A proposta de Orçamento do Estado para 2025 tem uma receita adicional esperada de 525 milhões de euros com a atualização da taxa de carbono. No entanto, os técnicos do parlamento que analisaram o documento dizem que só uma quarta parte deste encaixe — 120 milhões de euros — é atribuível ao descongelamento da taxa já efetuado este ano.

Este descongelamento foi realizado através de três aumentos semanais da taxa, que provocaram agravamentos do imposto de 5 a 6 cêntimos por litro, com um efeito no preço final dos combustíveis ampliado pelo IVA.

E de onde vêm os 405 milhões de euros que faltam? Esse efeito adicional só poderá ser alcançado por via da atualização anual desta taxa em 2025, defende a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental). Ou seja, os técnicos do Parlamento assumem que a dimensão prevista no lado da receita tem subjacente uma nova atualização do adicional de CO2 que é pago no ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos), o que resultará numa nova subida desta taxa cobrada sobre os combustíveis. Só assim poderá o Estado aumentar a receita desta taxa para o valor previsto, na leitura dos técnicos parlamentares.

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A proposta orçamental prevê cobrar mais 22% de imposto petrolífero, o que representa 752 milhões de euros. Neste bolo, destaca-se o contributo dos 525 milhões de euros da atualização da taxa de carbono. O resto é explicado com o crescimento do consumo e com o fim da isenção fiscal aos biocombustíveis avançados.

Na apresentação da proposta que teve lugar esta segunda-feira, e que marcou o arranque do debate parlamentar sobre o Orçamento, Joaquim Miranda Sarmento não excluiu a atualização da taxa de carbono em 2025. “Em 2025 veremos que valor resulta da taxa de carbono”. Insistiu, contudo, na explicação de que a receita galopante estimada para o ISP  se deve, no essencial, ao descongelamento feito já este ano da taxa e a um aumento do consumo de combustíveis previsto para o próximo ano.

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Já esta quinta-feira, durante o debate parlamentar a ministra do Ambiente, Maria Graça de Carvalho, afastou qualquer aumento da taxa de carbono, sem no entanto se pronunciar sobre uma atualização. Questionado pelo Observador, o Ministério das Finanças não esclareceu se a receita estimada com a taxa de carbono incorpora nova atualização da mesma.

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Por sua vez, na apreciação ao documento, os técnicos do Parlamento contrariam esta tese, ao admitirem que o grosso da receita extra esperada na taxa de carbono virá da sua atualização anual a aplicar em 2025.  A dimensão desta atualização só é conhecida em novembro e não está, (nem tem que estar) na proposta orçamental. A não ser na parte que contabiliza a receita fiscal. O Governo tem repetido que a proposta orçamental não traz aumentos de impostos indiretos.

“Em agosto de 2024, o Governo iniciou o descongelamento gradual desta taxa, o que constitui um ato discricionário de cessação da medida. A atualização do valor do adicionamento (do CO2), em 2025, constitui um novo ato normativo discricionário do Governo (portaria a ser publicada anualmente em novembro), o que justifica a classificação da UTAO como nova medida em 2025, pelo valor estimado desta atualização: 405 milhões de euros na tabela 5. Este é o valor que resulta da atualização da taxa de adicionamento a vigorar em 2025”, lê-se na apreciação preliminar da Proposta de Orçamento do Estado para 2025 da UTAO.

Tabela elaborada a partir da proposta de Orçamento do Estado e dos cálculos da UTAO

Os números são elaborados pela UTAO com base na análise dos elementos disponíveis na proposta, apesar de esta ter pouca informação sobre a medida. Descrita como o descongelamento e/ou atualização da taxa de carbono, a UTAO “estimou que, do aumento de 525 milhões de euros, 120 milhões de euros correspondem ao impacto orçamental positivo em 2025, decorrente da decisão política de eliminar na totalidade o congelamento desta taxa registado em 2024”.

A UTAO distingue o descongelamento da taxa de carbono — que põe fim a uma medida extraordinária de apoio aos preços e controlo da inflação — da atualização anual do adicional de CO2, que é aplicada no início de cada ano, de acordo com o código dos impostos especiais sobre o consumo. A atualização tem por base a “evolução dos preços dos leilões das licenças de emissão de gases com efeito de estufa, efetuados no âmbito do Comércio Europeu de Licenças Emissão (CELE)”.

Foi, aliás, esta atualização anual que o Governo de António Costa suspendeu em 2022, em 2023 e em 2024 para atenuar a subida dos combustíveis. Este ano, à boleia de preços mais baixos, foi possível descongelar a quase totalidade da taxa refletindo as atualizações anuais desses anos que ficaram na gaveta. O que fica para o próximo ano é a atualização normal e anual da dita taxa. Mas para se chegar a uma cobrança adicional da dimensão prevista pelo Governo, a taxa de carbono teria de subir em 2025 mais do que os 5 a 6 cêntimos por litro que já subiu este ano. Os 525 milhões estimados de receita a mais cobrem a perda prevista no mesmo documento com a adoção do IRS Jovem.

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Para além do impacto negativo nos preços finais dos combustíveis — que ficariam mais caros ou teriam, como aconteceu este ano, uma descida travada — esta atualização pode também esbarrar num obstáculo. Se nos últimos anos o preço das licenças no mercado europeu subiu sempre, o que resultava no agravamento da taxa de carbono, em 2024 aconteceu o contrário: os preços desceram.

A fórmula de atualização anual taxa de carbono tem como referência a evolução da cotações do CO2 entre 1 de outubro (2023) e 30 de setembro (2024). Apesar de ainda não existirem dados oficiais da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Autoridade Tributária, cálculos feitos no setor petrolífero apontam para um valor de 62,64 euros por tonelada, substancialmente inferior ao atual (aplicável este ano) que é de 81 euros por tonelada. Quando se traduz esta diferença para a taxa cobrada por litro de combustível rodoviário, isso iria cortar  cerca 4 a 4,5 cêntimos por litro ao valor que está em vigor. Se essa diferença for refletida na atualização anual da taxa de carbono, ela teria de baixar em vez de subir.

O código dos impostos especiais sobre o consumo prevê que o adicionamento sobre as emissões de CO2 (a taxa de carbono) é calculado no ano anterior como a média aritmética do preço resultante dos leilões de licenças de emissões de gases de efeitos de estufa. Mas também estabelece que, de acordo com a evolução dos preços, pode ser fixado um valor mínimo para a tonelada de CO2 atualizado periodicamente por portaria do membro do Governo da área das finanças. Esta segunda parte é vista como uma porta aberta para fixar uma taxa mínima que não resulte necessariamente da fórmula anterior.

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O Executivo pode manter a atual taxa de carbono em 2025, invocando a recuperação da perda fiscal acumulada desde 2022 e sustentando a opção com as recomendações europeias para cortar nos apoios fiscais aos combustíveis. Mas dificilmente terá margem para subir a taxa de carbono quando as cotações do CO2 desceram. Poderá, sim, subir o imposto sobre os produtos petrolíferos, cujo alívio fiscal aplicado nos anos da crise energética e inflacionista ainda não foi retirado.

A UTAO lembra, aliás, que permanece em vigor a maior fatia das medidas de alívio fiscal do ISP, na casa dos 1.039 milhões e em contraste com as recomendação do Conselho da União Europeia. No entanto, essa medida seria sem qualquer margem de dúvida um aumento de impostos indiretos, contrariando uma das mais fortes bandeiras da narrativa sobre este orçamento.

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Atualizado às 13h50 com declarações da ministra do Ambiente.