A festa prometia todos os ingredientes que um conto de fadas exige: uma infanta apaixonada, um cenário majestoso, uma lista de convidados de luxo e uma grande celebração. Pois então, o casamento de Maria Francisca, duquesa de Coimbra, preencheu todos os requisitos e ainda contou com momentos pouco habituais. Um presidente da República que chegou atrasado, dois bolos, uma série de pessoas na rua a aplaudir o “sim” dos noivos e um invejável dia de verão a 7 de outubro.
A família dos duques de Bragança pode não ser reinante, mas os laços familiares espalham-se por toda a Europa e não faltaram à chamada para a festa primos e amigos de variadas casas reais. Na verdade, o envio de convites traduziu-se em cerca de 1.200 convidados. Para que tanta gente desfrutasse de uma cerimónia cheia de música, só um grande monumento poderia servir de cenário. E assim, 28 anos depois do casamento dos pais, viria a filha a cumprir o desejo da mãe de casar na impactante Basílica de Mafra.
O terreiro Dom João V, que se estende frente ao templo, serviu de praça para a festa popular onde muitos curiosos se juntaram desde a manhã para ver a noiva e os convidados — e, claro, comer uma fatia de bolo, prometida pela família da noiva. Os convidados começaram a desfilar para o interior ainda de manhã, dando o arranque a um dia de celebrações que teria o ponto alto na cerimónia de casamento às 15h00 e terminaria depois de um cocktail pelas 19h00. As celebrações continuariam depois na casa dos duques de Bragança em Sintra, mas para uma lista de convidados mais restrita. Para quem não teve convite, aqui fica o resumo deste dia de festa.
“Um dia para partilhar” que começou cedo
“Este vai ser mais um dos eventos da nossa família que é para partilhar com toda a gente que queira”, disse a duquesa de Bragança ao Observador algumas semanas antes do casamento. Pouco passava do meio dia deste sábado e o Terreiro Dom João V estava a postos para o casamento real. Havia um perímetro de segurança para os convidados e bandeiras hasteadas à volta de toda a praça, intercalando as cores da monarquia com o monograma dos noivos.
Ainda antes dos convidados, chegaram os simpatizantes, como Otaviano, que assegurou o seu lugar logo às 9h00 da manhã para ter “uma posição melhor”. Foi munido de bananas e bolo para aguentar a espera, decidido a ver alguns dos convidados. “Vim aqui hoje para ver os duques de Bragança e o senhor Presidente, que nunca vi pessoalmente, o Paulo Portas, o senhor doutor Passos Coelho… E os noivos”, disse ao Observador.
Às 13h00 começou o cortejo de convidados para o interior da basílica e vislumbraram-se os primeiros chapéus. Mandava o protocolo que os homens usassem uniforme, fraque ou fato escuro e, para as senhoras, o dress code recomendava vestido curto e chapéu. Viria a seguir-se um verdadeiro desfile de vestidos coloridos, chapéus e acessórios de cabeça muito variados, e também belas joias, com destaque para as peças com pérolas.
Enquanto a Basílica de Mafra enchia rapidamente, na rua acumulavam-se quem quis acompanhar de fora e os responsáveis pela animação. Chegavam escuteiros de Mafra e uma banda Filarmónica, que se juntariam a cerca de 20 grupos de dança e ranchos, já esperados, para animar o espaço.
O embaixador José de Bouza Serrano não passava despercebido à porta da igreja. Como um dos responsáveis pelo protocolo do evento, explicou ao Observador semanas antes quão complexa é a organização dos lugares num evento desta magnitude e com uma lista de convidados tão ilustre e esteve lá para receber muitos deles. Afinal, estiveram presentes representantes de variadas casas reais, nomeadamente do Luxemburgo, França, Brasil, Alemanha, Itália, Liechtenstein, Bélgica e Áustria, entre outras.
Vestidos coloridos, chapéus vistosos e joias. Como se vestiram os convidados do casamento real
Às 14h00 em ponto é seguro dizer que começou parte da celebração, ou seja, começaram a ouvir-se os carrilhões. O som destes instrumentos prometia ser um dos pontos altos do dia e a festa até contou com um carrilhanista, Abel Chaves. O conjunto sineiro da Basílica do Palácio Nacional de Mafra, composto por 119 sinos distribuídos entre duas torres, integra dois carrilhões, mandados instalar pelo rei D. João V, em 1730. Um deles foi criado por um famoso construtor de sinos de Antuérpia, Willem Witlockx. É “um dos melhores, senão o melhor, carrilhão do XVIII”, garantiu ao Observador Sérgio Gorjão, diretor do Palácio de Mafra, em antecipação ao evento. O acervo instrumental da Basílica conta ainda com os seis órgãos históricos que, embora originalmente instalados durante o reinado de D. João V, foram substituídos por outros de maior qualidade durante o período de regência do futuro D. João VI.
Entre as mais de mil pessoas convidadas constavam vários nomes bem conhecidos dos portugueses, nomeadamente da área da política. Paulo Portas, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho, Carlos Moedas ou Miguel Albuquerque foram chegando à basílica. Marcelo Rebelo de Sousa só chegaria, pelas 15h20, atrasando o casamento real por causa da sua agenda de Presidente da República.
Os noivos, as tradições e uma cerimónia cheia de música
Duarte de Sousa Araújo Martins pediu a infanta Maria Francisca em casamento no Monte Ramelau, em Timor, com um anel de noivado que mistura o novo e o antigo. Com a cumplicidade dos pais da noiva, a pedra central do anel foi retirada de um par de brincos que pertenceram à mãe de Dom Duarte Pio, também de seu nome Francisca. O noivo substituiu as pedras dos brincos — incluídos também no dia, como peça a usar na festa depois do casamento — por duas esmeraldas, dando-lhes uma nova vida. “Tanto no anel, como nos brincos, tenho a minha avó Francisca e o Duarte representados”, resumiu a infanta.
O noivo, Duarte de Sousa Araújo Martins, chegou à basílica quase às 15h00, entre acenos ao público. Viria a ter a seu lado durante a cerimónia o cunhado mais velho, Afonso, o príncipe da Beira, como padrinho. O primogénito dos duques de Bragança foi, aliás, o primeiro da família a chegar e usou o seu tempo de avanço para falar com quem se acumulava na rua. Não demorou muito até surgir também Dona Isabel de Bragança, a mãe da noiva, que chegou sorridente pelo braço do filho mais novo, o infante Dom Dinis. Como manda a tradição, para o fim ficou noiva, que chegou à basílica em carros de cavalos e acompanhada pelo pai. Embora os olhares estivessem todos sobre a noiva, também o duque de Bragança surpreendeu com um acessório, o chapéu bege que usou para se proteger do sol até à entrada na igreja.
A infanta já havia confessado que o vestido seria simples e assim foi. A peça em silhueta princesa, com decote em V e mangas francesas, adornada suavemente nos punhos, teve também uma pequena cauda. A autora da criação foi a costureira Luzia do Nascimento, bem conhecida da família e habituada a fazer peças para a infanta e para a duquesa de Bragança. Maria Francisca revelou ao Observador que o desenho passou por muitas transformações e que disse à costureira: “A Luzia conhece-me, sabe do que eu gosto, tem liberdade criativa.” Quando experimentou o modelo em pano cru, ficou satisfeita com o resultado e até teve “pena de ter de o desmontar”, para fazer os moldes.
Manda a tradição que as noivas reais usem uma tiara e Dona Maria Francisca levou a tradição muito a sério, usando a mesma joia que já a sua mãe tinha usado. Trata-se da tiara da rainha Dona Amélia, a última rainha de Portugal. A peça foi um presente do Rei D. Luís I para Dona Amélia de Orléans, pelo seu casamento com o então príncipe herdeiro, D. Carlos, em 1886. A futura sogra, a rainha Maria Pia, também ofereceu um colar espelhado a fazer conjunto. A joia foi herdada por D. Duarte e tem sido usado pela sua mulher.
A noiva usou ainda uma outra joia de antiga rainha, que era também madrinha do atual duque de Bragança. Um amigo que tem um antiquário emprestou à infanta uma pulseira que pertenceu à rainha Dona Amélia e que foi adquirida num leilão. “Ele disse-me ‘eu tenho esta pulseira da rainha Dona Amélia que comprei numa leiloeira e faço questão que uses porque é da tua família e tem valor sentimental e histórico’”, revelou a infanta. A infanta usou também os brincos que a mãe tinha usado no seu casamento e que foram um presente dos pais, criados de propósito para jogarem com a tiara.
O noivo também usou um precioso acessório. Duarte de Sousa Araújo Martins levava na lapela uma miniatura da insígnia da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, ordem instituída por D. João VI, tal como Dom Duarte Pio e Dom Dinis.
Pouco passava da 15h30 quando o cortejo do clero se dirigiu ao altar para dar início à cerimónia presidida pelo cardeal Dom Manuel Clemente, anterior patriarca de Lisboa. O irmão mais novo da noiva, o infante Dom Dinis, começou com as leituras. Entre uma soprano, um coro e o som dos carrilhões, o casamento esteve recheado de música. Os noivos deram o “sim” ao cardeal e trocaram alianças, trazidas por uma das pequenas damas de honor. Enquanto, no interior da basílica, o momento era solene e íntimo, no exterior ouviu-se um grande aplauso por parte do público que aguardava para ver os noivos. A cerimónia só ficou completa com as assinaturas dos protagonistas, a entrega aos noivos de terços benzidos pelo Papa Francisco, a leitura da bênção papal e com a entrega do ramo da noiva a Nossa Senhora da Soledad, deixado aos pés da santa que se erguia atrás do altar.
Que comece a festa!
Acabada a cerimónia de casamento, os noivos percorreram a Basílica de Mafra já marido e mulher rumo à rua para cumprimentarem e cortarem um bolo com os curiosos, simpatizantes e gulosos que esperaram no Terreiro Dom João V. “Estou muito feliz”, disse a noiva ao Observador depois do casamento. A infanta Maria Francisca acrescentou que “Dom Manuel Clemente falou muito bem e o coro também estava fantástico”: “Estava tudo espetacular.”
Diferentes por fora, mas iguais por dentro. Assim foram os dois bolos dos noivos criados pelo chef Hélio Loureiro, duas obras de pastelaria que surpreendem pelas quantidades. Segundo o próprio revelou nos dias que antecederam o casamento, a receita dos bolos contava já com 250 quilos de açúcar, 250 quilos de nozes, 500 ovos — já a contar com os ovos moles — e mais 100 quilos de açúcar para recheios. Para os sabores, o cozinheiro inspirou-se na identidade portuguesa para criar um recheio de nozes e ovos moles. Mas, na verdade, para o design a inspiração foi a mesma. O bolo servido cá fora contava com quatro andares em formato retangular, sendo um destes em acrílico, com o monograma dos noivos. Já o bolo servido aos convidados tinha também quatro andares, mas em formato redondo, com um coração de Viana no topo e com uma cobertura em glacê real (ou royal frosting), uma mistura de açúcar em pó, creme tártaro, sumo de limão e claras de ovo e decoração inspirada na filigrana de Gondomar. Ambos os bolos foram cortados pelos noivos com espadas.
Entretanto, a festa continuava nos claustros do convento onde os mais de mil convidados começaram a desfrutar de um cocktail criado pela Quinta do Roseiral. O menu, focado na gastronomia tradicional portuguesa, contou com pratos como choco frito com mousse de aneto, empadinhas de cogumelos silvestres, croquetes com carnes nacionais e até pastéis de bacalhau que, a par dos pastéis de nata, foram pedidos especificamente pelos duques. O polvo e o bacalhau à brás também estiveram presentes. No entanto, aqui existiram também referências a outros países, como o ceviche ou os canapés de foie gras. Para os mais novos, Ana Batalha, CEO da empresa de catering, já havia confidenciado ao Observador que criou opções em formato mini de cachorros, hambúrgueres e waffles. Os noivos juntaram-se depois aos seus convidados.
As celebrações do casamento já tinham começado na véspera, sexta-feira, com um arraial na casa dos duques de Bragança em Sintra. A festa, que começou pelas 18h00, serviu de receção a Portugal aos convidados mais jovens e que vieram do estrangeiro. No fim de um cortejo apareceu a infanta Maria Francisca vestida de noiva do Minho, uma surpresa para o noivo.
Este arraial contou com um menu do chef Hélio Loureiro com uma eleição de produtos de origem nacional, como por exemplo, o porco bísaro ou as ostras da ria de Aveiro, uma mesa mesa bem recheada de pães, azeites variados, queijadas de Sintra, queijadinhas de São Gonçalo e ainda uma carrinha de gelados e sorvetes, feitos pelo chef Tozé Vieira, do Porto.
Seria de novo rumo a Sintra que as celebrações continuariam este sábado à noite. Acabado o cocktail para os convidados do casamento, que teve lugar nos claustros de Mafra, um grupo restrito de convidados teria o copo de água do casamento na casa da família Bragança. O menu voltaria a estar a cargo do chef Hélio Loureiro e seria composto por três momentos: um robalo, servido com arroz caldoso carolino, um dos preferidos do receituário nacional, “bem português e bem tradicional”, notou o chef em conversa com o Observador. De seguida, entra a vitela Barrosã, vinda diretamente da Cooperativa de Boticas, em Trás-os-Montes. “Optámos por uma carne DOP (Denominação de Origem Protegida)”, nota. ” No final, a sobremesa, feita pela empregada da casa dos Duques de Bragança, o cheesecake “de sempre”, que faz “divinamente”, descreve o chef. O menu teria ainda opções vegetarianas e veganas: um chili de abóbora, raviolis de cogumelos com creme de soja e, para terminar, um bolo de chocolate vegan.
Certo é que o dia terminaria em festa: a nova pediu que o seu segundo vestido, o do copo e água, lhe permitisse dançar. Mais à frente, a lua de mel levará os noivos para Marrocos.