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Muito separa, entre si, os parceiros sociais que esta terça-feira assinaram o novo acordo de salários, o primeiro na concertação social de Luís Montenegro. Mas muito os juntou nos discursos feitos durante a cerimónia com alguns dos ministros com maior peso político sentados na primeira fila. Está “aquém”, falta-lhe “ambição” e é “limitado”. Mas é uma “aposta de confiança” e um “benefício da dúvida”, num “momento complexo” em risco de resvalar para uma “instabilidade política”.
Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo, foi dos mais diretos a expressar a “preocupação” dos parceiros. “As poucas medidas que negociámos neste acordo até podem estar em perigo”, disse, lamentando que a medida do IRC tenha sido aligeirada e, em vez de prever uma descida concreta de dois pontos percentuais em 2025, tenha sido limitada a uma redução progressiva do imposto.
“Percebemos perfeitamente o texto, mas não deixa de preocupar. Preocupa as poucas medidas concretas que não estão plasmadas”, afirmou. Este acordo trata-se, portanto, de um” grande benefício da dúvida” ao Governo, ou nas palavras de Álvaro Mendonça e Moura, da Confederação dos Agricultores, uma “aposta de confiança no governo e nas oposições” para “garantir a estabilidade no país”.
Essa estabilidade foi também salientada pela Confederação Empresarial (CIP), que viu, num contexto de “risco de instabilidade política”, uma “imperiosa necessidade de ser parte dos consensos e não das divisões”.
Os recuos no IRC e no IRS Jovem
Um recuo na forma como a medida de redução do IRC está inscrita no acordo fez levantar sobrolhos e deixou os patrões preocupados, numa altura em que o Governo ainda tenta salvar o Orçamento do Estado e prepara reuniões com o PS (que traçou na descida do imposto uma linha vermelha).
A proposta inicial previa uma “redução progressiva da taxa de IRC até 2028, passando em 2025 dos atuais 21% para 19%”. A versão final, contudo, deixa cair a redução de dois pontos percentuais e fala genericamente numa “redução progressiva do IRC até 2028”. Uma alteração compreendida pelos patrões — Armindo Monteiro, da CIP, chegou a dizer após uma reunião da concertação social que há agora um “quarto” interveniente na concertação: o Parlamento, admitindo que o IRC (que sempre foi uma medida fundamental para os patrões) pudesse não evoluir como prometido.
Já no IRS Jovem, outra “linha vermelha” dos socialistas, a versão inicial previa a “redução das taxas do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) aplicadas aos jovens com idade até aos 35 anos”, não especificando de que forma, e agora é ainda menos específica. Fala, antes, numa “redução do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) aplicado aos jovens com idade até aos 35 anos”. Ou seja, deixa cair a expressão “taxas”, o que pode dar mais margem na negociação com o PS.
Seguros de saúde vão dar benefício fiscal às empresas
Mas há outras novidades que não estavam na versão inicial do documento, como a majoração em 20%, em sede de IRC, das despesas suportadas pelo empregador relativas a seguros de saúde dos seus trabalhadores e agregado familiar. Ou a criação no prazo de 45 dias, muito elogiada pela CIP, de uma estrutura de missão para “aprofundar, valorizar e reforçar” o pacote do Governo “Acelerar a Economia”, “à luz das novas diretrizes europeias de aumento da competitividade, da produtividade e do investimento vertidas nos relatórios Draghi e Letta, visando o crescimento da Economia portuguesa”.
Por várias vezes, as conclusões do relatório Draghi foram referidas por Armindo Monteiro, inclusive nas declarações à saída das reuniões da concertação social, pelo que esta terá sido uma medida direcionada àquela confederação. A CIP esteve quase até à última a decidir se iria subscrever o acordo (ficou de fora do de 2023) e só anunciou o aval na noite de segunda-feira.
Também elogiada pela CIP esteve a inscrição de uma medida que é mais um objetivo: de “convergência com a média europeia” na produtividade, que não constava da proposta inicial. O objetivo é atingir em 2028 pelo menos 75% da média da produtividade europeia.
Na agricultura, por outro lado, consta um novo compromisso de avaliar a não sujeição da tributação dos pagamentos anuais referentes ao primeiro pilar da Política Agrícola Comum, suportados exclusivamente pelo orçamento comunitário. Na proposta inicial, estava previsto que os valores recebidos de ajuda da PAC em 2025, com referência a 2024, poderiam ser considerados como rendimento no ano de 2024 ou no ano de 2025 para “evitar um agravamento da taxa de IRS aplicável, devido à acumulação do recebimento do valor dos dois montantes em 2025”. Mas esta última referência não consta na nova proposta.
Já na defesa da floresta contra incêndios, o novo acordo alarga a possibilidade de consumo do gasóleo colorido e marcado aos veículos usados pelas equipas de sapadores florestais integradas no sistema de gestão integrada de fogos rurais, uma medida feita a pensar na CAP e que foi exigência desta. Mas acresce um novo benefício para estas equipas, que não estava previsto na formulação inicial: uma isenção do IVA na aquisição de equipamentos de proteção e trabalho.
Acordo vai mais longe nas metas salariais
Um dos aspetos salientados pela UGT foi o facto de o acordo ir mais longe do que o anterior, assinado com o governo de António Costa, nas metas dos salários. Desde logo o salário mínimo, que aumentará em janeiro para os 870 euros, face aos atuais 820 euros. São mais 15 euros do que previa o acordo anterior. Também está acima dos 860 euros que chegou a ser noticiado e que chegou a ser posto em cima da mesa pelo Governo.
Também nas metas para a legislatura há uma ligeira revisão em alta, de 20 euros. No Programa do Governo, o Executivo tinha inscrito a intenção de chegar a 2028 com um salário mínimo nos 1.000 euros, agora fala em 1.020. Será uma subida de 50 euros a cada ano até lá chegar. Ficou por esclarecer se o novo valor do salário mínimo será acompanhado pela subida do mínimo existência, ou seja, se se manterá a isenção de IRS aplicada ao rendimento mínimo.
A ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, disse apenas, há uma semana, que “haverá uma atualização dos escalões de IRS normal [incluída no acordo], que sempre acompanha estas situações, de forma a assegurar a neutralidade fiscal desses aumentos, mas isso não é nada de novo”.
No caso do salário médio, mantêm-se os referenciais acordados com o Executivo de António Costa que têm de ser cumpridos para que as empresas possam beneficiar de um incentivo em sede de IRC. Assim, em 2025 esse referencial será de 4,7% e de 4,6% em 2026. O acordo anterior só vigorava até 2026, mas o atual como é para a legislatura adiciona um referencial de 4,5% em 2027 e o mesmo valor em 2028. O objetivo é chegar ao final da legislatura com um salário médio nos 1.890 euros.
Estes referenciais percentuais são importantes para as empresas que queiram beneficiar de um incentivo em sede de IRC, que se trata de uma majoração de 50% dos custos com aumentos salariais e contribuições. Esse incentivo foi criado pelo anterior governo, mas neste acordo vem com alterações.
Até aqui, destinava-se às empresas que valorizem os salários de acordo com o referencial (mantém-se), tenha contratação coletiva (há menos de três anos e também se mantém) e reduza o leque salarial. Neste novo acordo, é introduzida a obrigação de aumentar a remuneração base anual dos trabalhadores que auferem menos ou o mesmo que a base média anual existente na empresa no final do ano anterior e não há referência à redução do leque salarial (achatar o gap entre os que ganham mais e os que ganham menos).
Mas há outra alteração: enquanto antes o montante máximo de encargos elegíveis por trabalhador estava limitado a quatro vezes o salário mínimo, agora está limitado a cinco (não são considerados, para efeitos de majoração, os encargos que resultem da atualização do salário mínimo).
O PS tinha uma proposta para que a majoração fosse de 100% dos encargos com aumentos salariais, mas o Governo manteve os 50%.
De acordo com dados divulgados pelo Negócios, beneficiaram desta medida um total de 513 empresas em 2023, com um custo fiscal para o Estado de 6,7 milhões de euros.
O 15.º mês isento e “impraticável”?
Foi uma das grandes bandeiras da CIP no ano passado e o governo anterior cedeu-lhe apenas em parte. Aprovou uma isenção fiscal só na distribuição de lucros, desde que as empresas dessem aumentos salariais em linha com o acordo e tinha um duplo limite de isenção (até um salário mensal base, no máximo de cinco salários mínimos). Além de que contava para efeitos do cálculo da taxa de IRS a pagar, o que podia agravar a taxa aplicada.
A medida nunca ficou do agrado da CIP. E este Governo tinha prometido voltar ao tema. No Programa do Governo inscreveu a intenção de “aumentar a produtividade com medidas como a isenção de contribuições e impostos sobre prémios de produtividade por desempenho no valor de até 6% da remuneração base anual”, o que seria um equivalente a um “15.º mês”.
O 15.º mês que consta no acordo, porém, tem várias condições — a CIP chama-lhe “amarras”: além do limite de 6%, para que a isenção de IRS e taxa social única se aplique, o empregador tem de efetuar um aumento mínimo de 4,7% da remuneração base anual dos trabalhadores que aufiram até à remuneração base média anual na empresa, por referência ao final do ano anterior, e também obriga a que seja abrangido por instrumento de regulamentação coletiva com menos de três anos. Além de que têm de assegurar um aumento global mínimo de 4,7% da remuneração base média anual existente na empresa.
No discurso durante a cerimónia de assinatura, Armindo Monteiro defendeu que essas “amarras” “tornam a medida quase impraticável”. Ainda assim, é “claramente um salto muito positivo para um país”.
A UGT, que defendeu algumas das exigências, já tinha avisado que a medida não pode substituir aumentos salariais e a ministra do Trabalho chegou a responder aos jornalistas que essa questão seria endereçada pelo Governo.
Empresas vão pagar menos tributações autónomas pelos carros… mas ainda não desaparecem
O Governo, tal como já tinha prometido no seu programa (numa medida apadrinhada pelo PS), assume o compromisso com os parceiros sociais de baixar o valor das tributações autónomas sobre carros comprados pelas empresas em 2025. Assim, promete inscrever no Orçamento para 2025 uma descida das taxas de tributação, mas também um aumento dos limites abrangidos.
As taxas baixarão para 8% em carros com custos de aquisição inferior a 37,5 mil euros; para 25% nas viaturas entre 37,5 mil e 45 mil euros; e para 32% nos automóveis que custem mais de 45 mil euros (atualmente as taxas estão nos 8,5% para carros com custo inferior a 27,5 mil euros; de 25,5% para carros entre 27,5 mil e 35 mil euros; e de 32,5% para carros acima de 35 mil euros).
Por outro lado, o Governo retira da abrangência para tributação autónoma os encargos com ofertas de espetáculos (no âmbito da tributação autónoma de 10% para despesas de representação, que além de incluir refeições, viagens, passeios tinha ainda encargos com espetáculos).
E por fim, o Governo termina com o agravamento das tributações autónomas (em 10 pontos) para as empresas que apresentem prejuízos fiscais. Estas ficam sujeitas às tributações autónomas gerais e sem qualquer agravamento.
As entidades patronais têm pedido o fim das tributações autónomas, mas os Governos têm reduzido as taxas mas continuam a aplicá-las. De acordo com as estatísticas fiscais, as tributações autónomas renderam, em 2022, 4,6 mil milhões de euros, sendo de 2,2 mil milhões por conta das taxas aplicadas à compra de carros. As tributações autónomas são um imposto que incide não sobre rendimento, mas sobre despesas realizadas por empresas.
Das horas extra ao subsídio de refeição
Ainda na fiscalidade, prevê-se a redução fiscal sobre o trabalho suplementar, mais concretamente, diminuição de 50% da taxa de retenção autónoma de IRS sobre todo o trabalho suplementar.
Além disso, haverá uma isenção da taxa liberatória de IRS aplicável aos trabalhadores não residentes nas primeiras 100 horas de trabalho suplementar.
Outra medida prende-se com o subsídio de refeição, que quando é pago em cartão está isento até exceder em 60% o valor de pago na função pública. Mas a ideia é subir para 70%. Se não mudar o valor pago na função pública, isto significa que subirá o limite até ao qual o subsídio de refeição pago em cartão fica isento de IRS, de 9,60 para 10,2 euros.
Também está inscrita a intenção de incentivar a contribuição voluntária para instrumentos complementares de reforma, através de planos de reforma, nomeadamente com recurso aos instrumentos previstos no regime público de capitalização. “Estas contribuições voluntárias provirão do empregador e do trabalhador e são isentas de TSU e IRS”, determina o acordo.
No caso do turismo, há o compromisso de elaborar uma “estratégia nacional para o turismo sustentável”, que integre o novo referencial estratégico de política de turismo de Portugal até 2035.
Mais incentivos para capitalizar empresas… reforçados nas grandes
O acordo tripartido para a valorização salarial repesca ideias já passadas pelo Governo no pacotão apresentado com o objetivo de acelerar o crescimento económico. É o caso do compromisso de “incentivar o investimento de pessoas singulares na capitalização das empresas através da dedução em IRS aos dividendos e às mais-valias realizados, de 20% das entradas de capital, sujeito aos limites aplicáveis”, ou seja, entra para os limites às deduções no IRS. A medida já tinha sido prometida no pacotão.
E é agora colocada preto no branco no acordo com parceiros sociais, onde ainda se promete “avaliar o atual regime de reforços do capital próprio da empresa para efeitos de abatimento à matéria coletável, em sede de IRC, nomeadamente no caso das empresas que se encontrem ao abrigo do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais” (ou seja que tenham perdido metade do capital social).
Mais concreto é o compromisso do Governo de alterar o ICE (Incentivo à Capitalização das Empresas), prometendo, desde já, uma mudança que, para já, só abrange as grandes empresas. Depois da mudança concretizada no Orçamento do Estado em vigor (e que decorreu do acordo de 2023), o atual Governo volta a dar mais benefícios. Assim, as empresas que optem por reforçar os capitais próprios poderão deduzir ao lucro tributável um valor correspondente à taxa Euribor a 13 meses acrescida de 2 pontos.
Esse valor era atualmente de 1,5 pontos. Só as PME e small mid caps podiam deduzir um valor correspondente à Euribor a 12 meses mais 2 pontos. Essa passará a ser a base para todas as empresas. No acordo tripartido foi a única mudança ao ICE que ficou escrita, embora o PS, na sua proposta para o Orçamento do Estado queira que a majoração prevista para esse incentivo de 50% aplicada em 2024 se torne permanente. No Orçamento do Estado em vigor, para 2024, previa-se que a majoração de 50% em 2024 descesse para 30% em 2025 e para 20% em 2026. Nada ficou escrito sobre a majoração.
Numa simulação, no âmbito do Orçamento do Estado para 2024, a PwC tinha estimado que este incentivo permitia uma poupança fiscal em seis anos (tempo previsto de aplicação deste benefício) de 93,5 mil euros para uma PME ou small mid caps que tivesse aumentado o capital próprio em 1 milhão de euros em 2024. Nessa simulação, o benefício para as grandes empresas era de 84,5 mil euros. É este último grupo que sairá beneficiado.
E o que acontece aos acordos anteriores?
Os parceiros avisaram que o que foi acordado anteriormente é para cumprir e Luís Montenegro voltou a comprometer-se com isso. Aliás, o próprio acordo prevê que vai continuar a funcionar o grupo de trabalho para acompanhar e monitorizar o acordo de 2022 e o respetivo reforço de 2023.
O acordo mais recente, por sua vez, será objeto de acompanhamento e monitorização na concertação social e será “obrigatoriamente revisto anualmente”.
Além disso, para novembro ficou agendada uma reunião da concertação social para continuar o debate e a negociação “sobre todos os temas abordados no processo negocial que conduziu ao presente acordo”, incluindo em matérias de saúde e segurança no trabalho, formação profissional, legislação laboral, sustentabilidade da Segurança Social, reorganização e modernização administrativa e estatuto dos benefícios fiscais.
Parceiros dão aval mas com críticas e avisos
Os parceiros estão de pé atrás, mas salientam que apesar das insuficiências do acordo, também há avanços. A UGT salientou o “momento complexo” que o país atravessa e viu criadas as condições para assumir o compromisso, dado que vai “mais longe” do que inicialmente acordado nos salários. Mas avisa que continuará vigilante e que os acordos passados são para cumprir.
Da parte da Confederação do Comércio, João Vieira Lopes diz que o acordo é “um passo ainda limitado”, mas importante e, com o foco no futuro, pede “mais audácia” nas medidas fiscais
E Francisco Calheiros, da Confederação do Turismo, afirmou que este foi “talvez dos acordos mais difíceis de poder aceitar por parte dos nossos associados”. Desde logo, pelo aumento do salário mínimo para os 870 euros que, se algumas empresas conseguem pagar, outras, no setor da restauração ou no interior do país, terão dificuldades. “Temos de tentar precaver o mais que podemos as suas dificuldades”, pediu. E voltou a criticar o pouco tempo em que o acordo foi negociado: “Não foi fácil um acordo para uma legislatura em que não houve tempo necessário para discutir uma serie de itens”.
Armindo Monteiro, da CIP, salientou que à luz do “risco de instabilidade política”, entendeu como “imperiosa” a “necessidade de ser parte dos consensos e não das divisões”. O acordo está aquém, mas ainda assim “é claramente um salto muito positivo para um país mais próspero”. E avisou: a CIP não será “intransigente” mas também “não fazemos de conta”. “Este acordo é um ponto de partida e não um ponto de chegada.”