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Francisco Rodrigues dos Santos durante o discurso em que assumiu a derrota
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Francisco Rodrigues dos Santos durante o discurso em que assumiu a derrota

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Francisco Rodrigues dos Santos durante o discurso em que assumiu a derrota

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Uma coroa de flores para um partido defunto. A morte do CDS como o conhecemos (1974-2022)

Ao fim de quase cinco décadas, o CDS está, pela primeira vez, fora do Parlamento — e há quem vaticine o fim do partido. Rodrigues dos Santos demitiu-se, mas diz que não abandona o partido.

Àquela hora da noite, os resultados ainda não eram finais, mas já se adivinhava que a morte do CDS podia estar por horas. Em frente à sede do partido fundado em 1974 estava uma mão cheia de jornalistas e simpatizantes centristas quando se gerou um burburinho. Do lado esquerdo do edifício surgiu um homem empunhando uma grande coroa de flores; sempre em silêncio, dirigiu-se a um banco de madeira em frente ao edifício, no Largo do Caldas, em Lisboa, e depositou ali a coroa.

O simbolismo era evidente e o ato atraiu de imediato as atenções de jornalistas e militantes. “Desculpe, o que é que é isto?”, perguntou uma apoiante centrista que de imediato se abeirou da coroa de flores para ler a nota que a acompanhava. Assim que leu o texto, pegou na coroa de flores e levou-a para o interior do edifício, desfazendo-se em imprecações contra o homem que havia trazido o objeto e que já se encontrava à distância. “Olhe, desculpe, tenha vergonha na cara. Quem fez isto, tenha vergonha na cara!

A mensagem era ácida: “Para consolo dos que ficam, rezemos pelos que nos deixam nesta hora de pesar. Paz à sua Alma, que descanse a Comissão Política Nacional do CDS-PP e o seu excelso ‘presidente’. Do teu irmão desaparecido, da tua prima modernaça e do teu primo sem maneiras.” As referências ao vídeo de Natal de Francisco Rodrigues dos Santos, que apelidava assim PSD, IL e Chega, eram explícitas — e o CDS acabaria mesmo a jantar sozinho.

Francisco Rodrigues dos Santos assumiu a derrota eleitoral no Largo do Caldas

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O episódio da coroa de flores enfureceu os centristas que neste domingo se concentraram na sede do CDS para acompanhar a noite eleitoral. Nos corredores do edifício do Largo do Caldas, vociferou-se contra “a oposição a esta direção“, que foi genericamente apontada como autora do sucedido, segundo ouviu o Observador junto de alguns militantes. Mas aquele episódio foi a única perturbação numa longuíssima noite de tensão e silêncio na sede do CDS — uma tensão e um silêncio que se tornaram mais inquietantes e ruidosos à medida que as horas passavam e se tornava cada vez mais evidente que o partido arriscava nem sequer eleger o líder para o Parlamento.

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Durante várias semanas, as sondagens foram pintando um cenário negro para o CDS. Já reduzido a cinco deputados desde o desastre eleitoral de 2019, o partido chegou a este domingo já encaminhado para o pior resultado eleitoral da sua história, com alguns sondagens a apontarem para a possibilidade de o CDS não conseguir eleger ninguém ou, na melhor das hipóteses, não ultrapassar os dois deputados. Francisco Rodrigues dos Santos passou a campanha eleitoral a desvalorizar as sondagens, a garantir que o CDS seria a grande surpresa da noite e a prometer que o partido se apresentaria como a solução para uma maioria de direita que não cederia ao PS.

Este domingo, Francisco Rodrigues dos Santos chegou cedo ao Largo do Caldas — pouco depois das 17h — e refugiou-se de imediato no segundo piso com a direção do partido, não se deixando vislumbrar durante toda a noite. A primeira figura do partido a surgir no púlpito instalado no primeiro piso, onde o jornalistas esperaram horas a fio, foi o vice-presidente Pedro Melo para uma reação cautelosa às projeções à boca da urna, divulgadas às 20h, que pareciam a concretização do pior: “Estamos habituados a esperar e temos de esperar mais umas horas.

Pedro Melo, vice-presidente do partido, foi a única figura do partido a surgir em público antes de Rodrigues dos Santos

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ainda assim, logo desde o primeiro momento, Pedro Melo procurou enquadrar aquele que poderia vir a ser o discurso de Francisco Rodrigues dos Santos perante um resultado trágico, mas que não levasse o partido a desaparecer do Parlamento. “Vaticinaram que o CDS não ia ter representação parlamentar“, disse, afirmando que o partido ganharia às sondagens mais negras e apresentando logo a polarização destas eleições como justificação para o mau resultado que surgia no horizonte. Ainda assim, com o PSD já a quase dez pontos percentuais do PS e a perspetiva de uma maioria absoluta socialista, Pedro Melo atirava a toda a direita: uma terceira vitória consecutiva da esquerda obrigaria “toda a direita” a uma reflexão.

Terminado o protocolar pronunciamento sobre as primeiras projeções, Pedro Melo regressou ao segundo piso da sede do CDS e dali ninguém sairia durante cerca de quatro horas. Começava a contabilização dos votos e a concretização do pesadelo dos centristas. No primeiro piso do Largo do Caldas, ficaram apenas os jornalistas e meia dúzia de militantes da Juventude Popular em torno da mesa de comes e bebes. Reinava um silêncio tenso que se intensificava com o passar das horas — e nem um candidato do CDS via a sua eleição confirmada.

Pelo meio, o episódio da coroa de flores aprofundou o desconforto dos centristas. Na sede, não surgiu nenhuma figura de proa da história do partido à exceção de Ribeiro e Castro, o ex-presidente do CDS que desta vez foi candidato em segundo lugar na lista por Lisboa. Durante quatro horas, era quase audível o roer de unhas permanente dos poucos militantes colados à televisão. Não havia horas para a intervenção final de Francisco Rodrigues dos Santos. Já se adivinhava que seria um discurso de derrota, mas ainda não se conhecia a dimensão da derrota. Só quando os resultados fossem definitivos é que Francisco Rodrigues dos Santos falaria.

"Estes resultados não deixam margem para dúvidas de que deixem de reunir condições para liderar o CDS"
Francisco Rodrigues dos Santos

As horas passaram e na televisão colocada do lado direito do púlpito foram desfilando todos os líderes partidários: Jerónimo de Sousa e Catarina Martins a assumir derrotas, André Ventura a cantar vitória, Rui Tavares a prometer uma renovação da esquerda no Parlamento, Rui Rio a reconhecer que os resultados ficaram aquém do esperado, João Cotrim Figueiredo a prometer uma onda liberal para Portugal. Até António Costa, o vencedor absoluto da noite, discursou antes de Francisco Rodrigues dos Santos, que esperou até ao último segundo pelo desempate em Lisboa. Por volta das 00h30 tornou-se evidente que a eleição no distrito da capital penderia para o lado do PAN — e que o CDS ficaria, pela primeira vez em 47 anos de história, arredado do Parlamento.

Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador.

Uma coroa de flores na despedida do CDS do Parlamento

Trinta e cinco anos depois do desastre eleitoral que fez o CDS ficar conhecido como “partido do táxi” — em 1987, o partido passou a ter apenas quatro deputados, depois de ter tido mais de quarenta parlamentares nos primeiros anos da democracia portuguesa —, Francisco Rodrigues dos Santos levava o partido a um novo mínimo.

Já passava da 00h30 quando Rodrigues dos Santos desceu, finalmente, a escadaria do Largo do Caldas e se dirigiu ao púlpito, visivelmente afetado pelo resultado negativo da eleição. Preparava-se para assumir a derrota, mas, antes, não poupou nos ataques aos seus críticos: “Quero dizer a todos os militantes do partido, ao longo destes quase 50 anos da nossa história, que sei bem com quem contei, aqueles que estiveram presentes” e que “não viraram as costas” ao partido, disse Rodrigues dos Santos.

Rodrigues dos Santos demitiu-se na sequência dos resultados da noite eleitoral

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O CDS viveu os últimos dois anos — e especialmente os últimos meses — em clima de guerra interna. O líder, eleito em 2020, não se sentava no Parlamento e nunca foi próximo do grupo parlamentar do partido. Nos últimos meses, a controvérsia em torno da antecipação, e posterior adiamento, do congresso eletivo para depois das legislativas, desgastou profundamente a imagem de Francisco Rodrigues dos Santos, que viu vários dos históricos do partido afastarem-se do CDS — e o grupo parlamentar a desintegrar-se, cortando relações com o presidente.

Durante o silêncio de Rodrigues dos Santos na noite eleitoral, um desses críticos, Diogo Feio, já tinha recorrido ao Facebook para vaticinar um futuro sombrio para o partido. “Os dados demonstram que o CDS tem o pior resultado da sua história”, escreveu no Facebook. “Está no patamar da total irrelevância, num nível de partidos sem verdadeira representação nacional. No dia em que todos os partidos não socialistas podem aumentar percentagem e número de deputados o CDS cai em todos os indicadores.”

Será a altura de com seriedade e dignidade fazer uma reflexão no próximo congresso. Que rupturas fazer? Qual o caminho possível, se é que há? O que faz sentido? Tudo poderá e deverá, com dignidade institucional, estar em aberto“, acrescentou ainda Diogo Feio, deixando antever que poderá mesmo não haver um caminho para o partido.

Só depois de atirar aos críticos é que Francisco Rodrigues dos Santos se virou para dentro. “Este é um mau resultado para o CDS, que ao fim de 47 anos perde a sua representação parlamentar“, disse, verbalizando pela primeira vez que o partido, um dos fundadores da democracia portuguesa, estava fora do Parlamento. O resultado desta noite “confirma o caminho do socialismo em Portugal, ao qual o CDS, desde o início, sempre se mostrou opositor”, acrescentou, antes de comunicar uma decisão esperada: a sua demissão.

Estes resultados não deixam margem para dúvidas de que deixem de reunir condições para liderar o CDS“, afirmou, salientando que tinha, pouco antes, apresentado a sua demissão ao Conselho Nacional do partido. O líder demissionário do CDS diz ainda que o partido “não morreu” e disse-se esperançoso de que o partido volte a estar no Parlamento nas próximas legislativas.

Rodrigues dos Santos procurou ainda apresentar justificações para o mau resultado. “Fomos o partido mais penalizado por uma certa bipolarização que foi sendo ventilada por diferentes sondagens“, explicou. Além disso, a falta de “paz interna” não permitiu ao CDS focar-se na oposição ao PS. Por outro lado, Francisco Rodrigues dos Santos sublinhou que foi o primeiro presidente do CDS a deparar-se com um cenário de maior concorrência dos novos partidos à direita — devido ao surgimento da IL e do Chega. Francisco Rodrigues dos Santos disse ainda que herdou “um partido falido financeiramente, que teve de honrar os seus compromissos” e por isso não pôde investir na propaganda eleitoral. “Estas eleições legislativas foram feitas sem qualquer financiamento da parte da banca”, justificou.

"Nunca tive tréguas dos meus opositores"
Francisco Rodrigues dos Santos

Além disso, disse Rodrigues dos Santos, a sua ausência do Parlamento também contribuiu para a derrota. “Eu era o único líder de um partido com representação parlamentar que não foi deputado”, sustentou. “Assumo as responsabilidades deste resultado eleitoral.”

Finalmente, Rodrigues dos Santos terminou como tinha começado: com críticas aos seus oponentes. “Nunca tive tréguas dos meus opositores“, disse, assegurando que não desistiu do CDS e prometendo: “Nunca farei aos outros o que me fizeram a mim.”

Já demissionário, Francisco Rodrigues dos Santos saiu do Largo do Caldas sob fortes aplausos das poucas dezenas de militantes que ali se juntaram para acompanhar os resultados eleitorais. Mas, após a longa espera, a desmobilização foi rápida. Os centristas, com rostos fúnebres, apressaram a sair da sede do partido e a noite morreu rapidamente.

Fora do Parlamento pela primeira vez, restam as dúvidas: pode o CDS sobreviver? Assumindo que o partido se mantém no ativo, nas próximas eleições legislativas, começa do zero — sem a atenção mediática, o financiamento e, sobretudo, a relevância política dos partidos que estão no Parlamento e que, por isso, participam no debate. Pouco depois de confirmado o resultado desastroso do CDS, o ex-deputado centrista e histórico militante do partido António Lobo Xavier manifestava, na CNN Portugal, as suas dúvidas de que o CDS se venha a reerguer.

“É o pior resultado de sempre e é uma ameaça de fim”, afirmou mesmo. “Não há história em Portugal de partidos que desaparecem do Parlamento e que depois para lá voltam.

O fim da relevância política do CDS não precisa, porém, de se traduzir numa extinção, defendeu Lobo Xavier. “Os partidos não precisam de ter assento parlamentar. A corrente de pensamento do CDS, como eu a entendo, uma corrente democrata-cristã, que tem elementos conservadores, liberais, mas profundamente democrática e social, tem o seu lugar, mesmo sem deputados. É quase mais uma associação de pensamento político, mas não tem de fechar as portas nem declarar o fim nem a extinção só porque não tem deputados”, disse o histórico centrista. “Mas obviamente que o seu futuro é um futuro negro e triste.”

[Como se desenhou um mapa cor-de-rosa absoluto. O filme da noite eleitoral:]

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