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Há dois anos, quando Paulo Portas deixou a liderança do CDS, Nuno Melo surpreendeu aqueles que esperavam que avançasse para o lugar: não o fez, optou por apoiar Assunção Cristas. Nesta entrevista no terraço do Observador, o vice-presidente centrista não se arrepende da decisão — a presidente do partido “tem dado muito bem conta do recado” — e até diz que a sua posição em relação ao seu “futuro na política dentro do CDS está tomada há muito” tempo. Mas reconhece que tem trabalhado para deixar uma marca bem vincada da sua passagem pelo Parlamento Europeu. É “capital” político que lhe pode vir a ser útil no futuro.
A dez meses das europeias, a que concorre como cabeça de lista, já está na estrada (ou na ferrovia: esta terça-feira, 21, vai de Viana do Castelo a Coimbra-B de comboio para denunciar os problemas da CP). O CDS tomou a dianteira na apresentação da lista e o eurodeputado espera que isso traga vantagens nas urnas com a eleição de, pelo menos, dois candidatos. “Eu gostaria que fossem mais, até gostaria de vencer as eleições europeias”, diz.
Sobre as legislativas, no final do próximo ano, o discurso é outro. Assunção Cristas fixou a fasquia no último congresso, quando disse que queria ser “a primeira escolha” do centro direita. O vice-presidente do CDS admite como cenário “possível que o CDS cresça muito”. Mas não arrisca mais, só pede uma maioria de votos entre PSD e CDS.
Numa conversa de cerca de uma hora e um quarto, na companhia de um Vinho do Porto reinventado, Nuno Melo traçou o perfil do povo português, apontou o dedo ao PCP e ao Bloco de Esquerda por estarem ao lado de Marine Le Pen nas posições que assumem em Bruxelas e, numa fase mais pessoal da entrevista, explicou o que o leva a proteger a família da exposição pública.
[Veja aqui o vídeo com o best of da entrevista no terraço do Observador]
A eleição de António Guterres para a ONU foi “contra um certo sistema”
Pediu qualquer bebida que fosse, desde que tivesse um Porto. É uma homenagem às origens?
Em primeiro lugar, gosto de vinho do Porto. Mas também pelo simbolismo, porque o vinho do Porto é um vinho português intemporal que se reinventa constantemente. E, hoje, vinho do Porto, mais do que bebido de forma clássica, é utilizado de muitas formas, o que mostra esta versatilidade que também é, em si mesmo, portuguesa. É uma homenagem a um produto que é nosso, que é um grande embaixador, de grande qualidade, sempre atual. O vinho do Porto já atravessou regimes, já atravessou todas as crises, esteve sempre lá e é conhecido no mundo inteiro. Por isso, fez-me sentido.
O povo português é um povo versátil?
É um povo altamente adaptável, uma qualidade que é rara.
Onde é que encontra essa versatilidade?
Manifesta-se na capacidade com que o português, independentemente de as circunstâncias serem mais fáceis ou mais difíceis, consegue superar as suas circunstâncias com uma facilidade que os outros, muitas vezes, não têm. E que se reflete também do ponto de vista de uma inteligência social e de uma certa capacidade de relacionamento que é intrínseca, não é forçada.
Essa versatilidade também pode ser interpretada como conformismo?
Acho exatamente o contrário. Os portugueses, genericamente falando, porque falamos em traços gerais de personalidade, sem esforço e com vontade relacionam-se com outros povos, gostam de conhecer outras culturas e apreciam até um processo de aprendizagem e de adaptação. Dentro e fora, como quando muitas vezes optam por sair de Portugal. Os portugueses têm essa extraordinária capacidade de se relacionarem com todos e, por isso, são tão notados além da nossa expressão que é equivalente à demografia do país — uma proporcionalidade que o Parlamento Europeu tem. Veja o que aconteceu nas Nações Unidas. A própria vitória de António Guterres contra um certo sistema, e contrariando decisões que tinham como antecipadas, mostra essa capacidade, comum a uma certa forma de ser português. Há uma inteligência social que é inata e é intrínseca, não é forçada, é feito com gosto.
Falou dos aspetos positivos de ser português. Que aspetos negativos encontra?
Certamente teremos muitos. Uma tendência para valorizar a intuição. Concretizar sem a experimentação, uma característica que também leva a uma certa marca de possibilidade de qualidade. O português acredita muito na sua intuição, gosta de fazer antes mesmo de experimentar. Mas diria que o balanço é fortemente positivo.
“Ser eurodeputado equivale a fazer um Erasmus”
Nas próximas eleições cumpre dez anos de Parlamento Europeu. Vão ser mais cinco?
Espero bem. Gostaria muito que, além de mim, o CDS elegesse outros eurodeputados. Estamos a trabalhar para isso.
Como é que gere a distância? Faz deslocações semanais quando está no Parlamento Europeu? Ouvi dizer que adora andar de avião.
Adoro… [risos] Não gosto, particularmente.
Como é que isso se gere?
Tenho o privilégio de fazer o que gosto e ainda ser pago por isso. Diria que a esmagadora maioria das pessoas não pode dizê-lo. Como qualquer profissão ou atividade, tem de sopesar-se as vantagens e desvantagens. Nas desvantagens, poria à cabeça a necessidade de viajar de avião. Realmente, não gosto. Tenho noção de que a Física nos demonstra que o avião é mais pesado que o ar e, portanto, está sustentado pela potência dos motores.
Não se deixa convencer pelas estatísticas?
A quem não gosta de andar de avião, as estatísticas valem pouco, até porque tendemos a valorizar o lado negro da estatística. Esse é um aspeto mau de ser eurodeputado, a par da distância. Tenho noção de que, viajando de avião estou a três horas de casa, um bocadinho menos que isso. Vivo no Porto. Tal qual quando estava na Assembleia da República como deputado e viajava quase sempre de Alfa Pendular, estava a duas horas e tal do Porto. O tempo acaba por ser o mesmo, a distância não. E não há como não pensar numa situação de emergência repentina que nos podia levar a querer estar em casa rapidamente. Estar em Bruxelas não é o mesmo que estar em Lisboa.
E o positivo?
Em compensação, o Parlamento Europeu é uma possibilidade disponível para muito poucos. Eu sou um de alguns deputados que representam 500 milhões de europeus.
Sente-se um privilegiado?
Sinto-me honrado pela função que exerço, que é conquistada nas urnas mas que me permite ter uma experiência que não é acessível a todos e que, além do mais, me dá uma ideia de mundo. Só quem lá está percebe.
Uma ideia que não tinha em 2009, antes de ser eleito pela primeira vez para o Parlamento Europeu?
Tem que se estar algum tempo no Parlamento Europeu, em primeiro lugar, para se conhecer as dinâmicas. Depois, para conhecer as pessoas. Depois, para ter alguma capacidade de influência para apreender todos os procedimentos e poder, politicamente, fazer alguma diferença. Dir-lhe-ia que ser eurodeputado equivale, com as devidas diferenças, a fazer um Erasmus, só que na política. Eu consigo trabalhar, fazer aquilo de que gosto e interagir com pessoas de 28 países. É como ir jantar e à mesa ter pessoas de sete ou oito nacionalidades a discutir o mesmo problema. Isso dá-nos uma perspetiva que de dentro não se tem.
Essa multiculturalidade não leva a um esbater da identidade portuguesa de que há pouco falava?
Pelo contrário, reforça-a e torna-a mais nítida porque, entre nós, portugueses, as diferenças não existem. A uma mesa, genericamente, temos as mesmas características. Quando interage com ingleses, franceses, alemães, italianos — só para dar exemplos de nacionalidade com características muito fortes –, as diferenças são muito nítidas. Acho particular piada a esse facto. E tem uma perspetiva política que não é de paróquia, tem uma perspetiva transversal em muitas coisas que contam em decisões políticas e que, infelizmente, nos países de origem, até são muito pouco valorizadas.
Sente que aqui se tem noção do trabalho feito no Parlamento Europeu ou frusta-o a distância e o desinteresse daquilo que é feito em Bruxelas?
Enquanto eurodeputado, consigo ter visibilidade em Portugal. Outros também tinham funções nacionais e não conseguem. Eu tentei ter um desempenho como eurodeputado muito além da estatística parlamentar, não quis ser eurodeputado para ser o primeiro no número de requerimentos ou de intervenções. Interessa-me ser um português profundamente europeísta mas que deixa a nossa marca num espaço que é comum a 28. Há uma iniciativa em Portugal que organizo em parceira com a Confederação de Agricultores de Portugal que é “O melhor de Portugal”. Levamos 60, 70, 80 — o número varia e tem vindo a aumentar todos os anos —, empresários do setor agroalimentar a venderem o melhor que se faz no nosso país em Bruxelas. E, de facto, conseguimos uma iniciativa que consegue juntar num fim de semana 30, 40 mil pessoas. É uma iniciativa que mostra como o mandato pode ser exercido além da mera estatística parlamentar. Essas marcas de mandato, que são também minhas, eu noto-as como diferenciadoras entre os eurodeputados portugueses que estão em Bruxelas. Tenho noção de que tenho visibilidade mas que não resulta apenas do que fui em Portugal. Agora, ninguém pode ter a pretensão de ser eurodeputado e aparecer todos os dias nos telejornais.
Falava até do impacto que as decisões europeias têm na nossa vida. Há hoje uma noção do peso que as decisões em Bruxelas têm no nosso país?
Grande parte dos portugueses, para não dizer a esmagadora maioria, não tem a exata noção de como as instituições europeias interferem no nosso dia a dia. Se não, perceberiam, quando atravessam o país, que em cada escola, em cada hospital, em cada projeto de investigação, em muitos dos equipamentos, na agricultura, no mar, financiamentos comunitários que são decisivos e sem os quais nada daquilo alguma vez teria concretizado. O país, desde a adesão à União Europeia (UE), transformou-se. Infelizmente, há em Portugal, como em todos os países da UE, uma certa tendência para europeizar os problemas e nacionalizar as virtudes. Se se constrói um hospital fantástico com fundos comunitários, esse hospital é uma grande concretização nacional dos políticos que acabaram por decidir por despacho.
Conta o nome na placa afixada a porta.
Mas raramente se diz que para que esse hospital fosse possível, grande parte, para não dizer a maior parte, do financiamento se deveu a Bruxelas. Se as pessoas tivessem a noção exata da importância das instituições europeias para o nosso destino comum, para o nosso dia a dia, para aquilo que nos afeta, a abstenção seria garantidamente muito menor. Apesar de toda a pedagogia que vai sendo feita nas escolas, nos espaços públicos de debate…
Pelos responsáveis políticos?
Também. E pela comunicação social. Quando uma conversa destas acontece, é de Europa que se fala e há uma certa pedagogia que vai sendo feita. Acredito até que entre as novas gerações, que estão muito mais atentas aos fenómenos europeus, a prazo a tendência será para que essa abstenção seja reduzida. O facto é que o essencial do que nos afeta hoje decide-se em Bruxelas, muito mais do que na Assembleia da República.
“Gostaria de vencer as eleições europeias”
Há pouco fiquei sem resposta mas queria voltar a perguntar-lhe: esta candidatura às europeias é para um mandato que espera cumprir até ao fim?
Eu cumpro sempre os meus mandatos, tem sido uma regra de ouro. A não ser que acontecesse uma situação excecionalíssima, daquelas de vida ou morte, não tenho como conceber [não cumprir os cinco anos de mandato]. Cumpri sempre os meus mandatos e tive muitas oportunidades nestes últimos dois. Exerci-os até ao fim e ainda bem porque tenho muita consciência de mandato. No deve e no haver, tenho uma noção precisa daquilo que concretizei em dois mandatos e tenho muito orgulho no que foi feito como eurodeputado mas também para o CDS. O CDS teve sempre, no Parlamento Europeu, uma forte tradição de deputados que deixaram a sua marca e que as pessoas conhecem quase sempre pelo nome. Nem todos podem dizer isso.
Esse capital que está a acumular em Bruxelas não lhe pode ser útil cá?
Podia ser útil cá, como é evidente, mas em coerência com o que há pouco lhe dizia — porque em Bruxelas e Estrasburgo se decide maioritariamente o que hoje nos afeta — é importante que tenhamos no Parlamento Europeu políticos que querem fazer alguma diferença. O Parlamento Europeu não pode, não deve ser uma prateleira dourada, deve ser o seu exato oposto.
Não estava a pensar em prateleiras douradas. Suponho que ainda queira fazer muita coisa na política.
Exatamente por isso a minha perspetiva de mandato no Parlamento Europeu, em vantagem para Portugal. Sou um português profundamente europeísta e estou no PE ao serviço do meu país. Não há nenhum eurodeputado que, estando em causa uma decisão que põe em conflito os interesses estratégicos do seu país ou dos outros, vá votar em favor da solução que beneficie os outros. Vota pelo seu país. As coisas são assim, são normais. E, realmente, somos ferramentas ao serviço de Portugal e decisivas em aspetos que todos os dias definem o nosso futuro. Por isso, os partidos devem escolher os melhores para estar no PE. Digo-o, modéstia à parte, não porque ache que sou o melhor. Os partidos não devem escolher pessoas em fim de carreira, que não se queiram esforçar, que sejam desconhecidas ou que não tenham algum peso político.
É uma provocação a outros partidos que estejam a pensar nas suas listas?
Não, até porque não podia encontrar melhor momento para dizer isto porque nenhum dos outros partidos apresentou os seus candidatos. Não posso estar a mandar recados a quem quer que seja.
Disse que só um imperativo o traria de volta a Lisboa. Para o ano há eleições importantes: europeias em maio e legislativas no final do ano. No último congresso do CDS, Assunção Cristas colocou uma fasquia alta para o partido, ao dizer que queria ser a primeira escolha do centro direita. Foi demasiado ambiciosa?
Não há nenhum partido digno desse nome que não dissesse que ambicionava ganhar as eleições.
Mas é realista que o CDS se coloque esse desafio?
Temos de, em relação ao congresso do CDS, fazer a distinção, que foi muito nítida, entre a perspetiva nacional e a perspetiva europeia. Em relação à perspetiva europeia, dissemos sempre que um bom resultado seria repetir o que se alcançou em 2009, com a eleição de dois eurodeputados. Eu gostaria que fossem mais, até gostaria de vencer as eleições europeias. Mas, realisticamente, é uma meta que a própria Assunção Cristas repetiu quando apresentámos o primeiro cartaz de pré-campanha.
Esse cartaz tem a sua imagem e um slogan, “Europa”. Isso basta?
Sim, a Europa é o que está em causa, a necessidade de se falar da Europa e a vontade que temos de que se fale sobre temas europeus. Não podemos fazê-lo sozinhos, mas enquanto outros não aparecem fazemos essa discussão.
“A União Europeia vive um momento decisivo como porventura nunca aconteceu”
Há temas fortes em que tem focado a sua atenção. A questão do terrorismo e da imigração são questões que o preocupam?
O cartaz é isto, diz “Europa”. Atrás, apresentamos dez ideias pela nossa Europa que são traços identitários do CDS em matéria europeia. Ao mesmo tempo, também fazemos um apelo a quem distribuímos este panfleto para que contribua com as suas ideias, com o que pensa que deve ser o futuro da Europa e com alterações e medidas que gostavam que pudessem ser aprovadas. Fazemo-lo porque temos a exata noção de que, além da necessidade de ajudarmos as pessoas a diferenciar o CDS dos outros, há também o momento muito particular da União Europeia. Vivemos um momento único desde que concetualmente a decisão de agregar politicamente países para resolverem os seus problemas pela via democrática e parlamentar foi tomada. Temos pela primeira vez um grupo de países que, depois de um processo consecutivo de alargamento, vai sair. A UE conseguiu agregar neste projeto as principais potências beligerantes e, do lado dos Aliados, à escala da Europa esteve o Reino Unido. Sem o Reino Unido, as potências do Eixo, provavelmente, teriam triunfado. Não é irrelevante, do ponto de vista político, ter o Reino Unido na UE ou fora. A saída do Reino Unido é um sinal muito grande, e não apenas por esse simbolismo — é pelo que o Reino Unido representa a outros níveis: um mercado de 60 a 70 milhões de consumidores, um país que, do ponto de vista científico, domina naquilo que de melhor se faz na Europa, a sua capacidade militar e a circunstância de o Reino Unido ser da Europa independentemente de nos chamarem a nós os europeus, porque estamos do outro lado do canal.
A saída é inevitável?
É uma pergunta que faço recorrentemente a colegas eurodeputados de diferentes partidos. Neles próprios, percebe-se uma vontade de que tudo pudesse ser reavaliado. No entanto, os ingleses têm uma perspetiva um bocadinho diferente da dos outros em relação a decisões que, independentemente de todos os equívocos expressos em campanha, foram tomadas. E, portanto, acham que se o Brexit foi decidido pelos britânicos, o Brexit deve acontecer.
É essa a posição dos eurodeputados ingleses?
Sim, é quase uma lógica desportiva trazida para a política. Encaram quase uma nova decisão como uma viciação à margem das regras do jogo, o que não invalida uma alteração extraordinária de circunstâncias que, eventualmente, a seu tempo, pudesse, num golpe de asa, justificar uma alteração. Eu acharia sempre muito difícil que tivesse efeitos práticos até maio. As eleições europeias vão acontecer em maio, o calendário está definido, o número de eurodeputados por países foi aprovado e até maio seria muito difícil alterar. Acredito que num prazo mais longo, eventualmente, isso aconteça.
Um regresso, mas mais tarde?
Mais tarde, porventura. A política é dinâmica e os britânicos serão os primeiros a sofrer este impacto. Do ponto de vista económico, no que nos respeita, se tiver em conta o Orçamento da União Europeia, ele também pode ser medido nas políticas de coesão, na Política Agrícola Comum, porque o envelope financeiro dos britânicos deixará de enriquecer um orçamento europeu que é muito utilizado para corrigir assimetrias. Se ao Brexit juntar fenómenos como a ascensão de movimentos e partidos extremistas, de extrema direita mas também de extrema esquerda, os fenómenos migratórios, o terrorismo, um certo redesenhar de uma perspetiva de mercado que, por decisões unilaterais dos EUA tem implicações na nossa lógica de mercado global — a União Europeia vive um momento decisivo como porventura nunca aconteceu. Há todas as razões para que as pessoas se interessem pelo fenómeno europeu e para participarem e para votarem.
Por causa das questões que apontava há pouco — imigração e terrorismo — a campanha do CDS para estas europeias será mais eurocética?
O equívoco é este: federalismo nunca foi sinónimo de europeísmo. Federalismo é uma corrente possível num projeto europeu mas não é a única e está longe de ser pacífica. Helmut Kohl — que está longe de ser considerado um anti-europeísta — dizia que a Europa unida é uma coisa muito diferente de Europa uniforme. Há muito pouco tempo, Carl Bildt escreveu um artigo com um título extraordinário e que é, no fundo, aquilo em que eu acredito: “Mais Europa, menos Bruxelas”. Os povos europeus não estão disponíveis para trocar soberania por burocracia e nós, no CDS, nunca fomos federalistas, não acreditamos numa realidade que transforme Portugal numa região europeia. Acreditamos que a diversidade dos povos europeus é a nossa maior riqueza.
Tem havido nos últimos anos um debate intenso sobre como tornar a Europa um lugar mais seguro. A sua solução passa por tornar as fronteiras mais seguras?
Voltamos à ideia sobre Europa. A questão dos fluxos migratórios é a terceira [na lista de temas que o CDS leva para a campanha]. Diria que isto é uma manifestação de bom senso inquestionável, independentemente dos partidos. O que se diz é que “acreditamos que o espaço europeu pode ser um destino de acolhimento para outros povos”. A perspetiva solidária está aqui. A própria Europa deu muitos emigrantes para outros mundos. Depois, dizemos: “Mas exigimos respeito pelas nossas leis, valores e costumes. A segurança dos cidadãos é uma prioridade.”
Como é que as duas coisas são conciliáveis? E de que forma é que essa segunda frase garante mais segurança no espaço europeu?
O contrário, só por romantismo ou lirismo, coisa que eu não quero conceber. Desde logo, por quem decide o nosso destino comum. Não há país nenhum do mundo nem espaço à escala global que permita a circulação de cidadãos de países terceiros indistintamente, isto não acontece em lado nenhum. Se quiser ir trabalhar para Angola, Moçambique, EUA, Paquistão, onde seja, está sujeito a leis que são de imigração. Preenchendo os pressupostos, pode aí ficar, não preenchendo os pressupostos, não pode ficar. O problema é que na UE tem-se tratado os fluxos de pessoas como crise dos refugiados. O que, além de ser perverso, é falso. Os movimentos de pessoas que acontecem na Europa são caracterizados por diferentes dimensões. Tem as pessoas que fogem de guerras e que querem salvaguardar as suas vidas e das suas famílias, e que são potenciais requerentes de asilo. Essas pessoas têm necessariamente acolhidas, ao abrigo de tratados internacionais. Mas tem depois as outras pessoas que procuram trabalho, querem, legitimamente, melhores condições de vida. Ligam a televisão e percebem que a UE é um espaço de oportunidades. Essas pessoas são bem-vindas, submetidas a leis de imigração. É um pressuposto que teria por lucidez basilar: a Europa só deve acolher quem, sendo de um país terceiro, esteja disposto a respeitar as nossas leis, as nossas tradições, a não nos fazer sentir reféns dentro da nossa própria casa. O que acho lírico, romântico e perigoso — se, algum dia uma dessas pessoas mandar na Europa, quero ver como será — é que se diga, como já ouvi, que a Europa não deve ter fronteiras, que se tem de acabar com a Europa fortaleza e, quem quiser, que venha. Sabia que, na Áustria, entre 20 e tal mil pessoas, seis mil requerentes de asilo tinham antecedentes criminais?
“Antecedentes criminais” pode ser tudo e mais alguma coisa.
O que lhe diz é que, no mínimo, tem de saber quem vem. Quem vem da Síria pode ser quem foge da guerra mas também pode ser quem fez a guerra. Algumas das organizações terroristas, radicais, extremistas, islâmicas, que querem aniquilar tudo o que somos e representamos fogem à frente do exército russo e sírio e vêm para a Europa. Algumas das pessoas que podem vir nesses fluxos são pessoas que mataram, que violaram, que atentaram contra os direitos do Homem. Só porque vêm de fora são todas boazinhas e podem entrar? Isso é o disparate incarnado no debate político que tenho ouvido à extrema-esquerda. Eu não aceito, como acontece em algumas ruas da Bélgica, que extremistas islâmicos que beneficiam da capacidade e residência e de trabalho reclamem a aplicação da sharia prevalecendo sobre as leis do Estado que os acolheu, que por acaso é a Bélgica. Não admito que quem vem, tendo as portas abertas, aqui promova a desigualdade entre homens e mulheres. Não acho que à União Europeia fala falta qualquer pessoa, sobretudo quem queira atentar contra os nossos valores fundamentais. Quem achar que isso é errado, lamento imenso mas é assim mesmo que eu penso. Porque há muitas pessoas que pensam assim mas não o dizem porque acham que afetam a ditadura do politicamente correto.
Esse discurso não o aproxima de uma direita mais extremada? E, com esse discurso, o centro direita não corre o risco de ficar eleitoralmente ameaçado nas próximas eleições europeias?
O que me está a querer dizer é que uma pessoa que fez parte de uma organização terrorista, assassinou, matou, violou, não acredita em nada daquilo que significamos e pode vir porque a UE deve se um país de acolhimento indistinto é que é um grande democrata e um demorado que está a fazer muito bem pelo nosso espaço comum? É que eu penso exatamente o contrário. Até porque a extrema direita não defende isto que eu disse, defende o encerramento de fronteiras, o fim da moeda única, do tratado orçamental, e quem vota com a extrema-direita é o Bloco de Esquerda e o PCP. Se atentar às listas de voto durante os últimos nove anos, que foi os que estive no Parlamento Europeu, sobre questões que têm que ver com os pilares da União Europeia verá que quem vota com Marine Le Pen é o Bloco de Esquerda e o PCP. O CDS vota com os partidos democráticos e tem uma visão democrática da vida e do nosso espaço europeu. Preocupa-me muito que alguém vá a votos e faça campanha e diga que a UE deve ser um espaço a todos, mesmo àqueles que nos querem fazer mal. E rezo todos os dias para que gente assim não ande nunca no nosso país nem na UE, porque, aí sim, nos vamos sentir sequestrados dentro da nossa própria casa.
E quando a ameaça vem de dentro? Porque há uma grande parte de atentados cometidos por cidadãos europeus.
A solução infalível não existe. Mas se com isso conseguirmos retirar do circuito muitas pessoas que o poderiam engrossar, então estaremos a fazer qualquer coisa. Trabalhei num relatório sobre a interoperabilidade de dados, tornando interoperáveis dados que estão disponíveis em diferentes entidades mas que não são conhecidos entre si. Aquele terrorista na Alemanha que matou gente, veio de fora, usou 14 identidades diferentes com as quais requereu asilo e matou gente. Defendo uma Europa fortaleza no sentido em que verifica quem entra, até porque, para acolhermos, com recursos que são escassos, temos de ajudar aqueles que realmente merecem e nos podem ajudar nalguma coisa, não os que vêm para nos fazer mal. Se esse relatório da interoperabilidade existisse, aquele cidadão não teria conseguido [passar despercebido às autoridades] e alguns atentados que aconteceram na Europa não teriam acontecido, desde logo em casos de múltipla identidade. Mas também valia para cidadãos europeus que se converteram ao radicalismo terrorista. Na melhor das hipóteses, este relatório sobre a interoperabilidade só estará operacional em 2023 se cumprirem todos os prazos.
“Não podemos ter antecipações dogmáticas em relação aos resultados”
Há pouco deixámos um assunto pendente: distinguiu a fasquia que o CDS colocou para as europeias e a que colocou para as legislativas. Ser a primeira escolha para as legislativas é um projeto demasiado ambicioso para a história do CDS?
Acredito em ciclos que obedecem a fenómenos de uma certa continuidade. Em 2009, quando se dizia que o CDS não elegeria nenhum eurodeputado, enganaram-se e elegemos dois. Esse resultado foi o detonador para um ciclo de crescimento que terminou com excelentes resultados nas legislativas. Acredito que um bom resultado, encarado com realismo, nas eleições europeias, em maio, pode ser um grande catalizador para resultados substancialmente melhores em legislativas.
O que são resultados substancialmente melhores? É que o CDS nunca esteve perto de ser um partido maior que o PSD.
É verdade, mas isso também foi dito muitas vezes em Lisboa. E o que aconteceu em Lisboa? Qual é a segunda força política e onde é que está o PSD? A política é feita de contextos particulares e aí sigo a velha máxima de Ortega y Gasset, “eu sou eu e as circunstâncias”. Não podemos antecipar variáveis que desconhecemos. Estar a pedir-me para antecipar o que vai acontecer em outubro de 2019, em política, é um exercício de altíssimo risco. Eu estava na Assembleia da República quando o primeiro-ministro era Durão Barroso, que achávamos que cumpriria a legislatura e saiu para a Comissão Europeia, para ser sucedido por Pedro Santana Lopes, que ninguém, certamente, no seu bom juízo, anteciparia razoavelmente que seria naquela altura primeiro-ministro, para logo depois ter o Parlamento dissolvido, apesar da maioria parlamentar, pelo Presidente da República, e logo depois o PS ter vencido as eleições.
Com uma maioria absoluta.
Isso foi para mim uma escola, no sentido em que aprendi a não fazer previsões de longo prazo, apesar de estar sempre atento àquilo que são os indícios que nos ajudam a orientar algumas das nossas opções em campanha.
Por mais direta que seja a minha pergunta, não vai responder se é razoável o desafio que Assunção Cristas estabeleceu.
Acredito que é possível, com realismo, o CDS ter um excelente resultado em 2019 para as europeias, acredito que é possível que o CDS cresça muito, em outubro, para as eleições legislativas. Não tenho dons premonitórios e não seria sensato, sequer, se lhe estivesse a dizer qual será o resultado do CDS em eleições legislativas. Acredito que será um resultado que reforçará a presença do CDS, sendo que o que para mim é importante neste momento é que o CDS cresça e que o PSD e CDS tenham, juntos, mais votos que a esquerda toda junta. Se me perguntar se gostava que o CDS fosse uma força maioritária em relação ao PSD, é evidente.
Mas isso é crível?
Não sei se é crível ou não. Sei que em Lisboa isso aconteceu. E se fizermos um exercício de alguma justiça chegaremos à conclusão de que não haveria um único comentador, um único, que quando a Assunção se apresenta como candidata, com uma razoável antecedência, às eleições autárquicas em Lisboa dissesse que teria o resultado que teve. Teve um resultado que nos catapultou acima dos 20%, fez do CDS a segunda força política e o PSD é o terceiro partido. Na política não podemos ter antecipações dogmáticas em relação aos resultados. Há um histórico, que nos deve levar a ponderar uma certa tendência, que não invalida que de vez em quando as coisas não se alterem. Consideraria muito imprudente que hoje alguém pudesse ter visões dogmáticas em relação a resultados eleitorais futuros. Imagine que no PSD e no PS se gera uma crise de identidade que faz com que o eleitorado reveja no CDS as expressões de bom senso e moderação que querem em quem governe.
Essa crise de identidade não existe no CDS? No último congresso do partido, Assunção Cristas estabeleceu essa fasquia eleitoral e, passados poucos meses, a mesma Assunção Cristas diz que está disponível para dar apoio parlamentar a uma eventual vitória de Rui Rio.
Não foi isso que a Assunção Cristas disse realmente. A Assunção foi muito clara em relação ao cenário que reproduz a conversa que acabámos de ter. E, depois, quando confrontada com a situação singularíssima de, em determinadas circunstâncias, por ventura, o próprio CDS apoiar o PSD no Governo usou uma expressão de que na política não há impossíveis.
Disse que estava disponível para isso.
Não disse que estávamos disponíveis, utilizou uma expressão que só significa que não pode excluir tudo, desde logo em relação àquilo que desconhece. Mas numa perspetiva residual. Portanto, não significa a doutrina, nem a vontade do CDS em relação a eleições. A questão é que, devo dizer, até com alguma má fé –, tenho a certeza de que não é pelo facto de o entrevistador ser do Bloco de Esquerda –, quis-se transformar o que era residual, excecional, improvável na possibilidade maior que justificou um título. E nisso induzindo quem lê a um erro que o texto não consente.
Pergunto doutra forma: admitindo o cenário de uma vitória do PSD nas próximas eleições, o CDS deve estar à partida disponível para dar apoio, parlamentar ou de outra forma, ao partido de Rui Rio?
Fixo-lhe a doutrina que o congresso decidiu. O CDS vai a votos sozinho, porque entende que essa é a vocação normal de um partido, na perspetiva de ter o melhor resultado e desejando, se isso for possível, ser no espaço político à direita o partido mais votado. Não vem daí mal ao mundo, embora tenhamos todo o realismo para saber que em condições normais, um bom resultado é fazermos melhor do que aquilo que fizemos nas últimas eleições. O que desejamos é que o centro direita, PSD e CDS, cresçam e sejam mais que os partidos todos à esquerda. Um cenário que, de Governo, terá no Governo o PSD e o CDS.
“Não me apago. Tenho muita visibilidade na política”
Se as europeias e legislativas não forem ao encontro daquilo que têm traçado, o CDS pode abanar internamente?
Não perco um segundo a considerar resultados maus quando tenho de ir à luta à espera de ter um bom resultado. E, por isso, acredito realmente que vamos ter um bom resultado.
Nem quando esses maus resultados podem determinar a sua ação pessoal?
Todos nós vamos morrer um dia e vamos ter uma doença. Mal será se levarmos o resto do tempo a pensar numa doença que ainda não aconteceu.
Encara uma eventual candidatura à liderança do CDS como uma doença?
A minha perspetiva em relação ao meu futuro na política dentro do CDS está tomada há muito. Quando apoiei a Assunção no congresso que a fez presidente foi porque acreditei genuinamente que, depois de Paulo Portas, era a pessoa que tinha melhores condições para fazer aquilo que nas urnas já confirmou. Em Lisboa e nas eleições autárquicas em geral, porque vencemos mais uma autarquia, reforçámos em mandatos aquilo que era a nossa presença. O meu desejo é que a Assunção tenha muito sucesso, porque o sucesso da Assunção enquanto presidente é o sucesso do CDS.
E o sucesso de Assunção Cristas é o apagamento de Nuno Melo?
Não vejo como é que uma pessoa, que é vice-presidente do CDS… Não podemos ser todos presidentes, a vida é assim, não é?
Não seria o primeiro partido com dois coordenadores.
Não correu propriamente de forma extraordinária. Estou a falar de partidos com as características do CDS, que não quero ser deselegante em relação aos outros. O meu desejo é ter um presidente — hoje, a Assunção, anteriormente, o Paulo Portas e outros — que tenha sucesso através do CDS, porque o sucesso do CDS é o sucesso do país. Não se me põe outra possibilidade. Foi genuinamente e de boa fé e com esta vontade que apoiei a Assunção.
Isso é passado, estou a perguntar-lhe pelo futuro.
Em relação ao futuro, não se pode dizer que alguém, como é o meu caso, sendo vice-presidente, foi escolhido para cabeça de lista para umas eleições nacionais seja uma pessoa que se apague. Não me apago. Se uma pessoa se apaga só por não ser presidente do partido, consideraria, talvez pela dimensão da apreciação, um absoluto excesso. Há uma presidente que está muito bem no lugar e tem dado muito bem conta do recado. E eu tenho muita visibilidade na política, tenho essa noção, e sou muito feliz no que faço. Sou eurodeputado, que é rigorosamente aquilo que quero, sou cabeça de lista do CDS, sou vice-presidente. Apagado é coisa que não sou. Estou no espaço público, escrevo em jornais, vou às televisões. Apagado não sou e tenho noção de que, porque não me apago, posso ajudar a Assunção no seu percurso e todo o CDS. E acredito que o CDS nas europeias e legislativas, e tendo a exata noção de que há as tais variáveis que não controlamos, acredito que o CDS terá um bom resultado. O que significa reforçar votos e mandatos, e tenho já percebido isso na rua.
Esse momento da campanha, da presença na rua, é algo que aprecia?
Para mim, é um facto natural. Eu gosto de estar com as pessoas, de falar com as pessoas, não é um sacrifício. Também sou advogado de profissão, a minha vida é lidar com pessoas.
Já teve algum momento chato em campanha?
Os únicos momentos chatos foram tão ostensivamente encomendados que, pela caricatura, só me justificaram o riso. Por exemplo, numa campanha da PAF, a mesma pessoa, que sabíamos que fazia parte de um sindicato com tendência vagamente radical, ao longo de um percurso entre saída onde estava eu, Paulo Portas e outras pessoas, entre a saída e o destino plantou-se umas oito vezes, sempre a mesma, a dizer os mesmos impropérios e palavrões e insultos.
Fora esse episódio, houve algum momento em que tivesse sentido animosidade na rua?
Não. Já fiz campanha em europeias, legislativas, regionais, viajo em transportes públicos, as pessoas abordam-me com simpatia.
“A minha família é o meu lado privado que guardo para mim”
Gosta de ser reconhecido?
Desde que seja natural, não me incomoda nada. Agora, se estou a ler um livro, se estou a ler um jornal e sei que tenho pouco tempo para isso, também quero ter tempo para as minhas coisas. E, principalmente, há um espaço onde não permito que entrem, que é o espaço da família e esse é sagrado.
O Nuno Melo tem dois filhos gémeos, é uma informação que se vai sabendo, mas de que o Nuno Melo nunca fala. Estabelece mesmo essa barreira entre o lado privado e o lado público.
Porque conheço as regras do jogo.
Nunca poria a sua família numa ação de campanha?
Salvo circunstâncias justificadas, excecionais, em que gostasse de vê-los lá, para minha satisfação pessoal. Exibi-los como instrumento de campanha, nunca. Eu conheço as regras do jogo.
Mas já assistiu a situações que achasse que foram para lá do limite?
Não. Há uma esfera de privacidade que quero preservar porque senão deixa de ser privacidade e passa a ser outra coisa qualquer. A minha família é a minha família, não tem de ser transportada para uma exposição pública que a própria pode não querer. Há muitas pessoas que dizem que não querem aparecer nas revistas e nos jornais mas, nalguns momentos, elas próprias fazem para que isso aconteça e, num determinado momento, aborrecem-se e dizem que afinal não querem. Eu conheço as regras do jogo: ou se está ou não se está. E sou claro, os meus filhos, a minha mulher, a minha família são o meu lado privado que guardo para mim. Não escondo, mas não ostento.
É onde vai retemperar energias?
A família é aquilo que o professor Adriano Moreira definiu com muita felicidade como o eixo da roda. Andamos por todo o mundo, fazemos muitas coisas, temos muitas tarefas, mas há um eixo da roda que é o que nos mantém em algum lugar. A minha família é o eixo da minha roda. Posso andar por todo o lado mas é ali que me fixo, é à volta dela que gravito. E é em função dela que faço muito daquilo que é a minha vida política porque trabalho por um país que quero melhor. Tenho filhos com seis anos. Uma coisa é família, outra é política. Sei que, a partir do momento em que abra o precedente, perco a legitimidade para que, mais tarde, não seja procurados por outra razão qualquer. Se, algum dia, por uma razão qualquer, eles próprios, por exemplo, me disserem: “Eu gostava muito de estar”, aí é diferente. Não faço disto juízo de crítica em relação a quem leva a família para manifestações que são públicas porque até se pode sentir mais confortado com isso. Cada um é como cada qual. Esta é a minha perspetiva, sinto-me melhor e é um espaço de salvaguarda que acho que devo à minha família.
Pai de duas crianças de seis anos. Há alguma ansiedade particular que lhe suscite essa paternidade?
Nenhum pai ou mãe deixa de viver permanentemente preocupado com aquilo que infelizmente são casos da vida que não pode controlar. Mas, como lhe dizia em relação às doenças, sendo um dia inevitáveis — em nós, não quero pensar nisso para os outros, muito menos para a minha família –, não devemos passar muito tempo a pensar nelas. É levar a vida, vivê-la bem sem crises de consciência, sem remorsos, fazer aquilo que é certo, acreditando em nós e sendo feliz. Para os momentos maus, lidar com eles quando tiver que ser. E isso vale para a política também. É por isso que, quando me pergunta “se o resultado for mau”, se for, logo se vê, mas eu acredito que vai ser bom.
A pensar nas campanhas que terá para o ano, um desafio: consegue soletrar a palavra germofóbico?
Quer que soletre mesmo ou que pronuncie?
Não, era só uma bengala para chegar a uma questão para chegar a uma característica que me dizem que o define: uma fobia de germes. Não tem?
Nenhuma. Isso é um mito absoluto. Não tenho nenhuma fobia de germes.
Já tinha ouvido falar nesse mito?
Eu sou filho de pai médico, mãe médica, tenho uma mulher médica. Estou rodeado pela medicina e gosto de medicina. Sou licenciado em Direito, sou advogado. A minha melhor nota foi a Medicina Legal, tive 18,4 num exame com o professor Pinto da Costa, professor de Medicina no Porto. Isto para lhe dizer que gosto das questões relacionadas com a saúde e fixo-as com muita facilidade. Daí a nota que acabei por ter. E talvez por isso alguns amigos achem que sou preocupado com questões da saúde. Não sou. Com germes, seguramente que não. Até porque sou o oposto disso.
Nem tem aqueles cuidados que se costumam reconhecer aos germofóbicos?
Nenhuns, zero. Mas os meus amigos — até porque só o permitiria aos meus amigos — gostam de dizer que sou levemente hipocondríaco. Alguns até dizem que sou um hipocondríaco consolidado. Eu acho que não sou. Sou uma pessoa atenta aos sinais.
Evita ambientes contaminados, na prática.
Não. Eu fumei até aos 30 anos, fumava dois, três maços por dia. Uma pessoa que fosse preocupada com doenças começava por não ser fumador. Tive um percurso normal enquanto estudante universitário. Na verdade, até mais tardio, desfrutando da vida, o que implicava, sem abusar muito, ter as minhas atividades lúdicas e recreativas.
Agora pensei que fosse fazer aquela confissão que já ouvimos a outros políticos portugueses: “Já fumei um charro.”
Não, não, não. Se tivesse fumado, era questão que nem vinha para a conversa, não lhe ia dizer. Seria a tal esfera da minha privacidade. Mas, tal como hoje, já bebi um bom vinho do Porto. Algumas vezes dois ou três. Este está maravilhoso e a receita é digna de ser publicada. Só mostra que o vinho do Porto é realmente um produto extraordinário.
Estamos numa Observador Summer Session e, por isso, lanço-lhe um outro desafio: com quem nunca iria de férias?
Com uma pessoa chata.
Alguém em particular?
Não cometeria a indelicadeza de particularizar, mas certamente me ocorreriam algumas.