Era uma imagem de marca do presidente da IL. Desde que se tornou candidato a deputado até ao último mês, Rui Rocha apresentou-se sempre de óculos. Mas a 1 de janeiro, na entrada para o ano eleitoral, o político surgiu à frente das câmaras para reagir à mensagem de Ano Novo do Presidente da República já de lentes de contacto. No Parlamento, esta terça-feira, recuperou os óculos para falar no palanque, mas, poucos minutos depois, já falou jornalistas sem eles. A IL recusa falar sobre a mudança de imagem de Rui Rocha como estratégia eleitoral, mas especialistas ouvidos pelo Observador reconhecem que é comum. E não é de agora: de Miterrand a Jeb Bush são vários os exemplos em que os óculos (ou a ausência deles) fizeram parte da estratégias de comunicação e marketing político.
A mudança não passou despercebida de eleitores e de intervenientes políticos. João Morgado Fernandes — que é assessor do gabinete do primeiro-ministro e faz parte da equipa de comunicação liderada por João Cepeda — deixou a provocação: “O Rui Rocha sem óculos é igual a um cartaz da @LiberalPT. À primeira vista, parece uma boa ideia. Vai-se a ver e… deixa lá, tenta outra vez”.
https://twitter.com/jmmfernandes/status/1743028142917275841
Mas, afinal, que influência podem ter os óculos? Edson Athayde — especialista em marketing político que foi responsável pela campanha de António Guterres em 1995 — assinala ao Observador que não é incomum os políticos aproveitarem o período eleitoral para fazer alterações físicas. “Alguns realçam o cabelo mais grisalho [para parecer mais velhos e experientes], outros pintam o cabelo de preto [para parecerem mais novos], alguns bronzeiam-se, outros mudam o estilo de roupa”, enuncia. Para o especialista estas são tentativas de “equilíbrio” entre a perceção que a sociedade tem da pessoa e a imagem que o candidato pretende exteriorizar.
O especialista em comunicação não tem dúvidas de que pormenores no aspeto físico dos políticos, como os óculos, passam uma mensagem aos eleitores. “Os políticos querem convencer e chegar a mais pessoas e, dependendo do cargo e do enquadramento eleitoral, podem querer ter um aspeto mais austero, ou pelo contrário um ar mais descontraído”, assinala. O mesmo acontece com a perceção da idade. “Há pessoas que têm 30 anos e que usam um acessório que lhes dá 60 anos, ou ao contrário. E isso pode ser negativo, dependendo das posições a que se candidatam”, refere.
No entanto, para o publicitário brasileiro não é favorável que mudanças drásticas sejam feitas nas vésperas de uma campanha eleitoral. “O ideal é que nenhuma alteração seja percebida nesta altura, mas que seja feita antes e de forma progressiva”, alerta, já que importa evitar “criar ruído” e em, última instância, tirar o foco do essencial, neste caso a mensagem eleitoral a pouco mais de dois meses das eleições legislativas de 10 de março.
Cotrim de Figueiredo e a herança da imagem de marca liberal
Rui Rocha — que já tinha mudado de óculos, para uns mais leves, quando chegou à liderança da IL– “parece ainda não estar confortável com esta alteração de imagem”. Quem o destaca ao Observador é Rita Figueiras, investigadora na área da comunicação política, que explica que uma das razões para Rui Rocha tentar ter uma imagem menos “nerd” e “mais clean e sem ruídos” estará relacionada com a pesada herança de carisma, estilo e popularidade deixada pelo seu antecessor na liderança da IL.
A professora da Universidade Católica Portuguesa recorda que o partido tem “pouco tempo de vida” e que durante grande parte desse período teve “uma identidade reconhecida na figura de um líder que estava associado a um projeto mais claro” — João Cotrim de Figueiredo — com uma “imagem boa, forte” e, sobretudo, estreitamente “associada ao partido”. A mudança de líder “veio perturbar” a imagem de marca que os eleitores reconheciam, não só a nível visual, mas também “na sua forma de fazer oposição e na linguagem utilizada”.
Segundo a especialista, mesmo antes da mudança de visual, o atual líder ainda não tinha “uma imagem consolidada” que os eleitores associassem ao partido. “A liderança do partido passou para alguém muito diferente de fazer política, na imagem e na atitude e que agora, em cima dessa estranheza, faz mudanças que podem baralhar ainda mais e perturbar a imagem e a perceção efetiva de quem é o líder da IL”, aponta Rita Figueiras.
A especialista não descarta ainda a possibilidade de alguns eleitores não perceberem que Rui Rocha é a mesma pessoa, mas sem óculos. “Para a maioria das pessoas que dedica menor atenção ou concentração às notícias e à política pode achar que se está a falar de outro partido”, afirma Rita Figueiras.
Os óculos como elemento de campanha de Mitterrand a Jeb Bush
Existe um histórico do uso de óculos como elemento de comunicação política. O presidente francês François Mitterrand usava óculos Maison Bonnet, que se tornaram na sua imagem de marca durante vários anos de governação francesa. Miterrand não gostava, no entanto, do ar pesado que a grossa armação lhe dava e durante programas ou entrevistas televisivas optava por utilizar lentes de contacto. E não é caso único na política francesa.
O sucessor de Mitterrand, Jacques Chirac, acabou por ter uma relação entre a retirada dos óculos e o sucesso eleitoral. As lentes de contacto foram uma espécie de amuleto. Segundo o Le Monde, nos anos 60, o ainda jovem deputado fazia uso deste acessório esporadicamente para transmitir uma imagem mais credível e até envelhecida. No final da mesma década, enquanto ministro de Charles de Gaulle, assumiu os óculos numa base regular e, com eles, uma aparência mais austera. Os óculos davam o que o então jovem precisava: um ar mais sério, mais velho, mais carregado.
Ao longo dos anos e campanhas eleitorais, Chirac variou no estilo de óculos, com cores e estilos diferentes, mas só em 1988, depois de ter falhado duas vezes o cargo de primeiro-ministro e duas eleições presidenciais, tomou a decisão de usar lentes de contacto com o objetivo de rejuvenescer a sua imagem. Sem óculos, teve sucesso: foi eleito presidente de França em 1995. Houve, claro, vários outros fatores a influenciar a eleição, e de forma muito mais significativa, mas fica o registo de que a retirada dos óculos teve sucesso.
Ainda na política francesa, durante os cinco anos de mandato François Hollande manteve os óculos, mas a sua equipa optou por encomendar lentes sem arestas, em que a armação era quase invisível. A ideia era suavizar a imagem e, mais do que isso, simbolizar a “transparência” do mandato. Nesse caso, a polémica foi por os óculos não serem de fabrico francês, já que Hollande optou pela marca dinamarquesa Lindberg. O antecessor de Holladne, Nicholas Sarkozy, também foi aconselhado pela sua equipa de comunicação e imagem a deixar os óculos, mas, nesse caso, os óculos de sol da Ray Ban — pelo ar de “exibicionismo e ostentação” que demonstravam.
Nos EUA, Jeb Bush, candidato à presidência nas primárias republicanas de 2016, foi o protagonista de uma mudança de visual idêntica à de Rui Rocha. O seu adversário Donald Trump utilizou o facto de Bush deixar de utilizar óculos como arma de arremesso político. O mais tarde eleito presidente dos EUA dizia que o seu adversário interno republicano queria “parecer cool”, mas que era “tarde demais”. E atirava-lhe com o fraco resultado num dos Estados: “1% no Nevada”.
Jeb Bush just got contact lenses and got rid of the glasses. He wants to look cool, but it's far too late. 1% in Nevada!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) February 17, 2016
Jeb Bush começou a resistir a tirar os óculos: “Não os vou tirar, não consigo ver sem eles”. No entanto, como lembrava o The Guardian na altura, após ter ficado em 4º lugar com apenas 11% dos votos em New Hampshire, decidiu ceder aos consultores de imagem. E acabou por assumir a escolha. Em entrevista à NBC, Jeb Bush admitia a mudança: “As pessoas diziam: ‘Uau, pareces 20 anos mais jovem’. Então decidi tentar”.
A consultora de imagem Sylvie di Guisto explicava na altura ao The Guardian que, no caso de Jeb Bush, não era boa ideia manter os óculos. É certo que lhe davam um aspeto “inteligente e estudioso”, mas esse não era “o ideal” para um candidato, que, naquele caso, tinha um adversário (Donald Trump) cuja a maior vantagem era o carisma. “Usar óculos é um instrumento para fazermos as pessoas parecerem mais inteligentes. Nesta campanha, o conhecimento não é o foco”, afirmou. Os republicanos não estavam a valorizar a inteligência, mas uma figura com força para bater os democratas nas urnas.
Nessa mesma campanha, do lado democrata, a candidata Hillary Clinton, que habitualmente utilizava óculos, passou às lentes de contacto durante o período eleitoral. A exceção foi mesmo após uma reunião tardia em Las Vegas, já terminada após a meia-noite, em que Clinton se recusou a ceder à ditadura da imagem. Mas foi uma exceção.
A questão é tão valorizada na política americana que Harry Truman, que saiu da Casa Branca em 1953, foi o último presidente a usar óculos a tempo inteiro, embora, como lembrava Sylvie di Guisto ao The Guardian “a maioria deles os utilizasse quando estava na Casa Branca [fora das objetivas] ou em privado”. Há, no entanto, exceções, como o caso democrata Bernie Sanders, em que os óculos fazem parte da imagem que o próprio quer passar. Nesse caso, retirá-los seria um erro.