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André Ventura tem 38 anos e tendo em conta o plano de vacinação contra a Covid-19 já podia ter as duas doses da vacina. Mas decidiu não o fazer. Não é uma opção definitiva, garante, nem tem motivações políticas, diz também. É uma opção unicamente pessoal, assegura. Seja como for, Ventura, que reconhece existir uma “frente anti-vacinas muito forte” entre o seu eleitorado, não é caso único na cúpula do partido: há dirigentes vacinados e não-vacinados por vontade própria. Mas a questão, insistem, nunca foi discutida internamente.
No domingo, o líder do Chega revelou estar infetado com Covid-19 depois de ter testado positivo em dois exames rápidos. Esta segunda-feira, o teste PCR indicado pela Direção-Geral da Saúde (DGS) confirmou que o líder do Chega está positivo. Ventura tem sintomas ligeiros, nomeadamente tosse e dores nas costas, e irá cumprir o isolamento profilático definido pelas autoridades de saúde.
Em teoria, líder do Chega podia ter sido vacinado há um mês e meio — o agendamento para mais de 37 anos começou a 22 de junho. Até poderia ter sido vacinado bem antes, ao abrigo do plano de vacinação para deputados. Mas o líder do Chega insurgiu-se sempre contra esse estatuto de exceção e chegou mesmo a dizer que seria o “último português a tomar a vacina“, por entender que era o mais certo a fazer.
Quando foi conhecido o diagnóstico, Ventura lançou outros argumentos. Primeiro, o líder do Chega começou por dizer aos jornalistas que não teria sido vacinado por não ter tomado ainda uma decisão. Depois, acrescentou um detalhe diferente: não o teria feito por falta de tempo na agenda. Acabou por ter um contacto de risco e contrair o vírus na noite da data em que se juntou a uma manifestação organizada pelo Chega no Porto “contra as restrições e a falta de apoios, o certificado de vacinação e a destruição da economia portuguesa”.
Agora, ao Observador, Ventura volta a dizer que ainda não tomou uma decisão sobre se pretende ou não ser vacinado contra a Covid-19. Mas avança com uma explicação mais detalhada.
“Não tem a ver com ideologia nem nada. Não é uma questão de ser estruturalmente contra as vacinas por uma ou outra razão. Quero ter mais elementos científicos sobre a vacina, como pessoa responsável. Sei que para outros é suficiente o que existe mas eu quero ter mais informação sobre a vacina e acho que estou no meu direito”, argumenta o deputado.
Receio da reação do eleitorado?
André Ventura reconhece que o Chega tem uma “franja do eleitorado muito anti-vacinas e muito forte contra o processo de vacinação”. No entanto assegura que a sua decisão não está de todo relacionada com os potenciais efeitos negativos que esse gesto poderia ter na perceção dos seus eleitores.
O líder do Chega não se considera um negacionista e recorda que “nunca disse mal” das vacinas. Insiste que tomar “vacina é uma questão pessoal” e diz ter “dúvidas” de que ser ou não vacinado o venha a prejudicar eleitoralmente, seja por quem no Chega é anti-vacinas, seja pelos portugueses que globalmente defendem a vacinação.
“Se decidir tomar a vacina não creio que serei penalizado por isso; e se decidir não tomar também creio que não serei penalizado. Acho que as pessoas compreendem. Tomar a vacina é uma questão pessoal, não é uma obrigação“, diz ao Observador.
Seja como for, André Ventura aponta o dedo diretamente ao Governo e às autoridades de saúde e argumenta que as vacinas estão a ser praticamente impostas aos portugueses. “É uma espécie de obrigação. Com as atuais exigências dos certificados, estão na prática a tornar a vacina obrigatória”, denuncia.
O exemplo de João Tilly
João Tilly, presidente do Conselho Nacional do Chega, líder da distrital de Viseu, conhecido no Youtube e Facebook pelas posições assumidamente anti-vacinação e teorias de conspiração sobre a origem do vírus, acabou por ser vítima do seu próprio partido.
O dirigente do Chega tem usado o blog pessoal para denunciar aquilo que no entender de Tilly são os interesses obscuros na origem das vacinas. A determinada altura, chegou mesmo a escrever um texto sobre “O negócio multimilionário das vacinas obrigatórias” e a prometer que jamais se voltaria a vacinar — sem nunca fazer referência à Covid-19.
“NUNCA na minha vida — mas NUNCA MESMO — eu me vacinaria a mim ou vacinaria um filho meu, se voltasse a ter mais algum”, pode ler-se nesse texto. Tilly participou ainda em várias manifestações que contestavam os efeitos do vírus e fez várias publicações sobre os perigos das vacinas contra a Covid-19.
Acabaria, no entanto, por se vacinar e a anunciar esse momento num outro vídeo publicado no YouTube. O gesto provocou uma onda de comentários contra João Tilly, entre os quais lhe chamavam “agente do sistema”, “incoerente”, “vendido”, “desilusão” e “desgosto”.
O dirigente do Chega foi-se defendendo, dizendo que tentou resistir “até não mais poder” e que “se adoecesse gravemente sem vacina seria um circo”, dando motivos para abrir telejornais com a doença de um negacionista. “Assim não têm hipóteses…”, tentou justificar-se. Acabou, no final de tudo, por apagar o vídeo.
De vacinados a não vacinados: na direção do Chega há de tudo
A posição de André Ventura não é única na direção do Chega, que tem membros vacinados e outros que ainda não têm a vacina contra a Covid-19. Diogo Pacheco Amorim, Nuno Afonso e António Tânger Correa revelaram ao Observador que não foram vacinados por opção, mas não afastam a possibilidade de o serem no futuro.
“Pelo que estudei, na minha idade [72 anos] são mais os riscos da vacina do que da doença. Ouvi opiniões médicas e especialistas e é duvidosa a vantagem na minha idade. Se efeitos secundários são equivalentes ou podem ser mais graves prefiro não tomar”, explica Pacheco Amorim, vogal da direção do Chega, que deixa claro que “não quer dizer que não venha a mudar de opinião”.
Nuno Afonso tem uma posição idêntica e decidiu não tomar a vacina por alegar que a mesma não dá imunidade suficiente para mais de três meses. Pesando os prós e os contras, o coordenador autárquico do partido preferiu não tomar a vacina.
A vogal da direção Patrícia Carvalho confirmou que foi informada da vaga para ser vacinada contra a Covid-19 e não teve possibilidade de comparecer, mas deverá tomar a vacina. Já Rita Matias, o membro mais novo da direção nacional do Chega, ainda não foi contactada pelas autoridades de saúde.
Contrariamente, Gabriel Mithá Ribeiro, Marta Trindade, Pedro Santos Frazão, Rui Paulo Sousa e Ricardo Regalla Dias já têm a vacinação contra a Covid-19 completa. “Dentro do Chega não há nenhuma linha a seguir, é a liberdade de escolha de cada um“, garante Marta Trindade, vice-presidente do Chega. Todos os membros da direção do Chega contactados pelo Observador garantem que “nunca houve indicação no partido” sobre a vacinação.