910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Quimbé é o 12.º convidado do Labirinto — Conversas sobre Saúde Mental
"Eu tive essa depressão, que quase me ia levando ao suicídio, e tive outra, há relativamente pouco tempo."
"E aí ia morrendo, mas aí já foi coração ou uma coisa qualquer. Estava no sítio certo à hora certa."
"A médica chegou e disse-me: 'Olha, Quimbé, sabes o que é que te ia acontecer hoje? Ias jantar, ias dormir e dificilmente acordavas amanhã'"
"É uma coisa gradual. Mas depois, de repente, bateu-me de uma maneira que foi terrível."
"As pessoas pensam logo nisto: tens trabalho, tens uma família feliz, porque é que estás numa depressão? Que estupidez!"
"Hoje em dia tenho três filhos fantásticos, uma vida cool, porreira, e se tivesse feito aquilo nunca iria saber o que era ser pai e construir isto"
i

Quimbé é o 12.º convidado do Labirinto — Conversas sobre Saúde Mental

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quimbé é o 12.º convidado do Labirinto — Conversas sobre Saúde Mental

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quimbé e a depressão. “Choras e não sabes porque é que choras, estás numa dor constante”

Tinha acompanhado de perto uma depressão da mãe e confessa que, nessa altura, nem sempre a compreendia. Ator, locutor e dobrador, Quimbé admite que fazia parte do grupo de pessoas que dizem que “não têm tempo para depressões”. Até ao dia em que, de repente, sentiu-se no fundo de um buraco, sem vontade de sair de casa e submerso numa “dor constante”. Tão constante que chegou a pensar em suicídio.

Nesta entrevista inserida na série “Labirinto — Conversas sobre Saúde Mental“, uma iniciativa do Observador e da FLAD, gravada no Salão Nobre da Pousada de Lisboa, Quimbé conta que não sabe exatamente porque é que caiu em depressão naquela altura, quando tinha muito trabalho, gostava do que fazia e vivia uma vida aparentemente normal. E explica que bastou uma conversa que mudar o rumo que estava a seguir. Nesse dia em que lhe mostraram outras opções, o suicídio deixou de ser uma delas — e, diz agora, ainda bem: “Se tivesse feito aquilo, nunca iria saber o que era ser pai e construir isto”.

A depressão voltou afetá-lo anos mais tarde, mais recentemente, aí já com uma causa identificada: não tinha trabalho e sentia o peso de ser o sustento da família. A ansiedade e o cansaço associado ao facto de ter deixado de conseguir dormir provocaram um problema cardíaco repentino. Nesse dia, diz, “estava no lugar certo à hora certa”. Foi assistido e a conversa que se seguiu com uma médica foi o abanão de que precisava.

Acabou por contar a sua história num projeto da Direção Geral da Saúde dedicado à Saúde Mental (“Vamos falar?”) e agora repete o mesmo apelo: “As pessoas devem falar e, se não conseguirem resolver, ir a um psicólogo, um psiquiatra, algum profissional que possa ajudar”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja aqui a entrevista completa a Quimbé]

Mais de 20 anos depois, consegue olhar para trás e perceber como é que os sintomas da depressão se foram instalando?
Sinceramente não me recordo bem, mas acho que não foi assim uma coisa avassaladora. É uma coisa gradual. Mas depois, de repente, “bateu-me” de uma maneira que foi terrível. Quando percebi, já estava lá. As pessoas dizem “ah, depressões não é para mim”. As pessoas não sabem do que estão a falar.

Também dizia isso na altura?
Se calhar dizia, porque também dizia que não tinha muito tempo para depressões, porque estava sempre a trabalhar. Eu tenho várias defesas, e uma delas é adorar aquilo que faço. Adoro o meu trabalho, adoro ser ator, adoro ser dobrador, locutor, tudo e mais alguma coisa. E, não tendo tempo, muitas vezes não tens tempo para parar e pensar em nada.

Ouça aqui a entrevista em podcast.

Já era isso tudo na altura? Como eram os seus dias antes da depressão, quem era o Quimbé como pessoa?
O Quimbé tem um privilégio, que é poder fazer aquilo de que gosta. Entretanto, o que é que o Quimbé pensou? Bem, eu posso trabalhar oito horas por dia ou então posso trabalhar vinte e tal horas por dia porque adoro aquilo que faço. Já o Vasco Santana dizia que o ator era pago para esperar, não para fazer o trabalho. Porque o trabalho nós fazemos gratuitamente, aquilo é mesmo fun. E, de facto, é um privilégio podermos fazer aquilo de que gostamos e que nos pagam para fazer. E andas numa roda viva. Pronto. A vida de ator, ou a vida de artista, digamos, não é uma vida fácil. É uma vida gira, mas não temos um ordenado ao final do mês, não sabemos o que nos vai acontecer. Mas, por acaso, nem foi esse o caminho, porque eu estava cheio de trabalho na altura. Tive essa depressão, que quase me ia levando ao suicídio, e tive outra, há relativamente pouco tempo — e aí ia morrendo, mas já foi coração ou uma coisa qualquer. Estava no sítio certo à hora certa. Porque entrei numa ebulição, não tinha trabalho. E, de repente, não tens trabalho e tens três filhos para criar, a família está dependente de ti e tudo isto pode levar-te a uma data de sítios.

Marisa Matias e o burnout. “Assustei-me quando percebi que podia não recuperar as minhas capacidades cognitivas todas”

Nessa primeira, a de há 20 anos, aparentemente estava tudo no sítio, havia trabalho, o trabalho era bom, e, de repente, o que é que aconteceu? Começou a deixar de querer ir trabalhar, a ficar triste sem razão?
Isto é muito estúpido, se calhar, o que vou dizer, mas… porque é que te apaixonas?

Ninguém sabe, acontece.
Porque é que entras numa depressão? Muitas vezes, também não sabes. É um sentimento ao contrário. Aliás, se te apaixonares e fores retribuído, é muito fixe, mas se não fores retribuído entras numa depressão de todo o tamanho, mas aqui é uma coisa que, realmente, não sabes. Eu vivi uma depressão muito próxima, da minha mãe, antes do meu episódio. Era puto e a minha mãe só chorava. Eu dizia-lhe: “Bom dia, mãe! Tudo bem?”, e ela começava logo a chorar. “Mãe, eu só disse bom dia…”, e ela chorava, chorava e chorava.

"Decidi contar a minha história porque as pessoas não acreditam que os outros podem estar em depressão. Podes ser rico, pobre, bonito, feio. Ninguém está livre de uma depressão."

Durou muito tempo?
Foram uns três ou quatro anos.

E conseguia compreendê-la ou só conseguiu depois de ter passado também por uma depressão?
Não compreendia, como é óbvio. Acho que só compreendes as pessoas depois de passar por elas. Eu olho para ti, porque é que tens uma depressão? Porque as pessoas pensam logo nisto: tens trabalho, tens uma família feliz, porque é que estás numa depressão? Que estupidez! E a minha mãe tinha uma família muito cool, um marido que amava e estava numa depressão que não sabia o que tinha. “Mãe, não percebo.” E isto a maior parte das pessoas não percebem.

Foi isso que lhe aconteceu a si? Sentia que as pessoas à sua volta também não percebiam muito bem porquê?
Ninguém sabia que eu estava em depressão, só eu é que sabia.

Como é que conseguiu esconder?
Porque sou ator. O Quimbé é caranguejo de signo, então tem uma carapaça. E é curioso ter descoberto isto, porque eu pensava que era o único, e afinal não sou: ao fazeres rir as outras pessoas, e tendo uma filosofia de vida muito divertida, estás a alimentar-te a ti próprio e ris-te também. E esqueces-te. Então foi engraçado quando quis contar a minha história — e só vem por uma razão, por causa do ator Pedro Lima, de quem eu era muito próximo, e de repente “o que é que se passou aqui?” E eu pensei: “Bem, há 20 e tal anos podia ter sido eu”. E toda a gente ia dizer: “O que é que se passou? O Quimbé? Uma pessoa cheia de vida, amante da natureza, desportos radicais…” — tal e qual como o Pedro. Decidi contar a minha história porque as pessoas não acreditam que os outros podem estar em depressão. Podes ser rico, pobre, bonito, feio. Ninguém está livre de uma depressão.

Hugo van der Ding. “Passei anos a pensar: como é que eu seria se não fosse bipolar? Isto sou eu. E não trocava por nada”

Como era para si um dia mau? Tinha vontade de sair, chorava…?
Chegas a um ponto na depressão em que não te apetece ir, não tens vontade para nada. Não te apetece sair da cama, não te apetece ir para lado nenhum, nem ver pessoas. E depois começas a entrar num buraco e pensas: “Quimbé, meu, como é que sais disto?” E é terrível, porque não sabes. O que acontece muitas vezes, por mais que queiramos falar com amigos — e é isto que eu apelo às pessoas, é necessário falar com alguém, mas temos de falar com alguém que nos queira ouvir. Porque se apanhamos uma pessoa que diz “isto é uma fase, depois passa”, muitas vezes isso não acontece.

"Por isso é que eu digo que as pessoas devem falar e, se não conseguirem resolver, ir a um psicólogo, um psiquiatra, algum profissional que possa ajudar. A minha mãe curou-se."

Então chegou a falar com pessoas, mas houve ali uma fase em que não dizia a ninguém?
Ninguém sabia.

Porquê? Tinha vergonha?
Acho que começa com a ideia de que ninguém sabe o que eu estou a sentir, eu também não sei explicar, as pessoas vão dar-te umas palmadinhas nas costas, isto há-de passar, e é tudo muito leviano.

Era estigma, também?
Também era um bocado por aí. “As pessoas não têm de apanhar com os meus problemas.” E uma coisa também é que as pessoas não sabem que têm um problema ou não se sabem expressar. Quando contei a minha história, foi muito engraçado, porque foi uma situação de altruísmo puro e a minha cena era “se eu ajudar uma pessoa, já estou satisfeito”. E basicamente, em quatro dias, depois de sair o vídeo do “Vamos falar” [uma campanha da Direção Geral da Saúde dedicada à Saúde Mental], respondi a cerca de 1.300, 1.400 emails. Portanto, há muita gente com problemas. E alguns deles próximos, que me disseram “não imaginas o quanto me ajudaste”. Amigos que bastava um telefonema e falávamos, só que as pessoas não falam e depois um dia rebentam.

Quais foram os seus momentos mais negros, nessa fase de há 20 anos, em que a desesperança era forte demais?
Como é que eu hei-de explicar isto? É uma mágoa em que choras e não sabes porque é que choras, não sabes o que hás-de fazer da tua vida. Estás numa dor constante. Então começas a ver soluções. E, de repente, se não queres ir ao médico — por isso é que eu digo que as pessoas devem falar e, se não conseguirem resolver, ir a um psicólogo, um psiquiatra, algum profissional que possa ajudar. A minha mãe curou-se. Esteve medicada dois anos e meio, depois foi progressivo para tirar a medicação e hoje em dia está muito fixe.

O Quimbé também fez isso?
Nada.

Então como é que está lá no fundo do buraco e percebe que tem de fazer alguma coisa para sair?
O monstro está lá. Eu curei-me daquela vez. Falei com uma pessoa só na altura e ela encaminhou-me, mas o giro é que ela não sabia o que eu estava a sentir, o que eu tinha, e aquela conversa com essa pessoa pôs-me no trilho certo, sem a pessoa saber, o que foi curiosíssimo. Tanto que, só 20 e tal anos depois, agradeci-lhe no vídeo do “Vamos falar” e ela nem sabia. Eu tive sorte.

Maria Botelho Moniz e o luto. “O tempo não cura absolutamente nada. É um mito”

Lembra-se dessa conversa e do que essa pessoa lhe disse que fez aí um clique?
Lembro-me. Disse-me tanta coisa. Porque, muitas vezes, quando entras numa encruzilhada e começas a riscar as opções e encaminhar-te só para uma opção, de repente vem uma pessoa e mostra-te que há mais opções. Tive uma conversa, que foi gira e dura. Uma mãe que me mandou um email, estive quase a passar a fronteira para lhe ligar, mas não o fiz, foi tudo por email, estivemos até às 6h, 7h da manhã a falar via email. Ela não percebia porque é que o filho se tinha suicidado com 21 anos. E dizia “o meu filho era lindo, tinha uma vida fantástica, fazia parte da equipa de futebol, estava na faculdade”. E ela tinha-lhe comprado umas calças Levi’s, eles não tinham muitas posses, e no dia a seguir ele suicidou-se. E porquê? Ela queria ir atrás do porquê. Porque é que ele se matou? E não há explicação. A única coisa que eu lhe disse foi: “Tenta viver a tua vida, o teu filho fez uma opção”. É drástico. “Já perguntaste alguma vez à tua filha o que é perder um irmão? Tens uma filha viva e estás agarrada ao que está morto, a vida continua.” E aquilo fez-lhe um tilt na cabeça, porque é isto, começamos a querer arranjar justificações onde elas não existem.

  • A entrevista foi gravada no Salão Nobre da Pousada de Lisboa
    JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
  • JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
  • JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
  • JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O dia em que deixou de pensar em suicídio foi o dia em que lhe mostraram outras opções?
Mostraram-me outras opções e aquilo abriu-me um caminho. E hoje em dia fico muito contente por não ter tido essa opção porque tenho três filhos fantásticos, uma vida cool, porreira, e se tivesse feito aquilo nunca iria saber o que era ser pai e construir isto. E outra das coisas muito engraçadas é que eu mostrei este vídeo do “Vamos falar” aos meus filhos, individualmente. Isto foi há uns dois anos, na altura da pandemia, um devia ter 17, o outro 13 e o outro 9 anos. E foi engraçado quando os teus filhos veem o sofrimento do pai, a falar da dor que sentiu e que conseguiu superar. Eles normalmente veem-nos como uns super heróis, não sabem nem imaginam que também fomos pequeninos e crescemos. Eles, por exemplo, julgavam que eu sempre fui ator e eu tive N profissões antes de ser ator, mas, quando eles nascem, para eles é a partir dali que conta. E o que eles me disseram foi “pai, isto vai ajudar muita gente”. Eles têm a noção da situação que aconteceu ali, o que é duro. E as coisas acontecem, tu não sabes porquê. Eu superei. Ótimo. Mas posso lá voltar, nunca sei.

Voltou, por exemplo, nessa fase mais recente, provavelmente com contornos diferentes.
Sim, não foi tão intensa.

Mas volta quando atravessa uma situação difícil e aí, pelo menos, já consegue identificar uma razão, um gatilho. Foi alimentada pela ansiedade de não saber como ia gerir e garantir o sustento da família?
Isto é um leigo a falar, mas a depressão pode ser despoletada por várias coisas, pode ser amor, causas financeiras, pais, mãe, irmãos, mortes de entes queridos, mas muitas vezes acontece e não sabes porquê. Às vezes é só a nível químico, no organismo há um desequilíbrio qualquer e é aí que tens de procurar ajuda médica.

Raminhos e o transtorno obsessivo-compulsivo. “Já quase não saía de casa com medo de tocar nas coisas”

Quando se vê nessa nova situação, identificou mais rapidamente o que podia estar a acontecer por causa da experiência que tinha tido há 20 anos?
Claro. Quando começas a ter sintomas, percebes que tens de começar a ter cuidado. E temos de nos ouvir muitas vezes. Uma vez falei com uma médica e ela dizia-me “temos de ouvir o nosso corpo”.

Que sintomas eram esses? Há muita gente que fala numa ansiedade permanente associada a um estado de desesperança, de achar que não é possível resolver. Era isso que sentia?
Não sentia isso, porque não tinha nada para resolver. Eu tinha uma depressão em que não sabia por que estava ali. Por exemplo, o Robin Williams, um ator brutal, tinha dinheiro, uma família espectacular, e de repente comete suicídio. Porquê? Porque chega-se a um ponto em que a máquina avaria.

Mas é porque há essa angústia, não é?
A máquina avaria e começa aquela angústia. “Eu não quero esta dor para mim e a única forma que eu tenho é uma espécie de eutanásia.”

"Já não trabalhava para aí há quatro meses e nunca me tinha acontecido na vida de ator não receber há quatro meses. E a minha família estava toda dependente de mim. Então estava a entrar em pânico, porque não estava a ver soluções para a frente."

Tinha implicações no seu dia a dia? Conseguia dormir, por exemplo, descansar?
O que acontece muitas vezes é que só queres é dormir.

Mas mais na lógica de não querer sair da cama?
Sim, “eu não quero sair da cama, não quero ir, fico aqui no meu casulo e vamos ver o que se passa”.

E era funcional no resto? Alimentava-se? Há pessoas que deixam de comer, há quem se refugie na comida…
Tive agora uma amiga que nem banho tomava.

A si não lhe aconteceu?
Continuava com a higiene básica. Mas esta minha amiga, por exemplo, estava numa depressão hiper aguda, disse-lhe que tinha de ter ajuda. Nem banho tomava. Uma mulher linda de morrer.

Rita Redshoes e a depressão pós-parto: “Não acho que me vá esquecer disso. Aliás, pergunto-me muita vez se quero voltar a ser mãe”

Quando passa por este episódio mais recente, já tinha os seus filhos?
Já.

Como foi atravessar um momento desses com eles? Ia buscar lá força ou a existência deles e a sua falta de trabalho pesavam ainda mais?
Aí tens de ser o capitão do barco. Há pessoas que optam por uma solução rápida, que não vai resolver os problemas — se calhar resolves o teu problema, mas arranjas um muito maior para a tua família. E há N casos de pais que cometem o suicídio e depois deixam um problema gravíssimo para os filhos e para a mulher. E muitas vezes nem falavam dos problemas que tinham.

Desta vez falou mais do que falou da primeira vez?
Aí falei, aprendi que tinha de falar. E foi engraçado porque começas a ver as coisas e, com quarenta anos, podias ter morrido e pensas “a médica disse-me isto para me assustar ou estava mesmo a falar a sério?”

Que episódio foi esse?
Foi uma coisa muito estranha. Eu já não trabalhava para aí há quatro meses e nunca me tinha acontecido na vida de ator não receber há quatro meses. E a minha família estava toda dependente de mim. Portanto, se não entrasse dinheiro… Sair sai sempre e não entrava nada. Então estava a entrar em pânico, porque não estava a ver soluções para a frente. Aí foi ao contrário, deixas de dormir, começas com uma ansiedade brutal. Acreditem no que quiserem, mas foi o destino ou o que for, houve um amigo também ator que me pediu ajuda e eu fui ter com ele. Já não falávamos para aí há quatro anos, e ele vê as auras. Olha para mim e diz “Quimbé, tu não estás nada bem”. Entretanto ele toca-me e foi-me medir a tensão. E foi aí que se assustou, estava mais assustado do que eu. Porque, muitas vezes, o que acontece é que, quando és ignorante, és feliz. Porque não tens conhecimento das coisas. E então ele dá-me a pressão arterial e foi-me igual ao litro.

Lembra-se de qual era?
Era 15/16. Estavam a colar. E ele ficou com um ar mais branco do que eu: “Tu estás bem? Eu nem sei como é que estás de pé”.

Bárbara Timo e a depressão: “Dizemos coisas a nós próprios que não diríamos a um inimigo”

Sentia-se bem?
Sentia-me cansado. Entretanto, ele começa-me logo a espetar agulhas nas orelhas e chamou uma médica do Hospital de São Francisco Xavier. “A tensão não está a baixar, o que é que eu faço, o que é que eu faço”, meter logo coisas debaixo da língua. Depois a médica chegou, falámos, foi uma conversa hiper-agradável e ela disse-me: “Olha, Quimbé, sabes o que é que te ia acontecer hoje? Ias jantar, ias dormir e dificilmente acordavas amanhã”. E tu ficas… Wow. Então vamos ver porque é que estás nestas condições. Foi tentar procurar o problema para termos uma solução. Porque não são só os medicamentos que te tratam, muitas vezes tens de procurar as respostas dentro de ti. Foi uma terapia ali naquela noite, que me levou por outro caminho.

"As experiências que tenho do passado dão-me as ferramentas para poder enfrentar o futuro. É pensar um bocadinho no futuro, mas, principalmente, viver o presente."

Não chegou depois a fazer terapia de uma forma mais sistemática, regular?
Não. Porque não sinto necessidade.

Bastou esse abanão.
Foi um abanão.

Depois dessa conversa, continuou a não ter trabalho, a não entrar dinheiro. Como é que conseguiu dar a volta e lidar com a mesma realidade com menos ansiedade?
Tens de te adaptar. Dou um exemplo que dou à maior parte dos atores, eles acham um exemplo muito estúpido, mas eu acho que é um segredo muito engraçado: porque é que o panda está a entrar em extinção? Porque só come bambu. Se um ator só vive do teatro, é capaz de passar fome. Se vive só do cinema, é capaz de passar fome. Por isso, o que é que um ator tem de fazer? Um pouco de tudo. Teatro, dobragens, locuções. Tem de se adaptar a outras realidades. Por isso é que criei um projeto chamado “Puta da Loucura”. Estou na estrada com ele já há 13 anos e é uma adaptação às realidades. É como se fosse uma peça de teatro, nem sei explicar o que é aquilo, mas sou muito feliz a fazer aquilo e já são 13 anos na estrada. Tens de te adaptar rapidamente às coisas.

Mas isso não é uma coisa fácil. Às vezes, a realidade é muito dura, precisamos de ter ferramentas para lidar com essa dureza que não vai desaparecer de um dia para o outro. Sente que a depressão que teve há 20 anos lhe deu essas ferramentas?
Eu gosto muito de viver o presente. E as experiências que tenho do passado dão-me as ferramentas para poder enfrentar o futuro. É pensar um bocadinho no futuro, mas, principalmente, viver o presente. E agora veio ainda uma pandemia também — essa depressão ainda foi antes da pandemia. Quando veio a pandemia… Acabou o trabalho, acabou tudo. Mas eu já tinha uma situação engraçada: “Bem, Quimbé, ou tu morres na praia com dinheiro na mão, ou tu investes, tens de arranjar uma solução”. E essas soluções, muitas vezes, são o que fazem de ti rijo. O que não te mata, torna-te mais forte. E essas ferramentas todas que tens do passado são extremamente importantes, porque é isso que te vai enrijecer e dar outras ferramentas para enfrentares os problemas que tens.

Fátima Lopes e o burnout: “Quando queria respirar fundo cansava-me. Quando estás aí, já não dá. Estás em cima do risco vermelho”

Foi isso que o ajudou na pandemia? 
Ainda estou a sofrer consequências disso. A nível de teatro e espectáculos, foi logo a primeira coisa que aconteceu — não há teatros, não há nada. De repente vêm também os estúdios. “Isto é uma cena passageira, vamos adaptar-nos rapidamente”, mas cada vez a piorar mais. Por isso é que foi muita importante dar a mensagem do “Vamos falar” porque havia muita gente que estava a passar por uma depressão a todos os níveis.

Viu isso muito à sua volta?
Vi. Porque perdes o controlo, achas que a vida vai por um caminho e, de repente, tiram-te o tapete de todas as maneiras, não há dinheiro, não há trabalho, tens de ficar em casa, não podes sair para lado nenhum. Vou dizer isto se calhar de uma forma estúpida e egoísta, mas adorei estar em casa com a pandemia. Não a nível financeiro, que levei um chimbalau de todo o tamanho, mas é de todas as coisas más que te acontecem na vida tirares sempre o lado positivo. Esta é a única forma que tens de crescer.

Quimbé é ator, locutor e dobrador. Passou por duas depressões. Numa delas chegou a ponderar o suicídio. Diz agora que ainda bem que não o fez

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

É assim que acha que se mantém preparado para enfrentar as adversidades, a olhar para o copo meio cheio?
É uma defesa, sim. Cada um tem as suas. O que para ti funciona, para mim pode não funcionar.

A comédia é uma defesa?
A comédia é uma defesa, a minha forma de estar na vida, de fazer rir as pessoas e de me rir são uma defesa. Apercebi-me disso quando, de repente, os meus amigos todos têm problemas e nós não sabíamos uns dos outros. O Raminhos, o Madeira, o Marco Horácio, o Hélio Arcanjo. Portanto, de repente, uma data de pessoal da comédia, que faz aquilo que eu fazia, mas nunca falámos.

Anna Westerlund: “A maior dor na perda do Pedro foi a solidão, sentir-me completamente sozinha sem estar sozinha”

É uma defesa, mas também uma máscara?
É uma máscara.

No mau sentido?
Mas é mais giro fazer rir as outras pessoas e rires de ti próprio do que estares a um canto [a lamentares-te]. Um destes dias — isto é um bocado estúpido — contei o segredo da vida aos meus putos. Disse-lhes que, quando tivessem 16 anos, havia de lhes contar o segredo da vida. Um já tem 19, um vai fazer 16 e eles andavam sempre “oh pai, conta-me lá o segredo da vida”, e eu “pá, não, não tens idade para isso, quem me dera um dias os meus pais terem-me contado isto, tinha-me facilitado imenso a vida, mas quando fizeres 16 anos conto-te — a ti não, que tens 11”. E o puto “pai, não, conta-me, eu sou muito maduro, conta-me, por favor”. Isto foi durante uma temporada. E um dia conto-lhes o segredo da vida, que é uma coisa muito básica: a vaca não dá leite. A vaca está ao teu lado, mas se não fores mugir a vaca não tens leite. Este é o segredo da vida. Se quiseres alguma coisa, tens de lutar para. Vocês têm de lutar por tudo aquilo que querem. E eles, de repente, percebem a mensagem. É giro educar. A comédia agarra mais as pessoas do que estar naquelas palestras de seca. E fica. Eles nunca mais se vão esquecer da vaca.

Já levou o tema da saúde mental para o seu trabalho, na lógica de usar a comédia como um veículo para passar a mensagem.
Vejo isto de uma forma atualmente leviana, mas os “Puta da Loucura” são um bocado isso. E um destes dias, no final de um espetáculo, uma miúda vem ter comigo tirar fotografias e eu só lhe disse: “Tu estás a precisar de um abraço”. Ela agarrou-se a mim e chorou, chorou, chorou. Estivemos a noite toda a falar, depois veio o namorado, e é a mesma coisa: ela não sabia porque é que tinha uma depressão.

Liliana Campos e a depressão: “Pensava que era uma coisa para pessoas fracas”

Para si também passou a estar mais atento para garantir que, se alguma vez voltar a passar por uma situação destas, está preparado para lidar com isso?
Julgamos que estamos preparados, mas é bom termos as ferramentas para nos defendermos. Se não estás preparado e a coisa acontece, pode ser um descalabro.

Agradecimentos: Pestana Hotel Group

“Labirinto – Conversas sobre Saúde Mental” é uma série de entrevistas do Observador em parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Em cada conversa, os convidados — figuras públicas de várias áreas, da política ao entretenimento — fazem um relato pessoal e detalhado da forma como lidaram ou lidam ainda com problemas de saúde mental — os sintomas, os tratamentos, as recaídas e a recuperação — num esforço para combater o estigma associado a este tipo de doenças. Pode ler aqui as entrevistas anteriores:

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento Hospital da Luz

Com a colaboração de:

Ordem dos Médicos Ordem dos Psicólogos

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.