pelas celebrações de Fátima, tudo será feito em respeito pelas normas de segurança. “Vamos colocar as cadeiras necessárias na frente do altar do recinto de oração, sem dúvida com ainda mais espaço do que aquele que a lei prevê. Felizmente, ou infelizmente, temos muito espaço“, diz Joaquim Ganhão.
Além disso, os serviços do Santuário de Fátima “estão a marcar o piso para que as distâncias de segurança possam garantir muito bem“.
Apesar de o recinto estar fechado já a partir da hora do almoço de terça-feira, as celebrações arrancam oficialmente às 21h30. Por essa hora, as atenções estarão na Capelinha das Aparições, local que assinala o sítio exato das aparições de 1917. É aí que o pequeno grupo de pessoas implicadas na celebração — que serão, ainda assim, algumas dezenas — vai começar a oração do terço.
Depois, segue-se a procissão das velas. Desta vez, o momento será radicalmente diferente do habitual, já que o recinto do santuário, que pode acolher perto de meio milhão de pessoas, não estará iluminado por centenas de milhares de velas acesas. Por isso, a procissão não vai dar a volta habitual, mais longa, ao recinto — segue por um percurso mais curto, diretamente da Capelinha das Aparições para o altar central em frente à basílica.
“O esquema geral da peregrinação será em tudo igual a todas as outras peregrinações nos 12 e 13 de maio“, resume Joaquim Ganhão. “Claro, com uma adaptação ou outra, porque não temos no santuário no recinto de oração a mesma multidão que costumamos ter e, portanto, embora espiritualmente esteja repleto santuário, fisicamente não estarão cá. Mas teremos também a procissão de velas para o altar do recinto”.
A opção pela manutenção dos grandes momentos — a procissão das velas e a procissão do adeus — levou a que o Santuário de Fátima não realizasse as celebrações no interior de uma das basílicas (como chegou a ser equacionado), mas no exterior.
“Gostava de falar disto como um momento em dois atos. Ou melhor, um mesmo ato, mas é em lugares diferentes”, sublinha o responsável. “O que temos estado a fazer é convidar os peregrinos a que todos os dias se vá acender uma vela. Pedimos a todos aqueles que se sentem peregrinos e em comunhão com o santuário que, na noite do dia 12, possam acender nas suas janelas uma vela de tal modo que a multidão de velas que costumamos ver aqui no recinto do santuário, desta vez, se possa estender não só pelo nosso país todo mas pelo mundo onde haja devotos de Nossa Senhora de Fátima. Gostaríamos que a noite do dia 12 de maio fosse uma grande noite de luz para toda a gente nesta unidade e nesta comunhão com os peregrinos que estão no santuário”, explica o padre Joaquim Ganhão.
No recinto do Santuário de Fátima estará apenas “uma pequena assembleia”, composta pelas “pessoas que são necessárias para a celebração”. Trata-se de um “pequeníssimo grupo de acólitos, um pequeníssimo coro, os leitores que são necessários para o rosário e para a celebração da Eucaristia“, sublinha o sacerdote.
Além dos bispos, padres e ministros essenciais à celebração, vão estar presentes um conjunto de pessoas da sociedade civil — representantes de setores como os profissionais de saúde ou as forças de segurança —, que vão compor a pequena assembleia e que serão objeto de uma homenagem durante as celebrações do 12 e 13 de maio.
“Não nos passa pela cabeça celebrar esta peregrinação sem ter em conta esta realidade que vivemos, em torno desta pandemia, e sem termos muito presente na oração, não só as vítimas imediatas, mas também todos os cuidadores. E queremos tê-los aqui presentes, neste sentido de estarem representados, no sentido de dizermos obrigado e de dizermos que estamos com eles“, explicou Joaquim Ganhão.
Na manhã de 13 de maio, o cenário repete-se: novamente, o terço na capelinha das aparições a partir das 9h, a missa no recinto e a procissão do adeus, também realizada perante um santuário vazio. À hora de almoço, estará tudo terminado. Desta vez, não há o habitual prolongamento da festa, com milhares de peregrinos a fazerem piqueniques nas imediações do recinto do santuário.
Manifestação da CGTP. “É impossível comparar as duas coisas”
No entender do padre Joaquim Ganhão, habituado a preparar celebrações de grande dimensão no Santuário de Fátima, aquele é um “espaço de excelência para celebrações litúrgicas para grupos maiores ainda que com os devidos cuidados“. Ainda assim, o sacerdote prefere não alimentar a polémica à volta das comparações com o 1.º de Maio organizado pela CGTP em Lisboa.
“Parece-me impossível é fazer uma comparação com as duas coisas“, diz. “Mas, efetivamente, se formos por aí, eu penso que é possível com a nossa gente e com todos os cuidados e atenções, podermos de facto ter aqui um grupo um grupo razoável de gente em celebração.”
É por isso que, espera o sacerdote, as celebrações de agosto e de outubro — as próximas grandes peregrinações de Fátima — já possam ser assinaladas de forma diferente. Se possível, com peregrinos, mesmo que em menor número.