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Não foi terça, não foi quarta-feira (ao contrário do que António Costa esperava). Ainda que as expetativas apontassem para um anúncio no briefing do Conselho de Ministros desta quinta-feira, foi preciso esperar pelas 22h00, para conhecer o destino próximo da TAP. Não, não vai ser nacionalizada, mas o Estado vai reforçar a participação para 72,5% do capital — pagando, para isso, 55 milhões de euros. Foi a forma que encontrou — ainda que outras tivessem estado em cima da mesa — para “evitar a falência de uma empresa essencial ao país”, nas palavras do ministro das Finanças, João Leão.

O Executivo põe, assim, (e até ver) uma pedra sobre o assunto TAP e o impasse que impedia chegar a acordo. A garantia é a de que o plano de ajuda de Estado vai ter impacto um impacto no défice de 946 milhões de euros este ano (mas pode ser mais — até 1,2 mil milhões de euros) e que o CEO, Antonoaldo Neves, sai “de imediato” da gestão da empresa. A nova equipa que vai liderar a TAP terá primeiro de passar pela avaliação de uma empresa especializada em procurar, no mercado internacional, gestores “qualificados, experientes e com competência na área da aviação”. Enquanto isso não acontecer haverá uma “solução transitória”, que será “comunicada no momento certo”, segundo o ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos. O que muda na TAP e que impacto vai essa mudança ter nas contas públicas?

A TAP vai ser nacionalizada? Afinal, que acordo é este?

Não, a TAP não vai ser nacionalizada — aliás, o ministro Pedro Nuno Santos fez questão de frisar por diversas vezes que a companhia vai ser uma empresa pública, mas não haverá uma gestão pública da transportadora. Mas o Estado vai reforçar a posição que tem na empresa — dos atuais 50%, vai comprar, por 55 milhões de euros, mais 22,5% do capital, ficando, assim, com 72,5%. “Desta forma consegue-se evitar a falência de uma empresa essencial ao país”, frisou o ministro das Finanças, João Leão, numa conferência de imprensa no ministério das Infraestruturas.

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Os trabalhadores mantêm os 5% que já detinham da empresa e o consórcio privado Atlantic Gateway (que tinha 45% e era detido pelos empresários Humberto Pedrosa e David Neeleman) sai da estrutura acionista. No entanto, Humberto Pedrosa permanece no capital da empresa, com 22,5%, ao comprar a posição do sócio, David Neeleman (que aceita sair com 55 milhões de euros).

David Neeleman (que é também presidente do conselho de administração da Azul, que controla com 67% das ações com direito de voto), abdica, assim, do direito de converter em capital o empréstimo obrigacionista de 90 milhões de euros que fez à companhia aérea portuguesa, através da Azul. E desenlaça-se o nó que estava a atrasar as negociações.

Que hipóteses estiveram em cima da mesa?

Não fazia parte dos planos iniciais do Governo comprar a posição dos privados na TAP, mas foi a solução encontrada para sair do impasse.

Primeiro, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, queria que a solução passasse pela empresa do acionista David Neeleman, a Azul, que emprestou dinheiro à TAP há três anos. Estaria em causa uma conversão dos créditos que a companhia aérea brasileira tinha sobre a TAP SGPS em capital — ou, dito de outra forma, a Azul abdicaria de receber o que emprestou (90 milhões de euros), mas ficaria dona de uma fatia (6%, com 41% dos direitos económicos) da empresa portuguesa. Mas tinha de o fazer já, ou seja, abdicaria de seis anos a receber juros de 7,5% até à maturidade do empréstimo obrigacionista, em 2026. “Era fundamental que os acionistas privados pudessem acompanhar com a conversão dos créditos que tinham em capital”, disse Pedro Nuno Santos na conferência de imprensa desta quinta-feira.

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Esta primeira proposta previa um reforço dos poderes do Conselho de Administração e um sistema de controlo “dos destinos do dinheiro que o estado ia injetar na TAP”.

Como não foi aceite, o Governo avançou para uma segunda proposta, mas, desta vez — e na medida em que não aceitaria participar no esforço de recapitalização — a Azul já não converteria essas obrigações em ações da TAP SGPS, ficando a receber os respetivos juros, de 7,5%, até que o empréstimo terminasse em 2026. Nesse cenário, o Estado também compraria a participação de David Neeleman, ficando apenas com Humberto Pedrosa como parceiro privado na TAP.

Com mais uma rejeição da proposta estatal, o Governo ameaçou com a nacionalização e acabou por forçar um acordo à terceira tentativa.

O que sempre esteve fora da equação para o ministro das Infraestruturas foi uma insolvência da empresa, pelos custos diretos e impactos indiretos “na economia e no emprego dos portugueses, não apenas nos que trabalham para a TAP”

A equipa de gestão mantém-se?

Não. Uma das novidades é que o atual presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, vai sair imediatamente da gestão da empresa. “Não fazia sentido ser de outra maneira (…). Há a saída de um dos principais acionistas [David Neeleman] da TAP que era responsável pela escolha desta comissão executiva. Por isso, era difícil de explicar que o atual CEO da TAP se manteria”, explicou Pedro Nuno Santos. Antonoaldo Neves é substituído interinamente até ser escolhido um novo CEO.

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Quanto à restante equipa, não é certo que se mantenha tal como está — “nesta fase, não poderia dar essa resposta”, disse o governante. Até porque outra das novidades é que o Estado vai contratar uma empresa para procurar, no mercado internacional, gestores “qualificados, experientes e com competência na área da aviação”. Enquanto não há uma equipa definitiva, haverá uma “solução transitória”, que, segundo o ministro, será “comunicada no momento certo”.

Na prática, o que é que o Estado está a pagar?

O Estado compra “direitos de voto, direitos económicos, direitos de saída”, como referiu o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.

Ou seja, na prática, o Estado desde já paga 55 milhões de euros a David Neelman por 22,5% do capital — garantindo que não haverá litigância. E a Azul vai continuar a receber até 2026 as prestações pelos 90 milhões que subscreveu num empréstimo obrigacionista feito em 2016. No total, a companhia brasileira controlada também por David Neeleman vai recuperar os seus 90 milhões iniciais e receber outros 99 milhões de euros em juros (que foram de 4,1% no primeiro ano e 7,5% nos seguintes). Mas no final não terá direito a converter essas obrigações em capital da TAP. Abdicou desse direito.

O plano de ajuda à TAP tem impacto nas contas públicas? Quanto?

Tem impacto, tanto no défice como na dívida. O Governo prevê no Orçamento Suplementar um impacto de 946 milhões de euros. Mas pode ser mais, tendo em conta que a injeção de dinheiro tem como limite máximo 1,2 mil milhões de euros. Por essa razão, o Conselho das Finanças Públicas já avisou que há o risco de desvio orçamental em 254 milhões de euros.

Mas será que as contas públicas vão sentir um impacto maior — além daqueles 946 milhões de euros — porque o Governo passou a deter uma posição maioritária na TAP SGPS?

A integração da TAP SGPS — o grupo que agrega as diferentes empresas, incluindo a companhia aérea, TAP SA —, “ainda pode ter um efeito residual na dívida”, reconheceu João Leão na conferência de imprensa, “mas não se espera um impacto automático e direto pelo Estado ter a TAP nas contas públicas”, além daqueles 946 milhões de euros.

Como chegámos até aqui?

O contrato de reprivatização de 61% do capital da TAP foi assinado em junho de 2015 entre o Governo e o consórcio privado Atlantic Gateway, detido por Humberto Pedrosa (dono do Grupo Barraqueiro) e David Neeleman (da Azul). Com a venda direta, concretizada para cumprir o memorando da Troika, a maioria do capital passa para as mãos dos dois empresários. Era Pedro Passos Coelho primeiro-ministro.

António Costa, na altura na oposição, criticou o “suspeitíssimo secretismo” com que as negociações foram feitas. E quando se torna líder do Governo, em novembro se 2015, apoiado pelo Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, inicia o processo de reversão (parcial) da privatização.

Em 2017, o Governo assinou com a Atlantic Gateway um acordo para recuperar o capital na empresa, cabendo-lhe uma fatia de 50%. O Estado pagou 1,9 milhões de euros pela operação, através da qual tem direito a ser representado no conselho de administração. Mas é o consórcio privado a quem cabe a gestão da empresa corrente (tinha, no entanto, algum poder de intervenção, mas apenas na nomeação dos órgãos sociais ou na eventual entrada de novos acionistas). Desta forma, empresa continuava, assim, a ser privada, com a Atlantic Gateway a deter 45%, estando os restantes 5% na posse de funcionários da empresa. Aliás, Miguel Frasquilho, representante do Estado no conselho de administração, chegou mesmo a dizer, à TSF, que “o Estado não se mete na gestão da TAP”.

Numa auditoria pedida pela Assembleia da República com o objetivo de avaliar a “regularidade e a salvaguarda do interesse público” em todo o processo de reprivatização e, mais tarde, de recompra, o Tribunal de Contas concluía que com a reprivatização, o Estado “satisfez compromissos internacionais” e “melhorou as contas da Parpública” [empresa através da qual o Estado detém a TAP]”, mas, por outro lado, “perdeu controlo estratégico” por passar a deter apenas 34% do capital da empresa e “garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento”.

Esse controlo estratégico foi recuperado na recompra, “com a posição de maior acionista”, mas o Estado “perdeu direitos económicos” e assumiu “maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”.

O acordo parassocial negociado entre a Parpública e os investidores privados definia que, em caso de incumprimento ou bloqueio acionista, a empresa estatal possa assumir a totalidade da TAP. Além disso, os privados teriam de ser compensados pelo dinheiro injetado após 2015 no processo de privatização — 220 milhões de euros. O que permitiu a Neeleman pedir 55 milhões ao Estado pela compra da sua participação.

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Qual era a situação da TAP?

Pedro Nuno Santos foi incisivo na conferência de imprensa sobre como “em nenhum canto do mundo”, a TAP se encontrava “em boa situação financeira, já que “apresentava capitais próprios negativos de 580 milhões de euros” no final do ano passado.

Aliás, chegou a interromper um jornalista que perguntava se as contas da TAP passariam a contar para o défice e para a dívida pública, para dizer que a TAP deu prejuízo em “dois anos consecutivos”. “Não são as palavras de um ministro que fazem a Comissão Europeia declarar se uma empresa está ou não em dificuldades. É mesmo a realidade concreta. A empresa não só tinha capitais próprios negativos de 580 milhões de euros, como apresentou nos dois anos anteriores prejuízos inventados. Não sou eu que inventei a realidade da TAP. É o que é.”

Em 2018, a TAP esteve envolta em polémica, depois de ter registado prejuízos de 118 milhões de euros, mas, ainda assim, distribuir prémios (no total de de 1,17 milhões de euros) a 180 trabalhadores.

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Em 2019, os resultados continuaram negativos (105,6 milhões de euros). E com a chegada da Covid-19, em 2020, a empresa entrou em layoff simplificado, optou por não renovar contrato, suspendeu ligações. E de janeiro a março, os prejuízos chegaram a 395 milhões de euros. “impactado por eventos relacionados com a pandemia Covid-19, nomeadamente pelo reconhecimento de overhedge de jet fuel de 150,3 milhões de euros, tendo o resultado líquido sido igualmente impactado por diferenças de câmbio líquidas negativas de 100,5 milhões de euros”. O número de passageiros transportados pela companhia aérea em março desceu 54,7% face ao mês homólogo de 2019.

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O que a Comissão Europeia disse sobre a TAP por estes dias?

Nos últimos dias a Comissão Europeia teve de se pronunciar duas vezes em relação à TAP. Na primeira foi por sua iniciativa, na sequência de declarações de Pedro Nuno Santos. O ministro tinha dito que o plano de ajuda tinha sido “imposto por Bruxelas”.

“[Este plano] foi o único que foi aceite [pela Comissão Europeia]. Não fomos nós que o propusemos, foi a CE que o impôs, sublinhou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, em entrevista ao ‘podcast’ “Política com Palavra”, do Partido Socialista.

O executivo comunitário não deixou passar, esclarecendo que foi Portugal quem escolheu o regime aplicável – neste caso “ao abrigo das Orientações da Comissão relativo aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação” – e não o mais favorável, que era o Quadro Temporário por causa da Covid-19.

TAP foi prejudicada em Bruxelas? Porque é que o Governo não conseguiu ou não quis outra solução?

E explicou que mesmo que o Governo o tivesse solicitado dessa forma, não teria sido concedida autorização porque a TAP já “enfrentava dificuldades antes do surto do coronavírus (ou seja, em 31 de dezembro de 2019)” pelo que “não era elegível para receber apoios neste regime.

No início da semana, após as notícias que davam conta da iminente nacionalização da TAP, a Comissão Europeia pronunciou-se outra vez sobre o caso, mas desta vez não recusando referir-se especificamente à companhia aérea.

Sobre se o reforço de posição do Estado na TAP afeta o plano de ajuda já negociado, Bruxelas diz que não. “O Tratado da União Europeia é neutral quanto ao facto de a propriedade ser pública ou privada. Isto significa que a ajuda pública por parte dos Estados-membros às empresas deve cumprir as regras de Ajuda de Estado da UE, independentemente de a companhia que recebe esse apoio ser pública ou privada”.

Outra questão é a de saber se, no quadro do processo de tomada de controlo da empresa, o Estado quer meter dinheiro fresco na TAP, seja através de aumento de capital ou seja por conversão de dívida em capital. Nesse caso, a resposta anterior da Comissão seria certamente diferente: esta nova ajuda teria de voltar a ser notificada à Comissão Europeia, de acordo com informação recolhida pelo Observador. Essa operação poderia ser enquadrada no plano de reestruturação que a TAP tem de apresentar, como contrapartida da ajuda até 1.200 mil milhões autorizada através de um empréstimo do Tesouro. Mas também poderia dar origem a um novo processo de ajuda de Estado que terá de ser autorizado pela Comissão com mais contrapartidas.