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Desta vez, não há recuo. Santana Lopes passou o dia em contactos, sempre agarrado ao telemóvel. Desde trocas de e-mails com duas pessoas da sua confiança para ultimar os detalhes até chegar à versão final do texto, passando pela comunicação da decisão a pessoas do seu círculo pessoal. Rui Rio e o secretário-geral do partido, José Silvano, ficaram a saber da decisão de Pedro Santana Lopes na tarde desta sexta-feira. Foi o próprio que fez questão de lhes telefonar a avisar que não havia volta a dar: Santana Lopes pôs assim fim a 40 anos de militância no PSD e comunica a decisão ao partido através de uma carta aberta. Ao Observador, o ex-líder do partido confessa que “é com muita pena” que sai do PSD. E acrescenta: “É com muito entusiasmo que trabalho num novo caminho para fazer bem a Portugal”. Leia aqui os primeiros excertos da mensagem de despedida de Santana, e recorde o percurso de altos e baixos do político que mais vezes foi dado como morto e que mais vezes ressuscitou. A carta, que deixa pistas sobre a nova vida (mais uma) de Santana, será publicada na íntegra este sábado.
Adeus, menino guerreiro.
“Um texto difícil”. É assim que Pedro Santana Lopes começa a carta aberta aos militantes do PSD para se despedir do partido. Foram 40 anos de militância ativa com “momentos únicos” e “extraordinários”, mas o ex-primeiro-ministro também não esconde a desilusão, na hora da saída: “O que constatei foi que o PSD gostava muito de ouvir os meus discursos, mas ligava pouco às minhas ideias“
Na carta, a que o Observador teve acesso, escreve: “Entendo (…) que não faz sentido continuar numa organização política só porque lá estamos há muito, ou porque em tempos alcançamos vitórias e concretizações extraordinárias se, no passado e no tempo que importa, no tempo presente, não conseguimos fazer vingar ideias e propostas que consideramos cruciais para o bem do nosso País”
E dá alguns exemplos de ideias que defendeu ao longo dos anos e sobre as quais, segundo ele, “o PSD nunca quis saber”. Foi assim, garante, na Política Agrícola Comum, na desertificação do interior ou nas críticas ao poder “discricionário” de demissão do governo atribuído ao Presidente da República. “Certas? Erradas? Por mim, defendo, com convicção que estão certas e está mais do que provado que dentro do PSD não merecem acolhimento”, escreve o ex-líder do partido.
Santana Lopes, que em 2004 foi demitido de Primeiro-Ministro pelo Presidente da República Jorge Sampaio, diz que talvez devesse ter-se desfiliado nessa altura, e responsabiliza também o PSD: “Quando destacadíssimos militantes do Partido tudo fizeram para que Jorge Sampaio abolisse a maioria parlamentar legítima e estável por motivos que se «absteve de enunciar». Ou, no ano seguinte, quando o PSD impediu a recandidatura à Câmara Municipal de Lisboa que conquistáramos, a pulso, à maioria de esquerda, quatro anos antes.”
Uma sucessão de decisões que, para o ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foram “graves” e que tiveram “consequências políticas até aos nossos dias.”
Sobre a liderança atual, Santana Lopes não poupa Rui Rio, o “pensamento económico ortodoxo” e a “aproximação ao PS” e lembra os avisos que fez durante as diretas: “Vinha aí uma estratégia de condescendência para com o PS, para mim, um erro grave. Disse, e repeti, que os militantes deveriam rejeitar a via que, de modo mais ou menos explícito, admitia o Bloco Central.”
Apesar de tudo, termina a carta garantindo não guardar rancor: “Não apago estes 40 anos no PPD-PSD a quem desejo sucesso, a bem da Democracia.”
Na carta que endereça aos militantes do PSD, Santana Lopes deixa ainda rasgados elogios a Pedro Passos Coelho, uma “pessoa com grandes qualidades, em vários domínios da vida”. E especifica: “Como líder político, mostrou ser sério, competente, coerente. Como pessoa, distingue-se pela educação e pela integridade.” Embora não o tenha apoiado desde o início, como recorda também na carta, o ex-autarca rapidamente foi convencido.
Não lhe atribui um caminho imaculado – “Não calei essas diferenças, por exemplo, no Congresso de 2014 e no dia da resolução do BES”, escreve -, mas coloca o ex-primeiro-ministro num patamar de excelência e de seriedade, como se tivesse sido o último reduto da social-democracia que defende para o PSD. “Fez um trabalho notável a conduzir o País num período de emergência nacional, tendo conseguido a “saída limpa” que iniciou a recuperação económica”, resume.
Mas o adeus de Passos Coelho ao partido fez com que o PSD se debatesse com um dilema interno, na leitura que Santana Lopes retrospetivamente. “Com a sua saída, o quadro passou a ser outro. Tinha de lutar pelo que preconizo há décadas. Por isso, decidi candidatar-me à liderança do PPD/PSD e deixar funções na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Foi uma opção difícil”, pode ler-se na longa carta. Se não houvesse este confronto, admite, ”teria continuado como Provedor da SCML”.
O novo partido
Embora não assuma de forma explícita, em nenhum momento da missiva, que pretende criar uma nova formação partidária liberal, confirmou ao Observador que esse é o caminho que vai seguir. O nome do novo partido ainda não está escolhido mas uma coisa é certa: não se chamará Partido Social-Liberal (PSL). “Até gosto da ideia de social-liberalismo”, afirma, mas recusa a ideia de ter uma entidade política com as iniciais do seu próprio nome.
“A Política deve ser lutar por aquilo em que acreditamos ser o melhor para a Comunidade de que fazemos parte. Sonho com um País em que a Cultura, o Ambiente, a Inovação, a Investigação, o Mar, sejam verdadeiras prioridades, orçamentalmente assumidas e, antes disso, assumidas na consciência nacional”, escreve. Ou seja, deixa aqui as primeiras pistas sobre aquilo por que se vai bater na nova formação política. O objetivo também lá está: “contribuir para dar força à alternativa de que Portugal precisa para substituir a maioria de esquerda”.
“Quero intervir politicamente num espaço em que não se dê liberdade de voto quando se é confrontado com a agenda moral da extrema – esquerda”, diz ainda Santana Lopes, que se manifestou, por exemplo, contra a liberdade de voto dada por Rui Rio aos deputados do partido na votação sobre a eutanásia. “O caminho que estou a seguir, sem me resignar, é o que me faz estar bem com a consciência”, resume antes de esclarecer: “Os laços pessoais estão noutro plano”. E foram muitos os que criou no PSD, como recorda.
Crónica de um adeus (algumas vezes) anunciado
Numa entrevista à revista Visão, em junho, Santana Lopes já tinha anunciado que a sua “intervenção política no PSD” tinha terminado. “Acabou, mas acabou mesmo”, afirmou então, revelando alguma desilusão com o partido e dando a entender que desta é que a desvinculação podia mesmo vir a acontecer. E aconteceu mesmo. Comparando a sua relação com o partido a uma relação entre duas pessoas, ironizou: “deixámos de viver juntos”. Num tom mais sério, reconheceu que era “doloroso” chegar a esta conclusão.
Nessa altura, o anúncio apanhou os sociais-democratas de surpresa. Santana Lopes não tinha falado com quase ninguém sobre a decisão de se afastar do PSD. Eram poucas as pessoas que sabiam que ia dar uma entrevista – e entre elas estavam Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa – e menos ainda as que tinham conhecimento do seu conteúdo. Mesmo dentro do seu inner circle a notícia caiu como uma bomba.
No entanto, houve quem tivesse desvalorizado a intenção do ex-presidente do PSD. Afinal de contas, não era a primeira vez que a possibilidade de sair do partido para criar uma nova entidade partidária o assaltava, como o próprio reconheceu nessa entrevista. Embora tenha sentido o desejo de se afastar algumas vezes ao longo do tempo, Santana Lopes não chegou a concretizar essa sua vontade.
Nem em 2011, quando, segundo Pacheco Pereira, o ex-autarca de Lisboa e da Figueira da Foz o contactou para tentar formar um novo partido. O encontro entre os dois aconteceu num hotel de Lisboa, segundo o comentador. Quando começaram a falar, Santana Lopes terá dito que “queria fazer um outro partido”. O motivo seria o facto “de haver uma transição de pessoas que o enojava”: apoiantes de Manuela Ferreira Leite que passavam a estar ao lado de Pedro Passos Coelho. “E isso levava-o a considerar que o PSD estava morto, já não tinha salvação”, explicou ainda Pacheco Pereira.
Pacheco Pereira revela que rejeitou convite de Santana para fundar um novo partido em 2011
Confrontado com estas declarações, na última semana de campanha para as diretas do PSD, o candidato que acabaria por ser derrotado negou. E acrescentou: “Vejam ao ponto que chega para tentar denegrir, denegrir, denegrir”, recusando liminarmente a afirmações de Pacheco Pereira.
A capa d’O Independente que lançou o mito
Depois do anúncio de que se iria afastar do PSD, começou a circular na redes sociais uma manchete d’O Independente, de 10 de agosto de 1996, que dava conta da intenção de Santana Lopes abandonar o partido e criar uma nova formação. “Pedrada”, foi o título escolhido.
Em traços gerais, a informação que acompanhava o gritante título podia ter sido escrita esta sexta-feira, 22 anos depois da sua publicação. Agora, como nessa altura, há legislativas no próximo ano, existe uma preocupação por crescer num espaço à direita que ainda não foi ocupado por nenhum partido – o liberalismo ou social-liberalismo -, uma descrença em relação ao PSD e a intenção de não ficar parado. Até mesmo o contexto: descontentamento em relação aos partidos e vontade de sair depois de ter perdido umas eleições diretas. Então, foi contra Marcelo Rebelo de Sousa. Este ano, contra Rui Rio. Detalhes, porque na prática está lá tudo isto, como agora nesta carta. A diferença: em 1996 o que se anunciava na capa não chegou a acontecer. E, segundo Santana Lopes, nem sequer era verdade.
Há cerca de um mês, questionado sobre a capa, nova negação. “Não há uma declaração minha [na peça]”, afirmou no seu espaço de comentário na SIC Notícias no dia 3 de julho. Havia uma história por trás daquela manchete que ainda não tinha sido contada, mas que Santana Lopes revelou em sua defesa.
Segundo as palavras do ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o então diretor do jornal, Isaías Gomes Teixeira, telefonou-lhe para o informar de que aquela seria a manchete daquela semana, ainda que não tivesse mais do que um feeling de que era o que ia acontecer. No fim da chamada, quis saber se Santana Lopes queria comentar a notícia. “Na altura apenas disse: não comento isso”, garantiu. A história foi publicada na mesma mas nunca confirmada pelo próprio.
Apesar de ter sofrido alguns avanços e recuos, de ter estado umas vezes nos píncaros e outras no subsolo, de ter tido fases de paixão e de desespero, a relação de Santana Lopes com o PSD manteve-se sempre ao longo do tempo. Com mais ou menos tremeliques, aguentou-se. Até esta sexta-feira, dia em que o enfant terrible, pupilo de Sá Carneiro, decidiu colocar um ponto final na relação com o seu PPD/PSD. Vem aí o novo partido de Santana Lopes. E ele vai mesmo andar por aí.
A última corrida dentro do PSD
Poucas serão as personagens que tantas vezes morreram e ressuscitaram na política como Santana Lopes. Pelo PSD, foi assessor de Sá Carneiro, deputado, eurodeputado, secretário de Estado, Presidente da Câmara da Figueira da Foz e de Lisboa, primeiro-ministro e líder do partido. Tentou ser presidente por três vezes sem sucesso: em 1996 contra Marcelo Rebelo de Sousa, em 2008 contra Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho e em 2018 contra Rui Rio. Perdeu ainda umas legislativas contra o PS de José Sócrates, em 2005, e uma corrida à Câmara Municipal de Lisboa contra António Costa, em 2009. Em 2016, recusou ser candidato à autarquia da capital nas eleições de 2017.
Vitórias e derrotas, no partido e no país. A última corrida foi às eleições diretas de janeiro, que perdeu. Uma corrida em que o próprio não se imaginava a participar, numa fase inicial. Garantem fontes sociais-democratas que estiveram com ele em diversos momentos da sua vida política que Santana Lopes não contava ter de disputar a liderança do partido. Mais rapidamente o viam a entrar numa corrida a Belém.
Foi apenas depois de Luís Montenegro e de Paulo Rangel terem recusado avançar contra Rui Rio, e depois do anúncio de não-recandidatura de Passos Coelho, que os radares sociais-democratas voltaram a lembrar-se do “menino guerreiro.” Os contactos de incentivo começaram a chegar em catadupa ao telemóvel do ex-presidente do PSD, que rapidamente entendeu que havia uma grande franja do partido que estava disposta a apoiá-lo caso decidisse avançar para as eleições diretas.
Depois de uma ponderação de poucos dias, Santana Lopes anunciou que era candidato. “Vim para clarificar”, explicou quando formalizou a candidatura, a 22 de outubro de 2017, em Santarém. Foi das primeiras frases que proferiu desde que assumiu que queria concorrer contra Rui Rio e repetiu-a incessantemente ao longo da campanha. Agora, e com uma visão mais distante dos acontecimentos, pode ler-se nas entrelinhas que se tratava verdadeiramente de um ultimato.
A campanha foi crispada, tendo como momentos mais marcantes os debates, em que tanto Rui Rio como Santana Lopes se criticaram mutuamente, trazendo para a discussão momentos do passado. Das “trapalhadas” aos elogios a António Costa, houve várias acusações de parte a parte com o objetivo de denegrir adversário.
Nas urnas, no dia 13 de janeiro deste ano, a divisão que se tinha sentido ao longo de toda a campanha confirmou-se: 54% dos militantes votaram em Rui Rio e 46% preferiram depositar a sua confiança em Santana Lopes. Desiludido com o resultado mas satisfeito com a campanha, o ex-autarca anunciou que iria continuar “por aqui”, mais do que “por aí”.
No congresso que se realizou no fim de fevereiro, os dois candidatos tentaram dar sinais de unidade, ajudando a acalmar as ameaças de oposição interna que pairavam sobre o 37º Congresso laranja. Entraram juntos no Centro de Congressos da antiga FIL, em Lisboa, sentaram-se ao lado de Passos Coelho e apresentaram uma lista conjunta ao Conselho Nacional do PSD. A ideia era mostrar que as feridas estavam saradas e que havia um valor maior que se levantava: o próprio partido.
Santana Lopes encabeçou essa lista conjunta e conseguiu incluir vários nomes no elenco apresentado. No entanto, e apesar de terem conseguido a vitória, os resultados não foram esmagadores: 34 conselheiros em 70. A divisão que se tentava encapotar com um congresso em nome da unidade não conseguiu ser disfarçada, nem pelos discursos pretensamente conciliadores.
Os sinais de unidade acabaram aí. Santana Lopes e Rui Rio falaram poucas vezes desde a reunião magna do partido e o desagrado com o projeto do novo líder e com o PSD em geral foi crescendo no ex-autarca. O primeiro sinal público desse descontentamento surgiu num comentário na SIC Notícias, em que disse que era necessário que “Rui Rio inaugurasse a liderança do PSD”. A atitude do sucessor de Passos Coelho não se alterou e o sentimento de Santana Lopes também não. Em maio, abdidcou do seu lugar no Conselho Nacional. Um gesto simbólico, já que por ser ex-presidente tinha lugar por inerência no órgão máximo entre congressos. A renúncia pretendia mostrar o desagrado em relação ao rumo que estava a ser seguido.
O ponto final foi colocado na entrevista à Visão, em que anunciou o seu afastamento. Fica concluído agora, com a oficialização da sua saída e com o anúncio da criação de um novo partido. Os próximos passos serão dados ainda durante o verão. Uma sondagem recente SIC/Expresso revelou que há 4,8% de portugueses disponíveis para votar no novo partido de Santana Lopes. Dados que, sabe o Observador, animam o – a partir de agora – ex-militante do PSD. Se lá chegar, às legislativas, as urnas dirão se estes dados se adequam ou não à vontade dos eleitores.