É uma ideia repetida vezes sem conta desde o início da pandemia, muitas vezes apresentada com uma carga de ironia e com o intuito de questionar a validade e eficácia das vacinas contra a Covid-19: o novo coronavírus desaparece com temperaturas mais altas (quando as medidas de combate contra a pandemia são aligeiradas) e volta a ganhar força quando as temperaturas baixam (e as medidas voltam a ser mais restritivas). Tudo começou nos primeiros meses da Covid-19, quando se acreditava que, no verão seguinte, o vírus iria desaparecer devido ao calor, teses essas que nunca se confirmaram. Aliás, prova disso é que a Covid-19 também chegou aos países tipicamente mais quentes.

Com o avançar dos meses e com o calor a chegar a alguns países, o primeiro estudo sobre o tema, assinado pela Universidade de Toronto, no Canadá, revelou que não foram encontraram evidências de que o clima mais quente influencia a transmissão ou a severidade da doença que o vírus provoca. “O verão não vai fazer isso desaparecer”, garantia uma das autoras da investigação, Dionne Gesink.

Apesar de o calor não “matar” o vírus, sabe-se que existe um limiar de sobrevivência para todos os vírus. No caso do SARS-CoV-2, o vírus sobrevive a uma temperatura que se situa entre os 36 e os 37 graus, sendo esta a temperatura corporal. Como tal, não é possível dizer que o vírus só se propaga apenas em baixas temperaturas. Se assim fosse, não se alojava no organismo do ser humano.

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Certo é que as temperaturas baixas são propícias ao aumento das doenças respiratórias, até pelos comportamentos das pessoas, que se concentram mais em locais fechados, com pouca circulação de ar. Olhando para o exemplo de Portugal, as grandes vagas da pandemia registaram-se em fases de mais frio.

A infecciologista Ana Horta já o tinha explicado ao Observador, ao dizer que o clima pode não ser o único aspeto a considerar no momento de avaliar a evolução do vírus ao longo do tempo e de acordo com as estações. “É possível que o surto atenue [no verão], não por causa do vírus mas porque as pessoas estão mais afastadas, estão mais ao ar livre e menos próximas umas das outras.”

“Como deixamos de estar fechados no mesmo sítio, há menos capacidade de propagação através das partículas expelidas pela tosse ou espirros. Mas esse é apenas um dos muitos fatores a considerar”, explicou a especialista. É isso que explica a opção por medidas de maior controlo, do ponto de vista sanitária — os confinamentos  foram um exemplo disso, mas também a obrigatoriedade do uso de máscaras em determinados espaços públicos.

Também o infecciologista Jaime Nina, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), tinha explicado que o vírus parece ficar inativo a 60ºC e no tempo seco. “Se os fervermos ou, pelo menos, submetermos a temperaturas entre os 60ºC e os 65ºC durante algum tempo, eles morrem. Também prosperam melhor quando não há humidade, por isso, dão-se mal com a humidade. E isso torna-os mais sensíveis aos nossos verões e ao clima mediterrânico”, realçou.

Estas temperaturas não são comparáveis com a meteorologia, mas através destes exemplos e testemunhos é possível perceber que não se pode afirmar que “a Covid desaparece com o tempo quente”, tendo em conta que é preciso apontar para os 60 graus para que o vírus morra. A doença já sobreviveu ao verão de 2020 e de 2021 e, mais do que em Portugal, a presença do mesmo em países com climas mais que quentes, como é o caso de algumas zonas do Brasil, demonstra que essa conclusão não pode ser considerada válida.

A diminuição de casos de Covid-19 no verão nunca pôs fim à pandemia, tanto que sempre se registaram novos contágios, independentemente dos meses do ano ou do clima. O que prova também que o vírus não reaparece no inverno, apenas há mais propagação devido aos fatores acima referidos.

Conclusão

É verdade que, mesmo cientificamente, chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de o novo coronavírus não sobreviver a temperaturas altas (e de o verão de 2020 poder ser o fim da pandemia). Mas rapidamente se percebeu — tanto através de estudos como de evidências empíricas em vários países — que o SAR-CoV-2 não podia ser travado apenas com altas temperaturas. Aliás, os especialistas explicam que é normal que haja uma descida de casos nesse período, mas essa redução estará relacionada com os comportamentos das pessoas — que são diferentes no inverno e no verão — e não com o vírus. Portanto, é errado dizer que “a Covid desaparece com o tempo quente”.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

 FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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