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A privatização é uma decisão ideológica ou uma necessidade?

A posição do Governo é a de que a privatização é de uma importância capital para o futuro e sobrevivência da empresa.

O argumento que tem usado é que a situação do Grupo TAP se agravou muito desde 2007 – devido a investimentos como na empresa de manutenção que detém no Brasil e por fatores externos -, o que levou a empresa para a falência técnica em 2008 – atingindo uma situação negativa de 381 milhões de euros em 2012.

A empresa precisará, assim, de um investimento forte – não apenas para equilibrar as contas, mas também para se manter a par da concorrência, de outras companhias de bandeira e das agora poderosas low-cost.

A TAP teve já um processo de recapitalização pública, com uma injeção de capital entre 1994 e 1997 que, a preços de hoje, representaria um valor superior a 1.300 milhões de euros, nas contas do Governo.

Até aqui, a questão é pacífica. As divisões surgem quanto ao método para essa nova injeção de capital: o Governo argumenta que só a privatização (de mais de 50% da empresa) é viável, devido à legislação europeia. Mas os partidos à esquerda e os sindicatos, por exemplo, argumentam que é possível o Estado intervir diretamente (ver mais à frente).

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E porquê agora?

A resposta do Executivo é esta: foi quando se entendeu, pela avaliação que foi feita fazendo do mercado e dos potenciais candidatos, que estavam reunidas as condições para relançamento da operação.

Mas a verdade é que o processo começou antes. Em 2012 a privatização só caiu no último momento, quando o único candidato que se apresentou (Gérman Efromovich) não apresentou as garantias necessárias para a adjudicação.

Agora, a poucos meses das eleições legislativas, sindicatos e partidos da oposição contestam que o Governo avance com um modelo de privatização que não reúne consenso e que condicionará o próximo Executivo.

A seu favor, o Governo tem o argumento de que a TAP estava incluída no programa de empresas a privatizar que foi acordado com a troika – sendo que o PS já contra-argumentou que os objetivos quantitativos deste processo foram cumpridos e que o plano não obrigava a uma venda da maioria do capital. O Governo discorda. A leitura do texto permite as duas interpretações.

 

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Por quanto é que pode ser vendida a empresa?

O Governo não adianta números – para não prejudicar a negociação. Mas a expectativa não é alta.

Este é o ponto de partida: o grupo fechou o ano de 2013 com capitais próprios negativos de -371 milhões de euros e uma responsabilidade de cerca de 1.000 milhões de euros pela dívida da TAP. O objetivo é que esta seja assumida pelo investidor privado na proporção da sua participação acionista, acrescentando-se um compromisso de capitalização da empresa.

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Porquê vender 66% da empresa agora - e o resto depois?

A melhor resposta, nesta altura, é política: o Governo não quis avançar com a venda total da empresa, para não radicalizar posições. Há outra tese, nunca confirmada: a de que o CDS quis travar a venda da maioria do capital, aproximando-se das posições do PS, mas que o equilíbrio de posições no Governo levou a este meio-termo, contrariando os que – no PSD – defendiam que só uma privatização de 100% do capital permitia atrair as melhores propostas.

Oficialmente, o Governo diz que esta “é a melhor forma de salvaguardar o interesse público, sem condicionar à partida a posição do Estado ao longo do processo”. A privatização parcial (66%) numa primeira fase, permitirá (acredita a maioria) “garantir que todo o processo decorre conforme as condições acordadas, assim como fazer um acompanhamento da evolução da empresa”, permitindo avançar para a privatização total se as condições estabelecidas forem cumpridas até lá.

Há também outra hipótese: a de o Estado, no fim desse período, ficar com a opção preferencial de uma recompra da empresa caso o novo proprietário a queira vender – o que não pode acontecer nos primeiros cinco anos.

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Mas qual é a vantagem? E as desvantagens?

Uma vez mais: o Governo acredita que quem vencer as próximas legislativas ficará com todos os mecanismos para poder escolher o melhor para o País daqui a dois anos, acompanhando ao milímetro o cumprimento do Plano Estratégico e do plano de negócio. Garantindo que um privado coloca dinheiro na empresa para que esta ganhe força.

Mas a privatização parcial desvaloriza o encaixe financeiro possível. E arrisca-se a receber candidaturas menos interessantes do que uma privatização a 100%.

O PS diz, por outro lado, que os 66% que são vendidos significam que o Governo perde o controlo da gestão, arriscando um serviço público fundamental.

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Porquê a venda direta e não o concurso público?

O argumento que o ministro Pires de Lima e o secretário de Estado, Sérgio Monteiro, têm dado é que a venda direta é a que melhor assegura a seleção de um ou mais investidores de referência, “que propiciem à TAP as condições necessárias que lhe permitam manter-se como uma estrutura empresarial com uma posição competitiva à escala global”.

Dizem também que garante a “diversificação das fontes de financiamento das empresas nacionais”.

Dito de outra forma: o argumento é que o concurso público “deixaria, no limite, o Estado numa situação de ter privatizar a empresa ignorando o desenvolvimento estratégico do interessado que fizesse a melhor proposta financeira.”

Para termos um comparador, o PS propôs um modelo diferente, com um aumento de capital em bolsa, nas palavras do seu líder, António Costa.

O PSD e CDS têm argumentado contra, dizendo que isso seria “privatizar os lucros e ficar com o prejuízo — ficando os portugueses com os problemas da manutenção do Brasil para suportar, por exemplo”. Acrescentando que nenhum investidor estaria disponível para meter dinheiro na empresa sem que o Estado fizesse o mesmo, ficando além disso sem a gestão.

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A recapitalização não poderia ser feita pelo Governo?

Colocando a questão de outra forma: a questão de não poder injetar dinheiro na TAP é de facto uma proibição, ou é um argumento do Governo para abrir caminho à privatização?

Ao que diz o Governo, a questão coloca-se assim: as regras da União Europeia tornariam inviável uma injeção de capital público. Porquê? Vamos por pontos:

  • A TAP opera num mercado fortemente concorrencial. E a UE limita fortemente os auxílios do Estado a empresas públicas do setor por estes distorcerem a concorrência, dando vantagem competitiva a estas empresas públicas face aos concorrentes.
  • Para o Governo, assim, a capitalização não é impossível, mas as regras da Comissão Europeia para que o fosse eram “inaceitáveis”.
  • O exemplo que Sérgio Monteiro tem dado é o da Alitalia, a companhia de bandeira italiana, que passou exatamente por esse processo: separou-se a Alitalia em duas, o que teve como consequência o despedimento de milhares de trabalhadores a venda de aviões e a redução de rotas. Em janeiro de 2015, acrescentou outro à lista: a Cyprus Airways, condenada ao encerramento depois do Governo Cipriota ter injetado dinheiro da empresa, o qual foi considerado pela Comissão Europeia como uma ajuda de Estado ilegal.

 

Quem não concorda dá, porém, outro exemplo, vindo da Suécia e Dinamarca. A companhia escandinava SAS recebeu luz verde de Bruxelas para uma operação que teve apoio público e, ao mesmo tempo, dinheiro privado – fugindo assim ao mecanismo do auxílio de Estado. Mas para isso foi preciso convencer a Comissão de que, para os privados, o envolvimento do Estado não é uma condição essencial para investirem. O facto de a SAS ter capital privado, 50%, ajuda a reforçar esta tese.

Estes estados tiveram, assim, de provar que um investidor privado teria participado no apoio nas circunstâncias em que ele ocorreu e com condições semelhantes. Suécia e Dinamarca recorreram a consultores internacionais (a Goldman Sachs) para ajustarem o plano de reestruturação e de negócios às reservas de Bruxelas. Em causa estava a adoção de um conjunto de medidas exaustivas e consequentes que garantissem a viabilidade da empresa a médio e longo prazo e assegurassem um retorno convincente, pelo menos no papel.

O plano passou pelo corte do número de trabalhadores – segundo adiantou aqui ao Observador um porta-voz da SAS o efetivo diminuiu em dois mil funcionários e existem negociações para a venda total do handling, com cinco mil colaboradores, redução de custos, incluindo a revisão de acordos salariais e de pensões e a redução de benefícios, venda de ativos e reorganização das operações. Ou seja, a receita acabou por não ser assim tão diferente da imposta em caso de ajuda de Estado.

Daqui poderá concluir-se que nada proíbe uma via com investimento do Estado – mas que este tem necessariamente um preço para a empresa.

 

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E como foi a recapitalização da TAP em 1994?

As regras da Comissão Europeia não são novas. Quando, em 1994, o Estado Português injetou capital na TAP (mais de 1300 milhões de euros a preços de hoje), também teve que submeter a empresa a um plano de reestruturação, que incluía medidas como estas:

  • “Redução do pessoal através de programas de reforma antecipada, pré-reforma ou rescisões por mútuo acordo” – com o objetivo de ter menos 2.581 trabalhadores em cinco anos;
  • A regulamentação laboral deveria ser alterada para permitir uma maior flexibilidade;
  • Só podiam ser realizados investimentos nas áreas operacionais com uma incidência direta nos resultados – a TAP tinha, por exemplo, que encerrar as suas delegações na América do Norte, com exceção de Nova Iorque;
  • Seria racionalizada a rede, abandonando algumas rotas deficitárias (mesmo na Europa e EUA, com excepção de Nova Iorque) e concentrando a sua atividade noutras. 
  • Havia também obrigação de reduzir a frota, de 38 para 32 aviões até 1997.

 

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Mas, nesse caso, o Estado não está impedido de recapitalizar a TAP?

Não está, de facto. Embora seja verdade que a história dos processos de recapitalização pública de companhias aéreas na Europa tenha sido feita de medidas de reestruturação rigorosas.

Por norma, implicam despedimentos, diminuição de rotas e diminuição de frota.

Para tentar demonstrar que tentar uma recapitalização sem medidas difíceis não é possível, o Governo PSD/CDS usa – em resposta ao Observador – um caso particular:

“No final de 2012 os bancos, por conta do processo de privatização da altura, deixaram de emprestar dinheiro à TAP. Nessa altura o Estado, através da Parpública, teve conceder um empréstimo de €100 milhões à TAP, com uma data de vencimento de 6 meses. Para que o Estado não fosse acusado de beneficiar a TAP, o empréstimo foi feito a uma taxa superior à do mercado normal. O spread, ou seja a margem desse empréstimo foi de 8%, para demonstrar à Comissão que era uma situação específica e que não estávamos a fazer um auxílio de Estado ilegal.

A resposta da Comissão foi muito simples: ou bem que a TAP tem condições para, em mercado, reembolsar esta empréstimo, na data do seu vencimento, ou se porventura a TAP não tiver essa capacidade (demonstrando que foi um auxílio que o mercado em condições normais não conseguiria fazer), abriria um processo de investigação.”

O PS não vê as coisas desta forma e tem usado uma declaração da nova comissária europeia em seu favor – ainda que esta seja contida sobre que solução em concreto.

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Qual é o calendário do processo até à privatização?

Será semelhante ao de 2012, mas o Governo admite que menos longo. “Será expectável ter uma decisão de até junho de 2015. A assinatura formal do contrato será uns meses depois, após obtidas todas as autorizações dos reguladores”, diz o Ministério da Economia ao Observador.

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E depois? Haverá despedimentos?

Na negociação com os sindicatos, o Governo prometeu (e colocou já no caderno de encargos) um período de salvaguarda durante o qual ficará limitada a possibilidade de despedimento coletivo: dois anos e meio no máximo – ou enquanto o Estado tiver capital da empresa. O mesmo acontece para a denúncia dos atuais acordos coletivos de trabalho.

Depois disso, o proprietário da TAP terá na mão mudar o que entender na empresa – embora esteja assegurada a criação de um órgão nesta, por onde passam decisões estratégicas, onde os trabalhadores estarão representados.

Há um mas, neste caso: os sindicatos que não estiveram a negociar com o Governo não estão incluídos nesta proteção. Isto inclui o sindicato dos tripulantes, que tem peso nas operações da companhia aérea.

Já agora, aos trabalhadores da TAP foi também dada a possibilidade de ficar com 5% (máximo) de capital da empresa, estando para tal reservada uma oferta pública de venda.

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Até onde é possível defender o interesse público?

O melhor instrumento para isso é o caderno de encargos. Tal como em 2012, este prevê um conjunto de condições. Segundo o Governo, inclui as seguintes:

  • A manutenção da sede e direção em Portugal;
  • A manutenção do hub nacional,
  • Que a TAP continue a ser a companhia de bandeira
  • Que continue a assegurar rotas para a chamada “diáspora” e para mercados considerados importantes para as empresas (como Médio Oriente ou China), para além dos voos para os Açores e para a Madeira.

Estas são “obrigações interporias”, que vinculam quem vencer – a que acrescem outras, como a de a marca TAP se manter e de a administração ficar em Lisboa.

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Quem é que já se mostrou interessado em apresentar propostas?

Que se saiba, são pelo menos quatro.

Uma notícia do Público do final do ano apontava para estes:

  • O português Pais do Amaral, que inicialmente tinha como parceiro o norte-americano Frank Lorenzo, mas que pode ter desistido – segundo noticiou o Económico em janeiro;
  • A Azul, do empresário brasileiro David Neeleman, que tem o senão de ter tentado aumentar o seu capital, sem sucesso;
  • Gérman Efromovich, o candidato único em 2012, que deixou o Governo pendurado na fase final;
  • A Air Europa, companhia espanhola, que já teve negócios com a TAP e que levanta receios pela proximidade estratégica – que pode por em causa o hub.

 

 

Em dezembro o Expresso chegou a noticiar que a Azul era a mais bem posicionada – mas, claro, o Governo sobre isso nada diz. Apenas que terá a última palavra na escolha e que o dinheiro não é o único critério a ter em conta.

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Não é mau sinal não haver uma proposta de um grande do setor?

Sim e não. Claro que não é o ideal – até porque todas as propostas até aqui conhecidas têm os seus senão. Mas o Executivo argumenta que isso é sinal também de que o caderno de encargos preparado faz com que a TAP “não seja atrativa para todos aqueles que não têm intenção em manter o hub em Lisboa, em fazer crescer o número de aviões, em aumentar rotas, etc“. É sempre uma questão de perspetiva.

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Quais são os critérios de escolha fixados pelo Governo?

No essencial, são estes:

  1. O encaixe financeiro;
  2. A contribuição para o crescimento da economia – incluindo no que respeita à manutenção e ao desenvolvimento do atual hub nacional, como plataforma de crucial importância estratégica nas relações entre a Europa, África, América Latina e Regiões Autónomas;
  3. A apresentação de um adequado projeto estratégico, tendo em vista a promoção do crescimento da TAP enquanto operador de transporte aéreo à escala global nos mercados atuais, assim como em novos mercados;
  4. Será tida em conta a experiência técnica e de gestão no setor da aviação, a sua idoneidade e capacidade financeira.
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Fernando Pinto vai ficar ou sair?

O Ministério da Economia dá a seguinte resposta a esta pergunta:

“O Governo tem contado com o Eng.º Fernando Pinto e não é previsível que o faça até ao final do processo de privatização. Concluída a privatização a manutenção da atual administração será uma questão que terá de ser discutida entre os futuros acionistas.”