No dia em que completou a primeira metade da campanha oficial, André Ventura começou a consolidar a estratégia que vai levar para os restantes sete dias de corrida a Belém: focar as críticas em Marcelo Rebelo de Sousa, colando-o a António Costa.
O plano tem uma razão de ser: o núcleo duro de André Ventura, sabe o Observador, sente que o segundo lugar nas próximas eleições presidenciais é praticamente um dado adquirido. Por duas razões intimamente ligadas: a primeira, mais circunstancial, a onda de apoio a Marisa Matias, que tem potencial para provocar um cerrar de fileiras em torno da bloquista e erodir a base de apoio de Ana Gomes, que se vinha a consolidar.
Em segundo lugar, acredita-se na comitiva do Chega, a capacidade de mobilização daqueles que querem efetivamente votar André Ventura será muito maior do que a mobilização dos que dizem que querem travar André Ventura. Com um fator aliciante para Ventura: é que neste segundo grupo há três opções que rivalizam entre si e que se anulam.
Ventura, como explicava aqui o Observador, não deixará de explorar essa divisão até ao final de campanha: quanto mais se falar em frente de esquerda anti-Ventura, mais o candidato do Chega apoucará dos que querem desistir, sabendo que a reação epidérmica dos seus adversários será imediata.
Mas Ventura também está a dar um passo em frente e a reforçar a mensagem de que esta eleição é, na verdade, um plebiscito à dupla Marcelo Rebelo de Sousa – António Costa. O candidato do Chega sabe que, para atingir resultados redondos, tem de crescer mais entre os que, à direita, estão descontentes com Marcelo.
Este sábado, primeiro em Chaves e Vila Real e depois em Bragança, Ventura insistiu nessa mensagem: “Se esta candidatura ficar à frente da esquerda e da extrema-esquerda, então é um claríssimo sinal vermelho para o Governo inverter aquilo que tem feito ao país e um claríssimo sinal vermelho para que Marcelo Rebelo de Sousa, a vencer, inverta o seu estilo de Presidência.”
Na véspera, já tinha sugerido que Marcelo era uma extensão socialista de António Costa e da adversária de Ana Gomes. Sabendo que à direita a concorrência é limitada — Tiago Mayan Gonçalves não é considerado um adversário à altura –, a máquina do Chega procura a todo custo desgastar Marcelo.
A colagem de Marcelo ao que aconteceu durante a madrugada de sábado nos hospitais é um exemplo disso. Ventura repetiu o mesmo exercício ao longo das três intervenções públicas que teve ao longo do dia: é tão responsável António Costa que não antecipou o que ia acontecer, como Marcelo que permitiu que o Governo se comportasse assim.
Com a frente de esquerda anti-Ventura a reforçar o cimento que une os apoiantes do Chega, é preciso olhar para a frente da direita representada por Marcelo, PSD e CDS. E impedir que a ideia de voto útil no atual Presidente da República seja mais forte que a ideia de voto de protesto.
Ainda assim, ninguém, nem o mais otimista dos apoiantes de André Ventura, acredita neste momento ser possível provocar uma segunda volta. Mas isso não impede o candidato do Chega de repetir, em vários discursos, que persegue e vai conseguir alcançar esse objetivo.
Vai daí, ideia mais repetida e mais constante nas intervenções de Ventura, muitas vezes contraditórias entre si em termos de objetivos eleitorais auto-impostos, é mesmo a do início de um novo ciclo político a partir de 24 de janeiro. O líder e candidato do Chega acredita que estas eleições podem ser uma plataforma para se afirmar, definitivamente, como o verdadeiro líder de oposição a António Costa — e, pelo seu raciocínio, a Marcelo Rebelo de Sousa.
Este sábado, enquanto comentava en passant as sondagens durante o almoço-comício em Chaves, Ventura deixou escapar uma frase que é todo um programa: “Vamos atrás do PSD no próximo ano”. Não deixa de ser uma novidade relevante ainda que ténue: ao longo da campanha, o líder do Chega tem evitado atacar diretamente Rui Rio e o PSD, ainda que não evite falar dos partidos que alternaram na governação nos últimos 46 anos como faces do mesmo sistema que se propõe a destruir.
Mesmo sabendo o núcleo duro do Chega que há muitos no PSD que estão descontentes com a atual liderança porque esperavam de Rio uma oposição mais determinada a António Costa, entrar numa escalada de violência verbal contra o partido de Rui Rio seria um erro político. No entanto, nunca até hoje tinha existido uma referência tão clara à estratégia pouco escondida de esvaziar o PSD.
Nos planos do próprio, a viagem de Ventura ainda agora começou. As presidenciais são apenas um apeadeiro. O próximo passo é crescer para condicionar o PSD e ser decisivo num eventual governo de direita.