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As selfies no ginásio do hotel e os vídeos gravados no quarto denunciaram a localização de Tommy Robinson, o ativista de extrema-direita que dá a cara pela liderança dos protestos anti-imigração violentos que têm varrido o Reino Unido na última semana. É a partir de um resort de luxo, em Chipre, que o homem de 41 anos, cujo verdadeiro nome é Stephen Yaxley-Lennon, dissemina desinformação sobre a origem étnica do autor do ataque que matou três crianças que participavam numa aula de dança em Southport e atiça a revolta daqueles que saem à rua para se manifestar contra os imigrantes — culpando-os pela violência.
Axel Muganwa Rudakubana, o jovem de 17 anos detido pela polícia britânica na sequência do assassinato das três crianças, incluindo uma portuguesa, nasceu em Cardiff, no País de Gales. É filho de pais ruandeses e vivia em Banks, no condado de Lancashire. Antes e depois de este facto ser conhecido pela polícia — que demorou a fazê-lo precisamente para não instigar atos violentos, nem racistas —, Robinson publicou vídeos nos quais apelava à mobilização dos britânicos para protestarem contra a alegada violência e aumento da criminalidade provocada por muçulmanos, garantindo que o homicida era um requerente de asilo de religião muçulmana que tinha chegado ao Reino Unido num pequeno barco em 2023. Tudo informação falsa.
Robinson garante que “mulheres estão a ser violadas diariamente” por estrangeiros no Reino Unido e vai mais longe ao afirmar que quem defende pactos de migrações se preocupa mais com “paquistaneses, somalis e afegãos” do que com a sobrevivência das crianças britânicas.
A polícia de Merseyside, com a tutela de Southport, já confirmou a necessidade de travar os distúrbios que duram há vários dias e pediu que a desinformação sobre o acusado dos homicídios seja travada para impedir a escalada da violência civil no país. Ao longo desta longa semana de protestos, o primeiro-ministro, Keir Starmer, assegurou também aos agentes que terão mais liberdade para partilhar informação entre as diferentes forças de segurança, assim como direito a utilizar tecnologia de reconhecimento facial. Os desordeiros “vão arrepender-se”, alertou em Downing Street, citado pelo Telegraph. E sublinhou que fará “o que for preciso para levar esses bandidos à justiça o mais rápido possível”.
Mas, mesmo à distância, depois de ter sido detido e de emitido um mandado de captura em seu nome, Robinson continua a publicar vídeos a justificar os protestos e apelar à luta contra um inimigo comum criado à base de informações falsas e ódio. O ativista anti-islâmico está acusado de fomentar motins de extrema-direita em todo o Reino Unido. Várias manifestações violentas nos últimos dias tiveram como alvo mesquitas e hotéis que albergam requerentes de asilo.
Um homem com mil identidades, três filhos e zero reservas em propagar islamofobia
Enquanto percorriam as ruas de Blackpool, manifestantes provocaram uma violenta desordem na madrugada de sábado. Partiram montras, atiraram garrafas a polícias e fizeram tudo isto enquanto gritavam o seu nome: Tommy Robinson.
É o pseudónimo mais conhecido de Stephen Christopher Lennon, reconhecido ativista de extrema-direita, nascido em Luton a 27 de novembro de 1982. Já foi condenado por violência e fraude e é um dos fundadores e ex-líder da Liga de Defesa Inglesa, grupo de extrema-direita fundado em 2009 em resposta aos protestos de grupos muçulmanos contra as tropas britânicas que retornavam do Afeganistão.
No centro das ideias do grupo extremista está a oposição à imigração muçulmana. Os membros argumentam que a cultura islâmica é incompatível com os valores britânicos e querem a retirada à força destes estrangeiros do país.
Robinson, o rosto mais conhecido do movimento, esteve preso quatro vezes entre 2005 e 2019. Como conta o El Mundo, este pai de três filhos é o “homem das mil identidades”, principalmente digitais, com diversas contas em várias redes sociais, onde assina com diferentes nomes, mas onde partilha sempre o mesmo tipo de conteúdo desinformartivo e as mesmas mensagens de ódio contra islâmicos.
Em 2018, Robinson foi banido a título definitivo do Twitter por violar as regras que proibiam o discurso de ódio na rede social. Devido à compra da plataforma por Elon Musk, foi reintegrado e ganhou via verde para publicar todo o tipo de conteúdos xenófobos, racistas e, acima de tudo, não verificados pela plataforma enquanto verdadeiros e/ou atuais.
Imediatamente após o caso de Southport, partilhou um post que indicava erradamente que o assassino não era britânico, mas “de uma etnia diferente e talvez até muçulmano”. Logo a seguir, tomou a iniciativa de dizer aos seus 900 mil seguidores no X que “os britânicos foram demasiado provocados” e desafiou-os a saírem à rua para defender as suas mulheres e filhos.
De 29 de julho, data do ataque em Southport, até agora, são dezenas as publicações diárias de Robinson, que divulga vídeos dos protestos, imagens violentas, bem como avisos de novas manifestações para mobilizar os seus seguidores, descrevendo a agitação como resultado de “preocupações legítimas” do povo britânico e apelando à “deportações em massa” dos que provocam esta reação.
It’s not on me , it’s on you . This mess is your doing not mine . Your policy failures gave birth to these tensions , your failure to listen & to lie & label everyone far right has caused this . Your cowardice to enforce the law equally has caused this . 2 tier policing has… pic.twitter.com/doOkjPo48j
— Tommy Robinson ???????? (@TRobinsonNewEra) August 4, 2024
“Esta confusão é obra vossa, não minha. As vossas falhas políticas deram origem a estas tensões, a vossa incapacidade de ouvir e de mentir e rotular toda a gente de extrema-direita causou isto. A vossa cobardia em fazer cumprir a lei de forma igual causou isto”, afirmou num vídeo publicado a 4 de agosto no X.
“A fúria justificada” contra um governo e forças policiais “cobardes”
Numa mensagem em vídeo dirigida ao governo e à polícia britânica, Tommy Robinson assegurou que a fúria dos participantes em motins “é justificada”. “Estou impressionado que isto tenha demorado tanto. Vocês encorajaram as cenas que vimos esta noite, vocês fizeram isto”, assegurou, acusando as autoridades inglesas de “cobardia” e apelando aos todos os homens que se levantem “para defender as suas famílias”. “Vocês colocaram esta guerra nos nossos ombros, seus cobardes”, repete em tom agressivo numa gravação de três minutos.
A solução que apresenta através do seu canal de Telegram é simples: “Ponham-nos em barcos, tirem-nos do país e mandem-nos de volta.” Refere-se aos migrantes que, de acordo com a teoria que defende, são a fonte de todos os males e os autores de todos os crimes que têm lugar no Reino Unido. “Eles estão a matar os nossos filhos, mulheres estão a ser violadas diariamente na nossa cidade e no nosso país pelos bandidos que deixam entrar”, acusa.
Ao mesmo tempo, relaciona a alegada criminalidade com o ataque de Southport. “Eles preocupam-se mais com afegãos, somalis, sírios e paquistaneses dos que com as nossas crianças”, argumenta, referindo-se a supostas casas que o governo britânico cede aos estrangeiros que chegam ao país.
No X e no Telegram, partilhou vídeos da sua participação em manifestações, mas também dos protestos que ocorreram na sua ausência e que o colocaram na posição de líder inspirador para a revolta. Mas a publicação que coloca em maior destaque em todas as redes sociais, é um vídeo com quase duas horas que apresenta como o “documentário banido do Reino Unido“. Neste suposto documentário reúne histórias de imigrantes que acusa de cometerem ilegalidades e de não se conseguirem integrar na comunidade britânica e ocidental. No post em que partilha a longa metragem, pede mesmo aos seus seguidores que assinem uma petição dirigida ao novo procurador-geral para que ponha termo à sua “perseguição política”.
Como os vídeos que publica diariamente revelaram a localização de Robinson e da sua família
Tommy Robinson foi detido um dia depois de organizar uma grande manifestação no centro de Londres na qual marcou presença. A polícia de Kent informou, na noite de domingo, que um homem de 41 anos foi detido no túnel do Canal da Mancha em Folkestone, sob o anexo 7 da lei do terrorismo do país, que permite à polícia parar, examinar e revistar passageiros em portos, aeroportos e terminais ferroviários internacionais, citou o The Guardian.
Acabou por ser libertado sob fiança e não tardou em abandonar o país. Robinson terá deixado o Reino Unido antes de uma audiência judicial agendada para os dias seguintes. Foi entretanto emitido um mandado de captura em seu nome, mas tal não o impediu de continuar a publicar nas redes sociais incentivos à mobilização de ativistas de extrema-direita.
Dos elementos visuais exibidos nos vídeos à identificação do local onde se encontra, a distância foi curta. Uma investigação do Independent concluiu que o instigador está no Chipre, alojado num resort de luxo na companhia da sua família. As fotografias da estância online mostram um escorrega aquático e um ginásio que aparecem no fundo das gravações e fotografias que Robinson partilhou com os seus seguidores desde a semana passada.
“Os meus filhos estão a chorar”, escreveu Tommy Robinson, afirmando que a sua família teme estar em perigo depois de ter sido revelado o local onde estão escondidos desde domingo. Mesmo que tenha sido o próprio a denunciar-se, já que não se esforçou por esconder o seu paradeiro nos vídeos.
As últimas mensagens que partilhou nas redes sociais são de agressividade perante os meios de comunicação social britânicos que estão a fazer a cobertura noticiosa dos conflitos civis no Reino Unido e que revelaram nos últimos dias o seu paradeiro.