Um post no Facebook sugere que a pandemia do novo coronavírus foi criada para impulsionar as tecnologias digitais, “que beneficiam as empresas às custas dos pobres e do terceiro mundo”. Não é a primeira vez que a tecnologia surge associada de forma negativa à Covid-19. No início da pandemia, apareceram nas redes sociais várias notícias falsas que tentavam explicar a rápida disseminação do vírus através do 5G, alegando inclusivamente que a rede seria responsável pelas mortes que as autoridades de saúde dos diferentes países atribuíam ao coronavírus. Mas a verdade é que esse setor da economia é tão afetada pela crise como outra qualquer.

A publicação é sustentada por um alegado excerto do livro Covid-19: The Great Reset, de Klaus Schwab, fundador e diretor executivo da The World Economic Forum, uma organização internacional para a cooperação público-privada, e de Thierry Malleret, co-fundador da Monthly Barometer. A sua leitura é até sugerida pelo utilizador, apesar de o seu conteúdo não ter nada a ver com uma eventual manipulação da pandemia para benefício das empresas tecnológicas.

Publicado em junho passado, Covid-19: The Great Reset tem como objetivo principal esclarecer os leitores acerca do “que está para vir” em termos económicos, “oferecendo uma visão geral da paisagem do futuro” que não é totalmente desanimadora. Num primeiro capítulo, os autores olharam para o impacto da pandemia de Covid-19 em “cinco macro categorias chave: económica, social, geopolítica, ambiental e tecnológica”. As restantes páginas são dedicadas aos efeitos do coronavírus na microeconomia e ao que poderá acontecer a nível individual.

A publicação do Facebook que liga a pandemia às empresas de tecnologia

A propósito do lançamento de Covid-19: The Great Reset, os autores juntaram-se a Saadia Zahidi, diretora geral do The World Economic Forum, para um “briefing virtual”, moderado por Adrian Monck, também diretor geral do World Economic Forum, onde discutiram estes e outros assuntos (disponível online aqui). Publicaram também no site do The World Economic Forum um artigo em que explicaram, em traços gerais, o conteúdo do livro, defendendo que “o pior ainda está para vir”, mas que a capacidade do ser humano de recomeçar do zero é  mais forte do que os desafios que terá de enfrentar no futuro.

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“A pandemia de Covid-19 (…) criou (e vai continuar a fazê-lo) uma disrupção económica de proporções monumentais, criando risco e volatilidade em múltiplas frentes — política, social, geopolítica —, e ao mesmo tempo exacerbando preocupações profundas em relação ao ambiente e também estendendo o alcance (pernicioso ou de outra forma) da tecnologia nas nossas vidas”, refere o artigo, datado de 14 de julho.

Mas se é verdade que a Covid-19 tornou as tecnologias digitais mais presentes, é-o também que “nenhuma indústria ou negócio será poupado do impacto destas mudanças. Milhões de empresas arriscam-se a desaparecer e muitas indústrias irão enfrentar um futuro incerto; poucas conseguirão sobreviver”, afirmaram os dois autores. Isto aplica-se também à indústria tecnológica, mesmo tendo em conta o papel fundamental que esta tem e continuará a ter no combate ao coronavírus sob as mais diversas formas, quer seja no desenvolvimento de vacinas ou na adoção da tecnologia digital e da sua integração na política e cuidados de saúde, de modo a alcançar uma bem sucedida implementação das estratégias de vigilância e testagem.

Esta necessidade de recorrer à tecnologia, aliada ao boom registado a partir de finais de março na utilização de plataformas e ferramentas digitais, levou a que publicações como o The New York Times sugerissem que as grandes empresas tecnológicas iriam sair da crise do novo coronavírus mais fortes. E dá os exemplos da Amazon, que teve de contratar mais trabalhadores para conseguir responder à procura dos consumidores, do Facebook e do Youtube, cuja utilização disparou nos meses de confinamento (isto para não falar do Zoom, que passou de desconhecido a galinha dos ovos de ouro). Passado o entusiasmo inicial, percebeu-se que não seria bem assim.

Como em todos os setores, com o passar dos meses, a pandemia de Covid-19 começou a fazer os seus estragos — em maio, a Bloomberg deu conta do impacto da crise na tecnologia, noticiando que mais de 40 mil pessoas tinham perdido o emprego. Dois meses depois, o Wall Street Journal falava em quase 70 mil empregos perdidos em startups no mundo inteiro desde março, data da publicação do artigo do The New York Times. Destes, mais de 25.500 tinham sido na região de São Francisco, onde fica Silicon Valley, e incluíam empresas como a Uber, a Airbnb ou a Groupon. A indústria mais afetada era, de acordo com o Wall Street Journal, a da transportação, com 14.600 desempregados.

Em Portugal, soube-se em junho do despedimento de cerca de 20 pessoas na Unbabel e que 35 trabalhadores da Uniplaces estavam em layoff, o que levou o Observador a fazer um raio-x ao impacto da pandemia nas startups portuguesas. A conclusão? Alguns despedimentos e muita incerteza, mas também alguma esperança num futuro melhor. No mesmo mês, o Observador noticiou que mais de 150 projetos tinham concorrido aos instrumentos financeiros lançados pela Portugal Ventures, operador público de capital de risco, para ajudar startups a lidar com o impacto da pandemia.

Um estudo sobre a Covid-19, feito pela consultora PwC United States, focou-se nas principais dificuldades que as empresas tecnológicas — e, sobretudo, as startups, pela sua dimensão —, têm de enfrentar e os desafios que têm pela frente. Estes incluem, por exemplo, uma onda de cancelamentos de eventos, que significa uma diminuição drástica nas oportunidades de negócio; preocupações relacionadas com os trabalhadores; desaceleração no ritmo de produção em resultado de uma disrupção na cadeia de abastecimento; desinformação nas plataformas digitais; ou um maior risco de ciberataque em consequência do teletrabalho.

Conclusão

Como em qualquer área, as empresas tecnológicas, sobretudo as de menor dimensão, também têm sofrido com a crise económica provocada pelo novo coronavírus, que já levou a vários milhões de despedimentos no mundo inteiro e a algumas dezenas em Portugal. E o pior ainda pode estar para vir, como alertaram Klaus Schwab e Thierry Malleret no seu livro, Covid-19: The Great Reset. Não existe, portanto, qualquer indício de que o setor tenha sido beneficiado com a pandemia, ao contrário do que o post de Facebook em análise sugere.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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