A ambiguidade de Luís Montenegro em relação ao Chega está a animar os adversários à direita, que veem nas hesitações e contradições do PSD uma oportunidade para, cada um à sua maneira, crescer à custa da família social-democrata. André Ventura explora o desconforto de Luís Montenegro e condiciona a agenda mediática. Rui Rocha tenta seduzir o eleitorado mais liberal, que (também) alimenta o PSD. Nuno Melo procura uma nova vida com discurso contra a relação PSD-Chega, puxando pela ala mais conservadora dos sociais-democratas. Ventura cola-se, Rocha foge e Melo morde. E, já agora, António Costa diverte-se.
Esta semana, aliás, houve novo capítulo do psicodrama em que se transformou a discussão sobre eventuais, futuras e hipotéticas alianças à direita. Depois de uma convenção em que André Ventura decidiu dizer com clareza que só aceitaria apoiar o PSD se integrasse o governo, o líder do Chega veio pedir uma reunião com Luís Montenegro. “Mal seria se o líder do PSD recusasse reunir-se com o líder do terceiro maior partido português sem qualquer razão aparente”, sugeriu Ventura.
Ora, as declarações do líder do Chega deixaram Montenegro obrigado a responder à mesma questão durante dois dias, a quilómetros de distância, no distrito da Guarda. Na quarta-feira, irritou-se com os jornalistas, recusou entrar em “jogos florais” e disse que não estava a “pensar nem na vida de Costa nem na vida de André Ventura”.
Um dia depois, Luís Montenegro irritou-se a dobrar: “Não pôr isso na agenda de prioridades é uma decisão voluntária, consciente e convicta. Não vou fazer o frete a António Costa e a André Ventura de andar a discutir as minudências da politiquice. Sou muito convicto, muito firme. Podem vir as pressões e as opiniões de onde vierem”.
A recusa em dar qualquer sinal sobre o que fará se um dia precisar de forjar alianças à direita não é sequer uma novidade no discurso e na estratégia de Montenegro. Tal como explicava aqui o Observador, a convicção da linha dominante da direção do PSD é a de que alimentar o debate em torno de alianças e coligações com Chega não serve os objetivos do partido.
No futuro, acredita-se na São Caetano, o peso verdadeiro do voto útil à direita sentir-se-á quando as legislativas estiverem ao virar da esquina – e, nessa altura, o PSD carregará no discurso de que um voto no Chega ou noutro qualquer partido à direita é um voto desperdiçado.
Por muito que seja assumidamente essa a estratégia dos sociais-democratas – “digam que eu sou ambíguo e continuem a falar daquilo que não interessa às pessoas”, atirou esta quinta-feira Montenegro aos jornalistas que insistiam nas perguntas sobre coligações e arranjos parlamentares –, o PSD não é uma ilha no mapa eleitoral. E os adversários à direita estão apostados em explorar isso mesmo.
PSD acredita que pressão do voto útil esvaziará balão de Ventura. Mas tabu é para manter
André Ventura monta o elefante no meio da sala
Depois de enterrar a ideia da ‘geringonça’ à direita, uma questão que se arrastou durante o reinado de Rui Rio – ora oscilava entre a exigência de pastas ministeriais, ora exigia entrar no governo –, André Ventura entrou agora na segunda fase da sua estratégia: embaraçar Luís Montenegro e condicionar a agenda política e mediática do PSD. Consciente de que a direção social-democrata tem um elefante no meio da sala que não consegue domar, o líder do Chega sabe que tem tudo a ganhar em cutucar o paquiderme.
Primeiro, enquanto for percecionado política e mediaticamente como um jogador a ter em conta em qualquer aliança à direita, André Ventura sabe que ficará protegido do efeito do apelo ao voto útil que o PSD poderia ensaiar desde o primeiro minuto — se Montenegro não convence o próprio eleitorado potencial a não votar no Chega, não será o eleitorado potencial a decidir isso pelo líder do PSD.
Para o Chega, aliás, a hesitação dos sociais-democratas neste capítulo dar-lhe-á também tempo para amadurecer o ensaio para normalização que tem vindo a tentar seguir e que foi particularmente evidente na última convenção – em teoria, acredita-se entre os mais próximos de Ventura, quanto mais tempo persistir a ideia de que o Chega pode fazer parte da solução, menos anti-corpos causará junto dos eleitores.
Além disso, um PSD fragilizado e embrulhado em declarações contraditórias é (e será sempre) pasto para o Chega crescer. Basta ver o que acontece na própria direção social-democrata: Miguel Pinto Luz nunca descartou alianças com o Chega, Paulo Rangel disse várias vezes que nunca contará com Ventura para nada, António Leitão Amaro, em linha com Montenegro, recusa falar sobre o tema, tal como Margarida Balseiro Lopes.
Ao mesmo tempo, e num curto intervalo de tempo, há figuras influentes no partido e que orbitam em torno de Luís Montenegro – Miguel Relvas, Luís Marques Mendes, Jorge Moreira da Silva ou José Manuel Fernandes – a defenderem coisas exatamente contrárias. No meio da cacofonia do PSD sobre que tipo de relação o partido deve ou não ter com o Chega, André Ventura sobressairá sempre.
O último a juntar-se a este coro, aliás, foi Carlos Moedas, apontando por muitos no PSD como o maior risco à liderança de Luís Montenegro. Ainda que de forma pouco contundente, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa aproveitou uma entrevista ao Público para recordar que excluiu o partido de André Ventura de qualquer coligação pré ou pós-eleitoral e que, mesmo assim, venceu e derrotou os socialistas. “É possível ganhar eleições sem o Chega”, disse, atirando a bola para o campo de Montenegro.
Ora, Ventura jogará muitas das suas fichas nesta divisão do PSD porque sabe que foi a imagem de indefinição de Rio que contribuiu, em muito, para o reforço do Chega. Ao mesmo tempo, vai procurar pincelar o discurso com ataques diretos a Montenegro, com a colagem dos sociais-democratas ao sistema, com críticas à falta de oposição assertiva e com uns pozinhos de vitimização, como quando sugere que seria impensável que o líder do PSD recusasse uma reunião. Ventura sabe que esse encontro não vai acontecer; mas dá-lhe jeito que os mais de 400 mil eleitores que votaram no Chega se sintam igualmente ostracizados.
Rui Rocha acrescenta o moderado ao liberal
O novo líder da Iniciativa Liberal tem dito desde a primeira hora – mesmo antes de vencer o partido – que não contaria com o Chega para nada e em nenhuma circunstância. Nem mesmo numa solução idêntica à ‘geringonça’ de António Costa, em que o PS tinha um acordo com BE e outro com o PCP, sem que os dois partidos-rivais se cruzassem, entra nos planos de Rui Rocha. Em linha com a estratégia assumida, Montenegro deixou-o sem resposta.
Por entre lamentos mais ou menos genuínos à falta de clareza do PSD, o núcleo duro de Rui Rocha acredita que estas hesitações dos sociais-democratas lhes abrem uma porta que tem estado praticamente inacessível: a do centro-moderado. Entre os liberais, sabe o Observador, existe a convicção de que o excesso de taticismo em relação ao Chega pode fazer com que os eleitores moderados, que recusam os extremos e o populismo, possam ver a Iniciativa Liberal, não como uma caricatura, mas como uma opção válida.
Aliás, é essa há muito a batalha do partido: quando entrou pela primeira vez no Parlamento, João Cotrim Figueiredo queria sentar-se ao centro entre o PS e o PSD, precisamente para tentar (sem sucesso) esvaziar a ideia de que era um partido à direita dos sociais-democratas, incapaz de pescar votos tanto no CDS como no eleitorado do PS.
Ora, o facto de Montenegro ser incapaz de rejeitar liminarmente um casamento com Ventura, dará a Rui Rocha, acredita-se na IL, a possibilidade de recuperar o discurso e de falar ao eleitorado do centro flutuante, que historicamente vota entre PS e PSD e que, no futuro, não o vai pretender fazer — seja por recusarem mais um ciclo socialista, seja por temerem a circunstância de terem os sociais-democratas de mãos livres para conversar com o Chega.
Em cima disto, e mesmo reconhecendo que o perigo de esmagamento do voto útil existe, os liberais entendem que as legislativas de 2022 são (ou deveriam ser, pelo menos) uma lição para todos: deixar clarificações para a última hora não resolve nada nas urnas — antes prejudica. Da parte da IL, está tudo claro e toda a gente sabe ao que vai no que respeita a alianças à direita. O discurso vai ser assim até ao fim.
Nuno Melo arrisca tudo e ataca antigo parceiro
O líder do CDS está num estágio diferente dos seus adversários à direita. Arredado da Assembleia da República, sem espaço mediático, reduzido aos seus mínimos olímpicos, os democratas-cristãos sabem que tem nas próximas europeias, em maio de 2024, a última oportunidade de se manterem à tona. E Nuno Melo está a intensificar a corrida.
Além de um congresso refundacional agendado para o segundo semestre do ano – e que pode ditar, entre outros aspetos, a mudança do programa do partido, um novo nome, novas cores e simbologia –, o líder do CDS estreou esta quinta-feira uma nova estratégia: usar a ambiguidade do PSD em relação ao Chega para tentar fazer regressar o eleitorado conservador à base.
“O CDS é muito mais do que protesto e conversa de café. O que separa o CDS do Chega é a democracia e a liberdade. Caberá ao PSD decidir com quem é que acha que quererá ter em governos em Portugal, se o CDS ou uma outra realidade qualquer”, atirou Nuno Melo, num almoço-debate no Instituto Adelino Amaro da Costa, em Lisboa, que juntou figuras históricas do partido como Manuel Monteiro ou Diogo Feio.
A tentativa de marcar uma distinção face ao Chega nem sequer é uma originalidade do eurodeputado — com Assunção Cristas ou com Francisco Rodrigues dos Santos, o partido sempre tentou lembrar que tinha programa, história, princípios e quadros que não eram comparáveis aos do Chega. Sem resultado, como se viu. Esta ataque tão direto aos sociais-democratas consiste, isso sim, numa novidade no discurso de Nuno Melo, que até tem partilhado muitos momentos do PPE (família europeia de PSD e CDS) para aparecer ao lado de Montenegro.
Esta nuance na estratégia do partido reside numa convicção que vem ganhando força no Largo do Caldas: os verdadeiros conservadores, aqueles que deixaram o partido porque não acreditavam mais no projeto, não encontram representação no PSD e/ou terão já percebido que o Chega, apesar de ter captado muitas das bandeiras do CDS, está para da lá da tal “parede” de que Paulo Portas sempre falou.
Acossado pela investida antissistema e sonhos ministeriais do Chega, pressionado pela via liberal-moderada que a IL quer vender e atacado pelo frenemy CDS, o PSD tomou, para já, uma decisão: seguir em frente sem olhar para o lado. A direção social-democrata acredita que as últimas legislativas serviram de lição e que, no futuro, e com medo que o PS se perpetue no poder, a pulsão será votar em força no PSD, tornando-o autossuficiente. Resta saber se a tal vacina anti-maioria do PS vai ter ou não efeito.