Perante uma praça relativamente preenchida — considerando que se tratava de uma manifestação em contexto de pandemia —, um dos participantes da manifestação do movimento “A Pão e Água”, promovida na última sexta-feira, pegou no microfone, posicionou-se no púlpito e fez-se ouvir através do sistema do som instalado junto à Câmara Municipal do Porto. A ideia de que “os hospitais estão a receber 43.400 euros para dar um óbito de Covid” e de que há “enfermeiros a ganhar 3 mil euros por dia a fazer testes [de despistagem do novo coronavírus], 90 mil euros por mês” foram apenas algumas das informações falsas proferidas pelo manifestante. Desprovida de rigor, a intervenção rapidamente começou a circular nas redes sociais, condensada num vídeo de pouco mais de um minuto.

As duas passagem surgem perto do final do excerto, que deixou de estar disponível, sendo possível consultar as reações ao mesmo — as palavras foram, ainda assim, ouvidas por dezenas de manifestantes e partilhadas outras dezenas de vezes no Twitter ao longo da semana. Os supostos benefícios para hospitais e enfermeiros são apresentados já depois de o protagonista garantir que o “[novo corona]vírus se acaba no mesmo minuto em que se apagar a televisão” e de sugerir que não houve, até ao momento, qualquer morte que se tivesse ficado a dever aos efeitos da Covid. Num ano, recorde-se, morreram até à manhã desta quinta-feira 16.617 pessoas vítimas da doença provocada pelo novo coronavírus.

É a meio da intervenção que o manifestante lança a primeira “revelação” referente ao universo sanitário em Portugal. Sem revelar a origem da informação que partilha ao microfone, o homem garante que “os hospitais estão a receber 43.400 euros para dar um óbito de Covid” (sic). Não é claro a que hospitais se refere.

A propósito deste ponto, o Observador pediu esclarecimentos a dois organismos diferentes: ao Ministério da Saúde e à Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH). De um lado e do outro, a resposta é clara: não há qualquer tipo de contrapartida financeira pela declaração de um óbito relacionada com a Covid-19.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O ministério de Marta Temido “desconhece e refuta a existência de qualquer iniciativa de apoio/incentivo aos hospitais em função das declarações de óbito, seja de vítimas de Covid-19, ou de qualquer outra circunstância que envolva o óbito”, refere a tutela. De forma mais telegráfica, Alexandre Lourenço, presidente da APAH, garante que “não” está em vigor qualquer tipo de financiamento em função dos óbitos, sejam eles declarados por mortes por Covid-19 ou por outro motivo.

Quanto ao segundo ponto verificado na intervenção daquele manifestante — enfermeiros responsáveis por realizar testes de deteção do novo coronavírus com uma remuneração diária de 3 mil euros —, as respostas vão no mesmo sentido.

“Da mesma forma se desconhece qualquer iniciativa que permita a remuneração de enfermeiros especificamente para ‘fazer testes’ de deteção do novo coronavírus, pelo que se refuta a afirmação de que no SNS possam existir enfermeiros a auferir 3 mil euros/dia especificamente para ‘fazer testes’ de deteção do novo coronavírus”, refere o Ministério da Saúde. “Impossível”, remata Alexandre Lourenço.

A única compensação que o Ministério da Saúde criou, no âmbito da pandemia, foi o “prémio de desempenho”. Trata-se de uma gratificação salarial — que também já foi alvo de desinformação verificada pelo Observador — dirigida aos profissionais de saúde que estão na linha da frente do combate contra a pandemia. Mas os valores em causa não se aproximam minimamente dos referidos na intervenção proferida na manifestação do movimento “A Pão e Água”.

Conclusão

Duas afirmações erradas: nem os enfermeiros estão a receber 3 mil euros por dia para “fazer testes” de deteção do novo coronavírus nem os hospitais recebem uma bonificação de 43.500 euros por cada declaração de óbito em que a causa para a morte seja atribuída à Covid-19.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

IFCN Badge