Jorge Varela, pai de Isis, nascida no mesmo dia do Observador
Lembro-me muito bem de quando fui buscar a Isis à maternidade. Peguei nela ao colo, assim sem grande jeito, porque nunca tinha sido pai antes. Eu olhava muito para ela, ela olhava muito para mim… Parecia que estávamos os dois a perguntar um ao outro “então e agora o que é que a gente faz?”
Todos os dias aprendemos com ela, todos os dias tentamos ajudá-la a crescer da melhor forma possível. A gente vai aprendendo à medida que as coisas vão acontecendo, à medida que ela cresce… Entretanto ela já tem as manias dela, tem o feitio dela, que nem sempre é fácil. Às vezes consegue ser tão teimosa!… Mas o que ela gosta mesmo de fazer é de imitar o pai e mãe. Quando um de nós tosse, ela vai logo atrás e faz o mesmo. Depois ri-se!
© João de Almeida Dias
Liljana Petkovski, 22 anos, holandesa, estudante Erasmus de Gestão
Cheguei a Lisboa a 1 de março. Não é a minha primeira experiência no estrangeiro. Estive na África do Sul durante seis meses, no ano passado, e lá era estudante. Aqui estou a fazer um estágio. Vir para Lisboa não mudou a minha vida em 180 graus.
Mas a minha experiência na África do Sul foi verdadeiramente um abrir de olhos sobre a vida lá. O apartheid ainda existe. Veem-se muitas, muitas diferenças entre negros e brancos. Quando vemos com os nossos olhos a maneira como as pessoas brancas ainda tratam os negros, como se estes nem sequer existissem, é mesmo difícil de aceitar.
© Hugo Amaral/Observador
Vitorino, 63 anos, reformado, pescador em Belém
Costumo vir pescar três vezes por semana. Chego às seis horas da manhã, como moro aqui perto venho a pé. Em outubro pesquei à volta de quarenta e um peixes, foi a maior pescaria dos últimos tempos. Corvina, robalo, baila, sargo, alcorrazes… Foi em duas horas. Quando começa a dar peixe é assim: durante aquele período é tirar um, iscar o outro. Quando se ataca o cardume, vêm aos pares.
Faço parte de uma colectividade de bairro e prometi à direção da colectividade fazer uma fritada dos peixes mais pequenos. E como eles comem muito, somos oito, tenho de arranjar aí uns sessenta ou setenta peixes. Estou quase a atingir a quantidade para combinarmos a fritada. Temos uma arca, já estou com alguns problemas de espaço lá. E eu até nem gosto lá muito de peixe.
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Fábio Bernardo, 24 anos, eletricista e jogador no Operário Futebol Clube de Lisboa
Nós começamos esta época bem, tínhamos equipa até para subir de divisão, mas depois para o fim passamos a perder montes de jogos. Assim de repente, tivemos seis ou sete maus resultados, só perdíamos ou empatávamos. O primeiro jogo dessa fase má foi contra o Olivais. Estávamos a ganhar 2-1 aqui no nosso estádio e estava tudo encaminhado para ganharmos. Quando o jogo já estava a acabar ouvimos um apito e começamos a sair do campo. Só que afinal o apito veio da bancada, não foi o árbitro, e a outra equipa pegou na bola e marcou. Pronto, então ficou 2-2. A partir daí a nossa equipa começou a falhar e agora estamos a ver se não descemos de divisão.
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José Azevedo, 67 anos, presidente do Grupo Sport Chinquilho Junqueirense e Giestal
Este ano veio cá a junta de Alcântara, que são os donos do nosso espaço. Olharam para as paredes e disseram que tinham de ser arranjadas, a gente que arranjasse um orçamento e eles pagavam. Tá bem. Quando lá fomos dizer que era 1600 euros (preço de amigo!), responderam “ah, não há dinheiro”. Então mas isso é resposta? Andamos aqui a brincar aos cowboys ou quê? Já não dá, pá, já não dá. Eu sou sócio da colectividade há 35 anos e já levo 10 de presidente. Já estou massacrado com isto, pá, este ano cansou-me. Não há dinheiro para nada. Desde que estou cá, o almoço do nosso aniversário é oferecido aos sócios. Este ano é o primeiro em que eles vão ter de pagar, porque não temos condições para oferecer nada a ninguém. Fico triste com isto, claro. Por isso chego ao fim deste ano e dou passagem a outro colega que já está indigitado para presidente.
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Filipe Andrade, 34 anos, imigrante brasileiro, cabeleireiro e maquilhador
Uma vez uma cliente de Angola veio ao nosso salão e disse que queria fazer uma transformação. Ela era mulata, tinha o cabelo preto e abaixo dos ombros e pediu-me para cortar curto, à Chanel, como nós dizemos, e para pintar de loiro. Aquilo para mim parecia uma loucura, mas eu depois falei com ela e compreendi. Parece que ela estava a atravessar um mau momento com o marido, acho que ele andava com outra mulher que era loira. Então ela quis fazer a transformação para impressioná-lo. Dizem que mulher traída é capaz de qualquer coisa. E é verdade. Mas fiquei contente, porque meses depois voltei a encontrar essa cliente e ela disse que estava tudo bem entre ela e o marido. Ela falou para mim: “Ele adorou o meu cabelo!”.
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Maria José, 88 anos, reformada e vendedora de livros usados em Lisboa
Dantes vendia livros numa rua aqui perto, mas a senhoria morreu. Então vim para este quiosque há um ano, mas isto não me dá dinheiro nenhum. Pago 34 euros por mês de renda e há dias em que não vendo nada. Os livros que tenho aqui estão todos a 50 cêntimos, às vezes um euro. Venho cá mais para me entreter. Chego às nove e fecho às quatro da tarde. As pessoas vão passando, ficamos a falar um bocadinho… Também há quem me ajude, porque como eu nem sequer tenho eletricidade aqui no quiosque, é preciso muita força para abrir e fechar a porta. Já cá veio um engenheiro ver disto, mas ficava-me muito caro. Prefiro pedir a ajuda a quem passa quando é para abrir ou para fechar a loja. Quem me ajuda mais são os arrumadores de carros que andam por aí.
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Grigóri Boblienko, 57 anos, imigrante ucraniano e diácono da Diocese de Korsoun da Igreja Ortodoxa Russa, em Lisboa
Nós temos fiéis de todo o mundo, até da Etiópia, mas a maior parte dos que vêm à nossa igreja são russos e ucranianos. A eles digo-lhes que o essencial é termos amor no nosso coração. Se soubermos o que é o amor, então não temos de nos preocupar com o que se passa de mau entre a Ucrânia e a Rússia. E também digo que a nossa Igreja assenta na guerra. Cada um de nós tem o dever de ser guerreiro. Só que esta guerra não é com o próximo, é connosco mesmos. É uma guerra que cada um tem de fazer consigo próprio, é uma guerra para dentro. Não há vitória maior do que quando uma pessoa vence as suas fragilidades.
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Josine Monalisa, 28 anos, stylist
Estive emigrada nos Emirados Árabes Unidos, no Dubai, durante dois anos. Achei uma aventura ótima, viajei imenso, viajei meio mundo. Quando fui para lá estava farta daquela conversa da crise e tinha uma ideia negativa de Portugal e dos portugueses. Diverti-me imenso – acho que me diverti mais do que trabalhei – mas prefiro que haja uma certa dificuldade em vingar no mercado de trabalho cá do que estar a investir o meu tempo a trabalhar fora do país. Voltei há um ano. O que me fez tomar a decisão de voltar foi mesmo construir carreira. Estou a trabalhar por conta própria como consultora de comunicação e stylist. Tem os seus altos e baixos, mas se formos proativos e se fizermos o que é esperado de nós, pode correr bem. Os meus clientes acabam por ficar fiéis.
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Júlio Lopes Antunes, 77 anos, reformado, leitor de livros sobre espiritismo
Há quem diga que os mortos que vão, que não voltam e que não falam e que não isto e que não aquilo. Eu sou da opinião contrária. Anda tudo obcecado, anda tudo à razão de juros, uns porque perdem os empregos e a sua subsistência é praticamente nula. O Além pode ajudar. O espiritismo mete confusão a certas pessoas e mete medo, mas ai de nós se não fossem os seres superiores que estão no Além que nos ajudam.
Nem ao diabo lembra beber água oxigenada. Eu bebo. Faz bem para limpar o sangue. Adquiri um livro, chama-se “O Boticário”, e foi um médico brasileiro que descobriu a fórmula. Num copo, põe água até meio e deita 50 gotas de água oxigenada. Pode ir até 150 gotas. Eu bebo antes das refeições. Há uma série de tempo que não vou ao médico, fui lá ontem única e exclusivamente para me passar o atestado para renovar a carta de condução. A coisa boa da minha vida é eu acordar todos os dias. Não tenho medo da morte. Sei que o corpo é o revestimento do espírito. Nós somos eternos, não somos eternos corporalmente, mas somos espiritualmente, passamos é por várias fases.
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Fernando Reis, 37 anos, dono do Talho Favorito de Alfama
Este ano comecei a vender mais, finalmente. Agora com o turismo a crescer aqui no bairro as coisas ficam melhores. É o que eu sinto. Às vezes vem cá gente de fora ao talho, mas o que eu noto é que as pessoas cá do bairro que tratam das casas que estão a ser alugadas aos turistas voltaram a comprar carne no talho. Deve ser porque estão com mais dinheiro. Mas quando vendi mesmo a sério foi nos Santos Populares. Antes de começarem as festas, liguei ao fornecedor: ‘Olha, traz-me chouriços, bifanas, e entremeada. Uma tonelada de cada’. Ele disse-me que eu estava maluco, que não ia conseguir vender tudo e que metade ia ficar a estragar. Ao final de três dias peguei no telefone e liguei-lhe: ‘Olha, vendi tudo, anda cá trazer mais.’
© João de Almeida Dias
Inês Gomes, 10 anos, estudante na Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa
Fiz 10 anos em março, mas até agora a minha vida não mudou muito. Hoje fiz o exame de Português da 4ª classe. Estudei muito e correu bem. Havia lá uma frase que era “os alunos jogam futebol” e nós tínhamos de arrodear o sujeito e o predicado. Eu disse que o sujeito era “os alunos” e que o predicado era o resto, só que no final do exame houve uns meninos disseram que era ao contrário. Mas eu já sei que fiz bem.
Aqui no Conservatório, só neste ano tive de mudar de sala três vezes, porque chovia lá dentro e não era seguro. Ninguém quer levar com um tijolo na cabeça enquanto estuda. O mais importante é a segurança das pessoas e, depois, das coisas valiosas que temos cá. Instrumentos, quadros, móveis… Por exemplo, se aquela parede cai, vai tudo à fava! Mas também acho mal que andem a escrever nas paredes a dizer coisas. É feio, não gosto nada de graffiti. Para mim, é melhor dizer a toda a gente para ajudar o Conservatório do que andar a escrever nas paredes. Isso só estraga mais.
© Hugo Amaral/Observador