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O que é o TTIP?

O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América (TTIP) visa baixar ou eliminar as taxas pagas pela exportação e importação de produtos provenientes dos dois lados do Atlânticos, equiparando também os padrões de qualidade e produção atualmente existentes entre os EUA e os 28 países da União Europeia.

Este tratado visa, assim, facilitar os fluxos de comércio entre as duas economias mais ricas do mundo, criando um mercado de 800 milhões de consumidores.

O acordo quer ainda afinar as regras de investimento entre os EUA e a União Europeia e permitir a empresas dos dois blocos que concorram a concursos públicos em pé de igualdade com as empresas nacionais, tal como permitir a empresas que se instalem do outro lado do Atlântico que levem pessoal altamente especializado não ter que passar por longos processos de aprovação de vistos.

O TTIP está apenas em fase de negociações e não há para já um texto final ou certezas sobre o que está a ser negociado.

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Qual poderá ser o impacto deste acordo?

Um estudo pedido pela Comissão Europeia ao Centre for Economic Policy Research em 2013 mostrou que um acordo “ambicioso” com os EUA pode significar ganhos anuais de mais de 119 mil milhões de euros por ano para a União Europeia e uma média de 545 euros mensais a mais no orçamento das famílias europeias. A União Europeia exportaria mais 28% para o outro lado do Atlântico e o PIB mundial aumentaria cerca de 100 mil milhões de euros.

Os setores mais beneficiados por este acordo, segundo o estudo, serão a indústria metalúrgica (12%), a comida processada (9%), os químicos (9%), produtos manufaturados (6%) e equipamento para transportes (6%).

No entanto, um estudo da Fundação Austríaca para a Investigação e Desenvolvimento (ÖFSE) pedido pelo grupo da Esquerda Unitária, com assento no Parlamento Europeu, contradiz estes cenários. A ÖFSE cita o estudo da Bertelsmann/ifo, de 2013, apontando que o comércio entre países da União Europeia diminuiria em 30% e que as exportações para os Estados Unidos não compensariam este desequilíbrio. A eliminação das taxas aduaneiras significaria um impacto grande nos orçamentos dos Estados da UE, levando a uma perda de 2,6 mil milhões de euros anuais nos 28.

O TTIP terá ainda um impacto negativo nos países menos desenvolvidos, concluiu o estudo, indicando que a UE vai consumir menos produtos desses países por ter mais comércio com os EUA e por isso, países menos desenvolvidos da América Latina podem vir a perder cerca de 2,8% do seu PIB.

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Qual é o interesse do TTIP para Portugal?

De acordo com um estudo pedido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Centre for Economic Policy Research sobre o impacto do TTIP na economia portuguesa, a grande vantagem será a redução ou extinção dos direitos aduaneiros.

Com um impacto moderado, este estudo divulgado em julho de 2014, revela que o impacto estimado para Portugal será de um aumento de 0,66% do PIB a curto prazo e que a longo prazo o aumento pode ser de quase 0,76%. A produção de têxteis e vestuário seria a mais beneficiada, aumentando em mais de 18% as suas exportações, enquanto o setor da maquinaria elétrica veria a sua atividade reduzida em 10-12%.

O estudo considerou ainda que o acordo poderia vir a significar mais de 40 mil novos postos de trabalho no curto prazo e 20 mil no longo prazo, tendo em conta os dados da altura sobre o mercado de trabalho português. Nalguns setores, este acordo pode ainda representar o aumento dos salários.

Os dados revelados pelo Eurobarómetro – entidade oficial que faz sondagens nos 28 sobre temas europeus – no início deste ano, mostram que 60% dos portugueses são favoráveis a este acordo, embora 17% não tenham qualquer opinião. Este resultado faz com que Portugal fique acima da média europeia (58%) no que diz respeito à opinião positiva em relação ao tratado e quase duplique a aprovação que este acordo tem em países como a Áustria (39%) e a Alemanha (39%).

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Quem está a negociar o TTIP?

O acordo está a ser discutido por duas equipas de negociadores, uma da Comissão Europeia e outra da administração Obama. A ideia do TTIP nasceu em 2011, três anos depois das negociações de Doha terem chegado a um impasse bloqueando assim um acordo global de comércio livre entre os países mais desenvolvidos.

Em junho de 2013, a Comissão Europeia recebeu dos 28 Estados-membros um mandato para negociar este acordo em nome de todos os países e as rondas de negociação entre EUA e a União Europeia começaram em julho desse ano. No entanto, o documento com 47 pontos, acordado entre os 28 países e entregue ainda à comissão liderada por Durão Barroso, só foi tornado público em outubro de 2014 – até aí era um documento secreto.

As negociações são feitas à porta fechada pelas duas equipas e decorrem normalmente durante uma semana em Washington ou Bruxelas e já vão para a 14ª ronda de negociações – esta ronda está agora a decorrer em Bruxelas. A Comissão disponibiliza as posições que defende em cada um destes encontros.

Por parte da Comissão Europeia, o negociador principal é Ignacio Garcia Bercero, funcionário da direção-geral de Comércio da Comissão Europeia e líder da secção para os EUA e Canadá – na sua equipa mais próxima trabalham cerca de oito pessoas sobre este acordo. Do lado norte-americano, as negociações são lideradas por Dan Mullaney, representante da administração Obama para o comércio com a União Europeia e com o Médio Oriente (a equipa completa do lado dos EUA está disponível aqui).

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O que está a ser negociado?

Apesar de as negociações serem secretas, são conhecidas algumas linhas gerais do que está a ser tratado. O acordo está divido em três partes: acesso ao mercado, cooperação na regulação e legislação. No capítulo de acesso ao mercado, estão a discutir-se as taxas alfandegárias, os serviços, as regras para concursos públicos e designações de origem.

Em termos práticos, para além da possível extinção das taxas aduaneiras entre os dois blocos comerciais, que pode ser benéfico para alguns setores, um dos maiores objetivos do acordo é tornar os padrões de produção e segurança equivalentes entre os EUA e a UE.

Este é o ponto cooperação na regulação que abrange temas como veículos, pesticidas, cosméticos, produtos alimentares ou produtos químicos – setores mais sensíveis estão a ser trabalhados individualmente como pode ser visto aqui.

Por exemplo, um carro produzido na UE tem de passar pelos testes de resistência e segurança estabelecidos a nível comunitário, mas se a empresa quiser vender o mesmo veículo nos EUA terá de passar por testes muito similares nesse país, já que os norte-americanos não aceitam os testes feitos na UE como garantia de qualidade. A duplicação destes testes implica não só tempo para as empresas, mas também dinheiro que muitas pequenas e médias empresas dos dois lados não têm para se lançar nestes mercados.

No entanto, há padrões de produção nos EUA que chocam com o que está definido pelas regras comunitárias, nomeadamente a utilização de hormonas para estimular o crescimento dos animais ou as substâncias químicas utilizadas na agricultura intensiva. Assim como o contrário também acontece, nomeadamente no que diz respeito à obrigatoriedade que a UE estabelece de metas de emissões de carbono.

O ambiente é um dos temas que entra no capítulo da legislação, mas também a energia, a propriedade intelectual e ainda um dos temas mais controversos deste acordo, o mecanismo de investor-to-state dispute settlement (ISDS) ou mecanismo de resolução de disputas entre Estados e investidores, que permite às empresas denunciarem um Estado por discriminação e obrigarem à constituição de um tribunal independente e supranacional para resolver o problema.

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Já há algum documento público e conjunto sobre este acordo?

Não, não é conhecido qualquer documento conjunto, tal como na maior parte dos tratados negociados entre Estados até os documentos estarem completamente fechados. No entanto, no dia 20 de março de 2015, as duas partes fizeram uma declaração conjunta sobre a importância da proteção dos serviços públicos, uma das áreas que levanta mais questões entre os críticos do TTIP.

Para já, são conhecidos os objetivos dos Estados Unidos nas negociações, embora não haja quaisquer documentos oficiais, e recentemente, a Comissão Europeia decidiu divulgar as posições que leva para cada ronda de negociações, não se sabendo para já em que ponto estão as negociações nos vários pontos em discussão.

Uma das maiores críticas a estas negociações é exatamente o caráter secreto que estas têm vindo a assumir, não havendo certeza sobre o que vai constar no documento final acordado entre as duas partes. A Comissão Europeia diz que os Estados são informados das posições e dos avanços feitos no Conselho da União Europeia, onde participam os ministros dos 28 com tutela das várias pastas. Algumas posições também são dadas a conhecer aos eurodeputados da Comissão de Comércio do Parlamento Europeu – os documentos que contêm as posições dos EUA são apenas disponibilizadas em salas de leitura especializadas e só podem ser visualizadas por certos eurodeputados. Também já é possível aos deputados nacionais terem acesso aos documentos que mostram como as negociações estão a progredir, mas só se deslocarem a salas especialmente criadas em cada Estado-membro. Em Portugal, há uma sala de leitura para os deputados – não entram telemóveis e o texto está em inglês.

A Comissão alega que fugas de informação sobre estas negociações podem prejudicar o avanço do acordo e a confiança que os EUA têm na sua contra parte europeia.

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Quais os argumentos de quem está a favor do TTIP?

“Ignorem a polémica, não há dúvidas em relação ao TTIP”, escreveram os comissários europeus Cecilia Malmstrom (Comércio) e Jonathan Hill (Assuntos Financeiros) – que entretanto saiu do cargo devido ao resultado do Brexit – num artigo de opinião no Guardian em fevereiro de 2015. A premissa parece simples: o crescimento gerado por maiores fluxos comerciais não requer qualquer investimento público e, como consequência, não há necessidade de aumentar impostos nem pedir dinheiro emprestado.

Os dois comissários, e especialmente Malmstrom que tem percorrido a Europa para assegurar a imagem positiva do TTIP e convencer especialmente os austríacos e alemães da necessidade do acordo, defendem neste artigo que para a regulação do comércio mundial, o tratado entre EUA e UE vai estabelecer padrões elevados de qualidade e segurança que serão seguidos pelos restantes blocos comerciais.

O Governo de Portugal é um dos maiores defensores deste acordo no Conselho Europeu. Não só o anterior Governo já tinha declarado o apoio à iniciativa, como António Costa assegura que o empenho se mantém. “Não ignoramos as dificuldades nem os pontos de divergência, mas sabemos que as dificuldades devem ser geridas e as divergências vencidas, porque é importante que o acordo seja concluído em breve, mas mais importante é que o acordo seja ambicioso e equilibrado”, disse o primeiro-ministro.

Vital Moreira, antigo eurodeputado eleito pelo PS e ex-presidente da Comissão do Comércio no Parlamento Europeu, continua a ser um dos maiores apoiantes do acordo em Portugal, considerando mesmo que a campanha anti TTIP “assenta numa óbvia fraude política, pois a oposição não é ao TTIP em especial mas sim a todo e qualquer acordo de liberalização comercial”.

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E quais são as reservas de quem está contra o TTIP?

Uma petição contra o TTIP reuniu em outubro de 2015 mais de 3 milhões de assinaturas em toda a Europa e cerca de 15.000 eram de portugueses. A iniciativa foi lançada pela STOP TTIP, uma organização que reúne 390 ONG de todos os Estados-membros e que tem como principal objetivo travar o tratado de comércio com os EUA e também o o que está a ser terminado com o Canadá (CETA) – ver pergunta 10. Na STOP TTIP há 17 organizações portuguesas entre os Precários Inflexíveis, a Oikos e a Quercus. No entanto, a Comissão não aceitou esta petição por considerar que não é da sua competência travar este processo, tendo havido manifestações por toda a Europa.

Um dos principais argumentos do aglomerado de organizações ligadas à STOP TTIP é que desde o início das negociações já decorreram centenas reuniões entre lóbis empresariais sediados em Bruxelas – compostos por empresas dos dois lados do Atlântico – e a Comissão Europeia. Esta iniciativa denuncia mesmo que muitas das propostas da União Europeia apresentadas aos EUA são redigidas pelos próprios lóbis e não por funcionários da Comissão. Para além disto, outra crítica ao acordo é que o mercado norte-americano de trabalho tem muito menos garantias que o europeu e que a partir do TTIP, a Europa pode vir a nivelar por baixo as condições dos seus trabalhadores para concorrer com os EUA.

Ao Observador, a STOP TTIP disse que este acordo “ameaça a democracia” e faz com que o poder sobre a decisão de políticas públicas passe dos governos para as grandes empresas. “Haverá mais pressão para baixar os nossos padrões ambientais e de trabalho, assim como haverá mais pressão para baixar salários, aumentando as diferenças entre pobres e ricos na Europa”, respondeu a plataforma ao Observador.

Em Portugal há também uma plataforma anti-TTIP, a Não ao TTIP, que considera que muitos aspetos do acordo estão a ser utilizados “para impulsionar uma desregulamentação” e “garantias de investimento acrescidas”. Segundo esta plataforma integrada por várias ONG portuguesas, os “benefícios económicos proclamados (mas não substanciados) são marginais para a sociedade em geral”.

Um pouco por toda a Europa, as iniciativas multiplicam-se. Karine Wathelet and Julie Moors construíram um site em francês e inglês que visa alertar para os perigos do tratado, alegando, por exemplo, que o estudo encomendado pela Comissão Europeia ao Centre for Economic Policy Research foi dirigido por Guillermo de la Dehesa, que anteriormente foi consultor internacional da Goldman Sachs. Estas iniciativas denunciam ainda que o TTIP não foi uma iniciativa política, mas sim empresarial.

No Parlamento Europeu, o grupo dos Verdes e da Esquerda Unitária – integrada pelos eurodeputados do PCP e do BE – opõem-se a este acordo. Esta semana, vários eurodeputados escreveram no Guardian – em forma de resposta aos comissários europeus – que os “cidadãos têm o direito de suspeitar do TTIP, que vai beneficiar as empresas às custas da democracia”. Um dos maiores opositores a este tratado é o eurodeputado dos Verdes belgas, Philippe Lamberts, que pretende travar o tratado quando este chegar ao Parlamento Europeu.

Algumas organizações contra o TTIP estão já a pensar levar o tratado ao Tribunal Europeu de Justiça, caso seja aprovado pelo Parlamento Europeu e ratificado pelos 28 Estados-membros.

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Quando é que o acordo vai ficar fechado?

Depois de Angela Merkel dizer que o acordo deverá ficar fechado até ao fim de 2015, o Conselho Europeu de 20 de março reiterou a intenção dos 28 de ter o TTIP finalizado até ao fim do ano. Isso significa que o texto final entre as duas partes deveria ficar estar terminado até ao final deste ano – incluindo verificações legislativas e traduções -, passando em seguida o acordo para aprovação no Parlamento Europeu, nos 28 Estados-membros e no Congresso dos EUA.

No entanto, segundo fonte da Comissão, será muito difícil ter o acordo terminado antes das eleições norte-americanas, que vão decorrer no final de 2016. A complexidade das matérias, o número de detalhes a ajustar por cada parte e o volume destas duas economias faz com que este acordo não seja fácil de agilizar. Mais, basta um Estado-membro não aprovar a redação final do acordo para todo o processo entrar num impasse e adiar assim a ratificação final.

Na última reunião do G7 em junho, os Presidentes da Comissão Europeia, do Conselho Europeu e dos EUA deram à União Europeia e aos EUA indicações claras para intensificar as discussões em todas as áreas no seio das negociações do TTIP. A 8 de julho, o Parlamento Europeu deu também um forte apoio às negociações ao aprovar as recomendações à Comissão Europeia sobre as negociações do TTIP. Além disso, o Congresso dos EUA aprovou o Trade Promotion Authority (TPA) em junho, que permitiu um impulso decisivo às negociações com o Pacífico – ver mais na pergunta 13 -, como também terá efeito no acordo com a UE.

Nuno Cunha Rodrigues, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, considera que “não será possível concluir este acordo até ao final de 2015”. “Existe agora a expectativa de que as negociações sejam encerradas em meados de 2016, antes do termo do mandato do Presidente Barack Obama, sabendo-se ainda que o Tratado terá de ser aprovado pelo Congresso Norte-americano – onde existe uma maioria republicana”, disse ao Observador.

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Há outros acordos similares estabelecidos pela União Europeia?

A União Europeia já estabeleceu vários acordos de comércio livre com outros países. O mais recente é o CETA ou Acordo Económico e Comercial Global Canadá-União Europeia, que demorou cinco anos a ser negociado e deverá entrar e vigor no início de 2017. Este acordo vai reduzir as tarifas aduaneiras em 99% dos produtos comercializados entre os 28 e o Canadá, potenciando em 26% as exportações da UE para o Canadá.

À semelhança do que acontece com o TTIP, o CETA também não é um acordo pacífico e tanto a França como a Alemanha já mostraram dúvidas sobre a conclusão do acordo, mas foi possível ultrapassá-las antes de o documento estar completamente fechado. O tratado já foi finalizado e passará agora por um processo de ratificação em todos os Estados-membros.

Para além do TTIP, a Comissão está atualmente a negociar 17 acordos de comércio livre com outros países.

 

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Quais as maiores polémicas do TTIP?

A pedido da provedora de Justiça Europeia e pressionada pela opinião pública, a Comissão Juncker publicou desde 2014 vários documentos sobre as posições que a UE tem tomado nas negociações com os EUA. A transparência tem sido uma das maiores críticas à maneira como as negociações do TTIP têm sido conduzidas.

“Eu percebo que a Comissão precise falar com os Estados Unidos de forma confidencial, de modo a que as negociações sejam eficazes, mas resistência dos Estados Unidos a publicador documentos não é impedimento suficiente para esconder o processo dos cidadãos europeus”, declarou Emily O’Reilly, provedora de Justiça Europeia.

Os investor-to-state dispute settlement (ISDS) ou mecanismo de resolução de disputas entre Estados e investidores, um mecanismo que permite a empresas estrangeiras processar os Estados onde as suas filiais estão instaladas por discriminação concorrencial, eram também um dos maiores problemas deste tratado. Desde o início que está previsto que o TTIP também inclua um destes mecanismos – o CETA prevê este processo -, mas o receio de grandes empresas norte-americanas poderem vir a processar os Estados-membros, impedindo o país de legislar ou fazer alterações que as possam prejudicar, tem sido um dos temas centrais da discussão sobre o TTIP.

Isto levou a que a Comissão Europeia criasse um novo sistema judicial em matéria de investimento que entre outras alterações estabelece que haverá um tribunal de primeira instância e um tribunal de recurso ou que as decisões serão tomadas por juízes nomeados publicamente – com qualificações comparáveis às exigidas aos membros de tribunais internacionais permanentes como o Tribunal Internacional de Justiça e o Órgão de Recurso da OMC. O Tratado deverá ainda garantir o direito aos governos de regular a sua ordem interna.

Mesmo a nível político, há várias posições na Europa sobre estes mecanismos. Enquanto os defensores do TTIP alegam que a UE e muitos Estados-membros, nomeadamente a Alemanha, já mantêm este tipo de mecanismos noutros acordos, os críticos do TTIP temem processos na UE como o que se está a desenrolar na Austrália entre esse país e a tabaqueira norte-americana Philip Morris – a tabaqueira processou o Estado através de um ISDS devido ao Governo querer introduzir um novo tipo de maços de cigarros que desencoraje os fumadores.

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O que está a bloquear as negociações do TTIP?

Apesar das polémicas, o acordo tem continuado a ser negociado nos últimos dois anos, mas a um ritmo muito lento. Há desde logo dificuldades em afinar as chamadas regras ou denominações de origem, como afirmou ao Observador Nuno Cunha Rodrigues. “Do lado europeu, procura-se assegurar a proteção para várias denominações de origem, em particular no setor agrícola – numa clara aposta na agricultura gourmet europeia, em contraponto com a agricultura massificada americana”, diz o professor, sugerindo que para a delegação americana esses produtos europeus são considerados como “genéricos, sem necessidade de proteção especial”.

Fora da mesa de negociação, a oposição crescente por parte da opinião pública europeia também tem sido um entrave. Fonte da Comissão alega que é impossível ter um defensor do TTIP em todos os fóruns que se reúnem nos 28 para debater o acordo, sendo por vezes difícil fazê-lo em Bruxelas, onde chega a haver mais de 10 conferências e seminários por dia só para tratar esta questão. A Comissão pede por isso maior intervenção do Estado. “Não é a Comissão que vai ganhar o debate público, são os Estados-Membros e o Parlamento Europeu”, disse fonte da comissão, referindo que a Comissão não tem capacidade para desfazer os preconceitos criados em vários países sobre o tratado, nem pode esclarecer muitas vezes o que está a ser negociado com Washington já que as negociações são secretas.

Outro dos problemas é a transparência, não só para os cidadãos europeus, mas especialmente para os parlamentos nacionais e para o próprio Parlamento Europeu. A Comissão alega que um dos principais entraves à disseminação das posições tomadas nas negociações aos deputados e eurodeputados é a falta de segurança dos sistemas informáticos dos parlamentos que permitem fugas de informação. Os negociadores dos 28 consideram que caso os EUA saibam de uma posição de antemão, a discussão fica comprometida, assim como divulgar as posições norte-americanas pode causar desconforto nas negociações.

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Quais os objectivos dos EUA neste acordo?

Mais do que um acordo comercial que vai potenciar a economia norte-americana, a administração Obama está empenhada em mostrar que numa altura de “incerteza na periferia da Europa”, a aliança atlântica não fica em segundo lugar face a nenhuma outra no mundo e quer ser exemplo para os restantes países do mundo – segundo o governo norte-americano enuncia na agenda para o comércio dos EUA em 2015.

Se por um lado, o fluxo económico entre os dois blocos já é o maior do mundo, os EUA querem aprofundar a sua relação económica com os 28, encarando o acordo como “uma oportunidade histórica para modernizar as regras comerciais e derrubar barreiras” entre os Estados Unidos e a União Europeia.

“Vamos usar esta oportunidade única que nos dá o TTIP para negociar condições que projetam os direitos dos trabalhadores e aumentem a fasquia para outras negociações comerciais em todo o mundo”, está escrito na estratégia comercial de Obama.

Assim, os EUA, juntamente com a UE, querem obrigas os restantes países e blocos comerciais a equipararem os seus atuais padrões, ao que virá a ser um padrão dominante no que diz respeito a qualidade e segurança.

Obama concluiu recentemente o TPP ou Acordo de Parceria Trans-Pacífica que vai estabelecer o comércio livre entre os EUA e 11 países do Pacífico (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname). Este acordo já está a ser afinado desde 2009 e as negociações do TTIP estão dependentes dos termos acordados entre os EUA e estes países, já que é pouco possível que os norte-americanos admitam condições muito diferentes por parte da União Europeia das que foram negociadas com os 11 países do Pacífico. Por outro lado, os negociadores norte-americanos podem agora focar-se nas negociações apenas do TTIP, acelerando a troca de impressões entre os dois lados do oceano.

Segundo Nuno Cunha Rodrigues, o resultado da conclusão das negociações do TTIP depois de Obama é “imprevisível”. “Se as negociações não forem concluídas até ao termo do mandato do Presidente Obama, o resultado das eleições presidenciais terá uma substancial influência no eventual desfecho do acordo, podendo dizer-se que, caso tal suceda, o TTIP não estará definitivamente abandonado mas terá já sofrido um rude golpe”, afirmou o académico ao Observador.

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O que é que está fora das negociações do TTIP?

Em Bruxelas, perante uma plateia de jornalistas, a comissária europeia da Comércio, Cecilia Malmstrom, disse que o TTIP não vai mudar as leis europeias sobre a proibição de carnes com hormonas e que deste acordo está também excluída a possibilidade de empresas norte-americanas concorrem a prestar serviços públicos como limpeza e distribuição de água, educação e saúde.

Segundo o mandato entregue pelos 28 Estados-membros à Comissão, está também excluído à partida o setor cultural, de modo a que a diversidade cultural e linguística da União Europeia não sejam prejudicadas pelo TTIP, permitindo assim a cada Estado regular os direitos de autor e promoção das artes e da cultura como escolher.

Sabe-se também que não haverá um reconhecimento mútuo no que diz respeito à indústria dos cosméticos, já que as listas de substâncias proibidas nos dois blocos divergem e por isso, torna-se difícil a sua harmonização.