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Foram quatro os sismos esta terça-feira em Portugal Continental em cerca de 17 horas. Dois deles tiveram epicentro a sul do Algarve (com magnitudes de 3,9 e 3,7 na escala de Richter) e foram sentidos com especial intensidade nas zonas de Olhão e Albufeira. Um outro foi registado a oeste de Évora (de magnitude mais baixa, de 2,6) e foi sentido, com menor intensidade, no concelho de Montemor-o-Novo. E um último teve epicentro perto de Arouca (e magnitude de 2,5). Em nenhum dos casos foram registados danos pessoais ou materiais.

Mas poderão estes sismos ser considerados normais, tendo em conta que ocorreram no mesmo dia? Indicarão um aumento da atividade sísmica em Portugal Continental? E poderão ser até um prenúncio para um sismo de maior intensidade, semelhante ao que devastou grande parte de Lisboa e do Algarve, há mais de 250 anos? O Observador falou com os sismólogos João Fontiela e Rui Moura para esclarecer alguma destas questões.

E vão quatro. Mais um sismo esta terça-feira: abalo de 2,5 sentido em Arouca

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Sismos registados esta terça-feira são normais?

Sim. Tanto o Algarve como o Alentejo são zonas de elevada intensidade sísmica, começa por explicar João Fontiela. Aliás, como lembra o especialista do Instituto de Ciências da Terra da Universidade de Évora, em janeiro de 2018 registou-se um sismo de magnitude 4,9 a norte de Arraiolos. “Existem diversas estruturas tectónicas ativas nestas regiões, pelo que é normal que estes sismos ocorram”, diz. No entanto, o sismólogo admite que não é habitual que, no mesmo dia, ocorram três sismos da magnitude daqueles que foram registados no Algarve e Alentejo esta terça-feira. “Foi uma coincidência, não mais do que isso”, justifica contudo o especialista.

O sismo de Arouca pode, à partida, destoar mais. “Não costuma ser um sítio com muita sismicidade. Não há uma frequência comparável com a zona a sul do Algarve e que corresponde a uma grande fronteira de movimento tectónico”, refere Rui Moura, do Departamento de Geociência da Universidade de Aveiro. Nota, porém, que se situa numa zona onde estão identificadas pequenas falhas.

“Se falarmos da tipologia dos sismos, a sul são os chamados sismos de fronteira de placas. Já a norte são intraplacas, que são mais atípicos. Normalmente, correspondem a movimentos de algumas pequenas falhas, que existem por todo o nosso território e, por vezes, também mexem”, aponta.

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Os abalos sentidos no Algarve, Alentejo e Arouca têm todos a mesma origem?

Os dois sismos registados esta madrugada e ao final da manhã a sul do Algarve e os sismos sentidos mais tarde na região de Évora e depois em Arouca não estão relacionados, esclarece João Fontiela.

Os sismos que tiveram epicentro na costa algarvia tiveram origem na descontinuidade que separa a placa euroasiática da placa africana, que se encontram a sul do Algarve. “A sul do Algarve, a placa africana está a deslizar ao longo da placa euroasiática, o que origina esta atividade sísmica, que é perfeitamente normal”, sublinha o especialista, acrescentando que, no sul de Espanha, o contacto entre as placas é já, no entanto, convergente, isto é, deslocam-se uma contra a outra, num movimento de colisão.

Portugal é ladeado por três placas tectónicas de grande dimensão, que interagem umas com as outras: a euroasiática, a norte-americana e a africana. Se, por um lado, a placa euroasiática e a placa norte-americana estão a afastar-se uma na outra, num movimento divergente que causa a atividade sísmica constante registada no arquipélago dos Açores. Por outro, as placas euroasiática e a africana deslizam na lateral e na horizontal, naquilo a que os geólogos chamam um movimento transformante, causando os maiores sismos do Continente, como foi o caso dos do Algarve esta terça-feira.

Quanto ao sismo registado perto de Évora, a história é outra, e também tem a ver com outras falhas. “Estará provavelmente associado à falha de Arraiolos”, uma rutura na crosta terrestre que passa mesmo junto à aldeia da Serra, cerca de 15 quilómetros a norte de Arraiolos. “Esta é uma zona muito ativa do sistema de falhas daquela região; há uma sismicidade quase diária naquela sistema”, realça João Fontiela. Aliás, o sismo sentido esta terça-feira em Montemor-o-Novo é já o terceiro naquela região em menos de um mês, depois de dois abalos com magnitudes de 2,4 e 2,9 registados a 13 de agosto.

Dois sismos registados perto de Montemor-o-Novo

O sismólogo da Universidade de Évora adianta que estão a ser desenvolvidos estudos para descobrir a extensão completa da falha de Arraiolos, descoberta apenas em 2018, que se abre principalmente para ocidente (em direção à zona de Lisboa).

Voltando à zona onde Portugal se situa em termos de placas, há por isso mais um detalhe a registar e que explica a falha de Arraiolos. O país está assente numa região muito particular da placa euroasiática de que falávamos acima: trata-se da microplaca ibérica, que se movimenta para leste e se vai colando à placa euroasiática. Esta microplaca, no entanto, é influenciada também pela placa africana, que se está a mexer para noroeste. À medida que a placa africana se mexe, comprime a microplaca ibérica e cria as chamadas falhas intraplacas. É esta interação de compressão que está na origem da Cordilheira Bética, um conjunto de sistemas montanhosos com 600 quilómetros no sul da Península Ibérica, desde o estreito de Gibraltar até Cabo da Nau (Alicante): há cerca de um ano, a zona de Granada, por exemplo, teve uma crise sísmica com mais de dois mil abalos devido a este movimento intraplacas.

Enquanto a placa africana vai comprimindo a microplaca ibérica, Portugal Continental vê cada vez ‘nascerem’ mais falhas tectónicas que testemunham essas forças de compressão: a microplaca sofre um levantamento litosférico e racha-se em novas falhas (uma delas a de Arraiolos) onde se acumula muita energia dando origem a sismos como os de Évora e Montemor, como o Observador explicou aqui.

A placa africana está a rachar o país e mais uma dúzia de dúvidas sobre sismos

Já no caso do sismo no norte do país, João Fontiela aponta que os abalos nesta zona são fruto de um sistema de falhas que existe entre Aveiro e Arouca. “Trata-se de uma falha ativa e tudo indica que está identificada”, explica, acrescentando que também neste caso se enquadra na atividade sísmica normal que existe em Portugal.

Também Rui Moura considera que é difícil estabelecer se existe de facto uma relação entre os quatro sismos sentidos durante este terça-feira, estando o primeiro e o último separados por um período de 17 horas. “Não é muito normal, mas também não é assim tão raro”, refere, acrescentando que na verdade se registaram até mais alguns outros sismos com epicentro no mar durante o dia — nomeadamente ao largo do Golfo de Cádis (magnitude 2,6), a sudoeste do cabo de São Vicente (magnitude 3,1) e ao largo de Aljezur (1.0). Ou seja, na verdade na foram quatro os sismos do dia, mas sim sete.

O especialista do Departamento de Geociência da Universidade de Aveiro admite que a população possa estranhar este tipo de acontecimentos, mas explica que muitas vezes se tratam apenas de “coincidências” e nada mais. “Há uma certa sismicidade no país e sendo sismos muito fracos nem sempre é possível atribuir uma causa-efeito”, refere.

Rui Moura diz ainda que por vezes um ajuste de movimentos a sul pode conduzir a movimentos nas outras pequenas falhas a norte. Se essa é uma possibilidade, é difícil afirmar com certeza se foi o caso desta terça-feira.

A atividade sísmica está a aumentar em Portugal?

O que existem são períodos em que a atividade sísmica está mais ativa. No entanto, explica João Fontiela, esses períodos não bastam “para que se possa afirmar que existe um aumento da sismicidade em Portugal”, sublinha o sismólogo, ressalvando que, para se poder fazer essa análise, é necessário “olhar para períodos longos”.

Segundo João Fontiela, o aumento da perceção sísmica em Portugal, com um número cada vez maior de sismos de pequena intensidade a serem registados e divulgados, deve-se às melhorias que têm sido introduzidas na rede sísmica do IPMA, que “implicam uma maior detetabilidade da sismicidade”. Na zona de Arraiolos, o IPMA tem agora capacidade de detetar sismos acima de 0,5 na escala de Richter, “um valor extremamente baixo”.

Estes sismos podem ser um prenúncio de um sismo de grande magnitude a breve prazo em Portugal? Que medidas de prevenção?

Rui Moura vê nestes eventos um alerta a longo prazo. “O que temos de ter em atenção é, primeiramente, a qualidade da construção anti-sísmica. Os sismos por si só não matam, o que matam são os edifícios que não resistem aos sismos”, aponta, sublinhando a importância de um programa de construções adequado.

O especialista da Universidade de Aveiro lembra também a importância da preparação da população, que de forma automática deve ter a noção do que fazer em caso de um sismo. “Se as pessoas estiverem bem preparadas, se forem resilientes, que também é um fator crucial, e se a fragilidade dos edifícios for bem acautelada, então estamos bem preparadas”.

Sobre se os sismos desta terça-feira podem ser um prenúncio do que está para vir, João Fontiela começa por sublinhar que “a sismologia é uma ciência muito incerta”. Apesar de estarem em curso alguns trabalhos que incidem sobre percursores de sismos, ainda não é possível prever os abalos. Por isso, “não se pode dizer que estes sismos sejam um prenúncio de um próximo grande sismo”. Até porque, como explica o sismólogo, ainda não há unanimidade na comunidade científica quanto ao local do epicentro do sismo devastador de 1755 — a única certeza é que foi no Oceano Atlântico. “Como o epicentro foi no fundo do mar, o acesso é muito mais complexo”, explica. Perante a falta de certeza em relação à origem exata do sismo do século XVIII, os cientistas debatem também se o sismo de 1969 (de 7,9 na escala de Richter, e que matou 13 pessoas em Lisboa e no Algarve) teve origem no mesmo local (o banco de Gorringe, uma zona montanhosa ao largo de Sagres é a zona mais apontada).

“Há muitas estruturas tectónicas no oceano que não conhecemos e não sabemos se estão ativas ou apenas num estado de quiescência, apenas a receber tensões”, realça João Fontiela, alertando para a quantidade de falhas oceânicas que rodeiam Portugal e que podem representar perigo no futuro. Por exemplo, diz, o sismo de 2011, que originou um tsunami em direção ao Japão, ocorreu numa falha que nunca tinha demonstrado sismicidade prévia, ou seja, não estava identificada como uma falha ativa.

Por isso, conclui o sismólogo, “devemos ficar atentos (e não preocupados) na sequência dos sismos” desta terça-feira, que relembram que Portugal “está numa região sismicamente ativa, o que representa um perigo real na nossa vida”. No entanto, ressalva, “esse perigo não aumentou” depois dos abalos sentidos no Algarve, no Alentejo e em Arouca.