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O Supremo Tribunal do estado norte-americano do Colorado decidiu esta terça-feira que o antigo Presidente dos EUA Donald Trump, que pretende recandidatar-se nas presidenciais agendadas para novembro do próximo ano, não é elegível para voltar a ocupar cargos públicos. Em função dessa decisão, motivada pelo papel que Donald Trump teve na invasão do Capitólio em janeiro de 2021, o seu nome tem de ser retirado dos boletins das primárias republicanas naquele estado.
A decisão, que está suspensa para permitir que Trump apresente recurso para o Supremo Tribunal dos EUA, está a causar agitação política nos Estados Unidos — e os adversários internos de Trump já vieram criticar a atuação do tribunal. Em cinco perguntas e respostas, o Observador explica o que está em causa e quais as consequências que podem advir desta decisão.
Que decisão foi esta?
A origem de todo este caso reside numa queixa apresentada este ano perante a justiça do estado norte-americano do Colorado pela associação “CREW — Citizens for Responsability and Ethics in Washington”. O grupo dedica-se a mover ações judiciais “agressivas” nos tribunais norte-americanos com o objetivo de responsabilizar decisores políticos “que sacrificam o bem comum aos interesses especiais e ao seu ganho pessoal”.
O grupo moveu um processo contra Trump alegando que o antigo Presidente norte-americano devia ser desqualificado das eleições que se avizinham (são em novembro do próximo ano) ao abrigo de uma disposição legal que impede a eleição de quem tenha participado numa insurreição. O argumento do grupo é o de que Donald Trump, ao incentivar os seus apoiantes a protestarem contra a eleição de Joe Biden nas presidenciais de 2020 (alegando que tinha havido fraude eleitoral), foi o responsável moral pelo violento ataque levado a cabo por apoiantes de Trump contra o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, o dia em que os senadores e congressistas se preparavam para formalizar a eleição de Biden.
Em 17 de novembro, o tribunal distrital de Denver, Colorado, que foi a primeira instância a apreciar o caso, emitiu a sua decisão.
Segundo explica o The New York Times, o caso obrigou o tribunal a decidir sobre algumas questões complexas, incluindo se o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021 pode ser qualificado formalmente como uma “insurreição”, se Donald Trump se envolveu na insurreição com os seus discursos de apelo ao protesto e ainda sobre se a disposição em causa se pode aplicar ou não aos atos do Presidente dos Estados Unidos. A decisão inicial esteve a cargo da juíza Sarah B. Wallace, que considerou estarem verificadas todas estas condições exceto a última: a disposição legal não se aplicava ao Presidente.
O grupo que tinha movido a ação recorreu na decisão e coube ao Supremo Tribunal do Colorado, a mais alta instância judicial do estado, resolver a questão.
Numa decisão conhecida esta terça-feira, o Supremo Tribunal daquele estado reverteu parcialmente a decisão da primeira instância e determinou que Donald Trump estava efetivamente desqualificado do exercício de cargos públicos — uma decisão que teria como primeira tradução efetiva a retirada do nome de Donald Trump dos boletins de voto das primárias republicanas naquele estado. Foi a primeira vez que o sistema judicial norte-americano considerou que aquela norma constitucional tem aplicação no caso de Trump. Trata-se, porém, de uma decisão que se aplica apenas às primárias do Partido Republicano e não de modo abrangente às eleições presidenciais de novembro de 2024.
As eleições presidenciais norte-americanas estão agendadas para o dia 5 de novembro de 2024. Mas, antes, ainda decorrem as eleições primárias em que os partidos vão escolher o respetivo candidato. No caso do Partido Republicano, estão em jogo Donald Trump, Chris Christie, Ron DeSantis, Nikki Haley, Vivek Ramaswamy, Asa Hutchinson e Ryan Binkley. Estas candidaturas vão a votos a nível estadual em múltiplas eleições que decorrem entre janeiro e junho de 2024, com vista à eleição dos delegados que vão participar na Convenção Nacional Republicana, em julho do próximo ano — onde é formalizada a escolha do candidato. A eleição primária no Colorado está agendada para o dia 5 de março, a chamada “Super Terça-Feira”, dia em que existem primárias em vários estados.
A decisão do Supremo Tribunal do Colorado significa, na prática, que os eleitores republicanos daquele estado não vão ver o nome da candidatura de Donald Trump nos boletins de voto em que vão eleger os seus representantes na convenção. Como sublinha o The New York Times, a decisão não diz respeito à eleição presidencial propriamente dita. Além disso, a decisão foi imediatamente suspensa para dar a possibilidade à campanha de Donald Trump de apresentar um recurso para o Supremo Tribunal dos EUA, a mais alta instância judicial do país — algo que já se sabe que vai efetivamente acontecer.
“Não chegámos a estas conclusões de modo leve”, justificaram os juízes do Supremo Tribunal do Colorado na sua decisão final, que foi aprovada após uma votação renhida (quatro juízes a favor e três juízes contra, embora estes últimos tenham apresentado apenas razões de ordem formal e não sobre a substância do caso). “Estamos conscientes da magnitude e do peso das questões que estão perante nós. De igual modo, estamos conscientes do nosso dever solene de aplicar a lei, sem medos ou favores, e sem sermos influenciados pela opinião pública em relação às decisões legais a que chegamos.”
O que diz a lei invocada?
Em causa está a Secção 3 da 14.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, uma disposição legal que impede a eleição para qualquer cargo público civil ou militar de uma pessoa que, tendo feito um juramento de defender a Constituição, “se tenha envolvido em insurreição ou rebelião contra a mesma, ou dado ajuda ou conforto aos seus inimigos”. Trata-se de uma disposição introduzida na Constituição dos EUA para impedir que elementos da Confederação regressassem ao governo depois da Guerra Civil.
Concretamente, lê-se na norma:
“Não poderá ser senador ou deputado no Congresso, nem eleitor do Presidente e do vice-presidente, nem exercer qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos ou em qualquer Estado, quem, tendo previamente prestado juramento, como membro do Congresso, ou como funcionário dos Estados Unidos, ou como membro de qualquer legislatura estadual, ou como funcionário executivo ou judicial de qualquer Estado, de apoiar a Constituição dos Estados Unidos, se tenha envolvido em insurreição ou rebelião contra a mesma, ou dado ajuda ou conforto aos seus inimigos. Mas o Congresso pode, através do voto de dois terços de cada Câmara, eliminar essa incapacidade.”
Contudo, houve dúvidas sobre a real possibilidade de aplicar esta legislação a Donald Trump. Na decisão de primeira instância, a juíza Sarah B. Wallace considerou que a formulação daquela secção da Constituição americana exclui o Presidente. A lista inclui os membros do Congresso, os funcionários públicos, os membros das legislaturas estaduais e os funcionários executivos e judiciais de qualquer Estado — mas não inclui especificamente o Presidente. A jurisprudência citada na decisão apresenta argumentos em sentidos diversos: por um lado, há o argumento de que o Presidente dos EUA não faz o mesmo juramento constitucional dos restantes funcionários públicos, mas um específico, pelo que esta lista teria de referir especificamente o Presidente para o incluir; por outro lado, existe o argumento de que o Presidente dos EUA é, para todos os efeitos, também ele um “funcionário dos Estados Unidos” (na expressão inglesa, um “officer of the United States“). Os argumentos detalhados podem ser consultados nas páginas 99-101 da decisão.
No fim de contas, a juíza acabou por dar razão ao primeiro argumento, embora tenha deixado claro que há “argumentos persuasivos dos dois lados”.
O Supremo Tribunal do Colorado, contudo, decidiu de modo diferente. Na decisão, os juízes explicam mesmo que não atribuem “o mesmo peso” que o tribunal de primeira instância “ao facto de a Presidência não ser especificamente mencionada na secção 3”, já que “parece ser mais provável que a Presidência não esteja especificamente incluída porque é tão evidentemente um ‘cargo’ [office]”. Ou seja, o Presidente é também um officer, para todos os efeitos, o que significa que aquela disposição legal se aplica também a ele — até porque a própria Constituição se refere, noutros passos, à Presidência dos EUA como um “office“.
Quais são as acusações contra Trump?
No centro deste processo está a invasão do Capitólio por milhares de apoiantes de Donald Trump no dia 6 de janeiro, quando estava em curso uma sessão conjunta do Congresso e do Senado para formalizar a contagem dos votos do Colégio Eleitoral e firmar a eleição de Joe Biden como novo Presidente dos EUA.
Donald Trump tinha vindo, desde a eleição presidencial, a alegar falsamente que tinha havido fraude eleitoral e a contestar o resultado do escrutínio. Em discursos inflamados, Trump apelou aos seus apoiantes que se mobilizassem em Washington para protestar contra a formalização da eleição de Biden. Na manhã do dia 6 de janeiro, Trump fez mesmo um comício nas proximidades do Capitólio incentivando os seus apoiantes a agir para impedir a eleição de Biden. Foi dali que seguiu a multidão que nas horas seguintes invadiu o Capitólio para tentar impedir os procedimentos.
Republicanos afastaram-se de Trump e confirmaram a vitória de Biden depois de uma noite caótica
Além das autoridades que investigaram as responsabilidades criminais do acontecimento, o caso foi também investigado por um comité do Congresso, que concluiu que Trump foi responsável por incitar à insurreição.
Esse é também o entendimento dos dois tribunais que analisaram este caso. De acordo com o Supremo Tribunal do Colorado, Donald Trump esteve efetivamente envolvido numa insurreição para os efeitos da aplicação daquela disposição legal — nomeadamente através do discurso que fez antes da invasão do Capitólio e dos tweets que publicou incentivando os seus apoiantes a lutar contra a eleição de Biden.
Isto significa que Trump não pode ser eleito?
Não necessariamente. Neste momento, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal do Colorado está suspensa e vai ser objeto de um recurso da parte da candidatura de Donald Trump junto do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. De qualquer modo, mesmo que não estivesse suspensa, apenas incidiria sobre as primárias republicanas naquele estado: na verdade, como lembra a revista Time, Donald Trump perdeu o estado do Colorado por 13 pontos percentuais em 2020 e não necessita daquele estado para singrar numa eleição a nível nacional. Por isso, mesmo que o seu nome não vá a votos nas primárias ali, uma eventual vitória nacional continua ao seu alcance.
O grande problema para a campanha de Donald Trump reside, porém, na possibilidade de outros estados poderem vir a ser palco de processos semelhantes. Já foram movidas ações no mesmo sentido em dezenas de estados e a justiça do Colorado foi apenas a primeira a tomar uma decisão neste sentido. Nos estados do Minnesota e de New Hampshire, por exemplo, já foram arquivados dois processos semelhantes. No Michigan, por outro lado, um juiz decidiu que a decisão era política e não judicial — mas foi feito um recurso para o Supremo Tribunal do estado.
A campanha de Donald Trump já anunciou a decisão de recorrer da decisão. “Sem surpresas, o Supremo Tribunal do Colorado, cujos juízes foram todos nomeados por democratas, decidiu contra o Presidente Trump, apoiando o esquema de um grupo de esquerda patrocinado por [George] Soros para interferir na eleição em nome do desonesto Joe Biden, removendo o nome do Presidente Trump do boletim e eliminando o direito dos eleitores do Colorado de votar no candidato da sua preferência“, disse o porta-voz da campanha de Trump, Steven Cheung.
“Temos total confiança de que o Supremo Tribunal dos EUA vai rapidamente decidir em nosso favor e pôr definitivamente um fim a estes processos anti-americanos”, acrescentou.
Atualmente, o Supremo Tribunal dos EUA é de maioria conservadora (6-3), e três dos juízes foram nomeados pelo próprio Trump. Por essa razão, existe a expectativa de que o Supremo reverta a decisão do Colorado. O Supremo Tribunal dos EUA ganha, novamente, protagonismo numa disputa presidencial norte-americana, ficando agora a decisão final nas mãos dos juízes. O risco que Trump corre, em abstrato, seria o de o Supremo decidir que a decisão do Colorado é correta, determinando a sua aplicação a nível nacional.
Como reagiram os adversários de Trump?
Vivek Ramaswamy, empresário que também está na corrida para ser o candidato presidencial republicano, anunciou que também iria retirar o seu nome das primárias no Colorado.
“Prometo desistir das primárias republicanas no Colorado até o nome de Trump ser também permitido no boletim, e exijo que Ron DeSantis, Chris Christie e Nikki Haley façam o mesmo imediatamente — ou então estão, de modo tácito, a apoiar esta manobra ilegal que terá consequências desastrosas para o nosso país”, disse Ramaswamy.
I pledge to withdraw from the Colorado GOP primary ballot until Trump is also allowed to be on the ballot, and I demand that Ron DeSantis, Chris Christie, and Nikki Haley do the same immediately – or else they are tacitly endorsing this illegal maneuver which will have disastrous… pic.twitter.com/qbpNf9L3ln
— Vivek Ramaswamy (@VivekGRamaswamy) December 20, 2023
Nikki Haley, antiga governadora da Carolina do Sul e antiga embaixadora dos EUA na ONU, também já criticou a decisão do tribunal. Para Haley, “a última coisa que queremos” são juízes a decidir quem pode e quem não pode candidatar-se. “Penso que Donald Trump não precisa de ser Presidente. Penso que eu preciso de ser Presidente. Penso que isso é bom para o país”, disse Haley aos jornalistas. “Mas vou derrotá-lo justamente. Não precisamos de ter juízes a tomar estas decisões, precisamos de eleitores a tomar estas decisões.”
Ron DeSantis, por seu turno, acusou o tribunal de abusar do poder judicial. “A esquerda invoca a ‘democracia’ para justificar o seu uso do poder, mesmo que isso signifique abusar do poder judicial para retirar um candidato do boletim com base em argumentos legais espúrios”, escreveu no Twitter.
The Left invokes “democracy” to justify its use of power, even if it means abusing judicial power to remove a candidate from the ballot based on spurious legal grounds. SCOTUS should reverse. https://t.co/D4pCzZ7FhY
— Ron DeSantis (@RonDeSantis) December 20, 2023
Também Chris Christie, que não tem poupado em críticas a Trump, já se pronunciou contra a decisão do tribunal do Colorado. “Não acredito que Donald Trump deva ser impedido de ser Presidente dos EUA por qualquer tribunal. Penso que ele deverá ser impedido de ser Presidente dos EUA pelos eleitores deste país”, afirmou durante um comício.