Em janeiro, foram divulgados centenas de e-mails que o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas norte-americano enviou e recebeu logo no início da pandemia. Desde esse momento, têm-se multiplicado informações retiradas de contexto nas várias redes sociais.

Os e-mails de Anthony Fauci foram divulgados na íntegra pelo The Washington Post e o Buzzfeed, que tiveram acesso a centenas de mensagens ao abrigo da Lei da Liberdade de Informação. E mostram o ritmo de trabalho de Fauci nessa altura, quando tentava responder a todas as dúvidas que chegavam, assim como resolver todos os problemas com que se deparou na luta contra a Covid-19 nos Estados Unidos. O diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas recebia cerca de mil emails por dia de colegas, administradores de hospitais, governos estrangeiros e até de desconhecidos, que lhe escreviam pedindo conselhos, ajuda ou simplesmente para lhe agradecer o trabalho realizado.

Umas dessas publicações que circula nas redes sociais elenca mesmo oito alegadas lições obtidas através da leitura dos e-mails que conduzem a uma mensagem final: “Retire a máscara” (tradução livre do inglês “Take your mask off”). Entre essas alegações está a de que a Covid-19 foi criada, ou seja, teve intervenção humana em laboratório. Há outras publicações semelhantes que afirmam que “Fauci sabia que o vírus tinha sido inventado” ou que “o colega cientista de Fauci percebeu logo no início que o (coronavírus) parecia fabricado”.

Mas, olhando para os e-mails de Fauci, eles provam mesmo que o novo coronavírus que causou uma pandemia mundial foi criado em laboratório?

Segundo o site Factcheck.org, o e-mail que está a conduzir a esta conclusão foi enviado a 31 de janeiro de 2020 a Fauci por Kristian G. Andersen, professor de imunologia e microbiologia no Instituto Scripps Research e que estudou as origens da SARS-CoV-2. O próprio Andersen já veio entretanto esclarecer, vida rede social Twitter, o que disse.

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“Como já disse muitas vezes, considerámos seriamente um vazamento de laboratório como uma possibilidade. No entanto, novos dados significativos, análises extensas e muitas discussões levaram às conclusões que estão no nosso estudo. O que o e-mail mostra é o claro exemplo do processo científico”, disse num tweet de 1 de junho, deste ano de 2021.

No e-mail enviado a Fauci, Andersen escrevia que ele e os colegas, Eddie, Bob e Mike, ao fazerem uma árvore filogenética, consideraram que o vírus parecia normal, num agrupamento próximo aos morcegos, sugerindo que estes animais seriam o seu reservatório. No entanto, existem algumas características pouco comuns no vírus que os levavam a fazer mais análises. “As características incomuns do vírus constituem uma parte realmente pequena do genoma (<0,1%), é preciso olhar bem de perto todas as sequências para ver se algumas das características (potencialmente) parecem projetadas”, escreveu Andersen.

Temos uma boa equipa alinhada para olhar para isto de forma muito crítica, pelo que devemos saber muito mais no final do fim de semana. De referir que, após as discussões de hoje, Eddie, Bob, Mike e eu consideramos o genoma inconsistente com as expectativas da teoria da evolução. Mas temos que olhar para isso muito mais de perto e ainda há mais análises a serem feitas. Estas opiniões ainda podem mudar”, acrescentou.

Ou seja, Andersen explicou que havia algumas características do vírus que eram pouco comuns e que podiam indicar que ele teria sido criado. Já a 17 de março de 2020, quase dois meses depois, ele e um conjunto de cientistas acabariam a publicar um artigo científico na Nature Medicine com as suas conclusões já revistas depois de fazerem uma análise comparativa dos genomas do vírus. E concluíram que  no genoma e na estrutura molecular do SARS-CoV-2 havia pistas que comprovavam, afinal, que o vírus tinha origem natural e que tinha sido transmitido de um animal para o humano, sem a intervenção de terceiros.

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Perante as suspeitas que têm sido levantadas em relação aos e-mails trocados com Fauci ainda antes da publicação do artigo científico, Andersen já veio entretanto dar outras justificações: “É apenas ciência. Chato, eu sei, mas é uma coisa muito útil em tempos de incerteza ”, disse. “Este é um exemplo clássico do método científico em que uma hipótese preliminar é rejeitada em favor de uma hipótese concorrente à medida que mais dados se tornam disponíveis e as análises são concluídas”, concluiu também no Twitter a 4 de junho.

A verdade é que como sugere o próprio Andersen, esta pode não ser uma resposta definitiva, à medida que vão surgindo novos dados. Aliás, dias antes desta sua publicação, a própria Organização Mundial da Saúde pedia que se fizesse uma nova investigação independente à origem do vírus para perceber se ele tinha ou não sido criado em laboratório. Isto mais de um ano depois do estudo em que Andersen participou. Semanas mais tarde, a OMS viria a chegar à mesma conclusão que ele: não há evidências que tenha sido fabricado — uma conclusão que, aliás, também nunca convenceu o próprio Fauci.

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Conclusão

Não se pode depreender dos e-mails trocados com Fauci que o SARS-COV2, que deu origem à pandemia, tenha sido fabricado em laboratório, embora essa tenha sido uma hipótese estudada pelos cientistas, como aliás veio justificar um deles em várias publicações na rede social Twitter. Tal como o próprio Kristian G. Andersen explicou, as hipóteses fazem parte do método científico, o que não significa que sejam depois provadas.

E, de facto, apesar das características pouco comuns encontradas no vírus, ele e a sua equipa não conseguiram concluir no estudo científico que conduziram que o vírus tivesse sido criado por intervenção humana (fosse ela acidental ou intencional). Os e-mails trocados com Fauci, ainda antes das conclusões do estudo, mostram que de facto essa era uma hipótese remota, que tinha sido melhor estudada, mas que depois não foi confirmada — como mostra o estudo científico publicado dias depois.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de f checking com o Facebook.

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