Congresso, Pentágono, Casa Branca. Em poucas horas, o Presidente da Ucrânia esteve nos principais órgãos políticos e militares dos Estados Unidos da América (EUA). Ainda não eram sete da manhã (mais cinco horas em Lisboa) e Volodymyr Zelensky já estava em Washington. O desfecho deste dia com uma agenda tão intensa? Em termos concretos, um novo pacote militar avaliado em 325 milhões de dólares (cerca de 305 milhões de euros).
Dois dos objetivos com que Volodymyr Zelensky partiu para Washington acabaram por não se concretizar totalmente. Um era uma operação de charme para cativar o Partido Republicano — cada vez mais cético sobre a continuidade do apoio à Ucrânia —, de modo a convencer os seus membros a dar luz verde a um pacote de ajuda substancial avaliado 24 mil milhões de dólares (aproximadamente 21 mil milhões de euros).
Nesta questão, os resultados foram limitados. Ainda que o presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, tenha descrito a reunião com o Chefe de Estado ucraniano como “produtiva” e “boa”, o republicano não permitiu que Volodymyr Zelenksy discursasse no Congresso, justificando com a falta de tempo e com uma semana legislativa complicada. E preferiu não comprometer-se com uma resposta ao pacote de ajuda de 24 mil milhões de dólares.
Sobre os sistemas de mísseis de longo alcance ATACMS, que podem atingir a 300 quilómetros de distância, Volodymyr Zelenksy não recebeu qualquer resposta concreta. Antes da reunião na Casa Branca, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, revelou que este pacote de ajuda militar não contemplava os ATACMS, mísseis que a Ucrânia quer utilizar para quebrar as linhas de defesa russa e chegar à Crimeia. Não obstante, o responsável realçou que não exclui “essa possibilidade no futuro”.
O pacote militar e o apoio de Joe Biden
Sistemas de mísseis para a defesa aérea, munições para os HIMARS (um sistema constituído por uma unidade móvel que lança simultaneamente vários mísseis guiados com precisão), munições, veículos táticos ligeiros e lançadores de mísseis Javelins. Estes são alguns exemplos dos equipamentos que estão incluídos no pacote militar anunciado por Joe Biden esta quinta-feira.
Com este pacote militar, detalhou Jake Sullivan, os Estados Unidos pretendem “ajudar a Ucrânia na contraofensiva” e têm como objetivo aumentar as “capacidades de defesa” de Kiev, isto num momento em que se aproxima o inverno. Washington teme, à semelhança do que aconteceu o ano passado, que a Rússia ataque o setor energético ucraniano numa altura em que as temperaturas pode atingir graus negativos “Vladimir Putin não consegue atingir progressos no campo de batalha e atinge população civil”, argumentou o conselheiro da Casa Branca, explicando igualmente que os EUA almejam proteger os silos ucranianos, que têm sido um alvo das tropas russas.
“Vamos proteger os silos, hospitais, escolas e centrais nucleares”, assegurou a Volodymyr Zelensky, por seu turno, o Presidente norte-americano durante reunião, na qual se comprometeu a apoiar sem limites — até quando for necessário — a Ucrânia. “Vladimir Putin pensava que ia quebrar a Ucrânia e a si [Zelensky]. Desvalorizou as consequências. Nunca vi tanta coragem por parte de civis. Putin também pensava que ia quebrar a aliança da NATO. Estava errado.”
“Vamos continuar a providenciar segurança à Ucrânia e vamos continuar a apoiar o país para que reconquiste territórios. Também vamos continuar a enviar ajuda humanitária, para apoiar os civis”, prosseguiu Joe Biden, enfatizando que o apoio a Kiev tem pela frente um “futuro de liberdade”. “A América não pode e não vai afastar-se desse futuro.”
Já Volodymyr Zelensky, agradeceu ao homólogo norte-americano, classificando o pacote “como muito poderoso”. “É exatamente o que os nossos soldados precisam”, sinalizou, lançando uma ressalva: “Apenas por agora”. Isto poderá querer dizer que o Chefe de Estado ucraniano ainda não desistiu e vai continuar a insistir para receber os ATACMS.
Os republicanos pouco convencidos
Num momento fundamental da vida política norte-americana, a cerca de um ano das eleições, vários dirigentes republicanos têm-se insurgido contra o apoio à Ucrânia. Nas primárias republicanas, os dois principais candidatos — Donald Trump e Ron DeSantis — também são da opinião que as doações a Kiev têm de acabar, preferindo, ainda que não digam com que contornos, negociações para terminar com o conflito.
Esta quinta-feira, mais de duas dezenas republicanos, entre senadores e democratas, enviaram uma carta à Casa Branca para contestarem o apoio à Ucrânia. E colocaram várias perguntas: “O povo norte-americano merece saber para onde foi o seu dinheiro. Como está a correr a contraofensiva? Estão os ucranianos mais próximos da vitória? Qual é a estratégia de emergência? O que é que a administração define como vitória na Ucrânia?”
“Seria uma irresponsabilidade absurda garantir os fundos sem ter resposta a estas perguntas”, notaram os republicanos, um dos quais o senador J.D. Vance, que foi ainda mais longe na conta pessoal do X (antigo Twitter): “Estão a pedir à América fundos para financiar sem limites um conflito indefinido no tempo. Basta. A esses fundos, os meus colegas e eu dizemos não”.
Yesterday at a classified briefing over Ukraine, it became clear that America is being asked to fund an indefinite conflict with unlimited resources.
Enough is enough. To these and future requests, my colleagues and I say: NO. pic.twitter.com/mCMh604UGp
— J.D. Vance (@JDVance1) September 21, 2023
De uma onda mais moderada do Partido Republicano, Kevin McCarthy não é tão crítico do apoio a Kiev. Não obstante, o líder quer perceber qual é o destino do dinheiro doado pelos Estados Unidos. Adicionalmente, pretende entender qual é o plano de vitória de Kiev e em que data é que pretende concluir as hostilidades. Só assim, sublinhou por várias vezes, levantará as objeções ao pacote financeiro de 24 mil milhões de dólares.
Na reunião no Congresso, Volodymyr Zelensky teve oportunidade de expor os seus planos para o futuro, salientando que, se os Estados Unidos deixarem de apoiar a Ucrânia, isso representará uma derrota no campo de batalha. Apesar dos apelos do líder ucraniano, Kevin McCarthy decidiu não se comprometer sobre o destino do pacote financeiro.
“Temos de cuidar dos nossos problemas fiscais aqui na América”, exemplificou Kevin McCarthy aos jornalistas. Mostrando-se recetivo a pensar sobre o pacote de ajuda, o presidente da Câmara dos Representantes também decidiu avisar Joe Biden que este não se devia preocupar apenas com o apoio à Ucrânia. “Há cerca de 10 mil pessoas perto da fronteira e ele [Biden] quer ignorar isso”, atirou.
A passagem pelo Congresso e pela Casa Branca pode ter tido um resultado aquém das expectativas iniciais de Volodymyr Zelensky. Mesmo assim, o Presidente da Ucrânia sai dos Estados Unidos com um novo pacote militar — e quem sabe se não conseguiu cativar e responder às dúvidas dos republicanos menos entusiastas.