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De uma prisão de alta segurança fugiram cinco reclusos. O caso da fuga do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, por volta das 10h de sábado, surpreendeu o país — afinal de contas, os fugitivos são “perigosos” e “tudo farão para continuar em liberdade”, alertou a Polícia Judiciária. Quem não foi apanhado de surpresa pelas fragilidades do sistema foram os guardas prisionais, que há muito anteviam uma evasão. Só não tinham esta prisão na mira, uma vez que há muito que os problemas e falhas de segurança e vigilância existem nas prisões de Norte a Sul do país.
“A realidade, até sábado, era obscura. Desde então, as pessoas estão preocupadas com os serviços prisionais”, começou por dizer Frederico Morais, o dirigente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) no programa Contra Corrente da Rádio Observador. O dirigente sindical detalhou que, desde que os dois portugueses, o argentino, o georgiano e o inglês transpuseram os muros de Vale de Judeus, nada mudou: “Nada aconteceu nos estabelecimentos prisionais, não houve nenhum reforço.”
Já em 2003 se lia no relatório “As Nossas Prisões”, com base na reflexão do Provedor de Justiça à inspeção realizada aos estabelecimentos prisionais portugueses, que o número de guardas era “manifestamente insuficiente para garantir uma vigilância eficaz” da prisão de Vale de Judeus. Mas a realidade estende-se a todo o país atualmente. Vinte anos depois, o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Abrunhosa Gonçalves, falava numa “falta crónica de pessoal” nas prisões.
Diretor-geral da Reinserção e Serviços Prisionais alerta para “falta crónica de pessoal”
Mas o problema é mais profundo que a falta de profissionais. Questionada pelo Observador, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais recusa afirmá-lo, dizendo apenas, por escrito, que “a matéria questionada se encontra a ser objeto de averiguação interna” e que “não é, por ora, suscetível de partilha pública”. Mas, afinal, quais são as falhas de segurança existentes nas prisões portuguesas e desde quando se fazem notar?
Não há torres de vigilância nem controlo dos pátios
A fragilidade foi apontada em virtude da fuga deste sábado. “A falta de guardas levou à desativação de umas torres de vigilância que havia antigamente e onde estava sempre um guarda todos os dias em permanência”, disse no passado domingo Frederico Morais, presidente do SNCGP (Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional).
As torres foram desativadas há pelo menos cinco em anos, em virtude de uma reclamação feita por este sindicato à época. Existiam quatro torres nesta prisão que acabaram por deixar de ser utilizadas, contou ao Observador o então presidente do SNCGP, Jorge Alves: “Aquilo tinha chapa em cima de chapa e apodrecia. Em termos de condições para os guardas prisionais, era terrível.”
Na altura, o sindicato foi informado de que havia “um projeto para duas torres, pelo menos, mas nem o projeto, nem as torres, o que faz com que os reclusos estejam completamente à vontade”, denunciou o dirigente da época. A inexistência deste tipo de controlo traz ainda outro problema: abre a porta à entrada de drones no recinto prisional, que transportam mercadoria — telemóveis, droga — até aos reclusos.
Como entram 100 gramas de droga (ou cinco telemóveis) nas prisões? “Fácil”
Para agravar a situação, os pátios não são devidamente controlados. Uma vez que há falta de guardas, a monitorização do recreio — onde todos os reclusos se juntam — torna-se mais difícil, acabando por depender quase exclusivamente de câmaras de vigilância, que, em alguns casos, são demasiadas para o número de responsáveis disponíveis para as vigiar.
Na fuga de Vale de Judeus, “falhou não estar um guarda no pátio, que antigamente estaria a controlar, e agora não está porque não há guardas”, disse o sindicalista. E acrescentou que, apesar de as câmaras de vigilância poderem “ser muito boas, não é para essa situação”.
Mais de 150 câmaras e redes elétricas não funcionam
Na prisão de Vale de Judeus existem mais de 150 câmaras de vigilância — e, segundo informações avançadas pelo Expresso, que o Observador não conseguiu confirmar — uma destas estaria desligada. Na prática, são centena e meia de pequenos retângulos distribuídos por dois ecrãs, que cobrem várias áreas do estabelecimento: celas, salas das visitas, igreja e recreios.
Fontes ouvidas pelo Observador admitem que pode sempre escapar algo à atenção dos guardas, sobretudo durante o horário das visitas, quando o olhar recai mais em detalhe sobre a interação entre reclusos e familiares. Uma vez mais, este é um trabalho demasiado exigente para a pouca mão-de-obra disponível.
Mas a falha de segurança desta prisão vai mais além: a cerca elétrica estava desligada. Esta rede foi cortada pelos indivíduos que ajudaram à fuga destes cinco reclusos, tendo este buraco sido usado para permitir a entrada da escada verde que permitiu saltar o muro de oito metros.
Quando a prisão foi construída, na década de 60, a rede foi eletrificada, mas não chegou a ser ativada porque, caso contrário, “a luz da prisão ia abaixo”, disse o Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Abrunhosa Gonçalves.
Celas sobrelotadas
Há poucos guardas para tantos reclusos, algo denunciado há dois anos, no relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), da Provedoria da Justiça. Na época, das 18 cadeias visitadas pelos peritos, cinco tinha uma lotação acima da sua capacidade máxima.
“Em todos estes casos, o MNP alertou para os problemas associados à sobrelotação: a diminuição do espaço por pessoa, a falta de privacidade daí decorrente, a impossibilidade de proporcionar atividades ocupacionais a todos os reclusos e o potencial para afetar negativamente o quotidiano prisional e contribuir para uma maior conflitualidade entre os reclusos”, lê-se no documento entregue no Parlamento.
Vale de Judeus. Os momentos-chave da fuga da prisão vistos de cima
Guardas prisionais com regras pouco apertadas
Outra fragilidade na segurança dos estabelecimentos portugueses prende-se com o facto de os guardas prisionais não terem de se sujeitar ao controlo obrigatório à entrada e saída do seu local de trabalho. Isto não permite verificar se estes transportam qualquer tipo de mercadoria ou objetos proibidos para o interior, como telemóveis ou droga.
A denúncia desta “grave falha” de segurança surgiu em outubro de 2017, no relatório do Serviço de Auditoria e Inspeção da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), tendo sido tema de audição da então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, a pedido do PSD.
Em 2021, foi publicada uma circular que definia a proibição do uso do telemóvel dentro do estabelecimento prisional, exceto se surgisse um “despacho do diretor [prisional]” a autorizar, explicou o dirigente sindical Frederico Morais no programa da rádio Observador Contra-Corrente.
No entanto, “o único que é proibido de usar [o telemóvel] acaba por ser o guarda prisional”, detalhou. “O resto, toda a gente leva: médicos, enfermeiros, assistentes sociais, advogados.”
O sindicalista partilhou ainda que, há algum tempo, registou-se um episódio em que foi pedido a um advogado, após reunir-se com o cliente, que mostrasse o seu telemóvel à saída e aí os guardas perceberam que o aparelho “era outro, tinha sido trocado e tinha ficado lá dentro”.
Sinal dos telemóveis não é bloqueado
Uma das ferramentas a que os prisioneiros recorrem para planear as fugas são aparelhos eletrónicos, nomeadamente telemóveis, algo que poderá ter acontecido na fuga dos cinco reclusos de Vale de Judeus. Mas, diz Frederico Morais, os reclusos querem mais: “Querem é internet, para controlarem o crime, para fins de extorsão e pressionar pessoas.”
E acrescenta que uma das soluções poderia ser bloquear o sinal, um investimento que seria superior a 20 mil euros por prisão. “Não há falta de dinheiro, mas falta de gestão do dinheiro”, defendeu no programa Contra-Corrente.
Revistas apressadas e detetores de metal ignorados
Um dia de visitas numa prisão é sempre um dia atarefado, ainda mais quando os guardas prisionais disponíveis para essa função são poucos. Foi precisamente durante este momento que fugiram os cinco reclusos de Alcoentre, já que os guardas estavam focados em receber as visitas, revistá-las, registá-las e conduzir os reclusos das respetivas celas até à sala de visitas.
Por isso mesmo, às vezes, o primeiro passo de um dia de visita não acontece, nomeadamente a emissão de um cartão de visitante. Outras vezes, para acelerar o processo — ou para deixar propositadamente entrar mercadoria na prisão –, os guardas prisionais ignoram o apito do detetor de metal, como o Observador já tinha revelado em 2019.
Por vezes, mulheres inserem objetos (como telemóveis) na vagina e, quando estes detetores apitam, argumentam apenas que se trata de um piercing. Uma vez que a revista por desnudamento é proibido e que a palpação apenas pode ser feita por guardas do sexo feminino, muitas vezes esta mercadoria acaba por entrar no edifício prisional.
Mas há ainda outro tipo de revistas, que são igualmente apressadas: os camiões. Frederico Morais revelou no programa Contra-Corrente que há algumas noites, em Vale de Judeus, faltou o gás “por falta de controlo” dos poucos guardas que estavam de serviço. “Decidiram, às 3h, abrir as duas portas [da prisão] para entrar o camião e ficou a cadeia toda aberta”.
Além de estes terem ficado abertos “mais de 10 segundos”, diz o sindicalista, no próprio camião podiam estar pessoas ou mercadorias indesejadas. Uma vez que a revista deste tipo de veículos é demorado, os guardas optam apenas por uma busca simples. Se um “camião é revistado ao pormenor, não entra mais ninguém na cadeia”, caso seja hora e dia de visita. “Porque tudo tem de ser visto e atrasa-se tudo”, diz Frederico Morais, lembrando que no meio de comida, por exemplo, é possível transportar quilos de droga.