Se António Costa aumenta a temperatura, Rui Rio agarra-se ao termóstato. Se António Costa insiste na maioria absoluta, Rui Rio ridiculariza a ideia. Se António Costa se agarra a Marcelo, Rui Rio atira-lhe Cavaco Silva e, sobretudo, Mário Soares e Jorge Sampaio. Se António Costa queima pontes à esquerda, Rui Rio até se dá ao luxo de distribuir pastas pelos parceiros à direita.
Tem sido sempre assim, uma marcação cerrada sem punhos cerrados. Além de umas referências vagas a José Sócrates – sempre sobre a receita económica socialista, nunca sobre os casos de justiça – e críticas à gestão do Novo Banco ou da TAP, por exemplo, Rui Rio tem evitado atirar-se à jugular de António Costa, ao mesmo tempo que vai tentando esvaziar lentamente o balão socialista.
“Eu tenho os pés assentes no chão, não é como António Costa que pede uma maioria absoluta em cada canto e em cada esquina, sabendo que é praticamente impossível”, disse em Bragança. “Alguém que teve a governação que teve nestes seis anos, achar que o povo ainda está disponível para dar maioria absoluta é algo que é muito arriscado”, sugeriu em Vila Real. “Eu também quero uma maioria absoluta, não o posso criticar por isso”, ironizou em Setúbal. “Estamos em igualdade de circunstâncias, ele quer e eu também, mas é muito difícil para seja quem for”, relativizou em Viseu.
O núcleo duro de Rui Rio sabe que o pior que pode acontecer ao partido é permitir que a onda pela maioria absoluta socialista comece, de facto, a alastrar-se. Aumentar o tom do bate boca com António Costa seria deitar gasolina para essa fogueira, bipolarizar ainda mais esta corrida e forçar um movimento de cerrar de fileiras no eleitorado do PS — e convém a Rio que parte desse eleitorado se mude para o PSD ou, no limite, que fique em casa, como aconteceu a Fernando Medina.
A ordem, por isso, é não agitar o ninho de vespas socialistas, manter o rumo, evitar correr riscos e deixar que o PS, como no ténis, cometa erros não-forçados. Sobretudo numa altura em que as sondagens começam a sorrir aos sociais-democratas. Esta quinta-feira, muito antes de serem publicadas a sondagem da RTP (apenas quatro pontos de diferença) e os novos dados da tracking poll da CNN Portugal (empate técnico) já estas eram discutidas alegremente por alguns dos operacionais de Rio como um possível ponto de viragem. E a campanha ainda nem vai a meio.
Desvalorizar trunfo Marcelo
Depois do frente a frente com Rui Rio, António Costa deu uma espécie de flash interview onde tentou usar a autoridade e popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa para desdramatizar os riscos de uma eventual maioria socialista.
“Felizmente, temos um Presidente que tem todo um mandato que vai cobrir a próxima legislatura, é uma pessoa de quem os portugueses gostam. Alguém acredita que com Marcelo como Presidente da República poderíamos ter uma maioria absoluta que pisasse o risco? Não pisava o risco dois dias, era o primeiro [dia] e acabava”, disse Costa.
Esta quarta-feira, durante o debate organizado por algumas rádios a que Rui Rio faltou, António Costa voltou a acabar agarrado ao Presidente da República. “Quem acredita que com Marcelo, uma maioria do PS podia pisar a linha? É um Presidente em que os portugueses confiam plenamente. Tal como Soares impôs limites, também o atual porá”, sugeriu o socialista.
Aos olhos da direção do líder social-democrata, a estratégia de Costa é percecionada como um ato de algum desespero. Mas não deve ser desvalorizada: Rio não tem, evidentemente, nenhum interesse em que se instale a ideia de que estas eleições são uma espécie de referendo à dupla Costa-Marcelo e de que Marcelo é uma espécie de via verde de Costa para a maioria — ainda para mais quando é conhecida e documentada a pouca sintonia entre Rio e Marcelo.
Vai daí, Presidente com Presidente se paga. “Acho uma coisa curiosa que António Costa diga que podem confiar na maioria absoluta ao PS porque temos o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Tem mais confiança no presidente Marcelo do que em Mário Soares, Jorge Sampaio ou Cavaco Silva?. Não é uma questão de Presidente da República”, anotou Rio.
Subtexto: nem Soares controlou as tendências de fechamento do cavaquismo, nem Sampaio ou Cavaco impediram o desfecho de José Sócrates; com ou sem Marcelo, António Costa e o PS não são merecedores da maioria absoluta, vai sugerindo Rio.
Candidato a abre-latas
A par desta mensagem, Rui Rio tem-se esforçado por vender uma outra: se António Costa continua em modo de política de terra queimada — ainda esta quinta-feira, no debate com algumas rádios, travou-se de razões com Rui Tavares, o líder partidário que mais força tem feito para dar soluções ao socialista –, o social-democrata não tem hesitado em repetir toda e total disponibilidade para fazer parte da solução.
Esta quinta-feira, em duas ocasiões diferentes e sem hesitação aparente, concedeu pastas ministeriais num futuro governo de direita a CDS e Iniciativa Liberal. “Havendo uma negociação com o CDS e a Iniciativa Liberal pode passar por integrar o Governo ou não. No passado, o CDS integrou sempre o Governo”, reconheceu Rio, chegando mesmo a admitir que a pasta da Defesa ficaria bem aos democratas-cristão.
De fora do clube ficou definitivamente o Chega. À pergunta sobre se aceitaria ter André Ventura como número dois num governo, Rio nem perdeu tempo com o assunto. “Tenho de concordar com André Ventura, porque eu fui o primeiro a pedir que fizéssemos uma campanha bem-disposta e com humor. É evidente que é uma piada“, despachou.
As ambiguidades em relação ao Chega parecem ter acabado o que tem o triplo efeito de não dar munições a André Ventura, de fazer do tema politicamente menos sensível e de tornar mais inverosímeis os papões agitados por António Costa sobre a possível aliança entre PSD e Chega.
Ao mesmo tempo, Rui Rio vai insistindo na estratégia que começou a ensaiar ainda antes do Congresso do PSD: se perder, está disponível para negociar com o PS em nome da estabilidade; se ganhar, espera que o PS faça o mesmo. Ora, sem a ameaça de uma direita musculada no poder, com a garantia que se precisar de uns pózinhos Costa contará com o PSD, o eleitorado potencial do PS terá menos motivos para sair de casa.
Rio também conta com isso, ao ponto de esta quinta-feira ter ensaiado um tímido piscar de olho ao eleitorado mais à direita no PS, quase a sugerir uma espécie de levantamento em nome do reformismo. “Só posso fazer a campanha que faço, e se o PS não quer, que pelo menos dentro do PS haja quem queira, e provoque alguma turbulência e acabemos por ter um PS com uma atitude mais reformista”, disse. Vale mesmo tudo para captar a atenção do eleitorado mais moderado.