Na semana em que a Iniciativa Liberal anunciou que vai protestar contra a vinda de Lula de Silva ao Parlamento Português para discursar numa sessão que vai anteceder as comemorações oficiais do 25 de Abril, Rodrigo Saraiva, líder do grupo parlamentar liberal, explica o porquê de o partido ter decidido fazer-se representar apenas por um deputado e recorda as posições assumidas por Lula da Silva sobre guerra na Ucrânia, que diz serem “idênticas às posições de Bolsonaro”.
Em entrevista ao Observador, no programa “O Sofá do Parlamento”, Rodrigo Saraiva fala também sobre os mais recentes desenvolvimentos da comissão parlamentar de inquérito à TAP, referindo-se aos casos conhecidos como “um absurdo”. O liberal critica não apenas Pedro Nuno Santos, mas também João Galamba e Fernando Medina, sugerindo que António Costa só vai demitir mais ministros se tiver de “salvar a própria pele”.
O líder da bancada liberal defende também que o país precisa de um novo Governo e que o Parlamento tem instrumentos para o fazer sem que exista necessariamente uma dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas. Quanto a futuras alianças à direita, Saraiva repete o que partido tem dito: tudo menos o Chega. “Sem o envolvimento de políticas, forças ou personagens que são populistas, extremistas e estatistas, o PSD pode contar connosco e queremos contar com o PSD”, sublinha.
[Ouça aqui a entrevista de Rodrigo Saraiva no programa “O Sofá do Parlamento”]
Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da IL: “Lula e Bolsonaro têm a mesma posição quanto à guerra”
“Lula? Existe uma instrumentalização da nossa data da liberdade”
Vai representar simbolicamente a Iniciativa Liberal na sessão solene com Lula da Silva. A sua vontade era de não marcar presença de todo? É apenas o cumprimento de uma formalidade?
Estou aqui como líder parlamentar e os meus sentimentos e vontades não são para aqui chamados. A nossa presença na sessão de boas vindas ao Presidente do Brasil não é uma questão de simbolismo; é de formalismo. O simbolismo estará mais na presença de apenas um deputado para demonstrar o nosso desagrado com esta decisão. Há um mês nós alertámos porque percebemos logo o que é que iam tentar fazer. Queriam Lula da Silva na sessão do 25 de Abril e depois perceberam que não tinham espaço de manobra para o conseguir. Só os menos atentos é que não perceberam que, com uma cerimónia a seguir à outra, numa espécie de dois em um, era uma notória instrumentalização da nossa data da liberdade.
A presença da IL, ainda que simbólica, não valida a posição tomada pelo presidente da Assembleia da República?
Não é uma questão de validação; é uma questão de responsabilidade e que vai além do Parlamento. Esta é uma questão de relações de Estado. Podíamos fazer uma análise se, ao longo dos anos, o cumprimento das relações entre Portugal e o Brasil tem sido proporcional. Iria explicar que não. É Portugal quem faz o esforço para manter estas relações bilaterais. Mas esta não é uma questão de validação. Temos que nos abstrair daquele que é o Presidente do Brasil. Neste caso, há uma razão muito forte para esta tomada de decisão porque ocorre em espaço europeu uma guerra contra a liberdade e o Brasil não tem estado do lado certo.
Se a intervenção de Lula da Silva não tivesse sido anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros havia mais margem para tratar da vinda do Presidente brasileiro ao Parlamento?
Não me parece. Por uma questão de coerência a nossa decisão seria a mesma.
Nem entende que estas discordâncias prejudicam a imagem de Portugal e do Parlamento junto do Brasil?
Não me refugio na frase de “com o mal dos outros podemos nós bem”. Há um mês expliquei que podíamos equacionar ter um Chefe de Estado de outro país na cerimónia do 25 de Abril. Há quem ache que nem deve ser aberto a qualquer “não português” por ser uma data bastante nacional. Não vamos por aí. Se olharmos para o histórico de Lula da Silva, que foi um combatente contra a ditadura no Brasil, até poderia fazer sentido. Mas depois temos o momento atual relativamente à guerra na Ucrânia. Aqui nem é a questão de Lula da Silva, porque Bolsonaro tinha a mesma posição. Não podemos na cerimónia da nossa liberdade estar a receber alguém que neste momento está do lado errado da história.
Mais rapidamente gostava de receber Zelensky no 25 de Abril do que Lula da Silva?
Neste contexto de evocação da liberdade faria muito mais sentido. Se recebemos, há uns meses, Zelensky nesta casa, não podemos estar agora a receber ao mesmo nível alguém que tem estado ao lado de Putin.
Disse que teria gosto que Lula ouvisse na sessão do 25 Abril a visão liberal da liberdade. Se o Presidente brasileiro estiver a assistir ao vosso discurso, a questão do posicionamento do Brasil quanto à guerra vai ser referida?
Vivemos atualmente grandes preocupações quanto à liberdade, não só na Rússia, como na China, no Irão, no Afeganistão, entre outros. Este ano, quando celebrarmos a nossa liberdade, não podemos pensar apenas no nosso retângulo à beira mar plantado. Nessa intervenção no 25 de Abril, não podemos apenas falar da liberdade em Portugal. Seja quem for que irá assistir, e se o Presidente do Brasil assistir, irá ouvir uma forte defesa da liberdade por esse mundo fora.
O Presidente da República tem apostado muito no restabelecimento das boas relações com o Brasil. Neste caso, Marcelo Rebelo de Sousa devia aproveitar a visita de Lula para deixar reparos à posição brasileira quanto à guerra na Ucrânia?
Não tenho dúvidas de que nos contactos bilaterais, ao mais alto nível ou na rede diplomática, nas Nações Unidas, por exemplo, que seja transmitido aos representantes brasileiros e aos outros países lusófonos a posição portuguesa. Tem existido uma evolução positiva nas votações nas Nações Unidas. Quero acreditar que a nossa rede diplomática não perde uma oportunidade para mostrar que o Brasil e que outros países lusófonos não têm tido a posição mais correta.
“Se Costa sentir a sua pele em causa, vai deixar cair mais alguém”
A Iniciativa Liberal tem assumido um papel de destaque na comissão de inquérito à TAP, mas não é precipitado estar a pedir demissões de ministros antes das conclusões?
Logo nos primeiros dias de janeiro, este Parlamento debateu uma moção de censura ao Governo apresentada pela IL. Deixámos claro nessa altura que um dia a mais com este Governo em funções traria um dano maior para a vida dos portugueses. A partir desse momento, se achamos que todo um Governo está a mais, não podem ficar surpreendidos que achemos que há ministros que já não deviam estar em funções. No caso da TAP, temos vindo a conhecer situações bastante gravosas que demonstram que o texto da nossa moção de censura estava correto. Está a ficar bastante visível para bastantes pessoas a forma como o PS gere a coisa pública, a seu bel-prazer, para seu proveito próprio. O PS olha para as instituições e para as empresas públicas como umas ferramentas e uns meios para atingir fins maiores.
E que situações gravosas têm sido essas?
O caso do despacho fantasma ou despacho alfaiate, porque foi feito à medida. Tivemos dois ministros a pedir esclarecimentos à TAP, que depois é feito por um membro do Governo. Isto é um absurdo que não é possível que esteja em funções governativas alguém que teve este comportamento. Os dois governantes relacionados com este episódio já não estão em funções, mas é preciso apurar a responsabilidade de todos os membros do Governo, indo até ao primeiro-ministro. Há ainda a reunião entre a CEO e o grupo parlamentar do PS. Reuniões preparatórias são normais, mas uma reunião em que o escrutinador reúne com o escrutinado é um absurdo.
Pelos relatos que temos tido, existe alguma mudança na forma de gerir a TAP agora com João Galamba?
Não, e é isso que fica bastante claro. Houve uma continuidade, sobretudo na característica do Ministério das Infraestruturas a tentar que a TAP não se relacionasse com outras tutelas. Não existiu nenhuma mudança. Se é uma empresa que tem dupla tutela, como é que uma delas exige à administração que não se relacione com a outra? É tudo demasiado absurdo.
António Costa já disse que depois da comissão de inquérito retirará as devidas ilações. Acredita que o primeiro-ministro vai fazer cair algum membro do Governo?
Se António Costa sentir a sua pele em causa, vai deixar cair mais alguém, certamente.
Só por sobrevivência política?
António Costa é um sobrevivente político, isso é consensual. Alguns dirão isso em forma de elogio, outros em forma de crítica. Nós dizemos em forma de crítica. António Costa é um dos políticos mais hábeis e estará sempre com grande habilidade em modo sobrevivência. Deixará cair quem tiver que deixar.
Fernando Medina foi deixado à margem da gestão da TAP? Porque é que isso acontece?
Já é bastante óbvio que quer com Pedro Nuno Santos quer com João Galamba havia o objetivo de deixar à margem o Ministério de Fernando Medina. No fim da comissão de inquérito, vamos todos ficar bem cientes se de facto o Ministério das Finanças foi colocado à margem ou se sabia muitas coisas que se passaram.
Medina não está para já ilibado de responsabilidades?
Claramente que não está ilibado. Mesmo que se venha a descobrir que não sabia, não fica ilibado. Um ministro das Finanças não saber de tudo obriga-o a assumir, não a responsabilidade, mas a incapacidade.
“Pode haver novo Governo sem eleições”
Na sequência das polémicas com a companhia aérea, o Presidente da República voltou novamente a afastar um cenário de dissolução do Parlamento. Entende os motivos apontados por Marcelo Rebelo de Sousa?
Tenho dificuldades em fazer uma análise. Não há problemas em comentar o desempenho do Presidente da República no âmbito das funções constitucionais. Essa pergunta leva-me a ter que comentar “Marcelo Rebelo de Sousa, o comentador”, que é um fato que não consegue deixar de vestir. Quando o Presidente da República se põe a fazer uma análise e a comentar olhando a sondagens… isso não é função do Presidente da República; é função de um comentador.
Se despisse esse fato, teria motivos para dissolver o Parlamento?
A análise constitucional do que é o regular funcionamento das instituições cabe ao Presidente da República. A nós cabe-nos fazer uma análise do capaz ou incapaz funcionamento da governação, que foi o que fizemos com a moção de censura. A Iniciativa Liberal acha que devia haver outro Governo. Se isso passa por eleições? Há um formato em que pode haver um novo Governo sem necessidade de eleições.
Neste caso com o mesmo primeiro-ministro?
Com este primeiro-ministro ou com outro. Existe esse cenário e existem essas ferramentas parlamentares. Haver eleições ou não vai ter que ser uma decisão individual do órgão de soberania individual, que é o Presidente da República. Se houver eleições, a Iniciativa Liberal está preparada para ir a jogo e apresentar o programa e a visão alternativa. Mas não me quero imiscuir em funções exclusivas do Presidente da República.
“PSD tem que fazer o seu caminho”
O presidente do PSD disse que está “pronto” para ser primeiro-ministro e assegura que a alternativa existe. O país ganhava em ir a votos hoje? Considera que o PSD está mesmo pronto para encabeçar essa alternativa ao Governo?
Espero que o PSD esteja preparado para liderar ou integrar uma alternativa à governação socialista. Se o PSD estiver com essa vontade e motivação, com forças democráticas, sem envolvimento de políticas, forças ou personagens que são populistas, extremistas e estatistas, aí o PSD pode contar connosco e queremos contar com o PSD.
Mas o PSD está forte para liderar esse bloco à direita?
Isso é uma decisão que os portugueses vão ter que tomar quando chegar o momento. O PSD tem que fazer o seu caminho, a IL está a fazer o seu. Para quando chegar o momento os portuguesas possam olhar para estes dois partidos como sendo capazes e responsáveis para ser uma alternativa a estes governos do PS. Este é um Governo que tem um primeiro-ministro em funções há oito anos, de um partido que governou Portugal em 20 dos últimos 27 anos e não saímos da cepa torta. Não tenho dúvidas de que, quando chegar o momento, os portugueses olharão para o PSD, pelo seu histórico, e para a Iniciativa Liberal, pelo que tem trazido de novo, como duas forças políticas capazes de se sentar e apresentar uma alternativa para o país.
Acredita que é possível ao PSD e à Iniciativa Liberal conseguirem a alternativa aritmética sem outros partidos à direita?
Acredito. Mesmo que não seja com 50% mais um, em termos eleitorais. Depois, é uma decisão que o Parlamento, com a responsabilidade de ver o mandato que os portugueses decidiram, tem que tomar.
Mesmo com as sondagens como estão hoje em dia?
Mesmo que o resultado das eleições legislativas seja similar à média das sondagens, é possível sair do Parlamento um Governo do PSD e da Iniciativa Liberal com apoio parlamentar para governar.
Noutra frente, o presidente da Assembleia da República já apelou a que a Iniciativa Liberal apresentasse um novo candidato a vice presidente. O PS já adiantou que o candidato tem condições para ser aprovado. Isto não é uma mudança de cenário suficiente para apresentarem um novo nome?
Não aconteceu tudo o que deveria ter acontecido. As pessoas que têm tomado a palavra a pedir uma nova candidatura da Iniciativa Liberal são pessoas das quais não há dúvidas de que votaram no nome que apresentámos. O que ainda não aconteceu foi alguém dizer “errámos”.
Esse alguém é o PSD? É disso que estão à espera?
Entre o PSD e o PS.