Nos últimos dias, tornou-se viral nas redes sociais um vídeo de 11 segundos que alega que a diretora do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirmou que mais de 75% das mortes por Covid-19 no país foram de pessoas que “tinham pelo menos quatro comorbilidades”. O vídeo foi largamente partilhado por grupos e órgãos de comunicação social norte-americanos conservadores, que sugeriam que, afinal, a Covid-19 só causa morte a pessoas com doenças associadas. Mas a informação é enganadora porque lhe falta contexto: Rochelle Walensky referia-se a um estudo sobre pessoas vacinadas contra a Covid-19 e não à população em geral.

Vamos aos factos. Numa entrevista no programa “Good Morning America”, da ABC News, a diretora do CDC falou sobre um estudo que concluiu que mais de 75% das mortes associadas à Covid-19 dentro de um grupo de pessoas vacinadas contra a doença ocorreram em indivíduos que tinham pelo menos quatro comorbilidades. O objetivo de Rochelle Walensky era destacar a eficácia das vacinas. A entrevista ocorreu a 7 de janeiro de 2022 e o canal divulgou o excerto editado em questão sem o devido contexto (a referência ao estudo).

Vários utilizadores de redes sociais partilharam depois as imagens, que se tornaram virais. Neste vídeo, de apenas alguns segundos, a especialista diz simplesmente: “A esmagadora maioria de mortes, mais de 75%, ocorreu em pessoas que tinham pelo menos quatro comorbilidades. Por isso, eram pessoas que já não estavam bem.”

Tal deu origem à publicação alvo de análise neste Fact Check, no Facebook.

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Ou seja, falta o contexto do estudo e, por isso, as declarações da diretora do CDC estão a ser mal interpretadas e distorcidas. Este utilizador de Facebook sugere que a severidade da Covid-19 está a ser exagerada e que o vírus só causa a morte a pessoas com doenças associadas.

É dado a entender que Rochelle Walensky se estava a referir a toda a população em geral, e não apenas ao grupo de pessoas vacinas que participaram no estudo. No oráculo do vídeo pode, ainda assim, ler-se: “Novo estudo descobre que doença grave é rara em pessoas vacinadas (contra a Covid-19).”

Também o filho do antigo presidente dos Estados Donald Trump, Donald Trump Jr., divulgou a informação sem o devido contexto no Twitter. “75% de ‘mortes Covid’ ocorreram em pessoas com pelo menos quatro comorbilidades, de acordo com o CDC”, escreveu.

Mais uma vez, a referência ao estudo não é feita. O mesmo aconteceu nas redes sociais de vários comentadores políticos conservadores e apresentadores de televisão. Tal levou a que o Twitter colocasse um aviso de desinformação no vídeo em questão (como é possível ver aqui).

A partilha constante das declarações descontextualizadas da diretora do CDC levou também a ABC News a divulgar a entrevista na íntegra no YouTube no dia 10 de janeiro, com uma nota no final: “Este vídeo foi atualizado para incluir uma versão mais longa da entrevista no Good Morning America com a diretora do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, Rochelle Walensky. Uma versão mais curta foi transmitida na sexta-feira, 7 de janeiro”.

Eis a pergunta e a resposta em causa (a partir dos 2:33). Assinalado a negrito está a o excerto que deu origem ao vídeo de 11 segundos. Analisando a conversa na íntegra, percebe-se a importância do contexto e da referência ao estudo.

Jornalista: “Queria fazer-lhe uma pergunta sobre as notícias encorajadoras que estamos a divulgar esta manhã, sobre o novo estudo que mostra o quão bem as vacinas estão a funcionar em prevenir doença grave. Tendo isto em conta, está na altura de começarmos a repensar a forma como vivemos com o vírus e que ele pode ter vindo para ficar?”.

Diretora do CDC: “É um estudo muito importante. Se me permite resumi-lo, trata-se de um estudo com 1,2 milhões de pessoas que foram vacinas entre dezembro (de 2020) e outubro (de 2021) e que demonstra que a doença grave ocorreu em cerca de 0,015% das pessoas que receberam as duas doses. E a morte ocorreu em 0,003% deste grupo. A esmagadora maioria de mortes, mais de 75%, ocorreu em pessoas que tinham pelo menos quatro comorbilidades. Por isso, eram pessoas que já não estavam bem. E, sim, são notícias encorajadoras no contexto da Ómicron. Mostra a importância de receber as duas doses e também a dose de reforço da vacina. E sim, estes resultados dão-nos esperança.”

O estudo do CDC concluiu assim que a doença grave ou morte foram desfechos raros no grupo de pessoas que receberam as primeiras duas doses de vacinas mRNA envolvidas no estudo. Em 1,2 milhões de pessoas, 36 morreram vítimas de Covid-19. Os fatores de risco em causa eram a idade (ter mais de 65 anos) ou ter um sistema imunitário mais fraco. De acordo com a investigação, todas as pessoas que desenvolveram doença grave tinham pelo menos uma doença associada. E 28 das vítimas mortais (ou 78%) tinham pelo menos quatro.

Conclusão

É falso que a diretora do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos tenha desvalorizado a severidade da Covid-19 ao sugerir que o vírus só causa doença grave e/ou morte a pessoas com doenças associadas. A desinformação surgiu com a partilha viral de um vídeo de 11 segundos utilizado por grupos conservadores norte-americanos para distorcer as declarações de Rochelle Walensky.

Contudo, ao analisar a entrevista em causa na íntegra, fica claro que a especialista estava a falar com base num estudo sobre pessoas vacinadas contra a Covid-19 e não da população em geral.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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