Um encontro “construtivo”, “sem hostilidades” que decorreu num ambiente “positivo”. Este é o balanço feito por Joe Biden e Vladimir Putin em relação à cimeira desta quarta-feira, que durou quase quatro horas e seguiu o guião previsto.
O tom do encontro marcou um contraste claro com a presidência de Donald Trump, pautada por anos de uma proximidade invulgar com a Rússia. Apesar do tom mais assertivo, e até com espaço para ameaças caso a Rússia ultrapasse linhas vermelhas, Biden recebeu elogios de Putin, que o considerou um “estadista experiente”, “muito diferente de Trump”, enquanto o Presidente norte-americano demonstrava confiança no futuro das relações diplomáticas entre Washington e Moscovo.
Nas questões mais quentes, como a repressão de opositores na Rússia (nomeadamente Alexei Navalny, o caso mais mediático), a tensão no Leste da Ucrânia ou os ciberataques aos Estados Unidos atribuídos a hackers russos, as conversações pouco ou nada avançaram, com os dois presidentes a reconhecerem as diferenças que os separam. No entanto, apesar das divergências de fundo, houve também alguns avanços, entre os quais o regresso dos embaixadores ao trabalho.
Não foi uma cimeira com momento de rutura, tal como era esperado, mas vários pontos levaram a que a mesma tenha sido um passo naquilo que parece ser o objetivo dos dois países: uma relação “estável e previsível”, nas palavras da Casa Branca, embora marcada por divergências de fundo.
“Os direitos humanos vão estar sempre em cima da mesa”, garantiu Biden a Putin
1O resultado concreto: o regresso dos embaixadores ao trabalho
As expetativas eram baixas quanto a resultados concretos na melhoria de relações diplomáticas entre Rússia e Estados Unidos, mas no final da cimeira foi dado um passo importante para que possa haver avanços nos próximos tempos. Nas próximas semanas, os embaixadores norte-americano e russo, John Sullivan e Anatoly Antonov, vão regressar a Moscovo e Washington, depois de terem sido chamados aos países de origem em plena escalada de tensão.
O anúncio foi feito por Putin (e confirmado por Biden), que falou primeiro em conferência de imprensa, e aconteceu três meses depois de o Kremlin ter chamado o seu embaixador para consultas, na sequência de o Presidente norte-americano ter chamado assassino ao seu homólogo russo — na altura, a decisão levou a Casa Branca a ripostar. Agora, com os embaixadores de regresso, abrem-se as portas para negociações futuras e esse é um resultado concreto desta cimeira, que contribuiu para o aliviar de tensões.
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Noutro ponto levantado pelos dois presidentes, foram também dados avanços quanto a uma possível troca de prisioneiros entre os dois países. Biden fez questão de referir pelo nome os fuzileiros Paul Whelan e Trevor Reed — condenados, respetivamente, por espionagem e agressão a um polícia russo —, enquanto Putin confirmou que a questão foi levantada, embora os dois líderes não tenham chegado a conclusões, ficando no ar a possibilidade de as negociações prosseguirem no futuro.
2 Avanços no controlo de armamento nuclear e dúvidas sobre cibersegurança
Outro ponto onde parece ter havido convergência é na necessidade de Rússia e Estados Unidos darem um passo no sentido de tornar o mundo mais seguro na questão das armas nucleares. Nesse sentido, no final do encontro, os dois líderes emitiram um comunicado conjunto onde, segundo o Washington Post, “reafirmam o princípio de que uma guerra nuclear não pode ter vencedores e nunca deve acontecer”.
Além disso, reiteraram que Washington e Moscovo “demonstraram que, mesmo em períodos de tensão, são capazes de fazer progressos nos objetivos partilhados de garantir previsibilidade na esfera estratégia, reduzir o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear”. O tratado NEW START, que controla a produção deste tipo de armamento, foi renovado em fevereiro até 2024, e os dois presidentes estão comprometidos em trabalhar na assinatura de um novo acordo.
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Depois dos ataques informáticos atribuídos a hackers russos a empresas e instituições norte-americanas, incluindo agências governativas, no início do ano, e de um ataque informático, em maio, ao maior gasoduto norte-americano, a questão da cibersegurança assumia um papel central para esta cimeira. Biden confirmou que o assunto marcou grande parte do encontro, e fez questão de marcar as suas linhas vermelhas, prometendo retaliar caso estas sejam ultrapassadas: “Ele [Putin] sabe que haverá consequências. Ele sabe que vou agir.”
O Presidente russo, por seu lado, negou qualquer envolvimento da Rússia nos ataques informáticos contra os Estados Unidos e insinuou que a maioria dos ciberataques partem, nada mais nada menos, de Washington, que considera ser o principal agressor. No entanto, Putin garantiu que os dois líderes concordaram em “iniciar consultas” sobre o tema. “Acreditamos que a esperada cibersegurança é extremamente importante para o mundo em geral, incluindo para os Estados Unidos e para a Rússia, ao mesmo nível”, afirmou o líder do Kremlin, num tom mais cordial, enquanto Biden se apresentou mais ao ataque. “A última coisa que [Putin] quer é uma Guerra Fria”, atirou, referindo que os Estados Unidos têm “capacidades cibernéticas significativas”.
3 Alexei Navalny e as palavras duras de Biden perante a indiferença de Putin
Se na questão da cibersegurança, apesar das divergências, houve uma certa abertura para falar do assunto, a questão do opositor russo Alexei Navalny, detido na Rússia desde janeiro depois de ter estado a recuperar, na Alemanha, de um envenenamento com novichok, deixou bem claro as divergências entre Washington e Moscovo, num tema onde não há quaisquer perspetivas quanto a avanços.
Sem referir uma única vez o nome daquele é que o seu principal adversário na Rússia, Vladimir Putin ignorou as preocupações do Ocidente e acusou Navalny — a quem se referiu, simplesmente, como “aquela pessoa” — de violar “deliberadamente a lei”, considerando-o um reincidente. “Essa pessoa sabia que tinha violado a lei que existe na Rússia, e é um criminoso reincidente. Ele [Navalny] sabia muito bem que era procurado, mas mesmo assim voltou para a Rússia, porque deliberadamente queria ser preso”, atirou.
Durante a conferência de imprensa, os jornalistas insistiram na questão da repressão dos dissidentes políticos na Rússia, e particularmente no caso Navalny, o que levou Putin a fazer uma comparação com as pessoas detidas e acusadas após a invasão do Capitólio, considerando que estas agiram por “motivações políticas” e que foram alvo da justiça por causa disso. Para Biden, esta comparação é “ridícula”, com o Presidente norte-americano a garantir que, nas discussões com a Rússia, os “direitos humanos vão estar sempre em cima da mesa”, deixando ainda um aviso a Putin, caso Navalny morra na prisão: “Deixei claro que as consequências serão devastadoras para a Rússia.”
4 “Nada para discutir” sobre a Ucrânia e a defesa da via diplomática
Depois de, em abril, a Rússia ter mobilizado um número de tropas para a fronteira com a Ucrânia sem precedentes desde 2014, temeu-se um confronto militar de grande escala entre Moscovo e Kiev. Como dificilmente haveria avanços nesta questão, a cimeira desta quarta-feira serviu para Rússia e Estados Unidos marcarem as suas linhas vermelhas.
Enquanto Joe Biden reiterou o “compromisso inabalável [dos EUA] com a soberania e integridade territorial da Ucrânia”, Vladimir Putin fez questão de dizer que “não há nada a discutir” sobre a possibilidade de a Ucrânia vir a entrar para a NATO, uma pretensão do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, considerada impensável pelo Presidente russo.
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Bem estipuladas as diferenças, tanto Biden como Putin defenderam a necessidade de cumprir o Acordo de Minsk, assinado em 2015, que prevê um cessar-fogo na região do Donbass. Contudo, esse cessar-fogo tem sido constantemente violado, e guerra entre separatistas pró-Rússia e as forças de segurança ucraniana continuam.
Biden também levou para a discussão a situação política na Bielorrússia, que tem na Rússia o seu principal aliado, um assunto que ganhou ainda mais importância após o Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, ter mandado desviar um avião da Ryanair que fazia um voo entre duas capitais europeias para deter um jornalista e ativista procurado pelo regime. Também nesta matéria ficaram expostas as divergências, não havendo avanço nas negociações, com Biden e Putin praticamente a ignorarem o assunto nas respetivas conferências de imprensa.
5Troca de elogios após encontro “construtivo” e a irritação de Biden no final
Apesar das divergências profundas que se mantiveram intocáveis, tanto Putin como Biden fizeram um balanço positivo da cimeira. Vladimir Putin sublinhou que o encontro com Biden, que considera um “estadista experiente, muito diferente de Donald Trump”, foi “bastante construtivo” e decorreu “sem hostilidades”, com os dois presidentes a falarem “a mesma língua”, embora não sejam amigos, mas sim negociadores apostados num diálogo “pragmático”.
Biden, por seu turno, disse que o tom do encontro foi “positivo” e demonstrou otimismo quanto ao futuro. “Acho que há uma perspetiva genuína para melhorar significativamente as relações entre os dois países, sem abrirmos mão dos nossos princípios e valores”, afirmou Biden, garantindo que, durante a cimeira, “não houve ameaças”, mas sim discussões sobre “questões básicas fundamentais”.
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O otimismo de Biden levou Kaitlan Collins, uma jornalista da CNN, já no final da conferência de imprensa, a perguntar ao Presidente norte-americano se este foi suficientemente duro com Putin e o que levava a estar tão confiante de que o Presidente russo iria mudar de atitude. “Eu não estou confinante em relação a nada, estou só a apresentar factos (…) Vamos descobrir nos próximos seis meses ou um ano se teremos um diálogo estratégico que importe”, ripostou.
Biden says he's "not confident" Putin and the Kremlin will change their behavior, but "what will change their behavior is that the rest of the world reacts to them and it diminishes their standing in their world. I'm not confident of anything." https://t.co/PLngnYnuuB pic.twitter.com/gzqWW0oU3H
— CBS News (@CBSNews) June 16, 2021
A jornalista insistiu, sublinhando que, no final da cimeira, Putin continuou a desvalorizar o papel da Rússia nos cibeartaques e na violação de direitos humanos, o que levou Biden a uma resposta inesperada. “Se não compreende isto, está na profissão errada”, atirou o Presidente norte-americano, que viria a pedir desculpa, mais tarde, por esta afirmação, tendo as desculpas sido aceites pela jornalista.
Horas antes, logo após o início da cimeira, outro episódio com a imprensa levou a Casa Branca a presentar esclarecimentos, garantindo que Biden não acenou afirmativamente a uma questão sobre se Putin era ou não de confiança, enquanto os jornalistas faziam uma série de perguntas ao mesmo tempo, um momento de caos com gritos e empurrões à mistura.
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