Não bastava o processo de vacinação dos políticos ser polémico, como o Parlamento já lhe acrescentou uma trapalhada. Na sexta-feira foi fechada uma lista dos 50 deputados que foram considerados prioritários para tomar a vacina contra a Covid-19 e que seguiram numa carta enviada por Ferro Rodrigues ao primeiro-ministro e à qual o Observador teve acesso. O critério escolhido incluiu na lista o presidente e vice-presidentes da AR, líderes parlamentares, presidentes de comissões parlamentares, membros do Conselho de Administração da AR e os membros da Comissão Permanente. A lista incluia todos os que ocupavam estes cargos, excepto os que se recusaram a tomar a vacina para dar a vez a grupos que consideravam mais prioritários. Mas, afinal, a lista incluía 12 deputados que tinham dito expressamente que não queriam levar a vacina. Contas finais: em toda a Assembleia da República são 38 os deputados que vão tomar a vacina.

O erro começou na própria bancada do PSD. Os doze deputados informaram o líder parlamentar do PSD que não queriam ser vacinados, mas — ao contrário de todos os outros partidos — Adão Silva não comunicou ao Presidente da Assembleia da República. Ao não receber a lista da bancada social-democrata, Ferro Rodrigues acabou por enviar para António Costa os nomes dos deputados do PSD que integravam órgãos mais restritos, incluindo doze que se tinham recusado a tomar a vacina (pode ler sobre esta história bizarra aqui).

Retirando os 12 do PSD, a nova lista deverá definir como prioritários 26 deputados do PS, 7 do PSD, 2 do PCP, 1 do CDS, 1 do PEV e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, aceitou tomar a vacina, mas entre os quatro vice-presidentes apenas metade aceitaram passar à frente de outros grupos prioritários: António Filipe, do PCP, e Edite Estrela, do PS. Fernando Negrão, do PSD, e José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda entenderam que não deviam estar nesta lista.

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No critério de presidentes dos grupos parlamentares são três os que vão tomar a vacina: Ana Catarina Mendes (PS), Telmo Correia (CDS) e José Luís Ferreira (PEV) estão entre os que aceitaram ser prioritários. Já Inês Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE) e João Oliveira (PCP) abdicaram de tomar já a vacina, tal como Adão Silva, do PSD (apesar de constar na primeira lista enviada a Costa). Os critérios e o método de escolha foi, aliás, diverso entre as várias bancadas.

Não houve qualquer critério científico na escolha. A antiga líder da JS, Maria Begonha, por exemplo, tem 32 anos e faz parte da lista apenas por ser membro da comissão permanente.

Na carta envida a António Costa, Ferro Rodrigues explica ao primeiro-ministro que não tomou a decisão sozinho, tendo encaminhado a solicitação do Governo para os “membros da Mesa da Assembleia da República, aos Presidentes dos Grupos Parlamentares, aos Deputados Únicos Representantes de Partido e às Deputadas Não Inscritas” para “ponderação”. Isto porque esta, destaca Ferro, é uma decisão que a todos deve “implicar e responsabilizar”.

Ferro Rodrigues diz que os deputados tomaram a decisão “cientes de ter, e bem, sido dada prioridade na 1ª fase aos utentes de lares e de unidades de cuidados continuados, bem como aos profissionais, que, na primeira linha, estão envolvidos na prestação de cuidados de saúde”. Ora, como a “estratégia definida para a º fase do Plano Nacional de Vacinação contra a COVID-19 contempla “todas e todos aqueles que asseguram os serviços essenciais”, Ferro determinou que as deputadas e deputados fossem “para já, hierarquizados de acordo com as precedências que a lei lhes confere“. Daí que Rio seja logo o segundo da lista.

Ferro Rodrigues explica, na mesma carta, que a “lista nominativa anexa inclui, assim, os titulares deste órgão de soberania considerados prioritários, de quem não foi recebida indicação contrária à sua inclusão nesta relação, assumindo-se, dessa forma, a predisposição para a sua vacinação.”

A lista, explica o presidente do Parlamento, inclui todos os que ocupam os órgãos principais da AR de acordo com as precedências do Estado, exceto aquele de quem foi “recebida indicação contrária à sua inclusão nesta relação”. Ferro Rodrigues diz ainda na mesma missiva que, mais tarde, enviar uma segunda lista “alargada ao universo das Deputadas e dos Deputados, assim o permita a disponibilidade de vacinas no nosso País”.

Veja aqui a lista completa dos contemplados na carta enviada por Ferro a Costa:

  • Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República (PS)
  • Edite Estrela, Vice-Presidente da Assembleia da República (PS)
  • António Filipe, Vice-Presidente da Assembleia da República (PCP)
  • Ana Catarina Mendes, Presidente de Grupo Parlamentar (PS)
  • Telmo Correia, Presidente de Grupo Parlamentar  (CDS)
  • José Luís Ferreira, Presidente de Grupo Parlamentar (PEV)
  • Joacine Katar Moreira, Deputada Não Inscrita 
  • Sérgio Sousa Pinto, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Marcos Perestrello, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Luís Capoulas Santos, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Filipe Neto Brandão, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • António Topa, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • Pedro do Carmo, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Maria Antónia Almeida Santos, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Ana Paula Vitorino, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Fernando Ruas, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • Jorge Lacão, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Luís Moreira Testa, Presidente de Comissão Parlamentar (PS)
  • Eurídice Pereira, Presidente do Conselho de Administração (PS)
  • Maria da Luz Rosinha, Secretária da Mesa (PS)
  • Duarte Pacheco, Secretário da Mesa (PSD)
  • Ana Mesquita, Secretária da Mesa (PCP)
  • Diogo Leão, Vice-Secretário da Mesa (PS)
  • Sofia Araújo, Vice-Secretária da Mesa (PS)
  • Lina Lopes, Vice-Secretária da Mesa (PSD)
  • Carlos Pereira, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Constança Urbano de Sousa, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Hortense Martins, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Hugo Pires, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • João Paulo Correia, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • José Luís Carneiro, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Lara Martinho, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Maria Begonha, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Pedro Delgado Alves, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • Porfírio Silva, Membro da Comissão Permanente (PS)
  • António Maló de Abreu, Membro da Comissão Permanente (PSD)
  • Carlos Peixoto, Membro da Comissão Permanente (PSD)
  • Isabel Meireles, Membro da Comissão Permanente (PSD)

Da carta enviada a António Costa constavam, no entanto, doze nomes que agora vão ser retirados por terem expressamente informado o próprio grupo parlamentar de que não queriam ser prioritários. São eles:

  • Rui Rio, Presidente do Maior Partido da Oposição (PSD)
  • Adão Silva, Presidente de Grupo Parlamentar (PSD) 
  • Luís Marques Guedes, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • Firmino Marques, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • Pedro Roque, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • Paulo Rios de Oliveira, Presidente de Comissão Parlamentar (PSD)
  • José Silvano, Membro do Conselho de Administração (PSD)
  • Helga Correia, Vice-Secretária da Mesa (PSD)
  • Afonso Oliveira, Membro da Comissão Permanente (PSD) 
  • André Coelho Lima, Membro da Comissão Permanente (PSD) 
  • Clara Marques Mendes, Membro da Comissão Permanente (PSD)
  • Isaura Morais, Membro da Comissão Permanente (PSD)

PSD: Todos os deputados tiveram hipótese de escolher

Rui Rio já tinha dito que discordava da “demagogia de não vacinar político nenhum”, mas avisava que “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. O líder do PSD não se considerava há três dias “nevrálgico”. No entanto, Rio admitiria tomar a vacina caso houvesse um “consenso”, já que rejeita recusar a vacina “só para fazer brilharete”. O nome seguiu na lista para o primeiro-ministro na sexta-feira, mas este sábado o PSD informou que ia corrigir a lista e que o nome de Rio já não ia constar.

O PSD teve na quinta-feira uma reunião da bancada parlamentar onde o assunto foi discutido entre todos os deputados. Depois de o vice-presidente da bancada, Ricardo Batista Leite, ter publicamente dito que recusava tomar a vacina e defendido que só os três mais altos cargos do Estado a deviam tomar, o líder parlamentar Adão Silva também disse perante os deputados que lidera que não queria ser prioritário a vacina, por não se considerar prioritário. Tal como Rui Rio, Adão Silva seguiu na lista enviada por Ferro a Costa, mas agora mandou retirar o seu nome.

Segundo fontes presentes na reunião ouvidas pelo Observador, nenhum deputado social-democrata defendeu que todos os deputados deviam ser prioritários e também não houve nenhum que dissesse que nenhum político devia tomar a vacina. Houve um grande consenso relativamente aos mais altos cargos (Presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro) e mesmo relativamente a membros do Governo. Outros defenderam ainda que seria desejável haver um grupo, embora restrito, de deputados contemplados.

No entanto, o grupo parlamentar do PSD não tomou a decisão sobre quem devia ou não tomar a vacina de forma coletiva. Adão Silva enviou um email aos restantes 78 deputados do PSD a dar conta do despacho do primeiro-ministro e que se se pronunciassem se queriam ou não constar da lista de vacinação prioritária que teria de ser finalizada pelo presidente da Assembleia da República. No email era dada indicação de que os deputados deviam enviar a indicação até ao final da manhã desta sexta-feira para o grupo parlamentar poder comunicar ao presidente da AR. Era Ferro que iria definir o critério, mas antes era preciso saber quem estava dentro e quem não queria estar.

Bloco: 0 deputados. BE não indica ninguém e diz que só Ferro deve receber

O Bloco de Esquerda comunicou esta sexta-feira ao presidente do Parlamento que recusa que os seus deputados sejam vacinados, pois defende que a vacinação de titulares de altos cargos públicos deverá ser “bastante circunscrita”. Para o partido liderado por Catarina Martins essa interpretação restritiva significa que, no Parlamento, apenas Eduardo Ferro Rodrigues deveria tomar a vacina.

O grupo parlamentar bloquista destacava que esta é uma “decisão unânime” de toda a bancada e que os deputados bloquistas farão questão de ser “vacinados, sem exceção, na fase de vacinação correspondente à sua idade e condição de saúde e no quadro do plano de vacinação que está em curso para toda a população”.

PCP: 2 deputados. Só os da mesa na lista e Jerónimo de fora

O PCP decidiu incluir nas listas de vacinação prioritária apenas dois deputados: António Filipe e Ana Mesquita. Foram escolhidos pelo grupo parlamentar por serem, respetivamente, vice-presidente da Assembleia da República e secretária da Mesa da AR.

“Relativamente aos restantes deputados aplicar-se-ão os critérios gerais definidos para a vacinação nas diferentes fases, tal como Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP já explicitou ao dizer que tomará a vacina não como deputado mas sim como cidadão e utente do Serviço Nacional de Saúde, aguardando pela sua vez”, escreveu o PCP em comunicado.

O partido “considera que a questão prioritária acerca da vacinação contra a Covid-19 não é a vacinação dos órgãos de soberania mas sim a de garantir que haja vacinas suficientes para a vacinação dos portugueses e o cumprimento dos objetivos definidos no plano de vacinação”.

Numa nota enviada às redações, o PCP frisa também a importância de “garantir a diversificação da aquisição das vacinas para que os objetivos de vacinação sejam concretizados” e de que Portugal não fique limitado “aos contratos feitos pela União Europeia com farmacêuticas que não têm capacidade de produção suficiente e não aceitam subcontratar a produção de vacinas nem partilhar ou suspender patentes”.

CDS: 1 deputado. Telmo Correia e o substituto (que não entrou)

O CDS defende, sobre a vacinação a deputados, que “nenhum deputado deverá ser vacinado antes da vacinação dos chamados prioritários”, onde inclui “todos os profissionais de saúde, os mais de 80 anos, mais de 50 com doenças , bombeiros etc”.

Assim, qualquer solução — defendem os centristas num esclarecimento enviado ao Observador — “deverá sempre ser minimalista e reduzida ao essencial para o funcionamento do órgão”. No entender da bancada dos democrata-cristãos “o limite ou universo” deverá ser “restrito à comissão permanente”.

Depois de “verificados os requisitos anteriores e só nesse caso”, o CDS poderia “abranger o seu representante na Comissão Permanente [Telmo Correia] e um eventual substituto”, naquilo que os centristas consideram que se enquadram no “referido minimalismo”. Na lista, consta, no entanto, um nome de um único deputado do CDS: Telmo Correia.

PAN, IL e Chega e Cristina Rodrigues: 0 deputados. 

O PAN é coerente com o que tinha dito há três dias e não irá indicar nenhum deputado para levar a vacina. Na terça-feira, a deputada Bebiana Cunha já tinha dito que o partido era contra a vacinação de deputados, embora a favor de que as altas figuras do Estado, ministros e secretários de Estado, fossem prioritários por estarem “mais expostos” e “no terreno”.

O deputado e líder do Chega, André Ventura, também já tinha dito que seria “o último português a tomar a vacina” e defendeu que o único titular de cargo político que devia tomar a vacina de forma prioritária é o “Presidente da República por ser uma “pessoa de risco”.

Também o deputado e líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, foi dos primeiros a dizer que não pretende “ser incluído em qualquer grupo prioritário”  e que cederia “a vacina que pudesse vir a ser reservada” a si a “um profissional de saúde do setor social, privado ou público que não tenha ainda sido vacinado.”

A deputada não-inscrita Cristina Rodrigues também recusou ser vacinada, lembrando que “desde o primeiro momento”, manifestou a sua “decisão de não ser vacinada nesta fase, tendo em conta a idade, condição de saúde e o facto de não ser um profissional da linha da frente no combate à pandemia”.

Cristina Rodrigues, que se desvinculou do PAN, não vê qualquer “justificação para uma vacinação geral dos deputados” quando estamos o país enfrenta um “momento em que são precisas respostas mais diligentes e céleres junto dos maiores grupos de risco”. Para Cristina Rodrigues, a vacinação prioritária de políticos deve ser limitada a Presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro.

Joacine Katar Moreira, quando questionada pelo Observador ainda antes do envio da lista pelo Presidente da Assembleia da República, não respondeu.

Artigo atualizado às 11h57 de sábado depois de o PSD ter informado que 12 deputados foram incorretamente colocados na lista enviada pelo presidente da Assembleia da República ao primeiro-ministro.