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O Reino Unido está a viver uma onda de protestos anti-imigração violentos que têm marcado a última semana. Esta é a primeira “prova de fogo” que o Governo de Keir Starmer — em funções há um mês — enfrenta. Tudo começou após um ataque durante uma aula de dança sobre Taylor Swift. Três crianças (entre elas uma portuguesa) morreram vítimas de um esfaqueamento levado a cabo por um jovem de 17 anos.
Os protestos começaram logo no dia seguinte. Tudo porque, nas redes sociais, começaram a circular informações falsas sobre o atacante, nomeadamente tratar-se de um imigrante muçulmano. Partindo do príncipio que se tratava de um ataque radical islâmico, o grupo de extrema-direita Liga de Defesa Inglesa organizou um protesto que resultou no ferimento de 50 agentes da polícia. A polícia britânica divulgou mais tarde informações concretas sobre o atacante, mas já tudo se tinha transformado em tumultos em Southport.
O gabinete Cobra, o gabinete de crise do Reino Uido, reuniu-se de emergência esta segunda-feira para definir algumas medidas a aplicar, de forma a acalmar os ânimos e acabar com os protestos que já originaram quase 400 detenções.
Seis perguntas e respostas sobre a violência que se vive no Reino Unido.
O que está em causa?
Tudo começou no fim do mês passado, a 29 de julho, quando um adolescente de 17 anos invadiu uma aula de dança em Southport, a norte Liverpool. O jovem esfaqueou mortalmente três crianças com 6, 7 e 9 anos. Uma delas, a última, chamava-se Alice Aguiar e era portuguesa, filha de pais madeirenses. Além destas três mortes, o adolescente fez ainda 10 feridos (dos quais oito eram também crianças).
Inicialmente, a polícia inglesa não revelou a identidade do suspeito — procedimento habitual quando os crimes envolvem menores — divulgando apenas que tinha nascido em Cardiff, no país de Gales, e que residia em Banks, perto do local do ataque.
Mas nas redes sociais rapidamente foi difundida outra ideia: a de que o atacante era um imigrante muçulmano e que se tinha tratado de um ataque radical islâmico. E tudo ganhou outra dimensão, levando manifestantes anti-imigração a ir para as ruas. Mas o atacante, Axel Rudakubana, era britânico e com ascendência do Ruanda (país de onde os pais são naturais), detalhou mais tarde a polícia. Até ao momento não há motivo associado ao ataque.
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Esta segunda-feira, o Governo britânico sugeriu que países estrangeiros terão ajudado a difundir desinformação sobre o ataque que marcou o Reino Unido. Na lista encontra-se a Rússia, que terá divulgado que o responsável pela morte das três crianças era um requerente de asilo que tinha chegado ao Reino Unido de barco, escreve o The Telegraph, apesar de o porta-voz do Governo se ter recusado a elencar os países responsáveis.
Quando começaram os protestos?
Logo no dia seguinte ao ataque, terça-feira, deu-se o primeiro protesto. Centenas de pessoas reuniram-se e causaram distúrbios. O movimento foi organizado pelo grupo de extrema-direita Liga de Defesa Inglesa (EDL, na sigla inglesa) e tinha como alvo a mesquita de Southport, onde decorria uma vigília em memória das três vítimas.
Rapidamente o protesto ganhou contornos violentos, com os manifestantes a virarem-se contra a polícia. Uma carrinha das autoridades foi incendiada e foram ainda atirados objetos (como tijolos, garrafas e pedras) contra os agentes. Nessa terça-feira, em virtude do protesto, 50 polícias ficaram feridos. Mas os manifestantes não ficaram por aí e os protestos continuaram ao longo da semana.
Que locais têm sido palco de violência?
Depois de Southport, foi na capital que se concentraram os protestos. Em Whitehall, do lado de fora da entrada para Downing Strett (onde se encontra a residência oficial do primeiro-ministro, Keir Starmer) voltaram a reunir-se manifestantes anti-imigração. No local, segundo a SkyNews, ouviam-se frases como “Inglaterra até morrer”, “Salvem os nossos filhos” e “Parem os barcos”, ao mesmo tempo que eram atirados foguetes luminosos em direção a Downing Street. A BBC detalha que foram detidas mais de 100 pessoas em Londres.
Nessa mesma quarta-feira também houve protestos noutras cidades, como Hartlepool, no nordeste do país, onde foram detidas oito pessoas. A polícia foi atacada com garrafas de vidro e ovos. Sunderland, nos arredores de Newcastle (no norte de Inglaterra), foi foco de tensões no dia seguinte. Nessa noite, dezenas de pessoas apedrejaram agentes da polícia, incendiaram carros e ainda uma esquadra. Quatro polícias ficaram feridos e 10 pessoas acabaram por ser detidas, detalhou a polícia de Northumbria.
Se a situação já estava complicada, no fim de semana que os protestos no Reino Unido ganharam uma dimensão ainda maior. No sábado (dia 3), houve protestos em diferentes cidades, como: Liverpool (onde estiveram cerca de mil manifestantes, diz a BBC), Leeds, Manchester, Hull, Nottingham e Belfast (na Irlanda do Norte). E também concentrações anti-imigração em Bristol. Os apedrejamentos repetiram-se e algumas lojas foram saqueadas.
No domingo, o alvo destes protestos foi a cadeia hoteleira Holiday Inn. Primeiro em Rotherham, nos arredores de Sheffield (a sexta maior cidade de Inglaterra) e depois em Tamworth, nos subúrbios de Birmingham. O motivo? Os manifestantes acreditavam que ali estavam vários requerentes de asilo. Em resposta, a polícia fez um cordão de segurança à volta dos edifícios.
Na rede social X, um polícia britânico partilhou um pouco daquilo que viveu no domingo. De acordo com a sua publicação — entretanto partilhada em alguns meios de comunicação ingleses — o agente foi enviado para Rotherham, onde foi atingido por urina, fezes de animais, foguetes luminosos e outros objetos por vários manifestantes. O agente diz ainda que os adultos presentes estavam a incentivar menores a ter os mesmos comportamentos.
06:11am clocking off after starting at 13:00pm yesterday.
I was sent down to #Rotherham with my Northants colleagues to help colleagues at S.Yorkshire Police.
Urine, animal faeces, fire works, objects directed onto/at us. Adults encouraging young children to join in. Nothing… pic.twitter.com/SPoV9a5Ip6
— PC Unsworth (@PCUnsworth) August 5, 2024
O fim de semana foi também marcado por manifestações de resposta para fazer frente aos mais de 30 protestos anti-imigração previstos, escreveu o The Guardian. As manifestações anti-racismo ocorreram em Belfast (onde foi necessária intervenção da polícia devido a confrontos entre manifestantes dos dois lados), e ainda em Birmingham, Bolton, Cardiff, Derby, Lancaster, Rotherham e Weymouth.
Quem está a organizar os protestos?
Logo no primeiro dia de protesto, em Southport, a polícia de Merseyside, responsável pela área, identificou o grupo anti-imigração Liga de Defesa Inglesa (EDL) como tendo sido responsável pela convocação desta manifestação.
No entanto, além deste primeiro protesto — e segundo uma análise da BBC — não há um único grupo a organizar as manifestações anti-imigração. Isso mesmo foi confirmado pelo membro do grupo antirracismo Hope Not Hate, Joe Mulhall: “Não houve uma única força motriz.”
Alguns grupos têm-se formado informalmente nas redes sociais, em particular através do Telegram e do Facebook. “A organização é muito mais orgânica. Surgem grupos no Facebook, onde é passada a informação. A discussão é iniciada é no Twitter, mas a organização [do protesto] acontece noutras redes”, detalha Joe Mulhal.
Nestes grupos, são convocadas manifestações, partilhadas informações falsas e são ainda dadas indicações (como por exemplo levar algo que permita esconder a cara). Um dos primeiros grupos, no Telegram, surgiu seis horas depois do ataque à aula de dança e servia para partilhar informação falsa sobre o atacante.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a situação no Reino Unido.
Quantas pessoas já foram detidas?
A polícia britânica fez esta segunda-feira um ponto de situação relativamente ao número de detenções já registadas desde que começaram os protestos, na semana passada. Até ao momento, 378 pessoas foram detidas, número que deverá crescer de dia para dia, disse o Conselho Nacional de Chefes de Polícia (NPCC, na sigla inglesa) citado pelo The Guardian. Só no fim de semana, foram detidas cerca de 150 pessoas.
O responsável pelo NPCC, Gavin Stephens, sublinhou que não está em causa “uma atividade de protesto ou pessoas a exercerem o seu direito democrático”, mas sim “violência desnecessária”. “Vimos importantes centros comunitários, como um Gabinete de Aconselhamento ao Cidadão e uma biblioteca, serem completamente destruídos”, disse.
Que resposta está o Governo britânico a dar?
Esta segunda-feira reuniu-se de emergência o gabinete Cobra, um gabinete de crise, para debater os protestos que se têm multiplicado pelo país. Estiveram presentes vários ministros e forças de segurança.
À saída da reunião, o primeiro-ministro Keir Starmer apresentou duas das principais conclusões: serão aplicadas sanções penais com mais rapidez àqueles que estiveram envolvidos nos protestos. Isto porque, além do elevado número de detidos, há muitas pessoas identificadas pela polícia e é necessário acelerar o processo. O Governo garantiu ainda que há espaço suficiente nas prisões para “prender todos os envolvidos”, e detalhou mais tarde que serão disponibilizado mais de 500 lugares. Além disto, serão mobilizados 6000 polícias, de forma a criar um “exército permanente” especializado para gerir os protestos.
O chefe de Governo disse ainda que as autoridades estarão a monitorizar todas as atividades ilegais online — onde se inclui o incitamento ao ódio — e alertou que as leis também se aplicam se o crime for cometido na internet. Além disto, os agentes terão os seus dias de férias e folgas canceladas, de forma a poder assegurar capacidade de resposta, algo que levou a Federação da Polícia britânica a alertar para o facto de os agentes começarem a ficar cansados.
Ao longo desta longa semana de protestos, o primeiro-ministro assegurou também aos agentes que terão mais liberdade para partilhar informação entre as diferentes forças de segurança, assim como direito a utilizar tecnologia de reconhecimento facial. Os desordeiros “vão arrepender-se”, alertou em Downing Street, citado pelo Telegraph. E sublinhou que fará “o que for preciso para levar esses bandidos à justiça o mais rápido possível”.
Ao longo da semana algumas vozes fizeram-se ouvir ao pedir a intervenção do exército caso a violência dos protestos aumente. Foi o caso de Nigel Farage, líder do partido Reform UK, que defendeu ainda “convocação do parlamento”. Até ao momento, o Governo de Starmer não se mostrou aberto a nenhuma destas hipóteses.