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NUNO VEIGA/LUSA

NUNO VEIGA/LUSA

Uma lei que coloca em causa a saúde pública? Veterinários municipais em greve pedem revogação imediata do diploma

A transferência de competências da DGAV para os municípios está a preocupar os veterinários. As pressões do poder local, a ameaça à saúde animal e pública e o prejuízo nas exportações em cima da mesa.

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Foram dois dias de greve dos médicos veterinários municipais que receiam as pressões do poder local e os riscos para a saúde dos animais e até para a saúde pública. Efeitos que podem resultar da passagem de poderes para as autarquias. A greve termina às 23h59 desta quarta-feira e “mais do que provocar a rutura do abastecimento de carne” nos talhos do país os veterinários queriam “alertar para as consequências da descentralização” de competências na proteção e saúde animal e da segurança dos alimentos.

A Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais tem sido um dos dossiers mais complexos da legislatura do atual Governo. Foi conseguida através do acordo do governo com o PSD. Há 23 áreas onde as autarquias devem assumir novas competências, quando as aceitam — só a partir de 2021 é que são obrigadas. Uma dessas transferências é a que os veterinários contestam.

A Ordem dos Médicos Veterinários já tomou uma posição face à publicação do diploma e os médicos veterinários só querem uma coisa: “salvaguardar a saúde pública”.

No mesmo sentido, a Associação Nacional dos Médicos Veterinários dos Municípios e o Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários divulgaram esta quarta-feira um vídeo pela revogação do diploma.

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Segundo o texto da lei, esta descentralização ocorre em áreas em que a “proximidade do órgão decisor à situação permite a obtenção de ganhos de eficiência” se a competência estiver do lado dos municípios. As explorações de animais de tipo 3 são as mais pequenas (em número de animais) e representam a grande maioria de explorações existentes no território português. No diploma está expresso que “no âmbito da classe 3 e na detenção caseira, a proximidade com o órgão decisor resulta em evidentes ganhos de eficiência”, sendo que não se “identifica fundamento” para que as competências de supervisão e controlo dessas explorações continuem em “qualquer órgão da administração central”.

O que muda na atividade dos veterinários municipais?

No âmbito da descentralização foram transferidas para os municípios — os 278 do continente já que as regiões autónomas ficam fora do diploma — competências que, até agora, estavam nas mãos da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). Este ano a aceitação de competências era opcional e apenas 58 municípios aceitaram já a descentralização nesta área.

Se a lei não for revogada, a partir de 2021 todos os veterinários municipais estarão a trabalhar sob as indicações dos respetivos municípios e é aqui que começam os problemas que justificam a greve dos veterinários e o pedido de revogação do diploma. Há várias alterações que os profissionais consideram “graves”.

Caberá a cada executivo municipal, por exemplo, determinar se a vacinação antirrábica (contra a raiva) é administrada no concelho ou não. Fazendo um paralelo para o que acontece na saúde humana, seria o mesmo que o presidente da câmara decidir se as crianças seriam vacinadas contra a poliomielite ou não. Os veterinários levantam também questões relativamente à isenção dos profissionais face ao poder local, que vai passar a tutelar a sua atividade, e à segurança alimentar que, com estas alterações, poderá ficar comprometida.

O presidente de câmara que também é dono de matadouros

De acordo com os dados apurados pelo Observador, há dezenas de matadouros que são propriedade municípios ou que têm as autarquias como acionistas. Só a Norte há seis. Segundo a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), o trabalho do veterinário que faz as obrigatórias inspeções sanitárias aos centros de abate estará comprometida por não estar garantida a necessária isenção.

“Como vai um veterinário mandar encerrar - ainda que possa ser uma medida provisória - o matadouro do presidente da câmara se é o mesmo presidente da câmara que é responsável pela sua contratação e pelo pagamento de ordenado?”

A questão parte de Ricardo Lobo, membro da direção da ANVETEM, e preocupa os veterinários municipais, que temem perder a capacidade de agir perante inconformidades. Até à aprovação deste Decreto-lei, 40% do salário dos médicos veterinários municipais era pago pela DGAV e os restantes 60% eram suportados pelo município, garantindo a isenção dos profissionais em relação ao poder local. Agora, os veterinários passam a estar 100% dependentes do poder local.

A lista de decisões e competências que passa a integrar as funções do presidente de câmara é extensa e complexa. Nas mãos da autarquia passa a estar a decisão sobre vacinação de animais, sobre as contraordenações a aplicar em algumas infrações ou até da inspeção sanitária nos locais destinados à produção de carne para a alimentação humana que terá, diretamente, implicações na saúde pública.

No texto do decreto-lei há duas categorias: uma da “determinação do presidente” e outra da “competência do presidente”. Apesar da diferença nas expressões, o efeito é o mesmo: será o executivo camarário a poder definir intervenções de fundo na área da saúde e segurança animal.

Segundo o diploma, a vigilância sanitária e combate a zoonoses (doenças que os animais transmitem ao homem e vice-versa, como a raiva) será realizada consoante a “determinação do presidente”. Da “competência do presidente” passa a ser a vistoria e manutenção das condições higio-sanitárias dos estabelecimentos; os controlos oficiais das condições sanitárias dos estabelecimentos pecuários em que a câmara municipal seja a entidade coordenadora; a inspeção sanitária nos estabelecimentos de abate de animais destinados à produção de carne para alimentação humana; a fiscalização, instrução e decisão sobre os processos de contraordenação; o registo ou aprovação dos estabelecimentos industriais que explorem atividade agroalimentar que utilizem matéria-prima de origem animal não transformada, ou atividade que envolva manipulação de subprodutos de origem animal ou atividade de fabrico de alimentos para animais.

Nas mãos da autarquia passa a estar a decisão sobre vacinação de animais, sobre as contraordenações a aplicar em algumas infrações ou até da inspeção sanitária nos locais destinados à produção de carne para a alimentação humana que terá, diretamente, implicações na saúde pública.

Qual será o destino da Direção-geral de Alimentação e Veterinária?

Nem para os médicos veterinários municipais o papel da Direção Geral de Alimentação e Veterinária para o futuro é claro. Até aqui, dizem, a estrutura era hierarquizada e funcionava “verticalmente” — em linha com as recomendações internacionais. Ao nível central (DGAV) respondiam cinco direções regionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) e a estes reportavam os níveis locais, através do médico veterinário municipal.

Aquilo que “apesar das suas limitações funcionava bem” será distribuído por “278 municípios”, passando cada um deles a ser uma “autoridade competente”. Os veterinários municipais veem nestapulverização das funções da DGAV por centenas de municípios um dos principais entraves à manutenção das boas condições de proteção e saúde animal e de segurança dos alimentos e “um retrocesso” em relação àquilo que já tinha sido alcançado no país com as sucessivas revisões legislativas na área.

Os municípios vão supervisionar todas as explorações?

Não são todas, mas são quase todas. De acordo com os dados recolhidos, a Norte, por exemplo, 90% do número total de explorações são do tipo 3, aquele que passa para a alçada municipal. Até aqui, todos os estabelecimentos que trabalhassem com matéria-prima de origem animal não transformada, ou com subprodutos de origem animal ou atividade de fabrico de alimentos para animais, eram estabelecimentos industriais do tipo 1 mas, com a alteração legislativa, quase a totalidade destes locais passa a ser do tipo 3.

A ANVETEM esclarece que, na prática, em termos de estabelecimentos de abate (matadouros) ficam no tipo 1 —um dos que continua sob alçada da DGAV — aqueles que laborem com mais de 50 toneladas de carcaça bruta por dia. Na zona Norte, por exemplo, de um total de 33 estabelecimentos de abate, ficam na alçada da DGAV apenas quatro (cerca de 12 %). São eles: Matadouro Central carnes, Linda Rosa, Landeiro e Porminho.

No total, de todos os estabelecimentos industriais (matadouros e outros) a percentagem que fica na alçada da DGAV é inferior a 10 %.

Um médico veterinário municipal “faz tudo”?

Sim, terão que fazer muito: inspeção sanitária, inspeção nos postos transfronteiriços e ao bem-estar animal, entre muitas outras. O problema? Há municípios que não têm sequer médico veterinário municipal. E algumas delas, mesmo sem veterinário, já aceitaram mesmo a transferência de competências este ano: Sardoal, Gavião, Alcanena, Chamusca, Figueiró dos Vinhos, Penamacor são alguns destes municípios. Há, ainda, câmaras municipais a contratar médicos veterinários algumas vezes por semana, em regime de prestação de serviços.

As funções que, até aqui, têm sido desempenhadas por equipas com formação específica passam a ser desempenhadas pelos médicos veterinários municipais — que podem, ou não, ser especializados em algumas áreas. Esta falta de especialização poderá exigir aos municípios a contratação de novos recursos.

Durante a negociação deste diploma, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses exigiu que fossem os municípios a determinar as taxas relativas a estes serviços. Ficou salvaguardada a compensação de um eventual aumento da despesa através da fixação de novas taxas.

Uma ameaça à saúde humana?

Para os veterinários a resposta é clara: sim. Além do aparente livre arbítrio para decidir sobre a vacinação dos animais e as inspeções a realizar em cada exploração (multiplicado por 278 municípios), no caso de crises de doenças animais e segurança de alimentos será necessário coordenar 278 entidades — muitas delas sem planos previamente estabelecidos —, para conseguir dar uma resposta coordenada a nível nacional. Basta recordar, por exemplo, a gripe das aves em 2005. Passaram quase 20 anos e as preocupações atuais não se prendem com eventuais crises de doenças animais, mas a ANEVETEM alerta que a Peste Suína Africana já foi detetada no sul da Bélgica e que a Febre Aftosa está a ameaçar o norte de África o que pode colocar Portugal “mais tarde ou mais cedo à prova”.

E na alimentação? Se olharmos para o exemplo de um simples queijo, pode acontecer que haja a mistura de leite colhido em várias explorações. O problema? Cada um deles pode estar sujeito a regras diferentes e isso terá consequências diretas na qualidade dos alimentos e, em última análise, na sua conformidade. Irá depender dos critérios de análise, análise essa que será dificultada porque, a montante, os critérios também não estavam uniformizados.

A economia fica a ganhar?

Segundo os médicos veterinários municipais, não. De acordo com Ricardo Lobo, estas alterações poderão prejudicar em “grande escala” as exportações e acordos já estabelecidos com países externos. O veterinário recorda as frequentes auditorias da Rússia e da China, que considera “selvagens” — muito exigentes — e que são feitas aos serviços oficiais. Com a descentralização para os municípios vão passar a incluir todas as entidades que terão de ter toda a informação devidamente arquivada e categorizada de acordo com a legislação internacional. Além de dificultar a tarefa ao país ‘avaliador’ exige aos municípios disponibilidade material e de recursos à disposição das auditorias que, regra geral, são realizadas sem aviso prévio.

O Observador contactou a DGAV no sentido de obter esclarecimentos, mas até à data de publicação deste artigo não foi possível obter resposta.

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