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epa10923823 Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu attends a joint press conference with German Chancellor Olaf Scholz in Tel Aviv, Israel, 17 October 2023. Thousands of Israelis and Palestinians have died since the militant group Hamas launched an unprecedented attack on Israel from the Gaza Strip on 07 October 2023, leading to Israeli retaliation strikes on the Palestinian enclave.  EPA/Maya Alleruzzo / POOL
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Netanyahu diz que mandados de detenção estabeleceriam um "precedente perigoso" que "ameaçaria os soldados e dirigentes de todas as democracias que lutam contra o terrorismo"

Maya Alleruzzo / POOL/EPA

Netanyahu diz que mandados de detenção estabeleceriam um "precedente perigoso" que "ameaçaria os soldados e dirigentes de todas as democracias que lutam contra o terrorismo"

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Que efeitos pode ter um mandado de detenção do TPI para Netanyahu? EUA podem evitar derrota diplomática de Israel?

Tribunal Penal Internacional pode emitir mandados de detenção contra Israel. Netanyahu é um possível visado e já conta com apoio de Biden. Mas "morte por fome" em Gaza pode motivar ação de Haia.

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A informação já circula há dias no gabinete do primeiro-ministro de Israel e terá deixado Benjamin Netanyahu “nervoso e assustado”, relata a imprensa de Telavive. O Tribunal Penal Internacional (TPI) poderá emitir, nos próximos dias, um mandado de detenção internacional em nome do chefe do executivo israelita, devido às ações em Gaza. E não só: outros altos responsáveis, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, ou o chefe das Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês), Herzi Halevi, podem ser alvo de mandados que impediriam que viajassem para qualquer país que tenha aderido ao Estatuto de Roma, correndo o risco de serem detidos caso o fizessem.

Israel não aderiu ao Estatuto de Roma, mas 124 países aceitam a jurisdição do TPI, incluindo vários aliados do país, como França, Reino Unido ou a Alemanha. Para os governantes israelitas, esta decisão é totalmente indesejada: seria um golpe na reputação do país e sustentaria muitas das críticas dirigidas à maneira como as IDF têm gerido as operações militares na Faixa de Gaza. Num momento em que Israel se prepara para uma incursão na cidade de Rafah, confirmada esta terça-feira por Benjamin Netanyahu, os mandados de detenção seriam encarados como uma derrota diplomática.  

Na sua conta pessoal do X (antigo Twitter), Benjamin Netanyahu já reagiu a esta possibilidade e adotou um discurso duro contra o órgão jurídico: “Israel nunca vai aceitar qualquer tentativa que mine o seu direito à autodefesa”. “A ameaça de capturar os soldados e dirigentes da única democracia no Médio Oriente é ultrajante. Não nos vamos curvar. Israel vai continuar o caminho para a vitória contra os terroristas genocidas”, frisou, acrescentando que uma decisão do TPI estabeleceria um “precedente perigoso” que “ameaçaria os soldados e dirigentes de todas as democracias que lutam contra o terrorismo”.

"A ameaça de capturar os soldados e dirigentes da única democracia no Médio Oriente é ultrajante. Não nos vamos curvar. Israel vai continuar o caminho para a vitória contra os terroristas genocidas."
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel

Num contexto de guerra, em 2023, foram emitidos dois mandados de detenção em nome do Presidente russo, Vladimir Putin, e em nome de Maria Lvova-Belova, comissária dos Direitos da Criança da Rússia, pela deportação ilegal de crianças da Ucrânia. A situação israelita é, não obstante, diferente: a decisão do Tribunal de Haia contra o líder da Rússia tomou de surpresa a comunidade internacional, ao passo que na eventual ação do órgão jurídico contra os líderes de Israel parece ter havido uma fuga de informação. A antecipação com que Telavive soube permite-lhe alertar para o que diz ser a injustiça da situação — e preparar-se diplomaticamente para esse cenário.

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As autoridades israelitas contam, desde logo, com um precioso apoio: o dos Estados Unidos da América (EUA), ainda que o país não tenha aderido ao Estatuto de Roma. Na conversa telefónica de domingo entre o Presidente norte-americano e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu terá pedido a Joe Biden que intercedesse e que evitasse a ação do TPI, apurou o jornal Axios. Publicamente, não foi revelada qualquer informação nesse sentido. Apenas a porta-voz da Casa Branca, Karine Jeanne-Pierre, disse, na segunda-feira, que a presidência não “apoia” a investigação do órgão jurídico: “Acreditamos que não tem jurisdição”.

Mais vocal foi a posição do Congresso norte-americano. O líder do Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, veio a público indignar-se contra os “infundados e ilegítimos mandatos de detenção” do TPI. “Essa ação desregrada minaria os interesses de segurança nacional dos EUA”, avisou o responsável, pedindo a atuação de Joe Biden. Se o Presidente não agir, disse, poderá dar ao Tribunal Penal Internacional um “poder sem precedentes” que poderá afetar a “soberania norte-americana”.

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Mike Johnson, líder da Câmara dos Representantes, criticou eventuais mandados de detenção: "Infundados e ilegítimos"

Getty Images

O que se sabe e o que poderá estar por trás do mandado de detenção contra os altos dirigentes israelitas?

Com sede em Haia, nos Países Baixos, o Tribunal Penal Internacional foi fundado em 2002 e é o único órgão jurídico capaz de investigar “crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e genocídio” de forma autónoma — ao contrário do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que funciona para arbitrar divergências com base em queixas apresentadas por um dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas. Preenchendo uma lacuna no Direito Internacional, o TPI foi criado na sequência do genocídio na Bósnia-Herzegovina e no Ruanda para substituir tribunais ad hoc,

Até ao momento, 124 Estados, entre os quais Portugal, aderiram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Se bem que o órgão jurídico possa investigar e responsabilizar qualquer indivíduo em qualquer parte do mundo que tenha cometido qualquer crime nos domínios que investiga, não possui força policial para implementar os mandados de captura ou condenações, estando dependente dos Estados-membros para efetuar detenções e extradições. Ainda assim, os países que não aderiram ao Estatuto de Roma — o tratado internacional que estabeleceu as bases do TPI — não são obrigados a sujeitarem-se às suas ordens.

As grandes potências mundiais, como os EUA, a China ou a Rússia, não ratificaram o Estatuto de Roma. Nem sequer o fez Israel, apesar de o Estado Palestiniano ter sido admitido em 2015. Contudo, o TPI pode levar a cabo investigações naqueles países ou que visem líderes daqueles Estados; de referir que Vladimir Putin foi alvo de um mandado de detenção — e o mesmo pode ocorrer agora com os dirigentes israelitas. 

Sede do Tribunal Penal Internacional em Haia, Países Baixos

AFP/Getty Images

Karim Khan, procurador do TPI, já se deslocou ao Egito, Israel e à Cisjordânia e está atento ao que se passa na região. Numa declaração a 30 de outubro de 2023, o responsável afirmou que existia uma investigação aberta nos territórios palestinianos que remonta a 2014 e que inclui todos os crimes “cometidos no território da Palestina por qualquer parte [no conflito]” —“Isso também inclui os eventos atuais em Gaza e na Cisjordânia”, acrescentou.

Relativamente aos eventuais mandados de detenção em nome dos principais dirigentes de Israel (a Bloomberg avança igualmente que os líderes do Hamas também serão alvo do mesmo processo), ainda não é claro os que motiva. O Times of Israel adianta que podem ser emitidos por as autoridades israelitas “matarem deliberadamente palestinianos à fome”, sendo que várias organizações humanitárias têm precisamente alertado para esse flagelo em Gaza.

No seu discurso a 30 de outubro, Karim Khan sublinhou que Israel deve levar a cabo “esforços” explícitos para “garantir que os civis recebem comida, medicamentos, anestésicos e morfina”. “Os civis devem receber alimentação básica e água”, frisou o procurador. Ora, dois dias após o 7 de Outubro, Israel implementou um “cerco total” à Faixa de Gaza, o que dificultou em grande medida que os palestinianos conseguissem adquirir mantimentos. No anúncio à nação, o ministro da Defesa israelita declarou que esse era precisamente um dos objetivos: “Que não haja eletricidade, comida, combustível, que tudo fique fechado. Estamos a lutar contra animais humanos e estamos a agir em conformidade”.

epa10676678 The prosecutor of the International Criminal Court (ICC), Karim Khan, meets with the president of the JEP, magistrate Roberto Vidal (out of frame), at the headquarters of the Special Jurisdiction for Peace (JEP) in Bogota, Colombia, 06 June 2023. Khan, who is visiting Colombia for the second time, recognized the Latin American country as an example of the Transitional Justice model. Khan's visit began this Monday with a meeting that he held with President Gustavo Petro and his agenda will continue this Wednesday with his participation in the panel "Roadmap to justice in Colombia" organized by the Foreign Ministry.  EPA/Mauricio Duenas Castaneda

Karim Khan garantiu que estava atento ao que se passava em Gaza e em Israel desde dia 7 de outubro

Mauricio Duenas Castaneda/EPA

Como escreve o Guardian, ao saber-se que a questão da fome pode estar a motivar mandados de detenção aos altos dirigentes israelitas, o governo de Telavive tem permitido a entrada de mais ajuda humanitária na Faixa de Gaza. Aliás, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, prometeu, durante o fim de semana, que entrará mais comida, água, medicamentos e abrigos no enclave, o maior volume desde o início da guerra.

O efeito sobre Netanyahu, que ficaria na mesma posição que Putin

Em termos reais, os mandados de detenção terão um efeito limitado. Não permitem que Benjamin Netanyahu viaje para países que aderiram ao Estatuto de Roma, caso contrário, corre o risco de ser detido. Porém, os eventuais efeitos negativos prendem-se mais com a imagem de Israel na comunidade internacional. Mesmo o país não estando sob a alçada do TPI, a notícia dará robustez à ideia que as autoridades israelitas levam a cabo uma operação militar implacável, sem ter em atenção a vida dos civis.

Como explica à NPR David Scheffer, especialista no estudo de crimes de guerra, a emissão de mandados de detenção pelo Tribunal Penal Internacional envia um “sinal forte contra a impunidade e um sinal muito forte a todas as partes para cumprirem com o Direito Humanitário internacional, com o Direito Criminal internacional e, acima de tudo, [para] proteger os direitos e a segurança dos civis”.

epa11166730 Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu attends the voting session for the impeachment of Hadash-Ta’al party MP Ofer Cassif in Jerusalem, 19 February 2024. The motion was brought up after Cassif publicly supported South Africa’s genocide case against Israel at the International Court of Justice (ICJ).  EPA/ABIR SULTAN

Benjamin Netanyahu poderá impedido de viajar para o exterior na eventualidade de haver um mandado de captura em seu nome

ABIR SULTAN/EPA

No mandado de detenção emitido em nome de Vladimir Putin, contudo, isso não aconteceu. Os ataques aéreos contra alvos civis na Ucrânia, que violam o Direito Humanitário, prosseguem a um ritmo diário. No entanto, existem diferenças entre Israel e a Rússia. “Israel é uma democracia e espera-se que as alegações investigadas motivem um compromisso real, genuíno e tangível daqueles que desrespeitaram o Direito Internacional”, opina Mark Kersten, professor de Justiça Internacional na Universidade de Fraser Valley ao Washington Post.

Há igualmente diferenças no apoio do mundo ocidental. Enquanto o mandado em nome de Vladimir Putin foi aplaudido pelos países do Ocidente, isso não deverá acontecer com Israel. Pelo contrário. A Bloomberg noticia que, para além dos Estados Unidos, os países do G7 (Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão, Itália, contando ainda com representantes da União Europeia) estão a tentar convencer os procuradores do TPI a não avançar, pelo menos para já, com o mandado de detenção aos altos dirigentes israelitas.

No entender da porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, os EUA e o Ocidente têm adotado uma posição “absurda” e hipócrita. “Washington apoiou totalmente, se não mesmo incentivou, a emissão do mandado de detenção contra a liderança russa. Mas o sistema político norte-americano não reconhece a legitimidade desta estrutura em relação a si mesmo e aos seus satélites”, atirou a responsável diplomática. Joe Biden classificou, na altura, o mandado de detenção do Presidente russo como “justificado”.

"Israel é uma democracia e espera-se que as alegações investigadas motivem um compromisso real, genuíno e tangível daqueles que desrespeitaram o Direito Internacional."
Mark Kersten, professor de Justiça Internacional na Universidade de Fraser Valley

Os receios do Ocidente e o “antissemitismo” apontado por Israel

Não é só a típica aliança entre Israel e o Ocidente que estará a motivar a pressão norte-americana e do G7. timing também foi decisivo. Neste momento, segundo a Bloomberg, os diplomatas norte-americanos e europeus temem que o acordo para a libertação de reféns e o cessar-fogo em Gaza, discutido com a mediação do Egito, acabe por falhar. Fontes ouvidas pelo jornal norte-americano receiam que Telavive rompa negociações e continue o conflito, inclusivamente começando mais cedo a incursão militar em Rafah.

Em vez de pressionar as autoridades de Israel a cumprir o Direito Internacional, o Ocidente considera que pode ter precisamente o efeito inverso. Assim sendo, alguns dos países do G7 começaram uma campanha diplomática discreta, assinala a Bloomberg, para dissuadir Haia de emitir os mandados de detenção. A imprensa israelita garante, por sua vez, que os Estados Unidos estão bastante empenhados nesta missão.

O compromisso dos Estados Unidos fica igualmente visível nas declarações de vários congressistas e senadores nos últimos dias— principalmente entre republicanos —, posicionando-se abertamente contra a emissão dos mandados de captura. Como nota o jornal Axios, em cima da mesa podem estar mesmo sanções contra os dirigentes do TPI, assim como o início de um esforço diplomático para questionar alguns parceiros dos EUA se vale a pena pertencer à instituição jurídica.

epa11297706 Israeli troops patrol the road that separates northern and southern Gaza Strip, as seen from an undisclosed location on the Israeli side of the border, 24 April 2024. More than 34,000 Palestinians and over 1,450 Israelis have been killed, according to the Palestinian Health Ministry and the Israel Defense Forces (IDF), since Hamas militants launched an attack against Israel from the Gaza Strip on 07 October 2023, and the Israeli operations in Gaza and the West Bank which followed it.  EPA/ATEF SAFADI

Aliados de Israel temem que os mandados de detenção motivem o início da operação militar em Rafah

ATEF SAFADI/EPA

No mesmo sentido, os dirigentes israelitas têm mostrado a sua indignação com os eventuais mandados de detenção. Num vídeo para as redes sociais, citado pelo Times of Israel, Benjamin Netanyahu argumenta que o direito à legítima defesa “de todas as democracias do mundo” fica comprometido se o TPI tomar uma decisão.

Insistindo que “nenhuma decisão de Haia” vai afetar a “determinação” de Telavive de atingir “todos os objetivos da guerra”, o primeiro-ministro israelita considera que a emissão de mandados de detenção seria um “escândalo de proporções históricas” e um “crime antissemita sem precedentes”. E lembra a História e o Holocausto: “Oitenta anos depois, os órgãos internacionais que foram estabelecidos para prevenir outro Holocausto estão a considerar negar ao Estado judeu o direito para se defender contra aqueles que cometem o genocídio contra nós”. “Que absurdo, que distorção da Justiça e da História.”

Num comunicado assinado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, o governo israelita veio instruir as suas representações diplomáticas espalhadas pelo mundo para se prepararem “para uma onda de antisemitismo severo” em resposta aos mandados de detenção. “Devido à severidade da ameaça para as comunidade judaicas, o ministro dos Negócios Estrangeiros Katz instruiu que se envolvam organizações judaicas para a preparação desses eventos.”

"Oitenta anos depois, os órgãos internacionais que foram estabelecidos para prevenir outro Holocausto estão a considerar negar ao Estado judeu o direito para se defender contra aqueles que cometem o genocídio contra nós."
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita

Se a pressão israelita e a campanha diplomática do Ocidente vão resultar para influenciar o Tribunal Penal Internacional, ainda não é claro. Independentemente disso, a eventual possibilidade de o órgão jurídico poder agir já assusta Telavive e os países ocidentais. Israel teme que os mandados de detenção contribuam para perder o auxílio e o amparo diplomático dos aliados, enquanto o Ocidente receia que todos os esforços para chegar a um cessar-fogo tenham sido em vão.

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