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Luís Filipe Vieira, Nuno Vasconcellos, Bernardo Moniz da Maia e João Gama Leão, os "devedores" no centro do inquérito ao Novo Banco
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Luís Filipe Vieira, Nuno Vasconcellos, Bernardo Moniz da Maia e João Gama Leão, os "devedores" no centro do inquérito ao Novo Banco

Luís Filipe Vieira, Nuno Vasconcellos, Bernardo Moniz da Maia e João Gama Leão, os "devedores" no centro do inquérito ao Novo Banco

Segredos, histórias mal contadas e vídeo. As revelações sobre os grandes devedores do Novo Banco

Inquérito parlamentar ao Novo Banco levantou o sigilo sobre os créditos dados aos grandes devedores. O que ficámos a saber sobre Luís Filipe Vieira, Moniz da Maia, Gama Leão e Nuno Vasconcellos?

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Uns são oriundos de famílias com fortuna e nome — as elites — outros são self-made men que vieram de baixo e prosperaram até cair, pelo menos num caso, ou até sofrerem um forte abalo. Têm em comum dívidas de centenas de milhões de euros que se foram acumulando, renovando, prolongando e reestruturando e um rasto de perdas no Novo Banco que alastrou ao mecanismo de capital (que foi criado também para lidar com os seus casos de risco e recuperação duvidosa). Os contornos destas operações deviam estar cobertas pelo sigilo bancário, mas os poderes da comissão parlamentar de inquérito levantaram o segredo e colocaram cá fora muita informação, alguma da qual ainda suscitou mais dúvidas.

Alguns usaram crédito para comprar ações, outros admitem que compraram empresas ou entraram em negócios para fazer um favor (ao GES, ao BES ou diretamente a Ricardo Salgado) e tirar do balanço ativos incómodos para o banco/grupo. Uns assumem a responsabilidade pelo “calote”, outros dizem que a dívida era de empresas que deixaram falir (em processos que suscitaram investigações em alguns casos). E quase todos, sobretudo depois de ouvirem o primeiro, dizem que são diferentes dos outros e culpam a crise e os bancos, o BES e o Novo Banco, pelo desfecho dos seus negócios.

Um deles nega qualquer perdão, garante que fez tudo o que banco pediu, entregou o património, mas vai ser preciso esperar mais de 10 anos para fazer as contas. É por este, que segundo o próprio está em cumprir, que começamos, até porque é o devedor mais famoso do Novo Banco. Para os que o atacam foi um trunfo, mas para Luís Filipe Vieira é a única razão pela qual foi chamado à comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, em pé de igualdade com os outros devedores que não pagam.

Luís Filipe Vieira: o que os seus negócios têm a ver com o BES e o Benfica

O empresário do setor do imobiliário acumulou uma dívida de mais de 450 milhões de euros ao Novo Banco, que — por larga margem — foi o principal financiador dos seus negócios. De acordo com uma auditoria da Deloitte, esta exposição gerou perdas de 225 milhões para o banco. A perda para o Fundo de Resolução foi, até agora, de 181 milhões de euros.

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Ao descrever-se a si próprio, Luís Filipe Vieira conta uma história de superação. Começou a trabalhar aos 14 anos como paquete. Entrou no negócio dos pneus e daí saltou para a construção e imobiliário. O grupo Promovalor, que arrancou com 35 milhões de euros do seu próprio capital —  “Não foi dinheiro dos bancos, foi tudo do meu trabalho. Dinheiro meu e não da banca” — chegou a ter ativos de 750 milhões de euros no final da década passada. Vieira diz que se afastou da gestão diária para se dedicar mais à presidência do Benfica quando o clube atravessou um momento difícil. Apesar de sempre ter dependido de dinheiro emprestado pelo BES, que financiou a primeira grande aquisição na Matinha na viragem do século, Vieira deixou a garantia:

"A minha vida não foi criada pelo BES, nem pela vinda para a presidência do Benfica".
Luís Filipe Vieira, na audição na comissão de inquérito ao Novo Banco, no dia 11 de maio

O empresário diz-se ainda vítima de “mentiras e especulações” pelo facto de ocupar o cargo de dirigente do Benfica e aponta o dedo a incógnitos: “No campo de certas elites não perdoam duas coisas: o ter vindo do povo e de ter vencido no Benfica”. Há gente que anda a passear, têm iates, têm aviões, pediram insolvência…. aos milhões. E quem tentou fazer contas para aquilo que deve e deu a cara tem de vir a interrogatório”. Mas “eu dei a cara, não fugi, nunca vou fugir.” Não foge…, mas também diz: “não vou delapidar o meu património”.

Os negócios de Luís Filipe Vieira têm tido protagonismo no quadro dos credores Novo Banco, sobretudo porque — ao contrário dos outros devedores chamados — o seu caso ainda tem a conta aberta, por assim dizer. Isto porque, em 2017, foi feita uma reestruturação com pressupostos e metas para a recuperação do passivo a longo prazo, cujo resultado final ainda não é possível antecipar. Mas já há pistas:

Na audição ao gestor que ficou a gerir o património imobiliário que o empresário entregou ao Novo Banco, Nuno Gaioso admitiu que a sociedade não deverá conseguir cumprir a primeira tranche de reembolso de 60 milhões de euros prevista para 2022, o que deverá originar um adiamento. Os ativos sob gestão também sofreram desvalorizações — mais de 50% no caso dos imóveis do Hotel de luxo no Brasil e da torre de escritórios em Maputo (Moçambique) — tendo gerado perdas de 39 milhões e 83 milhões de euros nos dois primeiros anos de atividade.

O presidente do Conselho de Administração do Novo Banco, António Ramalho, fala perante a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, na Assembleia da República em Lisboa, 19 de maio de 2021. TIAGO PETINGA/LUSA

Na sua audição, António Ramalho assumiu que foi Luís Filipe Vieira a condicionar a escolha da sociedade que ficou a gerir o património entregue ao banco

TIAGO PETINGA/LUSA

Ficou também confirmado que nesta operação — em que os ativos imobiliários de Luís Filipe Vieira foram passados para um fundo, quase todo detido pelo Novo Banco, mas gerido por terceiros — a escolha da sociedade gestora foi imposta pelo devedor ao credor. “Tínhamos de aceitar uma solução com alguém da confiança de Luís Filipe Vieira. Ou não se podia fazer”, afirmou António Ramalho. O presidente do Novo Banco defendeu a reestruturação como sendo menos má das soluções. O banco não queria imóveis e “não tinha interesse em provocar a insolvência da pessoa (Vieira). Demonstrava força, mas não era a solução mais inteligente.” “Tínhamos de aceitar uma solução com alguém da confiança de Luís Filipe Vieira. Ou não se podia fazer”.

A reestruturação levou o Novo Banco a meter mais 12 milhões de euros nas empresas para assegurar o desenvolvimento dos projetos, a que somam mais cinco milhões de euros colocados por Vieira. Mas, segundo Ramalho, permitiu um reforço de garantias com património de 80 milhões de euros. A reestruturação envolveu 220 a 250 milhões de euros de dívidas agarradas a ativos avaliados em 130 milhões de euros, o valor das unidades de participação do fundo que ficou a gerir os imóveis do empresário (um fundo que o Novo Banco controla a 96%). A exploração destes imóveis devia libertar fundos para reembolsar o Novo Banco num prazo de 15 anos, mas a primeira prestação de 60 milhões, devida em 2022, será adiada.

Esta solução a prazo é mais vantajosa do que seria uma execução, defendeu Ramalho, como, aliás, reconhece o Banco de Portugal num parecer de 2018. Ainda falta conhecer o resultado da auditoria pedida pelo Fundo de Resolução e saber o que vai acontecer aos VMOC (valores mobiliários convertidos em capital) de 160 milhões de euros que vencem em agosto — e para os quais Vieira não terá recursos. O banco já os deu como perdidos, mas António Ramalho não quis abrir o jogo sobre o que vai fazer quando tiver de optar por converter os títulos em capital das empresas falidas do presidente do Benfica.

A Imosteps é a transacção que mais dúvidas levanta, em particular pelo tipo de ligações que Vieira terá tido com o BES de Ricardo Salgado.

Descrita como um simples veículo para deter ativos no Brasil, quando a Imosteps chegou ao conhecimento do atual presidente do Novo Banco já era “uma empresa razoavelmente perdida”. A sociedade tem direitos de construção na Barra da Tijuca (uma das zonas ricas do Rio de Janeiro) e dois terrenos para cemitérios, descreveu António Ramalho na sua audição. O banco foi fazendo todo um esforço para conseguir a sua recuperação. Mas a certa altura, decidiu colocar o crédito à venda porque achava que “é muito difícil, a partir de Lisboa, gerir cemitérios no Brasil”.

Apareceram dois interessados, o Novo Banco escolheu um. A operação foi ao Fundo de Resolução e foi recusada, “provavelmente por razões reputacionais”. O interessado era José António dos Santos, o dono da Valouro que é sócio do presidente do Benfica em outros negócios, para além de grande acionista da SAD encarnada. “Eu respeito o Fundo de Resolução e defendo-o: porque o Novo Banco não pode recusar vender ativos só porque é a um amigo [referência ao “rei dos Frangos”, amigo de Vieira”, não pode fazer juízos de valor sobre o comprador, porque o dinheiro não é meu — é dos depositantes”, admitiu António Ramalho.

O resto da história tinha sido contado por Luís Filipe Vieira. A dívida de 54 milhões de euros foi vendida, no pacote de créditos, por seis milhões de euros a um fundo e acabou comprada pelo sócio e amigo, por oito milhões de euros, que assim poupou dois milhões (face à proposta inicial feita ao banco). Vieira admite que recomendou esta transação a José António de Santos (que também ficou com o aval associado do empresário) porque eram terrenos… “fantásticos”.

Segundo o empresário, a dívida da Imosteps nem era sua. Só ficou com as ações que eram da Opway (construtora do GES) para fazer um favor a Ricardo Salgado, pelo qual seria remunerado (não se sabe quanto). O objetivo era o de tirar partido da experiência de Vieira no Brasil, onde já estava a investir com a Odebrecht, para desbloquear os direitos de construção nos terrenos junto das autoridades locais. O que foi conseguido sem que Vieira explicasse como — apesar da referência feita a viagens pagas a responsáveis da administração local e estadual do Rio de Janeiro para ver jogos de futebol. A empresa deveria ter sido devolvida ao BES/GES, mas o colapso do grupo travou esta operação. “A Imosteps foi um erro meu. A dívida não era minha”.

Os contornos por esclarecer não ficam por aqui. A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua confrontou Luís Filipe Viera, António Ramalho e o presidente do Fundo de Resolução com uma operação suspeita. Um documento do Novo Banco diz que um crédito de sete a oito milhões de euros à Imposteps foi desviado para contas pessoais do acionista. Luís Filipe Vieira garante que nunca levantou dinheiro nenhum. António Ramalho referiu um crédito de 7 a 8 milhões de euros que chegou a ser utilizado numa consolidação de dívidas de Vieira, há muitos anos, mas não adiantou mais detalhes.

Situação pessoal: Luís Filipe Vieira deu o seu aval pessoal ao Novo Banco, mas António Ramalho defende que este vale mais se não for executado. Uma primeira avaliação só encontrou uma casa para palheiro com logradouro. Confrontado com esta informação pela deputada do Bloco de Esquerda, Vieira contestou e disse ter mais, mas não quis revelar o quê. “Qual é a necessidade [de revelar o meu património]? Estou a cumprir”.

No entanto, acrescentou que vive bem. “Tenho uma boa reforma”, e outros negócios (para além de 3% do famoso fundo) e até recebeu mais de dois milhões de euros do Fisco. O presidente do Novo Banco deu mais detalhes. Na segunda análise ao património do presidente do Benfica, “encontrámos uma moradia. E uma loja em Alverca do Ribatejo”. Ramalho congratulou-se com as declarações de Vieira na CPI sobre o seu património: “Oxalá que sim! Isso é bom para nós”.

João Gama Leão, o empresário que não quer ser confundido com a elite apesar do Aston Martin

"Quem não nasceu com o apelido Espírito Santo tem de ir à luta, se não não faz nada. E não há outra maneira de crescer, sem risco".
João Gama Leão, na audição a 6 de maio no Parlamento

Porventura o menos conhecido dos devedores chamados ao Parlamento, Gama Leão também vestiu a pele de um self-made man e assumiu ter-se deixado deslumbrar com um momento de maior proximidade a Ricardo Salgado. O então presidente do BES/GES convidou-o para almoçar — depois de Gama Leão ter investido na Espírito Santo Internacional — para lhe dizer que: a “família nunca esquece quem nos ajuda”. “Com 35 anos — hoje pode parecer ridículo — mas altura foi dos momentos altos da minha carreira”, afirmou aos deputados.

O empresário começou a sua intervenção no Parlamento com uma defesa agressiva. “Aceito um rótulo de grande devedor. Eu não aceito é que me comparem com esta elite podre que tem vindo cá. Isso não aceito. Porque essa gente endividou-se para comprar ações, para fazer tudo, para manipular o mercado, e para servir o Dr. Ricardo Salvado. Eu endividei-me para recuperar empresas, expandir negócios e internacionalizar empresas portuguesas. Não gostava de ficar para a história com um rótulo igual”.

O grupo Prebuild, com sede em Braga, foi construído em poucos anos a partir do setor da construção em Angola e assente numa estratégia agressiva de compra de empresas em dificuldades. Segundo o seu fundador, a empresa começou a fazer os trabalhos de construção que as grandes não queriam fazer em locais mais remotos em Angola, onde as condições eram muito difíceis. Daí chegou a Luanda e aos contratos com a empresa estatal Sonangol para a construção de 40 hotéis, que serviram também de passaporte para Portugal e, mais tarde, para outros países.

Não se fica a perceber bem quanto desta história de sucesso se ficou a dever a relações com a elite angolana, nomeadamente o “sócio” forçado Cláudio Dias dos Santos (filho do então presidente da Assembleia Nacional de Angola) em nome de quem ficou a empresa, porque — diz Gama Leão — não tinha ainda autorização de residência angolana. As empresas angolanas de Gama Leão foram também beneficiárias da política generosa de crédito do BESA. O empresário não foi esclarecedor sobre estas dívidas, mas a deixa serviu para uma das frases inesquecíveis da audição, quando descreveu a Poker Face de Ricardo Salgado ao contar-lhe dos problemas do banco em Angola.

Nas palavras de Gama Leão, a Prebuild era um grupo que chegou a empregar mais de 6.000 pessoas e teve 12 fábricas. Era um grande exportador e esteve em Portugal, Angola, Argélia e Colômbia. Os problemas resultaram de uma crise de crescimento e da falta de ar (liquidez) das empresas quando as coisas começaram a correr mal e o BES tinha já dado lugar ao Novo Banco, cuja gestores eram claramente menos tolerantes ao seu estilo de gestão agressiva e com apetite pelo risco. A carreira de Gama Leão fica marcada por um percurso acidentado e curto — da chegada ao topo à falência pessoal terá durado pouco mais de dez anos.

A história vista do lado do banco tem contornos mais obscuros e até levou a uma participação ao Ministério Público por práticas irregulares e suspeitas, revelou o antigo diretor de auditoria interna do Novo Banco. Mais explícito, Daniel Santos, o diretor para a recuperação de créditos às empresas, descreveu um circuito das exportações com destino a Angola com pontos de fuga dos empréstimos concedidos. O banco libertou à cabeça  mais de 200 milhões de euros, via cartas de crédito abertas no BESA, mas só 40 milhões de euros foram efetuados em contratos com o banco. O grupo usava as empresas em Portugal — como a Cerâmicas Aleluia — para vender material de construção às empresas que tinham obras em Angola e isso contava como exportação. Mas nem sempre as empresas fornecedoras, a fábrica de Aveiro, recebiam o valor das encomendas.

António Ramalho contou que o nível de operações de “trade finance” praticados anteriormente com o empresário da construção civil “eram muito maiores do que volume de negócios do cliente” e que, quando assim é, estamos na presença de “transferências de fundos sem qualquer base assente na realidade”.

António Ramalho confirma que a aquisição da Cerâmicas Aleluia (ao grupo GES) enquadrou-se numa lógica que existia de “aquisições de favor”, em que o empresário em causa ficava com ativos problemáticos do banco, mas a pedido. “Houve a perceção de que as aquisições feitas por favor estavam a ser aproveitadas [pelo banco] para desnatar um pouco dos ativos existentes”. A expetativa era que a Prebuild relançasse a empresa como exportadora, o que não se verificou.

Quando a Prebuild chegou à mesa de reestruturação do Novo Banco, depois de 2014, a única empresa que se mantinha viva era a Aleluia, que o banco recuperou neste processo. Mas a empresa estava desnatada e tinha uma faturação empolada em 19 milhões de euros para, segundo Daniel Santos, esconder a gestão danosa. Até os trabalhadores pediram ao Novo Banco para retomar a unidade, que foi vendida a um fundo de capital de risco.

A história da ascensão e queda de Gama Leão é feita dos confrontos com os que passaram de parceiros de negócios a adversários e até perseguidores. Desde a família Espírito Santo — que Gama Leão elogia, mas que ao mesmo tempo acusa de lhe querer ter ficado com o dinheiro — passando pelo Novo Banco… e pela saga da Cerâmicas Aleluia e pela execução pessoal que, afirma, foi a certidão de óbito para o seu “jovem” grupo.

Com uma dívida de mais de 300 milhões de euros, a reestruturação levou à retoma das Cerâmicas Aleluia, vendida a uma empresa de capital de risco. O grupo, que incluía a Levira, a Viúva Lamego e Aleluia, esteve em PER, tendo o Novo Banco avançado com pedido de insolvência em 2019. Os negócios em Angola terão ficado em nome do irmão, que era sócio minoritário.

As lutas de Gama Leão passam também pelo sócio de conveniência angolana, Cláudio Dias dos Santos, que acusa de lhe ter dado um 2420 [um ultimato,em código, para sair rapidamente de Angola: 24 horas e 20 quilos de bagagem de porão] para lhe usurpar as empresas em Angola. Mas também passa pelo episódio insólito que contou sobre o seu envolvimento com o grupo Santo Domingo, que foi seu parceiro na Colômbia. O empresário diz que grupo fez tudo para o “expulsar” da Colômbia plantando notícias negativas nos órgãos de comunicação que controlava por razões reputacionais.

Gama Leão não escapa a alguns dos clichés que recaem sobre os self-made men. Quando lhe perguntavam se andava de Ferrari, justifica: “Quando regresso a Portugal, os velhos do Restelo diziam sempre: João não ostentes. E esses mesmos Velhos do Restelo — e eu não sou pessoa de ostentação — eram os mesmos que guardavam dinheiro na Suíça e depois andavam de carro fraco em Portugal”.

Sobre os carros de luxo atribuídos ao dono da Prebuild, António Ramalho manifestou:  “Quando vejo a lista de automóveis das empresas das empresas de Gama Leão. Com aquele tipo de automóveis de serviço. Era Aston Martins e outros. Eu também gosto de carros, mas aquilo…”. Questionado sobre se executou algum responsável das empresas de Gama Leão, Ramalho responde afirmativamente. “O banco executou toda a gente, mas já não estavam lá os carros…”

Situação pessoal: Dos devedores chamados, João Gama Leão é o único que foi alvo de uma execução pessoal por por parte do Novo Banco devido a uma dívida de 84 mil euros de um cartão de crédito cujo colateral eram ações do BES (entretanto sem qualquer valor). “Foi uma burla”, acusou. O empresário conta que teve de viver na casa da sogra no Brasil e que foi contratado, recentemente, como consultor por um investidor americano para procurar oportunidades de investimento em Portugal e Espanha. Vive em Madrid e indicou que uma parte do seu salário fica retida todos os meses.

Moniz da Maia. O nome, um investimento desastroso e o que fugiu ao banco

O grupo Moniz da Maia era um dos maiores devedores do Novo Banco, com uma dívida de 550 milhões de euros, e um dos que gerou mais perdas para o banco: 405 milhões de euros, de acordo com número dado por António Ramalho. É ainda o recordista (até agora) das perdas levadas ao Fundo de Resolução: 270 milhões de euros.

"Essa (Moniz da Maia) era uma família que tinha muito dinheiro e estourou o dinheiro no investimento suicida no BCP”
António Ramalho, presidente executivo do Novo Banco na comissão de inquérito a 19 de maio

Bernardo Moniz da Maia fará parte da tal elite que Gama Leão repudiou no início da sua audição. Principal rosto da família com o mesmo nome foi o gestor de um património que chegou a valer mais de 500 milhões de euros, segundo contou. O grupo empregou mais de 5.000 pessoas e para além de controlar uma das construtoras mais antigas em Portugal, a MSF — que foi parar à insolvência em 2018 — , foi acionista de outras grandes empresas e fundador do BCP. Tinha mais de 70 anos de história.

A história contada aos deputados começa precisamente no BCP e no investimento que a família decidiu fazer nos bastidores da guerra de controlo pelo banco em 2006/2007, alinhado com Paulo Teixeira Pinto.

Para financiar esta compra, contraiu o primeiro empréstimo junto do BES: 330 milhões de euros. A família Moniz da Maia era também investidora da Espírito Santo Internacional, a holding da família Espírito Santo, uma situação que poderá ter favorecido a torneira do crédito no antigo BES. Na narrativa de Moniz da Maia, que se auto-definiu como estratega (era administrador de quase todas as empresas, mas não era operacional), os problemas começaram com a queda em bolsa do BCP, acentuada pela crise financeira de 2008.

Ainda no tempo do BES, e constatada a impossibilidade de cumprir a dívida garantida apenas por ações desvalorizadas, o grupo entregou outros ativos como garantias, nomeadamente empresas florestais no Brasil. Só que esta renegociação conduziu a um aumento da exposição do banco, que se comprometeu a garantir um project finance para desenvolver um projeto agro-industrial no valor de 150 milhões de euros.

Segundo Moniz da Maia, só em 2014 o grupo entrou em incumprimento, mas essa versão foi desmontada pela deputada Cecília Meireles (CDS-PP). Tal como já tinha destacado na audição a Luís Filipe Vieira, também neste caso foram sendo feitas reestruturações com perdões de juro e adiamentos do pagamentos de prestações. Além da perda de valor das ações do BCP e do grupo Espírito Santo que estavam dadas em garantias, Moniz da Maia apontou para a má publicidade que a colagem ao caso BES trouxe ao grupo no Brasil como um dos percalços que abanaram mais os negócios.

O maior dano reputacional não veio do BES. Em 2016, o seu nome surgiu na lista de foragidos da justiça brasileira na sequência de uma investigação a apoios prometidos por vários estados brasileiros à instalação de um laboratório de investigação florestal. Moniz da Maia garante que foi um mal-entendido e que as autoridades brasileiras sabiam onde o contactar. Foi menos claro sobre o que aconteceu a esta investigação, que teve como consequência o arresto das contas bancárias, as suas e a das empresas. Segundo o empresário, foi para contornar este bloqueio financeiro e manter as empresas operacionais que as alienou a terceiros (mas seus conhecidos).

Esta operação coincidiu com mais uma negociação da dívida, agora no Novo Banco, na qual Moniz da Maia mostrou abertura para entregar como colaterais os tais ativos brasileiros, o que inviabilizou a reestruturação da dívida. A deputada Mariana Mortágua desconfia que foi uma venda fictícia para desviar estes ativos de uma entrega ao Novo Banco em compensação pela dívida. Moniz da Maia admitiu que tem uma opção para os recomprar, mas desvaloriza o que recebeu, porque os compradores deixaram de pagar (o que só reforça as suspeitas sobre os reais motivos da operação).

Mas foi por causa da tentativa, frustrada, do Novo Banco para agarrar ativos em Portugal que Bernardo Moniz da Maia acabou por ser comparado a Joe Berardo, com a acusação de um ter montado um plano para fugir ao pagamento da dívida. Isto porque foram feitos vários aumentos de capital em sociedades industriais que a holding do grupo controlava, a Sogema, e cujos ativos podiam servir para reforçar colaterais ao Novo Banco. Com estas operações, as empresas mudaram de controlo acionista e ficaram de fora da rede de garantias do banco.

Para o presidente executivo do banco, António Ramalho, essas operações foram feitas de forma fraudulenta e por isso o banco tentou anulá-las, mas juridicamente têm validade e resultaram na diluição do direito do banco a esses ativos. Para além de uma empresa industrial em Aveiro, estavam também em causa propriedades imobiliárias em Portugal, nomeadamente na Quinta de Santo Estevão (Mata do Duque) e Aroeira.

Ramalho assume que a tentativa de reestruturar a dívida da Sogema, ao invés de executar, foi uma má decisão. Mesmo com falta de informação, era evidente que se tratava de uma estrutura empresarial desestruturada. Havia um parecer do risco a alertar para o desconhecimento de relatórios de gestão e de auditoria. “Eu próprio fique convencido que ia conseguir mais imóveis — já são poucos, estamos a falar de Santo Estevão, que valeria 40 a 50 milhões de euros — mas aconteceu uma coisa inesperada: em vez obtermos mais garantias, fomos enganados com aumentos de capital”.

O caso foi para tribunal, mas o banco chegou à conclusão de que não valia a pena entrar numa guerra jurídica e optou por vender, por seis milhões de euros.

O banqueiro destacou as tentativas feitas para reestruturar a dívida do grupo e que passaram pelo envolvimento do banco na gestão do projeto no Brasil, a que chamou de PPP (parceria público privada) do pinheiro. Moniz da Maia acusou o Novo Banco de ter suspendido o financiamento a este projeto que tinha sido contratualizado com o BES. O grupo ainda tentou negociar um acordo para pagar 100 milhões de euros da dívida em 15 anos, com o cash-flow do Brasil, mas para isso era necessário que o banco continuasse a financiar este projeto. O que não foi aceite. Ramalho insiste que, na tentativa de recuperar o crédito, o banco até investiu algum dinheiro, mas “depois vieram os bloqueios de contas, depois veio o incêndio, depois veio a praga, depois vieram os sem terra. Foi uma sucessão de catástrofes”.

Apesar da sucessão de catástrofes e dos acontecimentos “estrondosos e imprevisíveis”, como a queda do Lehman Brothers e a do BES (seis anos mais tarde), Bernardo Moniz da Maia não deixou de assumir a responsabilidade pela dívida contraída pelo grupo na audição. “O grupo atuou sempre de boa fé”, salientou.

Situação pessoal. O que sobrou? Segundo o próprio, meia dúzia de participações empresariais que valem zero, apesar de receber salário de pouco mais de três mil euros do cargo que desempenha numa delas. De acordo com as suas declarações, Moniz da Maia vive numa situação de “penúria pessoal”, que a deputada Mónica Quintela (PSD) estranha. Tem carro em leasing e uma conta na Suíça, mas penhorada. Segundo a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, Moniz da Maia também terá uma sociedade num offshore e o próprio admitiu que está ligado a duas fundações no Panamá. O quê e quem se esconde por detrás destas, ficamos sem saber.

Nuno Vasconcellos. Deu tudo o que tinha ao BES… mas quase nada chegou ao Novo Banco

A família Rocha dos Santos, de onde provém Nuno Vasconcellos, chegou a estar na lista (da revista Exame) das mais ricas de Portugal, em 2007 — o mesmo ano em que Luís Filipe Vieira entrou para 74º lugar. Os recursos generosos que abriram as portas do crédito à Ongoing vinham do património da mãe, Isabel Rocha dos Santos, e do desinvestimento na Sociedade Nacional de Sabões. Em 2006, é criada a Ongoing Strategy para diversificar e profissionalizar os investimentos. Dez anos depois é declarada insolvente, com uma dívida global de 1,2 mil milhões de euros. Ao Novo Banco ficou a dever 520 milhões de euros.

"Essa historia (do aval pessoal que o BCP executou e encontrou a famosa motoquatro) está muito mal contada, como muitas historias sobre a Ongoing e a minha família”.
Nuno Vasconcellos, fundador da Ongoing, na audição a 20 de maio por vídeo-conferência

O Compromisso Portugal em 2004 — movimento de gestores e empresários — e a compra de ações da Portugal Telecom, em parte com crédito do BES, deram à Ongoing um grande protagonismo, sobretudo quando apareceu ao lado de Ricardo Salgado contra a oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae. O então amigo de Nuno Vasconcellos, Rafael Mora, já era um poder estabelecido dentro das grandes empresas através da Heidrick and Struggles, a consultora que desenhou modelos de governo (como o do BCP) e políticas de bónus generosas e polémicas para os grandes gestores da época.

Para além de investimentos financeiros na PT, Zon, a Ongoing tinha a ambição de construir um grupo de media. Comprou o Diário Económico em 2008, chegou a ser o segundo maior acionista da Impresa (o que lhe valeu uma guerra com Pinto Balsemão), e apareceu associado a uma tentativa de compra da TVI quando José Sócrates estava no poder.

O grupo ia investindo em conteúdos, tecnologias, sites e outros, ditos, ativos imateriais e contratava figuras mediáticas como José Eduardo Moniz, bem como pessoas que vinham da esfera do poder socialista no tempo de Sócrates. O ex-espião Silva Carvalho foi um dos mais falados, mas também passaram pela Ongoing Guilherme Dray (que foi chefe de gabinete de Mário Lino e José Sócrates e atualmente é consultor do governo de António Costa para as questões laborais e a TAP) e Carlos Costa Pina, ex-secretário de Estado do Tesouro.

Chegados a 2012/2013, a Ongoing tinha um ativo de 1,3 mil milhões de euros, em ações, mas também em terrenos, prédios, armazéns, quintas, afirmou Nuno Vasconcellos na sua audição (que foi interrompida aos 59 minutos pelos deputados), Mas a dívida associada era já da ordem dos mil milhões de euros, assinalou a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua. Aliás, Mortágua foi a única que teve a oportunidade de fazer perguntas ao empresário  — e ao longo da hora que durou a inquirição — repetiu várias vezes a mesma.

“Deve mais de 500 milhões de euros ao Novo Banco. Tenciona pagar? Como?”

Nuno Vasconcellos esteve mais tempo a explicar como resolveu a dívida que teve com o BCP, a quem acusou de má fé por tê-lo executado por um aval pessoal que era suposto perdoar no quadro da reestruturação negociada. Já sobre a dívida para com o BES/Novo Banco pouco mais se ficou a saber, para além da afirmação que fez lembrar outros grandes devedores da banca e que irritou os deputados.

“Vai-me dizer que não tem dívidas….”, atirou Mariana Mortágua. “Quem tem dívidas é a Ongoing e nós demos garantias e amortizamos dívidas, acedemos a todas as solicitações do BCE e do BES”, respondeu Nuno Vasconcellos.

Sobre as garantias entregues ao BES (tudo antes de o Novo Banco entrar em cena), o empresário assegurou que as empresas tinham ativos imobiliários, que foram reforçados com bens que eram da família e seus, a saber: Terrenos na Rua Artilharia 1 (centro de Lisboa), prédios no Estoril, casas, empreendimentos em Alcácer do Sal, um armazém em Valejas (Oeiras) — várias vezes referido e que valeria sete a oito milhões de euros — propriedades na Quinta do Peru e uma quinta “lindíssima” no Norte que era do grupo.

Quanto ao principal ativo do grupo, Vasconcellos não referiu: as ações na Portugal Telecom estavam penhoradas há muito e os dividendos que chegaram até 2014 (ano em que a aplicação na Rioforte abateu a empresa) já estavam cativos em operações financeiras com vários credores, incluindo o Crédit Suisse.  A Ongoing era ainda acionista da Espírito Santo Internacional e do BES, ações que estavam comprometidas numa opção de venda a um preço fixo à holding detida pela mãe.

O grupo recorreu também a outras engenharias para se financiar através da liquidez das empresas na qual tinha posição acionista ou influência. Uma prática muito usada pelo Grupo Espírito Santo, ao arrepio das regras de prevenção de conflitos de interesses. Em 2010, o Fundo de Pensões da PT investiu em fundos geridos pela Ongoing, então sua acionista.

E em 2015 o então presidente executivo do Novo Banco, Eduardo Stock da Cunha, conta a surpresa que foi descobrir que 200 milhões de euros da então necessária liquidez do Novo Banco estavam aplicados num produto da BES Vida. Quando tentou levantar descobriu que, na base, estavam fundos que tinham títulos de outros fundos, com sede no Luxemburgo, e cuja base era mais um financiamento à Ongoing.

Quando António Ramalho chegou ao banco, em 2016, as perdas com a Ongoing estava já imparizadas. Havia ainda uma tentativa de venda do Diário Económico que correu mal. O processo seguiu a via judicial tradicional. Tentou-se a insolvência pessoal, mas não havia património e pouco ou nada foi recuperado. No caso das empresas havia algum património imobiliário que está a ser executado.

O diretor de recuperação de créditos a empresas do banco pouco mais adiantou. Daniel Santos testemunhou que na abordagem inicial, feita em 2014, Nuno Vasconcellos foi “aparentemente colaborativo. Nunca foi daqueles que disse logo ‘não pago, ou não devo'”. Mas não trouxe mais garantias. Depois afastou-se e, por fim, desapareceu.

Ora segundo Nuno Vasconcellos, “todos os ativos que eram meus ficaram no BES”, referindo participações em terrenos na zona Expo e na Fundição de Oeiras. E um aval pessoal também ao BES um “mês antes de resolução e por pressão do Banco de Portugal”. Havia património no Brasil (do acionista Nuno Vasconcellos), mas o banco não conseguiu lá chegar, admitiu António Ramalho.

Mariana Mortágua também procurou seguir o rasto brasileiro (que aliás se repete em outros grandes devedores como Vieira e Moniz da Maia). Segundo um documento do Novo Banco, as únicas garantias reais estão concentradas numa empresa brasileira chamada Real Time Corporation.

“É totalmente falso, a Ongoing tinha uma participação nessa holding, que tem empresas de tecnologia e internet. E que até ia fazer um IPO (oferta em bolsa) no Brasil”, respondeu o empresário. “Todas as garantias reais estão contratualizadas com o Novo Banco. Não tem garantias na Real Time, nem nunca teve”, acrescentou. A deputada acrescentou que a Real Time tem uma dívida de 47 milhões de euros junto do Novo Banco.

“Não, na dívida do Novo banco não consta nada disso”, contrapôs Vasconcellos. As contas de 2011 da Ongoing consultadas pelo Observador revelam que o grupo tinha emprestado mais de 50 milhões de euros à empresa no Brasil, que promoveu o Brasil Económico. No Brasil, Nuno Vasconcellos aparece como proprietário e colunista do jornal o Dia, do Rio de Janeiro, que a Ongoing comprou em 2010.

As contas na posse dos deputados indicam que a dívida da Ongoing ao Novo Banco passou de 600 milhões para 520 milhões de euros. O Novo Banco tentou vender este crédito num pacote, mas a operação foi travada por falta de parecer da comissão de acompanhamento “desconfortável” perante a natureza imaterial e intangível dos ativos. A Ongoing Strategy Investments foi declarada insolvente em 2016 e as empresas ligadas ao Diário Económico, as únicas que tinham atividade e trabalhadores, foram a seguir. Para além dos bancos e trabalhadores, estas empresas ficaram também com uma dívida de três milhões de euros à Segurança Social e outra de pelo menos 800 mil euros ao fisco.

Direito de resposta ao artigo de opinião “Ah, Ah, Ah, podem rir os grandes devedores”

Num direito de resposta enviado ao Observador em dezembro, no qual refere os ativos que deu ao BES — as quintas maravilhosas, os terrenos valiosíssimos em Lisboa, os empreendimentos turísticos com campos de golfe — Nuno Vasconcellos diz que fez um acordo com o fisco português para pagar as dívidas das empresas que está a cumprir. E assegura que honrou os compromissos em Portugal “com todos os que aceitaram negociar”. Não foi o caso do Novo Banco. Na audição referiu-se varias vezes ao padrinho do filho, como tendo sido “a pessoa que mais me ajudou”. Isto porque, na altura, “o Novo Banco não quis saber de mais nada, nem quis emprestar mais dinheiro”.

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