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JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR

JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR

"Sou filho de um padre". O próximo problema com que o Vaticano terá de lidar

Vincent Doyle leu o documento secreto do Vaticano sobre os padres com filhos. Diz que é "brilhante" e só lamenta que seja secreto, porque "a Igreja não quer reconhecer o problema".

Enviado especial ao Vaticano

Vincent Doyle veio a Roma naquela que é provavelmente a semana mais atribulada dos últimos tempos no Vaticano, para chamar a atenção para aquilo que assegura ser o próximo escândalo que a Igreja terá de resolver. Líderes católicos, entre bispos e superiores religiosos, estão reunidos numa cimeira inédita a debater os abusos sexuais na Igreja Católica, mas este irlandês de 36 anos conseguiu uma reunião com um dos homens no centro de tudo isto, o arcebispo Charles Scicluna, principal investigador do Vaticano para os casos de abuso sexual, para lhe contar a sua história. Vincent é filho de um padre católico, conhece as normas secretas do Vaticano para lidar com estes casos e quer lutar para que a Igreja se preocupe fundamentalmente com as crianças em vez de discutir o que fazer com os adultos.

Encontramos Doyle no terraço da residência Paulo VI, para um copo de vinho com vista para a Praça de São Pedro ao final do dia de sexta-feira. Desde que o The New York Times publicou a notícia de que o Vaticano tem um documento secreto, com normas internas para lidar com os padres que têm filhos, que “requer” que estes homens abandonem o sacerdócio para se dedicarem exclusivamente às crianças, que Vincent Doyle anda inquieto. Ele leu o documento na íntegra e garante que não existe essa obrigação, uma vez que ela não serve o superior interesse da criança em todos os casos. O irlandês, que, em 2014, fundou a Coping International para aconselhar e apoiar filhos de padres e padres com filhos, lamenta que a Igreja queira passar a ideia de que a regra universal é que o padre deixe o sacerdócio.

É essa a solução mais fácil, argumenta Doyle. Se um padre que teve um filho deixar a Igreja, deixa de ser um problema. Mas, para um adulto que descobriu que o seu pai é um padre idoso, que benefício há em que ele deixe o sacerdócio para ficar desempregado, questiona o irlandês. É por isso que nem o Direito Canónico nem o documento interno do Vaticano dizem explicitamente que o padre deve sair do sacerdócio. Há uma “discrepância” entre as normas concretas e a ideia que a Igreja faz passar em público, diz. Vincent Doyle, que, nos últimos cinco anos, conheceu centenas de histórias de padres com famílias — incluindo muitas em Portugal — acusa a Igreja Católica de não querer reconhecer este problema por não ser possível quantificar o número de filhos de padres que existem hoje. Estima, com dados da sua associação, que possam ser 10 mil, mas acredita que é uma estimativa por baixo.

Na maioria das situações, as famílias que se geram acabam a viver em extrema dificuldade. O padre tem medo de assumir abertamente que teve um filho, porque não quer ser expulso do sacerdócio. A mulher tem vergonha de assumir que teve um filho de um padre, porque quer evitar o estigma. E a criança sofre as consequências de uma família que ou fica dividida ou fica desempregada. A cultura do silêncio, acusa Doyle, condena milhares de crianças em todo o mundo a viver sem condições. Por isso, antes de discutir se o celibato faz ou não sentido, é preciso reconhecer a existência destas crianças e não lhes destruir a família. “Você está sentado à mesa, no Vaticano, a falar com o filho de um padre católico sobre celibato. Se isso não tem piada, o que é que tem piada?”

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Vaticano confirma que tem normas internas para lidar com padres que têm filhos

O que o trouxe a Roma esta semana?
Em primeiro lugar, a cimeira. Quando vi que a cimeira tinha sido anunciada, em setembro do ano passado, vi quem a estava a organizar. Eu já tinha contactado com muitos deles. Por isso, contactei o arcebispo [Charles] Scicluna, de Malta, que é um dos principais conselheiros do Papa Francisco nas questões dos abusos. Para mim, enquanto psicoterapeuta, esquecendo que o meu pai é um padre, o abuso é psicológico, emocional, sexual, físico ou por negligência. Não é só penetração, não é só molestar.

Não é sempre físico…
Exatamente, e mesmo o abuso físico é sempre acompanhado pelo emocional e psicológico. Por isso, sinto que o entendimento da Igreja tem sido muito restrito. Em agosto do ano passado, na Irlanda, o Papa Francisco — de quem sou um grande fã, para ser justo — pediu desculpa às vítimas de qualquer tipo de abuso. Isso foi o primeiro alargamento da definição. Depois, anunciou a cimeira. E eu vim encontrar-me com o arcebispo Scicluna.

De onde o conhecia?
De lhe enviar emails! Alguns jornalistas já me perguntaram como é que eu conhecia esta ou aquela pessoa. Penso que, do ponto de vista de um jornalista, é preciso algum protocolo. Eu, felizmente, não preciso. O meu único protocolo é a verdade. Para mim, eles são padres. O meu pai era um padre. Todos estes burocratas são, em primeiro lugar, padres. Por isso, não vejo porque é que hei de ter um protocolo ao abordar qualquer pessoa na Santa Sé. Claro que há respeito. Se eu precisar de falar com um jornalista português, posso telefonar-lhe. Não tenho de lhe escrever uma carta!

E foi fácil perfurar a barreira protocolar do Vaticano?
Bom, o arcebispo Scicluna é arcebispo em Malta, por isso enviei um email para a diocese e ele respondeu-me. Muito simples. Ele entende. É um homem de integridade, é genuíno. Não me encontro com estas pessoas enquanto psicoterapeuta, mas estou atento a tudo. Olho para a linguagem corporal, para a respiração, para o tom da linguagem. Conseguimos ter uma ideia de se uma pessoa é genuína ou não. Nem é preciso ser terapeuta, na verdade. Mas ele foi 100% genuíno, coerente, compassivo. Não quero citá-lo, mas tenho um documento escrito à mão por ele… Acho que o tenho aqui!

[Mostra uma página do seu bloco de notas, assinada por Charles Scicluna com data de 19 de fevereiro, onde se pode ler que o “fenómeno dos padres que têm filhos deve ser reconhecido” e que, nesses casos, “a criança tem de ser reconhecida” e que o seu interesse “deve ser primordial”]

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Ele disse-me que o fenómeno tem de ser reconhecido. E tem razão. A questão dos filhos de padres tem sido caracterizada pela falta de reconhecimento. Se for filho de um padre e o seu pai não o reconhecer como seu filho… E, já agora, têm em um grande problema em Portugal nesta matéria! Se for aos bispos portugueses e lhes perguntar: “Se um padre tiver um filho, qual é a resposta a dar?”, eles provavelmente vão dizer-lhe: “É suposto que ele vá tomar conta da criança”. Mas isso é novidade? Os cães da rua sabem que têm de cuidar dos seus cachorros! Mas quando as pessoas ouvem isso de um bispo pensam que é uma grande novidade. Não é uma grande novidade. Se tens um filho, tratar dele é bom senso. A pergunta é como. “Parabéns. És pai. E também estás desempregado.” Mas eles não podem, ao abrigo do Direito Canónico, despedi-lo, dispensá-lo.

Não há nada na lei da Igreja que diga que um padre que tem um filho tem de deixar de ser padre.
Não é um crime canónico. Uma coisa é alguém cometer um crime canónico, que às vezes inclui o abuso sexual e uma variedade de coisas. Mas isto não é um crime canónico. No cânone 1395º…

[Mostra uma fotocópia do Código do Direito Canónico, para que possamos ler o cânone 1395º: “O clérigo concubinário, fora do caso referido no cân. 1394, e o clérigo que permanecer com escândalo em outro pecado grave externo contra o sexto mandamento do Decálogo, seja punido com suspensão, e se perseverar no delito depois de admoestado, podem ser-lhe acrescentadas gradualmente outras penas até à demissão do estado clerical”]

Portanto, um clérigo que viva em concubinato, ou seja, que viva com uma mulher de forma permanente, e que continua em pecado externo, se persistir, pode vir a ser dispensado do estado clerical. Mas não se for um caso isolado. Se não persistir… Podemos perguntar-nos qual é a melhor coisa que se pode fazer tendo em conta o interesse da criança? Se uma pessoa com 23 anos descobrir hoje que o seu pai é um padre com 70 anos, que benefício é que essa pessoa tem com o facto de o pai ser dispensado do sacerdócio? Temos de perguntar à Igreja se isto é feito caso a caso ou não.

Quantos anos tinha o Vincent quando soube que o seu pai era padre?
Vinte e oito.

E o seu pai ainda era vivo.
Não, ele morreu em 1995, eu tinha 12 anos. Morreu antes de me poder dizer. Ele estava na minha casa quando morreu. E eu ouvi a minha mãe a gritar. Hoje ainda consigo ouvir esse grito na minha cabeça. Foi aí que soube que ele tinha partido. Eu estava cá fora.

Ele estava dentro da casa?
Sim, em minha casa.

"A questão dos filhos de padres tem sido caracterizada pela falta de reconhecimento"

O que é que ele fazia lá?
Morria… Ele era um amigo da família. Não tinha lugar para onde ir e então nós trouxemo-lo para casa e tomámos conta dele. Nesse dia estiveram uns 40 padres e um bispo na minha casa. Um padre tinha sido ordenado e foram todos ver o meu pai. A minha mãe chamou-me lá dentro — isto só me veio à memória há uns três anos — e disse: “Vin, o teu pai morreu”. Eu nunca tinha ouvido dizer que ele era o meu pai, mas ela esqueceu-se naquele momento, e lembro-me de ter sentido uma sensação de estar completo, de pensar “ele é o meu pai”, e ao mesmo tempo de ficar chocado com o facto de ele ter morrido que isso me saiu de cabeça imediatamente. E nunca mais me lembrei disto até ter trinta anos.

Foi só aí que compreendeu tudo.
Sim, depois de processar tudo, isto veio-me à cabeça. Na altura, o meu cérebro só pensou: “Não, vamos pôr isto de lado” (risos). Era demasiado para uma criança de 11 anos. Ele morreu e foi, sem dúvida, o pior dia da minha vida. Ainda hoje choro a pensar nisso. Mas há algo de bonito nisto. Eu amava o meu pai, ele amava-me, e apesar de nunca ter havido uma palavra, o meu coração sabia quando eu vi o corpo do meu pai.

Tinham uma relação entre pai e filho, apesar de nunca ninguém ter falado disso.
Nunca foi verbalizado. É como…

Simplesmente sabia.
Simplesmente sabia. Nós fazíamos tudo, era como ter pais divorciados. Eu tinha um quarto na casa dele, tinha uma gaveta onde ele tinha doces, às quintas-feiras ia a casa dele e víamos o MacGyver. Passávamos muito tempo juntos, depois ele ia celebrar missa e eu ficava na fila da frente. Todas as freiras me conheciam e ele depois levava-me a casa. Todos os dias, antes da escola, ele ligava-me para casa, cinco minutos antes das 9h. “Olá, é o J.J., o que vais fazer na escola, fizeste os trabalhos de casa.” Coisas normais. Ele ia lá ao fim do dia, levava-me às vezes quando o chamavam, e toda a gente adorava ver-me, eu brincava com os cães…

Ou seja, o Vincent tinha um pai.
O pior que ele me fez foi morrer. Foi a única coisa má que me fez. Alguém já me perguntou se eu me sentia amargurado ou com raiva do meu pai. Não, não sinto. Porque é que haveria de sentir isso de um pobre homem que não sabia o que fazer? Por amor de Deus!

Apesar de tudo, o Vincent, sendo filho de um padre e não o sabendo, pelo menos inteiramente, sentia que tinha um pai, uma figura paternal. Em 2014 fundou a Coping International. Foi para ajudar as pessoas que também são filhas de padres, mas que, ao contrário do Vincent, nunca tiveram um pai?
O conceito original do Coping… É assim, eu descobri que o meu pai era um padre e tinha todos estes pensamentos. Estudei para ser padre, fiz um mestrado em teologia, estudei psicologia, e pensei: “Tenho todas estas ideias, mas não sei onde ir com elas”. Para processar tudo isto, comecei as minhas práticas enquanto psicoterapeuta. Não era exatamente para ter uma carreira enquanto psicoterapeuta, embora eu adore a minha profissão. No início, a maioria das pessoas estudam psicoterapia para se entenderem a si próprias e aos seus problemas. Para lhes porem uma linguagem. Por isso, eu comecei a praticar. Uma parte do treino de um psicoterapeuta passa por irmos nós próprios à terapia. Faz parte, não dá para escapar. Temos de fazer cerca de 100 horas de terapia. Eu estava com uma colega psicoterapeuta, a falar de o meu pai ser padre, e aí percebi: “Não posso ser o único”. Nunca sequer tinha pensado nisso. Estive a pensar nisso à volta de uma hora, é como se tivesse visto a luz. Como eu estudei para ser padre, embora não tenha sido ordenado, sabia que havia entre 400 e 500 mil padres no mundo. E o meu pai era o único a ter tido um filho? Isso seria uma lógica da treta. Depois comecei a pensar em todos os homens que tinham sido ordenados padres no último século!

Cujos filhos ainda poderiam estar vivos.
Precisamente. Há uma filha de um padre em Nova Iorque cujo padre nasceu há 120 anos. Portanto, se há 500 mil padres agora — e disse isto ao arcebispo Eamon Martin, que é o presidente dos bispos irlandeses, e ele concordou com esta lógica —, não está fora do alcance da realidade que no último século um milhão de homens tenham sido ordenados padres. Se um em cada dez desses não forem celibatários; se um em cada dez desses não celibatários tiverem dado origem a uma gravidez… Porque este milhão é uma estimativa baixa, o 1/10 também é uma estimativa baixa.

Porque acha que o 1/10 é uma estimativa baixa?
Esta estimativa resultaria em cerca de 10 mil filhos de padres. Claro que todas estas estimativas são uma especulação. Mas há uma razão. Vinte e cinco por cento dos padres nas Filipinas admitiram ter famílias, isso saiu num programa da Al Jazeera com o advogado canónico da conferência episcopal das Filipinas. Está no site da Coping o link para o YouTube, pode vê-lo lá.

Outro número: o padre Victor Kotze, em 1988, numa cimeira aqui no Vaticano, falou da sua tese de doutoramento sobre sexualidade. Entrevistou padres na África do Sul e 45% deles admitiram não ser celibatários. David Rice, um jornalista amigo meu que foi frade dominicano, no seu livro “Shattered Vows” (“Votos quebrados”), em 1990, que foi best-seller do The New York Times, escreveu que no Peru a percentagem é de 80% (risos). Por isso, penso que dizer um em cada dez não é totalmente descabido. E mesmo que fosse só metade da percentagem, ainda estaríamos a falar de cinco mil pessoas. São muitas crianças! Agora pense na Coping. Quando pusemos o site online, em 2014, desde a publicação do site até ao dia em que o Boston Globe fez um artigo sobre nós — o Mike Rezendes fez um artigo incrível em agosto 2017 —, eu estive a ver as estatísticas. Não conseguimos identificar que é o João, mas conseguimos perceber que veio de Portugal, quando, durante quanto tempo, quantas vezes voltava. Durante esse tempo, 13.500 pessoas tinham entrado no site, tudo a partir de pesquisas do Google. Porque é que 13.500 pessoas, de 175 países, iriam à Internet procurar coisas como “estou grávida de um padre” ou “o meu pai é um padre”, se não estivessem grávidas ou se o pai não fosse um padre? Ou é verdade ou estão todos a fingir.

E em Portugal?
Em países mais conservadores, como por exemplo em Portugal, tendemos a pensar que a presença do secretismo é mais forte, que há uma maior confiança de que o assunto nunca há de vir à tona, e portanto os padres sentem-se mais confortáveis fora das suas vidas celibatárias. As estatísticas da Coping têm a lista dos países com mais acessos ao site, quais os mais frequentes e os menos frequentes, e Portugal tem estado sempre nos 20% de países mais frequentes em permanência, nos últimos cinco anos. Porque é que a Coping é tão popular de forma privada em Portugal? O que é que isto nos diz?

Há situações que resultam de atos criminosos, abusos sexuais, mas calculo que não sejam a maioria. Qual é a expressão dos abusos sexuais nesta questão?
Diria que menos de 5% das histórias na Coping têm origem em abusos. 95% dos casos foram relações consensuais.

É essa uma das suas lutas, pelo que percebo, para que seja legítima a existência de um padre com um filho. A Igreja devia mudar as suas políticas sobre o celibato?
O meu ponto de vista sobre o celibato é um bocadinho diferente. Falar de celibato ao filho de um padre católico é mais ou menos como fazer uma palestra sobre contraceção numa maternidade. É inútil. A maior declaração sobre o celibato é a existência do filho de um padre católico. Você está sentado à mesa, no Vaticano, a falar com o filho de um padre católico sobre celibato. Se isso não tem piada, o que é que tem piada? (Risos) Por isso, se um homem escolhe ser celibatário, perfeito. É a decisão dele. Porque é que eu ficaria chateado se me dissesse: “Vincent, quero ser celibatário”? “Bom para ti, não me interessa o que fazes, mas não tenhas filhos”. Não há uma associação entre celibato e pedofilia, mas há uma negligência relativamente à criança. Nunca falo sobre o celibato por uma razão simples: não quero que os filhos dos padres se tornem num veículo para as necessidades centradas nos adultos. E é isso que acontece. Usam-se estas crianças contra a Igreja. O que eu digo é que em primeiro lugar temos de pôr em prática regras globais para a proteção dos filhos dos padres católicos. Quando todas estas crianças forem tidas em conta, então nesse dia eu vou sentar-me a beber um copo de vinho e a falar sobre o celibato.

Portanto, hoje a Igreja não protege os filhos dos padres?
Estou convencido que não o fazem.

Recentemente, o The New York Times publicou uma notícia que revelava a existência de um documento interno do Vaticano com linhas orientadoras sobre o que fazer quando um padre tem um filho. O Vincent é uma das poucas pessoas fora do clero que leu o documento. Como chegou a ele?
Em outubro de 2017 estive em Genebra para me encontrar com o arcebispo Ivan Jurkovič, que é o representante da Santa Sé nas Nações Unidas lá. Na altura as Nações Unidas tinham pedido à Santa Sé para responder a umas questões, incluindo sobre o tema dos filhos de padres. Eu fui lá para tentar ajudar, para oferecer a ajuda da Coping, e tive um encontro muito bom com ele. Jurkovič foi um cavalheiro, tomei o pequeno-almoço com ele, e ele mostrou-me um documento consideravelmente longo, que eu li. Ele disse-me: “Respondemos às Nações Unidas”. E eu respondi: “Mas não há nenhuma referência aos filhos dos padres neste documento”. “Ah, leu o documento!”, disse ele. “Claro que li o documento.” E então ele abriu uma outra pasta que tinha na mesa e deslizou para mim um outro documento. Eu peguei nele e, à primeira vista, parecia ser as orientações dos bispos irlandeses, os princípios de responsabilidade publicados pelos bispos irlandeses em agosto de 2017. Eu li o documento, que tinha seis linhas orientadoras. Posso descrevê-lo como uma versão avançada das orientações dos bispos irlandeses. Era muito impressionante, tão impressionante como o documento dos bispos irlandeses. Tenho de louvar os bispos irlandeses! Foram pioneiros. Eu li aquele documento e pensei: “Isto é incrível, nunca vi isto! De onde é que isto vem?”. E ele respondeu-me: “Isto foi escrito pela Congregação para o Clero em 2009, ainda no pontificado de Bento XVI. Chama-se “Princípios gerais orientadores relativamente a padres que têm filhos enquanto estão no ministério”. É o título do documento.

Vincent Doyle está esta semana no Vaticano para reuniões com vários líderes de topo da Igreja Católica (JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR)

JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR

E nunca tinha ouvido falar dele…
Nunca! E ele ainda me disse: “Vocês não são chamados ‘filho de padres’, são chamados ‘filhos dos ordenados'”. Esperem lá! Uma vez, falei com um cardeal norte-americano, cujo nome não posso dizer, que tentou desvalorizar a questão e disse-me: “Ouça, é possível que haja uns cinco filhos de padres no mundo”. E passámos de “pode haver uns cinco” para “vocês não são chamados ‘filhos de padres’…”, é um grande salto. E eu agarrei no documento e pensei: “Isto é incrível! É a resposta! Posso ficar com uma cópia?”. E ele: “Não”. Tenho um temperamento explosivo e pensei que podia sair dali de duas formas. Ou me chateava ou simplesmente tentar forjar relações. Escolhi a segunda, com relutância (risos). E ele guardou o documento.

E o que dizia o documento?
As linhas orientadores que eu li impressionaram-me muito. O abuso psicológico tem muitas nuances. Se alguém é violado, o que se está a passar é mais óbvio. Mas o abuso psicológico é difícil de entender. E o documento parecia mesmo focar-se no centro da negligência relativamente à criança. Em segundo lugar, era muito centrado na criança. Dizia que a mãe tem de estar envolvida em todas as decisões e ser respeitada. Deixe-me dizer isto a plenos pulmões: em nenhuma parte do documento dizia que o padre tem de abandonar o sacerdócio. Não está lá, não está sugerido, não está lá de todo.

Ou seja, isso é coerente com o Direito Canónico, como há pouco explicava.
Claro, eles não podiam colocar lá nada que fosse contra o Direito Canónico. Ouça, você tem uma profissão e não pode simplesmente ser despedido por uma razão aleatória. Até podia levar o patrão a tribunal. Não o podem despedir por ter um filho. Mas a Igreja disse isso esta semana, e isso enfureceu-me. Eu perguntei ao cardeal [Daniel] DiNardo [presidente da Conferência Episcopal dos EUA], perguntei ao arcebispo Scicluna, perguntei à Congregação para o Clero e à Congregação para a Vida Consagrada: no fenómeno dos filhos de padres, é uma avaliação caso a caso? E toda a gente me disse, abertamente, que claro que é. Se é caso a caso, não se pode ter uma resposta universal!

Mas ainda assim, sendo caso a caso, pode haver linhas orientadoras…
Sim, mas o meu ponto é o seguinte. Vou usar uma analogia. Algumas jornalistas são mulheres. Algumas mulheres têm filhos e deixam o emprego. Então, algumas jornalistas que têm filhos deixam o emprego. Pode dizer que isso é um facto, por uma lógica razoável. Mas se eu disser que todas as jornalistas que têm filhos, expectavelmente, têm de deixar o emprego, isso não faz sentido. O mesmo se passa aqui. Para o público, todos os padres devem deixar o sacerdócio e ir tomar conta da criança. E o mundo ouve isto e pensa: “Maravilhoso, a Igreja está a falar dos filhos dos padres, que progresso”. Mas o que eles estão mesmo a dizer é: “Adeus, amigo, estás desempregado, a criança provavelmente vai ser negligenciada”. Mas ninguém percebe o que eles estão a dizer. Temos de erradicar esta posição universal, que é um cancro. Eu escrevi aos bispos da Irlanda no ano passado e perguntei-lhes: “Um padre que teve um filho pode permanecer no sacerdócio?”. E eles responderam-me: “Não pode haver uma resposta universal”. O que Scicluna, DiNardo, o Clero e a Vida Consagrada me disseram. Caso a caso. Sem resposta universal. O motivo pelo qual dizem que querem uma resposta universal é porque isso mantém o segredo. Os padres, assim, pensam que se abrirem a boca vão ser mandados embora. Pergunte aos seus leitores portugueses se aceitariam na sua comunidade um ex-padre com uma criança de cinco anos. Provavelmente iria ter respostas diferentes. E é aí que está a realidade. E depois pergunte aos que disserem que tinham um problema com isso: “E tem um problema com o facto de a criança estar esfomeada?” O que se faz aqui é comprometer os direitos naturais e as necessidades físicas de uma criança pelas preferências de um adulto. Isso é abuso cultural e é promover a negligência.

“Nunca falhei, nem com o meu filho, nem com a paróquia.” Um padre que foi pai conta a sua história

Ou seja, parece-lhe que a forma como a Igreja lida com este assunto está mais centrada no padre do que na criança.
Exatamente. Ainda há pouco você dizia isso. Falava dos filhos dos padres e perguntava-me se os padres devem ser autorizados a casar. É a mesma coisa do que dizer a um jovem numa discoteca: “Ai, se eu pudesse casar com aquela rapariga”. (Risos) O casamento é a última coisa que está na cabeça dele naquele momento. Não quero ser rude quando falo deste assunto, mas temos de ter um bom senso básico. O casamento não tem nada a ver com isto. Se um padre quiser ter sexo com uma mulher, vai ter sexo com uma mulher, e provavelmente nunca sonhou em casar com aquela mulher. Mas, habitualmente, quando falamos do assuntos dos filhos dos padres, focamo-nos nos adultos. É por isso que a Coping nunca fala do celibato. Porque isso é um debate centrado no adulto, e temos de nos focar nas crianças. Temos de parar de usar expressões como “padre errante”, “mulher escandalosa”, “Maria Madalena”, “filho ilegítimo”. São rótulos horríveis, horríveis, que põem numa pessoa. Como é que você se sentiria? Ainda recentemente tivemos mais pessoas de Portugal. Há uma mulher com quem falo habitualmente, cujo pai ainda é padre, está em contacto com ela, mas há uma expectativa de segredo. O homem tem quase 80 anos, por amor de Deus. O que é que ele vai fazer? Tornar-se canalizador aos 80 anos? É preciso ter bom senso e deixar aquele homem bom em paz. Ela é uma mulher crescida, está bem na vida, tem os seus próprios filhos, porque é que ela não pode ir à paróquia e dizer: “Ele é meu pai. Pode não ser a situação perfeita, mas ele é meu pai e eu amo-o”. Mas não o podem fazer por causa do que a sociedade pode dizer.

Estamos a impedir estas pessoas de ter relações familiares normais.
Eles não podem andar juntos na rua! Porque as pessoas em Portugal não gostam. Esta mulher gosta mesmo do pai, mas não pode falar disso em público. Ele tem imenso medo. Está há tanto tempo a fingir ser uma coisa, que não pode ser outra coisa. É como assumir que se é gay e sentir aquela sensação de vergonha horrível à volta da identidade. É muito mais saudável dizê-lo. Ele está a sofrer muito. Não estou a pôr culpa neste homem. Foi criado neste ambiente pela sociedade, pela Igreja, no seminário.

"Porque é que ela não pode ir à paróquia e dizer: "Ele é meu pai. Pode não ser a situação perfeita, mas ele é meu pai e eu amo-o". Mas não o podem fazer por causa do que a sociedade pode dizer."

E a Igreja continua a alimentar esse ambiente?
Ao não reconhecer a situação. É simples. Eles não reconhecem isto. Não é preciso ter um grande documento com linhas orientadoras. O documento é brilhante, é um documento muito avançado, muito centrado na criança, mas não há nada nele que é novo para a humanidade. Diz para cuidar da criança, para não negligenciar a criança, alerta para a atenção com a mãe, para não deixar o pai desempregado.

Porque é que acha que o documento é secreto, então?
Porque eles não querem reconhecer o problema. É isso. Não querem reconhecer o problema. Se reconhecermos o problema, se reconhecermos uma criança, começa o barulho. Aparece a criança, que vai falar. Não querem reconhecer o problema por uma razão simples: os filhos de padres são uma realidade que não é quantificável. Vou usar outra analogia. Se eu lhe disser: “João, tenho 450 mil funcionários no mundo, todos os homens, e envio-os todos para uma parte do mundo que tem as mulheres mais bonitas do mundo. São todos celibatários. Não tenho nenhum contacto com ele, mas eles são todos celibatários”. O que é que me dizia?

Que provavelmente não são todos celibatários…
Dizia-me que precisava de um tempo no hospital. A Igreja é a instituição mais inteligente do mundo. Eles sabem isto, eles sabem que não têm hipótese de adivinhar. Ouvimos estas declarações de quem diz que não acredita que haja muitos, e que a maioria deles abandona o sacerdócio. São declarações generalizadas, mas a realidade é que eles não fazem ideia. Eu posso dizer isto abertamente: não sei quantos filhos de padres existem no mundo. Sei que há alguns. Estimo que existam cerca de 10 mil, mas não podemos dizer como um facto que eles não existem. Não sei. Nem esta Igreja. É este facto de a realidade não ser quantificável que assusta a Igreja.

Pode ser enorme.
Pode ser enorme. E se reconhecermos o problema, abrem-se as comportas.

Ainda recentemente houve um caso em Portugal muito mediático de um padre que teve um filho e que, quando se tornou pública a situação, o padre foi dispensado da paróquia e até desapareceu por algum tempo.
Vivem em segredo, olham por cima do ombro. Como se estivessem do lado errado. Tenho uma carta que me foi dada por um bispo que diz que a Congregação para a Doutrina da Fé lhe disse que o próximo escândalo a atingir a Igreja Católica vão ser os padres que tiveram filhos e que não tomaram conta deles. Posso dizer, absolutamente, que a Igreja tem medo disso, porque é uma realidade não quantificável. Podemos estimar que cerca de 5% dos padres do mundo são pedófilos, tal como 5% dos jornalistas, dos médicos, dos advogados… Não é único ao sacerdócio, está em todo o lado, infelizmente. Mas gostamos de pensar que é um número muito baixo. Agora, quantos padres do possível milhão de que falava não são assexuais? Muitos. Talvez 50%. Alguns são gays, outros não. Não há forma de contabilizar! Não há nenhum formulário que se preenche, nenhum botão em que se carrega. Não vemos um padre há 20 anos e assumimos que ele ainda vive uma vida celibatária. Se vive, ainda bem! Se eles soubessem que havia 15 casos, tratavam do assunto e estava feito.

Falemos um pouco desta cimeira sobre os abusos sexuais aqui no Vaticano.
Sim, porque há alguma proximidade entre os dois assuntos.

O Vincent está aqui por causa da cimeira onde se debate o escândalo atual da Igreja, a aproveitar este momento para chamar a atenção para este outro problema. Falou com algumas das pessoas envolvidas na cimeira — o arcebispo Scicluna, por exemplo, que é um dos organizadores da reunião. Foi fácil passar a mensagem relativa aos filhos dos padres a estas pessoas que estão neste momento a pensar na questão dos abusos sexuais?
Em primeiro lugar, toda a gente é muito cortês e muito realista, e sabem que este problema não vai desaparecer. Todos com quem eu falei — Sicluna, DiNardo, as congregações para o Clero e para a Vida Consagrada — reconheceram que este é um assunto ligado ao dos abusos. Por causa de um fenómeno chamado efebofilia, que é uma preferência sexual por adolescentes. Abra o relatório da Pensilvânia, faça control + f e pesquise por “grávida”. Aparecem seis casos de raparigas adolescentes que engravidaram. A experiência da Coping é que nos casos de algumas destas raparigas, especialmente em países em desenvolvimento, o facto de serem mães ofusca o facto de serem vítimas. Deixam de ser vítimas. Há um caso na Argentina em que uma rapariga foi violada com 13 anos, engravidou e a mãe expulsou-a de casa para ela casar. Ela acabou por ser vendida para prostituição durante sete anos. E a Igreja só lidou com ela agora, 40 anos depois. Era importante para mim, na cimeira sobre os abusos sexuais, sublinhar o facto de que a Igreja tem uma tendência para compartimentar — e não apenas o clero, também os leigos clericalistas. Até em Portugal. Uma vez uma mulher portuguesa disse-me diretamente na cara para lavar a boca com sabão quando descobriu que o meu pai era um padre. Eu estava em Portugal de férias! E respondi-lhe: “Podia lavar a boca com sabão, mas depois ia ficar com o sabor do sabão na boca e o meu pai ia continuar a ser um padre”. Este tipo de atitudes impedem as pessoas de se afirmarem. Por isso, era importante para mim dizer que este não é um problema pequeno e que não fazemos ideia da dimensão do problema. Claro que está relacionado com o abuso sexual.

Há pouco dizia que a percentagem de filhos de padres que resultaram de crimes sexuais é muito pequena.
Sim, as estatísticas que temos na Coping são de menos de 5%.

Ambos os problemas têm a ver com a forma como a Igreja lida com a sexualidade?
Eles não o querem admitir. Porque o dano é intergeracional. Se uma mulher está nessa situação, é uma vítima. Mas se não houver justiça e ela não recuperar, isso vai ficar presente na família e vai afetar a criança. De uma perspetiva psicológica, o dano é intergeracional. Temos uma família na nossa terapia que está lá por causa da natureza intergeracional do abuso. O primeiro filho do padre nasceu em 1936. Estamos a falar de alguém com mais de 80 anos. Isto é muito sério. Eu perguntaria aos bispos portugueses: Concorda que o fenómeno dos filhos dos padres tem de ser analisado caso a caso? É uma questão simples. E se eles disserem que sim, isso significa que não podem ter uma resposta universal. Por isso, não podem dizer que todos os padres devem deixar o sacerdócio.

"Uma vez uma mulher portuguesa disse-me diretamente na cara para lavar a boca com sabão quando descobriu que o meu pai era um padre. Eu estava em Portugal de férias! E respondi-lhe: "Podia lavar a boca com sabão, mas depois ia ficar com o sabor do sabão na boca e o meu pai ia continuar a ser um padre". Este tipo de atitudes impedem as pessoas de se afirmarem"

É isso que a Igreja espera de um padre? O que é que a Igreja espera de um padre que teve um filho?
Querem que ele vá embora. Querem que ele desapareça e deixe de ser um problema.

E se ele deixar a Igreja oficialmente melhor?
Bom, mas ficam condenados quer deixem a Igreja quer não deixem. Falei com uma mulher americana cujo pai era padre e cuja mãe era freira. Sofreram do estigma a vida toda. Ele deixou o sacerdócio, arranjou um emprego e é um cidadão exemplar. Durante a vida toda, não teve nada além de isolamento. Fez o correto, mas foi punido. Era o que perguntava há pouco: o que é que os seus leitores iriam pensar de um ex-padre na sua comunidade?

E que provavelmente tem de esconder o passado.
Mas imaginemos que não escondeu. Teve um filho com uma mulher casada, deixou o sacerdócio, a mulher deixou o marido, juntaram-se e criaram o filho em conjunto. Compraram uma casa, lá arranjaram dinheiro, chegaram à comunidade e ele diz: “Eu era um padre, quebrei o celibato, tive um filho, ela era casada, aqui estamos nós, somos os Johnson. Podemos ir a sua casa?” Faça essa pergunta. E o que vai aparecer é o estigma.

Tudo isto seria diferente se a Igreja tivesse visões diferentes sobre a sexualidade humana?
Tenho compaixão deles. Claro que se eles tivessem um panorama diferente, provavelmente haveria muito mais progresso. Mas é preciso olhar para o contexto. São homens que foram criados e treinados neste tipo de processos mentais durante séculos. Estes processos mentais são antiquados. As pessoas nem sequer acreditam que os padres têm filhos. Se eu disser que os jornalistas não têm filhos e o continuar dizer durante muito tempo, a dada altura as pessoas acreditam em mim. Depois, aparece o New York Times e diz: “Venham cá, estão aqui jornalistas e têm filhos”. A reação seria: “A sério? Uau! Os jornalistas têm filhos? Onde é que estão? Há contos de fadas sobre eles? Conseguem voar?” Por isso, há um processo de pensamento clericalista firmado na psicologia do sacerdócio. Há muitos progressos que ainda é preciso fazer na Igreja. Mas nós, enquanto leigos, não podemos continuar a apontar o dedo ao clero a não ser que nós próprios estivermos disponíveis para nos sentarmos a dialogar com a Igreja. Nada me irrita mais do que as pessoas desistirem de dialogar com a Igreja. Tive uma semana incrível em Roma. Experienciei abertura, transparência, tenho uma grande esperança sobre a questão dos filhos do padre no Vaticano nos próximos 12 a 24 meses. A história poderá corrigir-me, mas a não ser que as pessoas estejam disponíveis para se sentar e conversar, não têm direito de criticar.

Esta cimeira que está a acontecer agora no Vaticano é inédita, o Papa nunca tinha chamado os líderes católicos de todo o mundo desta forma para discutir um assunto. Não falo de uma cimeira do género para a questão dos filhos dos padres, mas espera que o Papa Francisco tome decisões de peso para tratar dessa questão também?
É inevitável. Vai acontecer. Provavelmente na próxima década vamos ver progressos nesta matéria. É só uma questão de tempo. Mas não podemos sentar-nos e esperar que aconteça. Temos de estar disponíveis para investir tempo, dinheiro, esforço e sacrifício para o fazer acontecer. É por isso que o Vaticano apela à participação dos leigos. Telefonem aos bispos locais. Desafiem-nos. E esqueçam a diplomacia, façam-no pacificamente.

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